A culpa foi do impeachment de Dilma? por Celso Rocha de Barros

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Há muito a reconstruir no sistema político após uma década em que raramente desperdiçamos a chance de virar na curva errada

Celso Rocha de Barros, Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universidade de Oxford (Inglaterra) e autor de “PT, uma História”.

Folha de São Paulo, 21/05/2023.

A editora Todavia acaba de publicar um livro muito bom: “Operação Impeachmet”, de Fernando Limongi. Trata-se de um dos maiores cientistas políticos brasileiros, autor, com Argelina Figueiredo, de um trabalho clássico que mostrou que o presidencialismo de coalizão funcionava bem melhor do que se acreditava.

Em “Operação Impeachment”, a proposta de Limongi é simples: com base exclusivamente em fatos noticiados pela imprensa (que eram, portanto, de conhecimento dos atores políticos quando tomaram suas decisões), Limongi conta a história que começa nos conflitos internos do primeiro mandato de Dilma e desemboca no impeachment.

Há, entretanto, um arcabouço teoricamente informado que conduz o texto.

Quando Limongi descreve as ações de Dilma ou de seus adversários, está sempre se perguntando: por que aqueles mecanismos que antes funcionavam no presidencialismo de coalizão não funcionaram em 2016? Limongi está conversando com sua própria obra e com 30 anos de ciência política brasileira.

Por outro lado, Limongi não está interessado nos grandes discursos sobre o impeachment. Não tem maior interesse em discutir se foi ou não foi golpe: o que lhe interessa é justamente o fato de que as instituições ainda estavam ali, mas deixaram de funcionar.

Tampouco tem paciência com a historinha “a gente pegou o PT roubando aí foi lá e derrubou a Dilma”. As delações da Lava Jato mostram um cartel de empreiteiras que funcionava havia décadas e financiava todo mundo, inclusive todo mundo que fez o impeachment.

A tese “o problema foi que a Dilma era inábil” é acolhida com bem mais ressalvas do que de hábito: mesmo que Dilma tenha falhado, jogou duro contra seus adversários, ganhou por muitos anos e esteve longe de ser a única que jogou errado.

Limongi também demonstra saudável ceticismo diante da ideia, comum entre alguns petistas, de que Lula no lugar de Dilma teria resolvido todas as crises políticas.

Mas se Dilma jogou, por que caiu? A explicação, segundo Limongi, é a Lava Jato.

Não porque as descobertas da operação tenham inspirado um movimento de massas que derrubou a presidente. Os políticos brasileiros fizeram o impeachment para se defender da Lava Jato, pois não acreditavam mais que Dilma seria capaz de pará-la.

Leitores antigos da coluna sabem que essa também é minha interpretação. No final, a Lava Jato foi mesmo desmontada pela rapaziada que estava do lado de Deltan Dallagnol no discurso da semana passada. Mas a centro-direita que fez o impeachment foi dizimada na eleição de 2018, com consequências terríveis para a democracia brasileira daí em diante.

O que o livro de Limongi nos obriga a perguntar é qual teria sido a reação produtiva do sistema político às revelações da Lava Jato. Do ponto de vista do interesse racional dos atores que fizeram o impeachment, que alternativa havia? Aceitar a prisão quando suas conexões com o cartel das empreiteiras fossem reveladas? Do ponto de vista do país, só havia as alternativas “acordão” e “cruzada fratricida”?

De qualquer forma, o livro de Limongi é importante para mostrar que há muito que vale a pena reconstruir no sistema político brasileiro depois de uma década em que raramente desperdiçamos a chance de virar na curva errada.