A “austeridade” acampa nas portas dos quartéis, por Gilberto Maringoni

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O fascismo e a “disciplina fiscal” dos mercados caminham de mãos dadas. Ambos clamam por soluções não-racionais, não institucionais e não-democráticas. É impossível estabelecer políticas neoliberais sem romper com a democracia

Gilberto Maringoni – Outras Palavras – 28/11/2022

Austeridade fiscal não é uma iniciativa episódica ou um freio de arrumação nas contas públicas. Austeridade fiscal é a forma perene de se administrar o capitalismo do século XXI através da ameaça infindável de mais cortes e mais constrangimentos aos orçamentos públicos. As políticas de austeridade fiscal são sempre brandidas pelo “mercado” e por seus representantes no aparelho de Estado como uma espécie de castigo bíblico contra o pecado capital (!) da gastança, que pode ser tanto o investimento em obras de infraestrutura, quanto o de levar comida ao prato dos miseráveis. A austeridade fiscal age como ameaça punitiva preventiva contra tentações de expansão de tarefas do Estado, como espada desembainhada sempre pronta a ser manuseada contra os inimigos da boa governança. Austeridade fiscal é a doutrina do choque aplicada à economia.

ESTAMOS EM CRISE, estamos em crise, estamos em crise e é preciso pagar por isso!

A AUSTERIDADE FISCAL é o complemento teoricamente racional ao bolsonarismo de porta de quartel, à chantagem de que se meu candidato não ganhou é porque fraude houve. O apelo positivista-jagunço à ordem equivale à criminalização de políticas fiscais expansivas. O golpismo dos ressentidos não nasceu junto das políticas de austeridade, mas na quadra histórica de esgarçamento do tecido social e fragmentação do mundo do trabalhoo austericismo retroalimenta a busca por soluções mágicas na esfera política.

A AUSTERIDADE COMO MODO DE GESTÃO embute um componente profundamente fatalista e mítico à gestão pública. Depois do infindável sacrifício da contenção de dinheiro, eis que os céus se abrirão e a redenção do crescimento, do emprego e do dinheiro no bolso surgirá por encanto. O austericismo nos levará a uma solução mágica equivalente à do sebastianismo fardado resultante de vigílias coletivas por 7 dias e 7 noites em frente às tropas enfileiradas ou do socorro que virá dos ETs conectados aos celulares em nossas cabeças. A partir daí, o fogo purificador do golpe nos conduzirá à vida eterna.

AUSTERICÍDIO E FASCISMO caminham, pois, de mãos dadas. Ambos clamam por soluções não-racionais, não institucionais e não-democráticas. Pinochet (e Milton Friedman) cantaram a pedra há quase meio século: é impossível estabelecer políticas alucinadamente liberais na economia sem romper com a democracia. É preciso queimar pneus, é preciso bloquear estradas, é preciso vaiar Gil, é preciso metralhar alunos e professores em sala de aula, é preciso matar petralhas, é preciso escrever editoriais ameaçadores, é preciso manter o teto, é preciso privatizar, é preciso escrever cartas com conselhos arrogantes a Lula, é preciso lembra-lo que assim ele não vai governar, é preciso lembrar de fazer todos esquecerem as 700 mil mortes, é preciso, é urgente fazer alguma coisa!

AS POLÍTICAS DE AUSTERIDADE – com seu entulho modernizante de teto de gastos, responsabilidade fiscal, superávit primário, entre outras pérolas – são formuladas a partir da teoria econômica do celular na cabeça. E ai dos que não se enquadrarem em suas tábuas da lei: serão condenados ao déficit eterno e à eliminação do mercado, o nirvana dos bobos. Vigiar e punir é pouco. Austeridade e fascismo significa punir e punir em busca da redenção nas quatro linhas de qualquer coisa que surja a cada momento.

Tudo o mais é populismo, e será condenado aos infernos!

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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