Quarenta anos de baixo crescimento e desigualdades crescentes

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A economia brasileira vive um momento de grande inquietação, marcado por um período de baixo crescimento do produto interno bruto e um incremento da desigualdade e da pobreza, depois de anos de fortes perspectivas positivas, onde o Brasil era descrito como uma sociedade com alto potencial de desenvolvimento e maior presença na sociedade global, atualmente somos uma economia inexpressiva, perdemos espaços duramente conquistados anteriormente e com retrocessos marcantes em vários setores econômicos e produtivos.

O Brasil apresentou uma taxa de crescimento per capita de 4,5% ao ano, de 1950 a 1980, uma taxa extraordinária, se compararmos com os tristes 0,9% ao ano desde então, percebemos uma piora considerável na situação econômica e social do país, criando momento de desequilíbrios e constrangimentos crescentes. O país que se destacou na economia internacional no período posterior a segunda guerra mundial, se caracterizando como o segundo país em crescimento econômico, perdendo apenas para o Japão, perdeu de forma considerável seu motor de crescimento, jogando a economia num período de baixo crescimento, piora nas condições sociais e aumento na degradação da infraestrutura.

O Fundo Monetário Internacional compara o crescimento do Brasil com o dos demais países em desenvolvimento e com os países ricos: no período 1980-2018 “o crescimento do PIB per capita brasileiro foi de 0,9% ao ano, em média, enquanto as outras economias emergentes e as em desenvolvimento cresceram 3% e as economias desenvolvidas apresentaram crescimento de 1,7%”.

Depois de décadas de forte crescimento econômico e forte potencial de desenvolvimento, o país entrou em um ciclo de baixo crescimento e uma piora considerável nos indicadores sociais, com uma redução substancial na classe média, uma forte desindustrialização, uma piora nas condições de vida das cidades e uma situação política degradante e com forte potencial de devastação.

Enquanto, na década de 80, apresentávamos um produto interno bruto per capita duas vezes superior ao da Coréia do Sul, na atualidade o país asiático apresenta um PIB per capita duas vezes maior que o nosso, diante disso, percebemos que nossa sociedade adotou uma postura diferente dos sul coreanos e ficamos para trás na corrida do desenvolvimento econômico, somos um país de renda média sem perspectivas de ascensão para uma economia de alta renda, enquanto os sul coreanos avançaram rapidamente para a posição privilegiada de uma economia desenvolvida.

Nos anos 70/80, o Brasil aprofundou seu modelo de substituição de importação, mesmo depois dos fortes choques do petróleo e dos juros internacionais, que levaram a crise da dívida e a queda do crescimento, fechamos nossa economia, privilegiamos alguns setores mais influentes politicamente e criamos as reservas de mercado para nosso setor industrial, fortemente subsidiado e marcado por grandes e vultosas políticas protecionistas, acreditando que desta forma conseguiríamos alcançar um sucesso maior na corrida do desenvolvimento econômico   e na melhoria das condições de vida das camadas mais necessitadas.

Neste mesmo momento, os sul coreanos adotaram uma política diferente, optaram por uma abertura econômica planejada, fortes investimentos em tecnologias, redução dos subsídios, prudência fiscal, depreciação da moeda para incrementar as exportações e uma reorientação na estratégia de crescimento, que passou de industrialização baseada na substituição das importações à industrialização baseada na exportação de manufaturados, com isso, os asiáticos passaram a ganhar espaços preciosos no comércio internacional, atraindo novos investimentos produtivos e investindo fortemente em capital humano, alcançando melhorias consideráveis para sua população.

Depois de anos de forte crescimento econômico, percebemos grandes conglomerados sul coreanos concorrendo em setores de alta tecnologia e automóveis, com as empresas Samsung, LG, Hyundai e Kia, quatro grandes empresas que concorrem em mercados internacionais de ponta, contrastando com a inexistência de empresas brasileiras nestes setores, as que temos apresentam-se como empresas produtoras de produtos primários, como a Petrobrás e a Vale.

Enquanto o país asiático aumentou fortemente os investimentos em educação, transformando-a em sua prioridade central, revendo políticas ultrapassadas, melhorando a formação dos professores, aumentando a atratividade da carreira docente, introduzindo instrumentos de avaliação e aproximando as escolas e universidades das empresas, com isso, impulsionaram as pesquisas científicas e melhoraram os ambientes de aprendizados, o resultado foi uma forte melhoria no sistema educacional e um avanço nas avaliações internacionais, colocando os alunos do país nas melhores colocações do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (PISA), realizado a cada três anos pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O modelo de substituição de importação gerou crescimento em muitos países e regiões, o Brasil foi um exemplo exitoso deste crescimento acelerado no período 1950-1980, depois deste período esbarrou nas limitações do mercado interno, um mercado fortemente marcado pela concentração de renda e oligopolizado, que impedem economias de escala e a especialização, essenciais para a manutenção do crescimento. Alguns países transformaram seu modelo, saindo da substituição de importação e passando para um enfoque maior nas exportações, com redução de tarifas de importação e taxas de câmbio apreciada e com mais estabilidade, sem grandes flutuações. Depois passaram a impulsionar o crescimento baseado no mercado doméstico, depreciando a moeda e ganhando mercados internacionais e no desenvolvimento tecnológico, como fizeram Coréia do Sul, Japão e China.

O Brasil seguiu um caminho diferente dos sul coreanos, ao invés de iniciar um novo modelo de industrialização, optou por aprofundar o modelo construído anteriormente, lançando, nos anos 70, a segunda fase do programa de substituição de importações, baseados em bens de capitais, energias e insumos industriais, aumentando as barreiras às importações, mantendo a moeda apreciada e introduzindo políticas fiscais fortemente expansionistas, que resultaram numa piora da situação econômica e na perda do dinamismo produtivo, com graves desequilíbrios sociais e políticos, lembremos que, nesta época vivíamos em um país autoritário governado por militares, baseado num regime iniciado com o golpe de 1964, cuja discussão política inexistia.

Com relação ao Brasil, percebemos uma considerável piora nas condições econômicas do país depois de 1980, diante disso, economistas independentes e organizações internacionais passaram a discutir a situação brasileira, de uma economia marcada por forte crescimento econômico no período 1950-1980, que colocou o país na vanguarda, com grandes perspectivas de desenvolvimento econômico e pretensões hegemônicas, como este crescimento não se efetivou, o  país se transformou em uma economia periférica envolta em variados problemas econômicos e conflitos políticos e sociais, afastando-nos do crescimento econômico almejado e, principalmente, do desenvolvimento, sonho tão alentado em períodos anteriores.

O Fundo Monetário Internacional (FMI), lançou um livro recentemente intitulado “Brazil: boom, bust, and the Road to Recovery” com uma análise de economistas da instituição e acadêmicos brasileiros, nesta publicação, o Fundo propõe uma série de iniciativas de politica econômica, divididas entre aquelas voltadas para o equilíbrio de curto prazo (aperfeiçoar o tripé macroeconômico de 1999, incluindo a autonomia formal do Banco Central, aprofundar a consolidação fiscal, algo que requer a aprovação da reforma da Previdência), além de medidas de longo prazo, como melhorar a competitividade da economia brasileira, simplificar o sistema tributário, aumentar a eficiência do mercado de crédito, reformar o mercado de trabalho, promover a abertura da economia brasileira, combater a corrupção e melhorar a infraestrutura, redução da burocracia, todas estas medidas são vistas como medidas liberais que darão impulso ao sistema econômico e produtivo.

As medidas liberais, ou neoliberais, são bastante atrativas e, vistas de uma forma geral, tendem a convencer os incautos muito rapidamente, algumas delas se caracterizam por uma grande transformação na economia e, nesta transformação, graves desequilíbrios em indicadores sociais, aumento da pobreza e incremento da desigualdade. Estes impactos negativos acontecem porque grande parte dos setores econômicos e produtivos apresentam grandes dificuldades para competir no mercado externo, sobrevivem graças a incentivos e subsídios governamentais crescentes, para isso se utilizam de suas políticas de fortes lobbies, garantindo os benefícios e transferindo aos consumidores nacionais produtos com preços elevados e de menor qualidade quando comparados a similares internacionais.

Como destaca Bresser Pereira, considerado por muitos economistas liberais como um jurássico: “A solução liberal é impensável; falta ao liberalismo econômico a ideia de nação e a capacidade de combinar de forma equilibrada a coordenação econômica do mercado (insubstituível quando este é competitivo) e a do Estado, imprescindível para os setores não competitivos e para os cinco preços macroeconômicos que o mercado não tem capacidade de coordenar. A solução desenvolvimentista é uma alternativa, mas desde que não seja desfigurada pelo populismo fiscal ou por pura incompetência”.

O Brasil não conseguiu garantir um amplo crescimento de sua produtividade, manteve durante muitos anos o modelo de substituição de importação, além de insistir neste modelo quando outros países o tinha abandonado, não investiu a contento na educação e capacitação de sua mão de obra, fechou sua economia e adotou políticas com reserva de mercado para setores ineficientes e de baixa produtividade, além disso adotou uma política de câmbio apreciado para controlar a inflação galopante herdada dos governos militares e, com isso, gerou graves constrangimentos ao setor industrial, que chegou a representar 28% do produto interno bruto e, na atualidade, está na casa dos 11%, um setor importante que sempre gerou bons empregos e potencial de crescimento tecnológico, com esta política cambial os empregos foram gerados em outras economias.

Outro ponto fundamental nesta equação da perda de importância da economia brasileira na economia global, foi a ausência da abertura econômica, o país protegeu de forma excessiva sua estrutura produtiva levando-a a ineficiência, vide como exemplo a indústria automobilística e a indústria dos computadores, setores fortemente protegidos e com baixa capacidade de competição no mercado internacional, ao contrário dos congêneres sul coreanos. Estes setores são importantes para a economia mundial, em ambos o Brasil apresentou bons potenciais de competitividade em décadas anteriores, mas, infelizmente ao se fechar e adotar políticas protecionistas, condenou-os a uma reserva de mercado atrasada e fortemente corporativista, os resultados estão mais nítidos nos dias atuais, sem concorrência nossa economia não vai conseguir ganhar mercado, não estamos defendendo uma abertura acelerada, mas uma política compactuada com os setores, uma redução das alíquotas em 4 ou 5 anos, acompanhada por uma depreciação compensatória, investimentos maciços em infraestrutura e controle dos monopólios no setor de serviços.

Esta abertura econômica pactuada e planejada com os setores produtivos deve priorizar novos acordos comerciais, impulsionando acordos além dos estabelecidos no âmbito do Mercosul, que em anos anteriores vem sendo desprestigiado devido as crises dos países membros, buscar novos acordos e definir um interesse mais efetivo para os mercados externos tende a costurar novos espaços para nossos produtos e para nossos setores econômicos e produtivos, gerando mais empregos e uma maior atração de moedas conversíveis.

A economia brasileira pode ser descrita como uma economia muito fechada, a razão de comércio exterior sobre o produto interno bruto está próxima da 25%, enquanto economias emergentes grandes e dinâmicas, como a China e a Índia, apresentam razões próximas a 40%, mesmo defendendo uma abertura econômica, faz-se necessário um gradualismo, um planejamento e a construção de uma agenda clara de competitividade, sem isto, a abertura tende a gerar constrangimentos maiores e desnecessários.

A temática fiscal é de suma importância para entendermos nosso atraso econômico, como nos explicou o economista britânico J. M. Keynes, a estabilidade macroeconômica requer austeridade fiscal durante expansões econômicas, e expansão fiscal em períodos de contração ou estagnação, nesta questão percebemos que o Brasil adotou um caminho oposto, adotamos políticas fiscais expansionistas quando não eram necessárias e austeridade quando a expansão era necessária, esta austeridade vem sendo adotada desde 2015 e os resultados não estão sendo nada positivos para a estrutura econômica e produtiva.

A direita liberal, que sempre se declarou mais racional e dominada pela razão econômica, na atualidade reflete apenas os interesses dos rentistas e financistas e os interesses estrangeiros, isto nos ajuda a compreender os ganhos astronômicos dos bancos e setores financeiros em uma sociedade destruída pelo baixo crescimento econômico e pelo incremento do desemprego. Já as esquerdas, que sempre defenderam, ou acreditaram defender, que se guiavam pela justiça, mas justiça sem desenvolvimento econômico é a perpetuação da miséria dos pobres e a emigração dos filhos da classe média educada para onde haja emprego.

O Brasil apresenta inúmeros problemas descritos por muitos teóricos e intelectuais como problemas econômicos, nossa economia apresenta algumas limitações, a superação destes problemas e constrangimentos só se efetivará com a construção de um projeto nacional que inclua todos os setores da sociedade, sem este projeto nos aproximaremos de uma fala clara e precisa do nosso maior economista, Celso Furtado, na despretensiosa obra O longo Amanhecer “em nenhum momento de nossa história foi tão grande a distância entre o que somos e o que esperávamos ser”.

O livro descrito acima, “Brazil: boom, bust, and the Road to Recovery publicado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), nos traz inúmeras contribuições para a superação do atraso econômico brasileiro posterior aos anos 1980, nele encontramos várias lições para fazer com que o Brasil volte a crescer de forma acelerada, saber estas lições são fundamentais e relevantes para o futuro da economia brasileira, mas insuficientes, também são necessários uma liderança forte e um compromisso inabalável, ancorados em um senso de responsabilidade e parceria entre todos os grupos interessados (stakeholders)”. Este nos parece um grande problema no momento, os governantes atuais carecem de envergadura para compreender, de forma clara, os grandes desafios a que foram ungidos, sem este reconhecimento estaremos condenados a mais alguns anos ou décadas de baixo crescimento e de piora nos indicadores sociais.