Mariliz Pereira Jorge, Jornalista e roteirista
Folha de São Paulo, 08/10/2025
Se você se preocupa com sua saúde mental, não está sozinho. Virou o nosso check-up diário. Dormiu mal? Ansiedade. Não rendeu? Burnout. Mas o que parece modismo é, na verdade, um diagnóstico coletivo, uma questão que segue como o principal temor no país, superando câncer e outras doenças. Em 2024, 54% dos brasileiros já apontavam o tema no topo, tendência que se mantém na nova leva de dados da Ipsos —a média global é de 45%.
O salto é vertiginoso: de 18% em 2018 para o patamar atual. O ponto de virada veio com a pandemia —não só pelo vírus, mas por uma nova realidade: o trabalho invadiu a casa, a solidão virou rotina, empreender é a palavra da década, o sofrimento é o status normal. No meu círculo de amizades, estranho é quem não enfrenta algum grau de depressão, pânico, distúrbios, transtornos. Não deixa de ser sinal de loucura que a conversa sobre medicações, crises e tratamentos seja natural.
O tabu diminuiu porque as doenças mentais são democráticas. As mulheres declaram mais angústia; os homens, ironicamente, aparecem com maior frequência nas estatísticas fatais. E, de lá para cá, nasceu uma nova paisagem emocional: gerações mais jovens chegam à vida adulta mais alertas para o próprio despencar. Talvez por isso, estejam mais dispostas a nomear o que dói.
E o cotidiano só aduba o mal-estar: trabalho que invade a madrugada, renda incerta, boletos em fila, comparação infinita no feed. A conta fecha no corpo: insônia, palpitação, cansaço que não descansa.
Enfrentar essa epidemia de sofrimento exige pactos miúdos (sono, rotina, conversa, menos tela) e pactos coletivos (proteção social, escola que acolhe, empresa que não transforma gente em meta). Para atravessar, menos heroísmo solitário e mais rede: pedir ajuda sem culpa, oferecer ajuda sem julgamento.
Para alguém que, como eu, trata uma depressão há 11 anos, é um alento ver que os transtornos mentais saíram da margem e ganharam nomes, rostos, identificação. Mas, sem política e cuidado, tudo vira uma conversa solitária, um pedido de socorro que fica sem resposta.