Condenação é pouco para todo o mal que a boçalidade ruralista já causou
Marcelo Leite, Jornalista de ciência e ambiente, autor de “A Ciência Encantada de Jurema” (ed. Fósforo).
Folha de São Paulo, 15/09/2025
Sessenta e oito anos cumpridos neste domingo (14) é tempo suficiente para ver de tudo acontecer. Há 52 anos, a morte de Salvador Allende no golpe do Chile, sob as ordens de um Augusto Pinochet que matou 3.000 adversários políticos e é por isso admirado por aprendizes no Brasil.
Há 24 anos, a queda das torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York. Morreram outras 3.000 pessoas, um décimo do que o inelegível defendia matar numa guerra civil brasileira.
Há três dias, o sentenciamento a 27 anos de prisão do presidente que se mandou para os EUA, de onde pretendia assistir pela TV o golpe de seus kids pretos. O mesmo que sustenta lá o filho quinta-coluna conspirando contra o próprio país.
Vinte e sete anos é tempo insuficiente para punir alguém cujas ações e omissões causaram 95 mil dos mais de 700 mil óbitos por Covid sob seu governo. Brasileiros mortos por falta de oxigênio, de quem o covarde fez troça imitando-lhes a asfixia.
Mas justiça não é vingança, pontificam comentaristas com a razão. Cadeia serve para proteger a coletividade, impedindo o criminoso de voltar a delinquir. Sei.
O 11 de setembro marca também o Dia do Cerrado, agonizante sob os golpes do agronegócio que elegeu o condenado e pagou acampamentos, caminhões e ônibus de mínions marchando para a festa da Selma em 8 de janeiro de 2023. Haverá entre eles arrependidos, mas não pelos crimes ambientais continuados.
De 1985 a 2024, segundo o MapBiomas, o desmatamento do cerrado para cultivo de soja saltou de 6.200 km2 a 120 mil km2, incremento de 19 vezes. Em 2021, percorrendo essa savana mais biodiversa do planeta, chocava ver uma bandeira brasileira sequestrada em cada fazenda (patriotismo, o último refúgio dos vilões).
Vilões e também néscios: destruir a cobertura vegetal que regula o ciclo hidrológico perturba o regime de chuvas de que tanto depende a agricultura. Em meio século, desde a década de 1970, a precipitação recuou 21% no cerrado, da média de 680 mm para 539 mm anuais.
De acordo com relatório da Ambiental Média, desde a década de 1970 diminuiu 27% o volume de água nos rios do cerrado, manancial dos pivôs de irrigação que pontilham a paisagem. Os mesmos rios que alimentam 8 das 12 principais bacias hidrográficas do país, a tal de caixa d’água do Brasil, crucial para a geração de eletricidade.
Quarenta anos foram tempo suficiente para derrubar 405 mil km2 do cerrado, mais de um quarto (28,5%) de sua vegetação nativa. Desde o período colonial, a savana brasileira acumula devastação de pelo menos metade da área, vale dizer, uma perda de cerca de 1 milhão de km2, superfície comparável à do Egito.
No governo anterior, houve anos em que o cerrado teve mais desmatamento, em termos percentuais, que a amazônia, bioma que tem o dobro de seu tamanho e concentra as preocupações do mundo. Não as da bancada ruralista que lhe deu sustentação e engrossa o centrão ainda dando as cartas no Congresso, a ponto de aprovar um PL da Destruição.
Vinte e sete anos, à sombra da trevosa história do Brasil, até que não é muito. É tempo suficiente para ver de tudo acontecer, inclusive o pior.