O cérebro ideológico, por Hélio Schwartsman

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Livro de neurocientista política mostra que indivíduos capturados por ideologias passam por transformações neurológicas.

Hélio Schwartsman, Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de “Pensando Bem…”

Folha de São Paulo, 04/05/2025

Uma boa pedida para quem quer entender melhor os tempos estranhos em que vivemos é “The Ideological Brain”, da neurocientista política Leor Zmigrod.

Gostamos de imaginar que aqueles que abraçam ideologias com as quais não concordamos são pessoas rasas, que nem se dão ao trabalho de pensar direito sobre as questões em relação às quais se posicionam. Zmigrod mostra que não é bem assim.

Na mais simples de suas muitas definições, a ideologia é um tipo de narrativa que conta uma história atraente sobre o mundo. Mas, diferentemente das histórias produzidas pela cultura, as da ideologia têm caráter absolutista e cobram adesão dogmática. Não toleram contestação e vêm com prescrições. Quem se torna presa de uma ideologia passa por transformações cerebrais profundas, que deixam marcas físicas. Em casos extremos, a ideologia sequestra o próprio pensamento. A pessoa se torna menos singular, menos curiosa, menos livre.

“The Ideological…” não é um livro difícil, mas não simplifica. As inafastáveis descrições neuroanatômicas estão presentes, mas restritas a poucas passagens. Idem para os vários experimentos (da própria autora e de outros) que tentam mostrar quais são os tipos psicológicos mais vulneráveis à ideologia. A rigidez cognitiva é provavelmente o melhor preditor de suscetibilidade.

Histórica e filosoficamente informada (graduou-se em Cambridge), Zmigrod traça a genealogia do termo ideologia, cunhado por Louis Claude de Tracy no século 18 para designar o que deveria ser a ciência que estuda como temos ideias.

Uma desavença entre De Tracy e Napoleão fez com que, após campanha do corso, a palavra fosse ganhando contornos pejorativos até tornar-se quase que um palavrão com Karl Marx.

Algo que chama a atenção é a transparência com que Zmigrod apresenta as limitações e os pontos fracos de suas pesquisas. Se é o antidogmatismo que caracteriza o pensamento não ideológico, Zmigrod nos oferece uma prova prática de como agir.

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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