Vivemos momentos de grandes incertezas na sociedade internacional. Conflitos políticos, fragilização da democracia, crises fiscais e financeiras, crescimento da concorrência, mudanças no mundo do trabalho, degradação ambiental, crescimento do crime organizado, diminuição da esperança da população mundial, dentre outros, nos colocando em num momento de grandes vulnerabilidades civilizacionais.
Neste cenário, percebemos o crescimento da dívida soberana das nações, que impactam fortemente sobre as políticas públicas e limitam os investimentos governamentais, levando os governos a impulsionarem as parcerias públicas e privadas e criando estratégias para a construção de instrumentos fiscais que atraiam investimentos privados. Atualmente, percebemos que a grande maioria das nações apresenta dívidas elevadas e fortes desequilíbrios fiscais, exigindo uma reestruturação fiscal dos governos nacionais, cortando gastos públicos, reduzindo investimentos e evitando desperdícios.
Neste ambiente onde as nações estão assoladas com dificuldades fiscais, a pergunta que todos nós nos fazemos é onde os governos nacionais deveriam começar os cortes dos gastos neste momento de reestruturação fiscal? Afinal, todos falamos, cotidianamente, das dificuldades fiscais e dos desperdícios dos governos e, ao mesmo tempo, exigimos ajuste estrutural, mas evitamos pagar a conta deste desequilíbrio fiscal, queremos, sempre, que o ajuste recaia sobre os ombros alheios, como nos ensinou Jean Paul Sartre “o inferno é os outros”.
No caso brasileiro, é importante destacar que vivemos numa sociedade marcada por desigualdades estruturais, profundamente arraigadas no processo de formação econômica e social do país, neste caso, seria prudente começarmos esta reestruturação estrutural diminuindo os inúmeros privilégios de pequena parte da população nacional, como a redução dos subsídios e das isenções fiscais que totalizam mais de 600 bilhões de reais. Se o governo conseguir reduzir em apenas 30% deste montante, teríamos recursos para melhorar a infraestrutura nacional, aumentando a capacidade produtiva e alavancando os gastos em educação que garantiriam, no futuro, grandes retornos para sociedade brasileira.
Sabemos que somos um dos três únicos países do mundo, além de Estônia e Letônia, que não tributam dividendos distribuídos a acionistas de empresas, uma excrescência criada nos anos 1990 que foi colocada para beneficiar poucos iluminados e detentores de grande capacidade de influência política, criando mais uma deturpação do sistema tributário nacional.
Precisamos reestruturar o sistema tributário nacional, fortemente concentrado no consumo da população em detrimento da renda, com isso, percebemos que os detentores de grandes recursos ganham fortunas e pagam poucos tributos e, em contrapartida, grupos de classe média e classe média baixa são fortemente tributados, criando, desta forma, um monstrengo tributário que concentra renda no topo da pirâmide social e onera fortemente os grupos menos abastados, perpetuando as desiguais que reinam na sociedade brasileira.
Precisamos falar ainda dos recursos monetários enviados para as emendas parlamentares que perpassam mais de 50 bilhões de reais, que geram vantagens adicionais ao Legislativo e um espaço crescente de desperdícios de recursos orçamentários, corrupção sistêmica e servem para limitar a capacidade do governo federal.
Neste momento, os problemas fiscais são reais e precisam ser encarados pela sociedade. Precisamos ter maturidade para escolhermos caminhos estruturais, antes de limitar as políticas públicas que geram benefícios para milhões de cidadãos, precisamos reduzir os privilégios de poucos, aqueles que criticam as políticas públicas e, ao mesmo tempo, vivem abraçados nos subsídios, nas isenções e nas taxas escorchantes de juros.
Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário.