O mal-estar docente e a educação na sociedade do conhecimento

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Vivemos numa sociedade marcada por inúmeras transformações conjunturais e estruturais, a tecnologia vem destruindo as bases da sociedade industrial e construindo uma nova sociedade, os relacionamentos estão sendo repensados, a economia está alterando seus paradigmas, a produção de riqueza está passando por mudanças, as famílias estão em constantes modificações depois de séculos de modelos centrados no paternalismo e na figura do homem como agente central, a educação se modifica e os professores, mesmo ganhando um novo status nesta nova sociedade, se encontram marcado por novos traumas e desafios transformadores, o sonho de reflexão crítica e construtiva vem sendo repensado pelas novas forças que comandam a sociedade de consumo, as forças do capital, da acumulação e do poder financeiro.

Despois de séculos vendo a educação ser tutelada por interesses políticos mesquinhos e imediatos, inicialmente centrados nos poderes da religião e de um Deus materializado, marcados pela força de uma Igreja retrógrada e interessada nos recursos financeiros destinados pelos nobres e imperadores, a educação passa a ser utilizada como forma de construção de uma força de trabalho especializada, onde os indivíduos são reduzidos apenas a uma formação mercantil, se contentando com um aprendizado técnico e medíocre, baseado na reprodução dos lucros e interesses das camadas mais aquinhoadas da sociedade, os capitalistas.

Este modelo educacional contribuiu decisivamente para o fortalecimento e consolidação do capitalismo industrial, auxiliou no crescimento das cidades e melhorou as condições sociais da sociedade, desenvolvendo a ciência e construindo a figura dos pesquisadores, dos cientistas e da união entre o capital e a ciência, união esta fundamental para a descoberta de novas tecnologias, remédios e produtos de grande relevância para os indivíduos.

As mudanças no capitalismo contemporâneo, de bases industriais para uma sociedade centrada no conhecimento e na informação, gerou grandes indagações e preocupações, nesta nova sociedade o conhecimento se transformou no ativo central para os indivíduos e para as nações, obrigando as empresas e os governos a investirem mais recursos na capacitação e qualificação dos trabalhadores, sem estes investimentos os países tendem a perder espaço nesta nova sociedade.

A nova sociedade exige novos trabalhadores, mais rápidos e flexíveis, dotados de uma grande capacidade de aprender, de buscar novas informações, de empreender e de criar, gerando novos negócios e empreendimentos, estas habilidades exigem dos novos trabalhadores uma formação diversificada, estudar uma área específica e depois buscar conhecimentos em outras áreas é essencial, com tudo isto, o papel do professor passa a ser, cada vez mais estratégico, na sociedade do conhecimento o professor se torna um ativo fundamental, cabe a ele estimular os alunos a busca constante dos conhecimentos, cabe a ele a busca constante por qualificações, cursos e aprendizados, exigindo uma boa remuneração e uma boa dose de amor e dedicação.

Depois de mais de duas décadas participando ativamente da educação superior, como professor e pesquisador, algumas informações relevantes conseguimos angariar, a educação apesar de fundamental para o futuro da sociedade, os brasileiros ainda não perceberam o senso de urgência de investir nesta área estratégica para o mundo contemporâneo, inúmeros são os desafios, desde uma péssima qualificação dos professores e coordenadores, passando por salários baixos e cargas de trabalho extenuantes e desgastantes, até cobranças excessivas e desmotivadoras, o cérebro da revolução do século XXI, os professores, estão em grave crise de identidade afetando, com isso, as escolhas e os projetos do país na sociedade do conhecimento.

Enquanto o tema educação é discutido exaustivamente nas campanhas eleitorais em países desenvolvidos e civilizados, já que são discussões estratégicas para a sociedade contemporânea, no Brasil as discussões giram em torno de questões pouco importantes e desnecessárias, tais como as discussões de gênero, liberalização do porte de armas e  redução da maioridade penal, discussões também importantes, mas que devem ser feitas em contextos específicos e engajar os vários grupos sociais, sem ressentimentos e rancores políticos e ideológicos.

O professor no Brasil contemporâneo perdeu status e relevância social, antigamente os filhos das classes médias eram recrutados para a tarefa de ser professor, os salários eram atrativos e os estudos eram estimulantes e extenuantes, obrigando-os a uma constante dedicação e disciplina, pessoas com base cultural oriundas de setores culturalmente mais sólidos abraçavam a docência com esmero e com sentimentos nobres, vendo-a como um eixo fundamental para a consolidação das futuras gerações, atualmente a docência atrai apenas os grupos sociais menos dotados de conhecimento e estrutura cultural, o salário é baixo e a carga horária excessiva, além de todos estes percalços, os professores do Brasil contemporâneo ainda precisam fazer uma gama variada de serviços, desde trabalho não remunerado de secretaria, passando por atendimentos psicológicos e emocionais e ainda mediação de conflitos entre famílias desequilibradas e desajustadas e professores despreparados e desanimados, um verdadeiro universo que consome uma parte considerável de seu tempo e energias, levando-os a dedicar uma pequena parte de seu tempo para seus filhos e familiares e, com isso, vendo sua família corroída por desequilíbrios e desajustes modernos e variados.

Os baixos rendimentos obrigam os professores a se desdobrar em várias escolas, obrigando-os a perder uma parcela de seu tempo se locomovendo de uma instituição para outra, muitos saem de casa ao amanhecer e voltam no final do dia, levando-os a perder um período importante do tempo com seus familiares e amigos próximos, aumentando as dores emocionais e os medos contemporâneos.

A busca constante por qualificação os obriga a cursos variados, especializações, MBAs, mestrados e doutorados, as instituições querem os profissionais prontos e dedicados, capacitados para as atividades docentes, serenos e dedicados aos alunos  e abertos ao conhecimento, as exigências são imensas e variadas, querem muito e não estão interessados em pagar os salários que estes profissionais merecem, muitos deles deixam de fazer mestrados e doutorados por medo de serem desligados destas instituições que usam como critérios apenas valores monetários e deixam de lado a contribuição destes profissionais para a formação dos alunos e o nome da instituição.

Os alunos entram nas faculdades e universidades deslumbrados, muitos acreditam que só de adquirir um diploma de nível superior seu emprego estará garantido e seus problemas profissionais e financeiros estarão resolvidos, são alienados e despreparados para a vida, querem estudar, mas não muito, querem se divertir e muito, querem um emprego que pague bem e traga reconhecimento e não querem desembolsar uma mensalidade alta, obrigando as instituições a buscar, sem encontrar, o equilíbrio entre educação de qualidade e mensalidades baixos, mais uma dos trabalhadores e estudantes brasileiros que adoram cultuar a cultura do auto engano, somos campeões mundiais do jeitinho, acreditamos efetivamente que estamos a enganar os outros e demoramos muito para perceber, que os verdadeiros enganados somos sempre nós.

Recebemos alunos que terminaram o ensino médio em péssimas condições acadêmicas, a educação pública se encontra deteriorada, os conhecimentos são frágeis e a bagagem educacional é cada vez mais deficitária, com isso, percebemos que as faculdades e universidades particulares acrescentam pouco a este público mas, mesmo assim, conseguem agregar algum conhecimento a estes estudantes, tendo um papel social bastante considerável, embora sejam sempre contestadas e chamadas de fábrica de diplomas, o maior gargalo do ensino brasileiro está no início, nos ensinos médio e fundamental, estes setores recebem os menores investimentos do Estado e contribuem para a perpetuação do péssimo ensino que temos no Brasil, ensino este que nos condena a uma posição de pouca relevância da sociedade do século XXI.

O ambiente de  trabalho é marcado, na maioria das vezes, por uma competição exacerbada, aplaudimos em grupos de whatsApp as conquistas de outros profissionais mas, na maior parte das vezes, estamos nos remoendo de inveja e de ressentimentos, somos pouco afeitos as publicações científicas, escrevemos pouco ou quase nenhum artigo científico, participamos marginalmente de debates, projetos acadêmicos, iniciação científica e conversas mais estruturadas, gostamos mesmo é de conversar sobre motivos fúteis e pouco edificantes, principalmente quando falamos de futebol e política, onde todos são corruptos e despreparados,  criticamos a tudo e a todos e pouco falamos sobre nossa tendência a acomodação e a inércia destrutiva.

Vivemos em uma equação difícil de equilibrar, precisamos de alunos e precisamos tratá-los da melhor maneira possível, perdê-los pode nos levar ao desemprego e a redução de nossos rendimentos, levando-nos a uma condição de subalternidade aos nossos clientes, este é o novo status que os alunos conseguem nas escolas, o mérito e a eficiência acadêmica e a capacidade empreendedora  é deixada de lado e somos condenados a uma mediocridade cada vez maior e mais estruturada.

O Mal-estar docente é crescente, a remuneração cai consideravelmente, as perspectivas são desanimadoras, o crescimento do ensino a distância gera medo e preocupação, as regras ditadas pelo capital são alteradas todos os dias, o que valia ontem não mais é interessante, o Ministério da Educação (MEC) se exime das responsabilidade fiscalizadores e reguladoras e entrega seu poder para os grandes grupos privados, nacionais e estrangeiros, que crescem aceleradamente e dominam a educação brasileira, seu enfoque é o lucro imediato e suas preocupações estão limitadas aos seus ganhos financeiros e ao preço de suas ações negociadas nas Bolsas de Valores nacionais ou internacionais, mais uma vez estamos condenados a um futuro nebuloso, a educação vista como a solução dos graves problemas nacionais se transformou em uma grande fonte de ganhos, de lucro e de acumulação.

Diante deste ambiente degradado, o mal-estar docente do século XXI cresce de forma acelerado, percebemos uma classe cada vez mais desmotivadas e desanimada, trabalhasse cada vez mais e ganhasse cada vez menos, as exigências denigrem as atividades docentes e fazem com que os melhores alunos e melhores profissionais busquem novas ocupações, antigamente os melhores eram assediados e contratados pelo mercado financeiro, que os atraia com salários vultosos e condições de trabalho interessantes, na atualidade os melhores buscam inovar e construir suas próprias empresas, com isso as startups crescem de forma generalizada e ganham, cada vez mais, espaço na sociedade.

O Brasil precisa definir o que quer ser quando crescer, se pretende continuar como um país produtor de produtos primários de baixo valor agregado ou se pretende dar passos mais consistentes, a sociedade do conhecimento exige uma centralidade maior da educação, os modelos tradicionais centrados na robotização dos trabalhadores e na ausência de pensamento crítico perdeu relevância, a educação do século XXI exige um profissional mais dinâmico e empreendedor, dotado de rápido raciocínio e reflexão, os modelos tradicionais não mais respondem de forma assertiva estes desafios, a construção deste novo modelo será um dos maiores desafios na atualidade, sem este estaremos condenados a uma vida centrada na subalternidade e na mediocridade, onde a desigualdade tende a aumentar de forma exponencial e acelerada.

O professor pede socorro, a educação brasileira pede socorro, os modelos criados e mantidos pela sociedade perpetuam uma marginalidade crescente e uma desigualdade que coloca em xeque a profissão docente e a educação para o século XXI, estas indagações devem ser feitas e são salutares mas, é fundamental que, mesmo sabendo que os custos educacionais são altos e os resultados são demorados, faz-se importante entender e refletir, como disse o presidente da Universidade de Harvard, Derek Bok: “Se você acha a educação cara, experimente a ignorância”