Não é preciso ser sociólogo para entender por que tantos ricos detestam o Bolsa Família
Flávia Boggio, Roteirista. Escreve para programas e séries da Rede Globo.
Folha de São Paulo, 19/06/2025
Interpretada em 1988 por Beatriz Segall e, na nova versão, pela também brilhante Débora Bloch, Odete fez sucesso, entre outras coisas, por representar com fidelidade o rico brasileiro que odeia o país e tem nojo de pobre.
Em entrevista publicada nesta Folha, o “rei do ovo”, como é conhecido o empresário Ricardo Faria, completou o bingo Odete Roitman das lamentações do rico nacional. Reclamou da burocracia, da carga tributária, das leis trabalhistas, da política e, como de praxe, dos programas sociais.
Dono da empresa Global Eggs e uma das pessoas mais ricas do Brasil —com uma fortuna de mais de R$ 17 bilhões—, Faria não pisou em ovos, com o perdão do trocadilho, e desabafou: disse que os brasileiros mais pobres estariam “viciados em Bolsa Família” e que não querem trabalhar.
A dúvida é: como um empresário com um discurso tão 2002, sem apresentar nenhuma evidência, tem uma empresa de sucesso? Provavelmente, o mérito é das galinhas.
Ao contrário do que ele e parte da elite pensam, há inúmeros estudos que descartam a teoria de que o programa social “deixa o trabalhador preguiçoso”. Pelo contrário: quanto mais pessoas beneficiadas pelo Bolsa Família, mais cresce o emprego com carteira assinada. O que elas rejeitam é o trabalho desumano.
Mas não é preciso ser sociólogo para entender por que tantos ricos brasileiros detestam o Bolsa Família. Não é porque acham que ele torna o trabalhador preguiçoso. É porque, com mais pobres desempregados, podem contratá-los pagando menos.
É assim que funciona na Granja Faria, principal empresa do “rei do ovo” no país. Os operadores de produção ganham cerca de R$ 1.670 por mês —14% abaixo da média nacional.
Esse tipo de crítica é comum entre as Odetes Roitmans modernas, que cultivam como hobby —além do golfe e do beach tennis— o hábito de falar mal do Brasil. O que elas não querem que as pessoas percebam é que o maior problema do país são elas mesmas.
Na mesma entrevista, Ricardo Faria se declara um homem que “trabalha duro” e que não herdou nada. É filho de um médico e uma engenheira, fez intercâmbio nos Estados Unidos aos 15 anos e estudou em Harvard. Mais uma vez, com o perdão do trocadilho: “meritocracia, meu ovo”.