A convergência chinesa, por Cecília Machado.

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Liderança em medalhas põe disputa olímpica no patamar da guerra econômica entre China e EUA

Cecília Machado

Folha de São Paulo, 02/08/2021

Hoje, China e Estados Unidos disputam cabeça a cabeça a liderança do quadro de medalhas. Nas Olimpíadas anteriores, em 2016, os EUA levaram a melhor tanto pelo número de ouros (46) quanto pelo número total de medalhas (126). Mas em 1988, nas Olimpíadas de Seul, as primeiras após os boicotes aos Jogos de Moscou (1980) e de Los Angeles (1984), a China ficou em 11º lugar, com apenas cinco ouros. A evolução olímpica chinesa nestes últimos 33 anos impressiona.
Na economia não foi diferente. O êxito econômico da China nas últimas décadas é percebido a olhos nus em múltiplos indicadores, seja nas taxas de crescimento, seja nas reduções das desigualdades, seja na inclusão produtiva da população pobre ou mesmo na relevância do país para o comércio global.

De 1980 a 2019, a taxa média de crescimento da China foi de 9,4%, chegando a alcançar 15% em 1984. Esse crescimento foi distribuído à população e tem se convertido em melhorias de diversos indicadores de bem-estar dos chineses.
O fim da pobreza extrema foi anunciado neste ano: a proporção de pessoas vivendo em extrema pobreza (US$ 2,3 por dia em poder paridade de compra, PPP, de 2011) caiu de 96,2%, em 1978, para 0,6%, em 2019, o que representa a ascensão de 765 milhões de pessoas a condições mínimas de subsistência (Banco Mundial, 2021).

Desde 1985, quando foi estabelecida a primeira linha de pobreza para a China, foram feitas mais duas atualizações, refletindo novos padrões de desenvolvimento do país, moderadamente mais próspero. Pelo critério utilizado por países de renda média —US$ 5,5 por dia em PPP 2011—, a pobreza ainda incide em 18,9% da população chinesa, equivalente ao número que temos para o Brasil (19,8% em 2019).

A redução da pobreza segue como meta, mas corresponde a apenas um dos diversos outros objetivos do ambicioso 14º Plano Quinquenal, recentemente divulgado. O plano estabelece diretrizes para o desempenho da China para os anos de 2021 a 2025 em quatro grandes áreas —redução das desigualdades urbano-rural, crescimento, ambiente e consumo interno— e destaca a importância da inovação, do uso de tecnologia e da renovação da matriz energética como os pilares para o crescimento sustentável de longo prazo.

Desde a crise de 2008, os EUA têm visto seu modelo econômico ser desafiado pela potência chinesa, a ponto de iniciar uma enorme guerra comercial contra a China no governo Trump —o que está sendo mantido pelo governo Biden – com efeitos na balança comercial da China que foram bastante mitigados pelo fato de o país contar com outros parceiros.

Na arena do comércio exterior, a ascensão meteórica da China é recente: em 2000, antes de ingressar na Organização Mundial do Comércio, a participação no país comércio mundial era pequena. Hoje, a China ocupa o primeiro lugar nas exportações globais, com participação de 13% em 2020 (um ponto percentual acima da participação em 2019).
Já entre os principais países nas importações chinesas, o bloco asiático Asean lidera (15%), seguido pela União Europeia (14%) e pelo Japão (8%). A América Latina participa com outros 8% e viu sua importância crescer nas últimas duas décadas (2,4% em 1980). Os EUA participam com apenas 8%. Janet Yellen, secretária do Tesouro americano, resgatou o bom senso da discussão, ao afirmar que as tarifas impostas à China retaliam os próprios consumidores americanos.

A China avançou, mas ainda existem outros hiatos a serem fechados. O PIB per capita da China segue equivalente a 1/6 do americano, apesar de ter aumentado por um fator de 50 nas últimas quatro décadas.
No livro “A China Venceu?”, de Kishore Mahbubani, entrevistado também nesta Folha, há uma interessante análise sobre o desafio chinês à supremacia americana. Vindo de uma perspectiva oriental, traz elementos originais e pouco
óbvios sobre a disputa entre EUA e China.

Se há entre nós, ocidentais, a presunção de virtude da economia americana —já que abraça valores democráticos e de liberdade—, do ponto de vista oriental, a estabilidade política que vem de um partido único comunista traz maiores chances para um planejamento econômico de longo prazo, com metas progressista e líderes pragmáticos, distante do comunismo praticado na Guerra Fria.

Ainda é cedo para saber quem vai levar o ouro, mas as condições para um confronto geopolítico entre as duas potências estão dadas. No que tange o desempenho econômico, a convergência da China é inquestionável.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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