Pensar que em 2022 ainda não temos informações completas sobre a origem de produtos de base animal e vegetal é, no mínimo, frustrante
Ilona Szabó de Carvalho Empreendedora cívica, mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia). É autora de “Segurança Pública para Virar o Jogo”.
Folha de São Paulo, 12/01/2022.
Independentemente de consumir ou não carne bovina, é do interesse de todos saber a procedência exata da proteína. Mundo afora a decisão de comer ou não carne animal passa pelo preço, por crenças religiosas e espirituais, por convicções sobre bem-estar animal, e cada vez mais pela preocupação sobre sua procedência e relação com o clima do planeta.
E isto está mais do que correto. Pensar que em pleno ano de 2022 ainda não temos informações completas sobre a origem de produtos de base animal e vegetal, prestadas de forma transparente por todos os produtores e indústrias é, no mínimo, frustrante.
No caso específico da carne bovina produzida no Brasil, parte da cadeia produtiva está relacionada a áreas desmatadas e griladas. A falta de rastreabilidade e transparência total dessa cadeia impede que possamos diferenciar os produtores que cometem ilegalidades, dos que cumprem as leis. Da mesma forma, dificulta a identificação dos que adotam boas práticas de manejo de pasto, alimentação e abate, reduzindo as emissões de metano — um dos gases geradores do efeito estufa e das mudanças climáticas.
Apesar de ainda não ser um debate muito difundido no Brasil, a discussão já é realidade pulsante em algumas faixas etárias, em especial nas gerações Z e millennials. Esse fato traz oportunidades que não podem ser desperdiçadas, seja pelo governo à luz de compromissos internacionais de desmatamento-zero recém-assumidos pelo país na COP 26, seja por empresas e investidores para garantir mercado e investimentos em inovações da área.
Ignorar a relevância desse debate é um equívoco, seja da parte de pecuaristas, de investidores ou das gerações de consumidores que ainda não escolhem os produtos que compram com base nas condutas éticas das empresas.
Pecuaristas que não se adequarem às boas práticas de produção sustentável, e à estrita conformidade legal, podem perder tanto o mercado externo como o interno, além de eventualmente verem-se responsabilizados por práticas ilícitas que nunca foram parte de seus objetivos de negócio.
Investidores, por sua vez, não só deixam de cumprir métricas ESG, como podem deixar escapar oportunidades de investimento em produtores carbono-neutros e em inovações de empresas que produzem carne de base vegetal, e que desenvolvem carnes em laboratórios.
E os consumidores, por fim, deixam de exercer seu poder de incentivar a produção eficiente de proteína animal, de baixo impacto ambiental e climático, e de valorizar os produtores alinhados com a proteção da natureza.
A boa notícia é que não faltam bons exemplos. O Brasil já exporta carne rastreável e livre de desmatamento para a União Europeia e outros mercados que assim exigem, e já conta com produtores de vanguarda que desenvolvem um modelo de pecuária sustentável, mas que ainda competem de forma desigual por mercado com seus pares que não cumprem a lei.
O ano de 2021 foi repleto de posicionamentos públicos de grandes bancos e fundos de investimento sobre o assunto, bem como de compromissos dos grandes frigoríficos com o maior controle sobre seus fornecedores, e de anúncios sobre seus novos investimentos no mercado de carne vegetal.
Em meio a falsas polêmicas, há uma oportunidade real de impulsionar a capacidade de inovação do agronegócio brasileiro. Com compromissos e exemplos práticos, todos os elos das cadeias produtivas —desde o financiador, a agroindústria, até o pequeno produtor, podem direcionar investimento para práticas e tecnologias sustentáveis, transparentes e alinhadas com as regulações ambientais.