Marcos Lisboa, Economista, ex-presidente do Insper e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005, governo Lula).
Folha de São Paulo, 09/11/2025
Nos últimos 250 anos, houve uma revolução na vida cotidiana. Até o fim do século 19, a expectativa de vida nos países mais ricos era perto de 40 anos. A cesta de consumo de uma pessoa de renda média nesses países custaria cerca de R$ 10 por dia em valores atuais.
Pouco mais de dois séculos depois, a expectativa de vida dobrou nas principais economias e a renda por habitante multiplicou cerca de 50 vezes, em alguns casos ainda mais.
Estudar as causas desse fenômeno foi um dos temas fundadores da economia. Nos últimos 30 anos, houve avanços nessa agenda de pesquisa, que resultaram em vários Prêmios Nobel de Economia, inclusive o deste ano, conferida a Joel Mokyr, Philippe Aghion e Peter Howitt.
O desenvolvimento ocorreu nos diversos países, mas de forma desigual. Ele se inicia na Inglaterra e na Holanda no fim do século 18, se espalha pelos Estados Unidos, depois na Europa ocidental do Norte e, mais tarde, na América Latina. O restante da Europa e o sudoeste da Ásia tiveram desempenho impressionante desde 1990.
Robert Fogel, Nobel de 1993, e Angus Deaton, Nobel de 2015, mostram como os avanços são impressionantes, porém esse processo não é homogêneo, nem linear. No começo do século 19, por exemplo, parte da população urbana da Inglaterra apresentou indícios de perda da qualidade de vida, com redução da altura média e aumento dos índices de mortalidade.
A imensa migração dos campos para as cidades e a falta de políticas públicas resultaram nessa piora temporária.
Em algumas décadas, o quadro se reverteu. Os salários começaram a aumentar com a produtividade e se iniciou um aumento da expectativa de vida, de perto de 50 anos em 1900 para mais de 60 anos em 1930.
Avanços desmedidos, mas com alguns retrocessos localizados, continuaram no último século.
Esse processo foi reforçado por reformas na política pública. O fim do século 19 inicia uma agenda de seguridade social, de políticas de segurança e de meio ambiente, entre outras.
O desenvolvimento das técnicas de estimação de impacto e a construção de grandes bases de dados nos últimos 30 anos têm permitido avanços na pesquisa em economia sobre temas como educação, discriminação e crescimento, entre outros.
Amory Gethin, com uma imensa base de dados global e metodologia inovadora, identificou que, de 1980 a 2019, a educação contribuiu com cerca de 50% do crescimento, 70% do aumento de renda dos 20% mais pobres e 40% da queda da extrema pobreza.
O desenho das regras da política pública e do funcionamento dos mercados é igualmente fundamental para explicar o crescimento. Instituições importam, como sistematizam Daron Acemoglu, Simon Johnson e James Robinson, vencedores do Nobel do ano passado.
As sutilezas de como o sistema Judiciário é desenhado, as normas dos mercados de crédito, as regras de comércio exterior e a regulação dos setores de infraestrutura, por exemplo, estão associadas ao desempenho relativo dos países.
Nos anos 1980, Paul Romer, Nobel de 2018, desenvolveu modelos que contribuíram para analisar o problema. Parte essencial do desenvolvimento econômico decorre de inovações que resultam em aumentos de produtividade.
Ideias bem-sucedidas geram ganhos persistentes porque são não rivais. A mesma descoberta pode ser utilizada simultaneamente por muitos agentes e gerar retornos crescentes de escala: pode-se produzir mais com a mesma quantidade de insumos.
No começo dos anos 1990, Aghion e Howitt desenvolveram um modelo sofisticado para analisar a interação entre concorrência, inovação e crescimento.
O eixo é simples: mercados e concorrência, conhecido desde Karl Marx. As inovações bem-sucedidas de gestão, de tecnologia e de produtos permitem ganhos extraordinários para os seus responsáveis, o que incentiva a criatividade e o empreendedorismo. O resultado são as transformações frequentes a que assistimos no cotidiano.
Os detalhes dessa história, contudo, são sutis. Firmas bem-sucedidas por vezes tentam bloquear o surgimento de competidores, o que restringe a inovação. As regras para garantir o funcionamento adequado de diversos setores são complexas.
Para agravar, as formas de intervenção da política pública dependem das circunstâncias, como as características da tecnologia ou do acesso à informação.
Em “The Power of Creative Destruction” (O Poder da Destruição Criativa)”, Aghion e coautores sistematizam os imensos benefícios da concorrência e da inovação para os ganhos de produtividade e os desafios da política pública para garantir um processo saudável de concorrência e de inovação.
Mokyr foi o Prêmio Nobel mais inesperado e merecido. Seu monumental trabalho em história econômica documenta o papel das ideias nos mercados e na política. Uma concorrência permanente de interesses diversos, abordagens alternativas.
Ao contrário do maniqueísmo usual, nem sempre as ideias refletem interesses, nem sempre os grupos mais fortes acabam por dominar o debate. No enfrentamento de ideias, as negociações na política resultam em escolhas das regras, por vezes bem-sucedidas, outras não.
O mesmo ocorre com as inovações nos mercados. Ao contrário da visão usual, por exemplo, de uma Revolução Industrial, houve um processo com muitas inovações, com, por exemplo, centenas de patentes apenas para a máquina a vapor ao longo de décadas.
As primeiras máquinas não eram muito melhores do que os processos tradicionais. Seguidas inovações foram aperfeiçoando-as e as gerações sucessivas foram, lentamente, aprendendo a utilizar a nova tecnologia, que se transformava continuamente.
O mesmo processo ocorreu na agricultura inglesa nos séculos 16 e 17, com aumento da produção de trigo por hectare. Ele continua a ocorrer nas mais diversas atividades produtivas, como os ganhos de produtividade do nosso agronegócio ou nas inovações em medicamentos no resto do mundo. A interação entre concorrência, adequadas políticas públicas e ciência transforma nosso cotidiano.
Em “The Enlightened Economy”, Mokyr conta com detalhes a longa e profunda transformação que começou na Inglaterra, nas ideias, nas instituições e na economia que terminaram por transformar o mundo.

