A formação de capital humano para a inovação no Brasil, por Flávio Bartman

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Orientada a fornecer diplomas, universidade precisa se integrar à economia

Flavio Bartmann, Engenheiro mecânico (ITA) e doutor pela Universidade de Princeton, é professor na Universidade Columbia e na NYU Stern School of Business

Folha de São Paulo, 09/08/2022

Uma posição popular nos meios acadêmicos é a de que uma educação superior de altíssima qualidade seria uma condição “sine qua non” para o desenvolvimento; sem um ensino universitário da mais alta qualidade, voltado para ciência e inovação, o país continuaria na sua atual situação. O exemplo seria o papel importante que as grandes universidades nos Estados Unidos e na Europa têm na inovação.

Essa é uma leitura errada da evidência histórica. Os Estados Unidos já eram, em 1900, a maior potência industrial, enquanto o papel principal de Harvard, Princeton e Yale era dar um verniz cultural para os filhos da classe privilegiada. Quase todos os avanços científicos e tecnológicos importantes da época, relatividade e mecânica quântica e o desenvolvimento do motor a jato, por exemplo, foram realizados na Europa. As universidades americanas só se tornaram as melhores do mundo depois da guerra, após se beneficiarem enormemente dos grandes projetos tecnológicos realizados a partir de 1940, do Projeto Manhattan, da corrida espacial, da internet e outros, e do grande influxo de cientistas e intelectuais vindos da Europa.

Um processo semelhante ocorre na China, que se tornou uma superpotência econômica, mas que segue enviando centenas de milhares de estudantes aos EUA, à Europa e à Austrália, reconhecendo que suas universidades ainda não estão, em geral, no mesmo nível.

Esses exemplos não são, é claro, evidência de que as universidades devam simplesmente reagir às demandas do sistema produtivo. Como centros de investigação e pesquisa, as universidades, energizadas por aquelas demandas, irão adiante, abrirão novos caminhos. O sistema produtivo nunca demandou o laser, a energia nuclear ou os relógios atômicos que permitiram o desenvolvimento do GPS.

O que é necessário para inovação, portanto, é um processo de realimentação intenso, entre a economia e o governo, por um lado, e a universidade por outro, nas duas direções. Exemplos disso estão por toda a parte; um, particularmente importante, tem a ver com o desenvolvimento dos computadores digitais. A ideia foi uma consequência do trabalho de Alan Turing em lógica na década de 1930; o Eniac, o primeiro computador digital programável, foi usado para o cálculo das trajetórias de cargas de artilharia. Outras aplicações da computação digital precipitaram avanços tecnológicos importantes, como o transistor e os circuitos impressos, que permitiram uma grande melhoria na performance dos computadores, abrindo muitas oportunidades para aplicações comerciais.

Foi exatamente para facilitar esse processo que Vannevar Bush, no seu extraordinário relatório “Science, the Endless Frontier”, escrito a pedido de Franklin Roosevelt em 1944-45, propôs uma estrutura de pesquisa e desenvolvimento, ancorada nas universidades e nos laboratórios nacionais, com o objetivo de preservar a superioridade científica e tecnológica dos EUA, assegurando a sua hegemonia geopolítica. A implementação dessa proposta como uma política nacional levou à criação da National Science Foundation, em 1949, de 18 laboratórios nacionais e de um rico sistema universitário integrado à dinâmica socioeconômica norte-americana.

Essa integração da universidade no processo econômico não ocorreu no Brasil, onde a universidade ainda está culturalmente orientada para oferecer diplomas, credenciais, não para oferecer uma formação que ajude a apontar soluções para os complexos problemas da sociedade contemporânea.

O caminho para um Brasil mais próspero, justo, democrático e ambientalmente saudável requer um investimento acelerado em infraestrutura e, simultaneamente, a expansão e valorização de um ensino e pesquisa de alta qualidade nas nossas universidades. Precisamos retomar o crescimento econômico, com uma série de projetos e empreendimentos, envolvendo governos e a iniciativa privada, projetos que iriam se beneficiar muito da participação de uma universidade moderna.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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