A China de 2021 em quatro ideias, por Tatiana Prazeres.

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Ano marca mudanças de trajetória com impacto no futuro do país asiático

Tatiana Prazeres Senior fellow na Universidade de Negócios Internacionais e Economia, em Pequim, foi secretária de comércio exterior e conselheira sênior na direção-geral da OMC.

Folha de São Paulo, 17/12/2021

Rédeas curtas para o setor privado, regulação de algoritmos e proibição de criptomoedas. A crise energética e a pressão sobre metas climáticas. A crise imobiliária. A flexibilização da política do filho único. A diplomacia das vacinas contra a Covid e o anúncio de fornecimento de 1 bilhão de doses para a África. Uma estação espacial em construção. Um pouso em Marte. A preocupação com tecnologia e autossuficiência. O centenário do Partido Comunista Chinês.

O ano de 2021 foi intenso para a China. No entanto, mais do que fazer uma retrospectiva, vale refletir sobre o que realmente importa. A tarefa é arriscada no calor dos acontecimentos, mas aqui vão quatro possíveis pontos de inflexão. Os fatos estão associados a 2021, mas marcam mudanças de trajetória com impacto na China dos próximos anos.

1) 2021 foi o ano em que tensões geopolíticas mudaram de vez os cálculos de Pequim sobre sua atuação externa. Com a União Europeia, um acordo de investimentos assinado e celebrado em dezembro de 2020 foi colocado na geladeira. Em relação aos EUA, evaporaram quaisquer ilusões de que com Joe Biden o relacionamento bilateral melhoraria. Com a Austrália, submarinos nucleares entraram em cena. Em relação ao Japão e à Índia, aumentou a desconfiança mútua.

A China prepara-se para um cenário internacional mais resistente à sua ascensão —sabe que, mais do que antes, preocupações geopolíticas sobrepõem-se a interesses econômicos em algumas capitais. Ao mesmo tempo, reforça seus vínculos com a Rússia e com o mundo em desenvolvimento, que, em grande medida, quer distância da rivalidade geopolítica dos grandes.

2) 2021 foi o ano em que Taiwan voltou ao centro das atenções internacionais —e o assunto não vai desaparecer. A possibilidade de um confronto passou a ser discutida possibilidade de um confronto passou a ser discutida em diferentes locais. ainda que com boa dose de exagero, alimentando perigosamente uma profecia que pode se realizar.

Neste ano, Biden flertou com a mudança da postura dos EUA sobre Taipé, algo que vale há quatro décadas. Como nunca antes, Pequim deixou claro que o objetivo de rejuvenescimento nacional, meta para o centenário da República Popular da China em 2049, inclui a reunificação do país.

3) 2021 foi o ano em que a China dobrou a aposta na política de tolerância zero em relação à Covid-19. Pequim apertou os parafusos do controle, com resultados impressionantes no combate à pandemia.

A história ainda está sendo escrita, mas o saldo hoje é altamente positivo para as autoridades chinesas, a despeito dos problemas do início, reconhecidos à boca pequena entre locais, e dos sacrifícios individuais onde surgem surtos esporádicos.

O combate à Covid possivelmente será visto como um marco no aumento da confiança dos chineses em seu modelo político, com impactos significativos sobre a legitimidade do regime —e isso é altamente subestimado fora da China.

4) 2021 foi o ano em que Pequim corrigiu rumos na economia, podando o que via como excessos. De olho em ganhos a longo prazo, a China pareceu disposta a grandes sacrifícios imediatos. Empresas do país perderam mais de US$ 1 trilhão em valor de mercado neste ano, afetadas por um festival regulatório surpreendente.

Muitas dessas medidas têm como pano de fundo a ideia de prosperidade comum —forte candidata a expressão do ano na China. O interesse em fortalecer a classe média e reduzir desigualdades não é novidade. Mas poucos antecipavam tantas mudanças, tão significativas e em tantos setores ao mesmo tempo.

Quando historiadores olharem para a China de 2021, saltará aos olhos o fato de que, no debate entre fazer o bolo crescer e reparti-lo melhor, Pequim neste ano fez sua escolha.