Agitações nos países emergentes, por The Economist.

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Em meio a protestos e desempenho econômico fraco, há o temor de que o bloco se afaste ainda mais das nações ricas

The Economist, O Estado de S. Paulo – 01/08/2021

No início do século, as economias em desenvolvimento eram fonte de um otimismo sem limites e uma extrema ambição.

Hoje, a África do Sul vem cambaleando com insurreições. A Colômbia tem registrado protestos violentos e a Tunísia enfrenta uma crise institucional. Governos iliberais estão na moda. O Peru acaba de eleger um presidente marxista e instituições independentes estão sob ataque no Brasil, Índia e Marrocos.

A onda de distúrbios sociais e autoritarismo é reflexo em parte da covid-19, que expôs e explorou as vulnerabilidades, desde as burocracias deterioradas às redes de proteção social desgastadas. E o desespero e o caos ameaçam exacerbar um problema econômico profundo: muitos países pobres e de média renda estão perdendo a capacidade de alcançar o nível das nações ricas.

Nosso modelo de excesso de mortalidade sugere que entre oito e 16 milhões de pessoas morreram na pandemia. A estimativa média é 14 milhões. O mundo em desenvolvimento está vulnerável ao vírus, especialmente nos países de renda média mais baixa onde o trabalho remoto é raro e inúmeras pessoas são obesas e idosas. Se tiramos a China, os países não ricos abrigam 68% da população mundial, mas 87% das suas mortes. Somente 5% das pessoas com mais de 12 anos de idade estão plenamente vacinadas.

Ao lado do custo humano, temos a fatura econômica, uma vez que os mercados emergentes têm menos espaço para gastar com o objetivo de se livrar dos problemas. As previsões para o PIB de médio prazo para todas as economias emergentes estão 5% mais baixas do que antes de o vírus se implantar. As pessoas estão irritadas e, apesar de protestos serem um risco durante uma pandemia, manifestações violentas em todo o mundo têm sido comuns como jamais foi observado desde 2008.

Países ricos, como Estados Unidos e Grã-Bretanha, não são estranhos à incompetência e às agitações. Mas a decepção atingiu as economias emergentes de uma maneira especialmente dura. No início da década de 2000, havia um entusiasmo com o discurso de “se alcançar” as economias ricas: a ideia de que os países mais pobres conseguiam prosperar absorvendo tecnologia estrangeira, investindo em manufatura e abrindo suas economias para o comércio, como vários países chamados tigres do leste asiático fizeram uma geração antes. Wall Street cunhou o termo Brics para celebrar o Brasil, Rússia, Índia e China – as novas superestrelas da economia mundial.

Durante um tempo, o processo funcionou. A proporção de países onde o nível da produção econômica per capita cresceu mais rápido do que nos Estados Unidos aumentou de 34%, nos anos 1980, para 82% na década de 2000. As repercussões foram notáveis. A pobreza diminuiu. Empresas multinacionais saíram do velho e monótono Ocidente. Em termos de geopolítica, tudo isso prometia um novo mundo multipolar em que o poder estava distribuído mais uniformemente.

Hoje, a era de ouro parece ter tido um fim prematuro. Na década de 2010, a parcela de países que chegaram ao nível das nações ricas caiu para 59%. A China desafiou muitos pessimistas e aquietaram as histórias de sucesso asiáticas como Vietnã, Filipinas e Malásia. América Latina, Oriente Médio e África Subsaariana se distanciaram ainda mais do mundo rico. Mesmo a Ásia emergente vem se equiparando mais lentamente do que antes.

A má sorte também influenciou. O boom de commodities dos anos 2000 perdeu velocidade, o comércio global estagnou depois da crise financeira e episódios de turbulências na taxa cambial provocaram desordens. Mas também a complacência contribuiu, à medida que os países imaginaram que o crescimento rápido estava preestabelecido. Em muitos lugares, serviços básicos como educação e saúde foram negligenciados. Problemas devastadores não foram solucionados, como as usinas elétricas ociosas na África do Sul, os bancos deteriorados na Índia e a corrupção na Rússia. Em vez de defender instituições liberais, como os bancos centrais e tribunais, os políticos os usaram para seu próprio ganho.

O que pode ocorrer em seguida? Um risco é uma crise econômica nos mercados emergentes com o aumento dos juros nos Estados Unidos. Felizmente, muitas economias emergentes estão menos frágeis do que foram, por causa das taxas cambiais flutuantes e por dependerem menos da dívida em moeda estrangeira. Crises políticas de longa duração são uma preocupação maior. Pesquisas sugerem que protestos inibem a economia, resultando em mais descontentamento, e esse efeito é mais marcante nos mercados emergentes.

Mesmo que as economias emergentes evitem o caos, o legado da covid-19 e o protecionismo crescente podem condená-las a um longo período de crescimento mais lento. A produtividade no longo prazo diminuirá como resultado de tantas crianças fora da escola.

O comércio também pode ser mais difícil. A China vem se recolhendo e se afastando das políticas mais abertas para o mundo que a tornaram mais rica. Se isso continuar, nunca se tornará uma vasta fonte de demanda de consumo para o mundo pobre, como os Estados Unidos foram para o país nas últimas décadas.

O protecionismo crescente do Ocidente também limitará as oportunidades de exportação para os produtores estrangeiros que, de qualquer maneira, serão menos beneficiados à medida que a economia se torna menos dependente da mão de obra intensiva.

Infelizmente, os países ricos não estão dispostos a compensar isso, liberalizando o comércio na área de serviços, o que abriria outras vias de crescimento. E tampouco ajudar economias expostas como é o caso de Bangladesh – uma história de sucesso – a se adaptarem à mudança climática.

Frente a esse panorama sombrio, os mercados emergentes se verão tentados a abandonar o comércio e o investimento abertos. O que será um grave erro. Um ambiente global desfavorável fará com que eles se agarrem ainda mais a políticas que funcionem. A noção defendida pela Turquia de que aumentar juros causa inflação tem sido desastrosa. A persistência da Venezuela no caminho do socialismo é ruinosa; e proibir empresas estrangeiras de agregarem clientes, como a Índia fez com o Mastercard, é contraproducente.

Como alcançar o mundo rico vem se tornando mais difícil, somente aqueles mercados emergentes que permanecerem abertos terão as melhores chances.

Alcançar, não ceder
Algumas regras mudaram: o acesso às tecnologias digitais hoje é vital, como também uma rede de proteção social adequada. Mas os princípios de como enriquecer hoje são os mesmos de outrora: estar aberto ao comércio, competir nos mercados globais e investir em infraestrutura e educação. Antes das reformas liberais realizadas em décadas recentes, as economias eram divergentes. Ainda é tempo de evitar as adversidades desnecessárias do passado. /

TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO