Alguns desafios do Capitalismo contemporâneo

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A sociedade mundial vem passando por grandes transformações nos últimos vinte anos, cujos impactos sociais são generalizados, impactando sobre todos os grupos sociais, indivíduos e coletividades, ninguém pode se dizer alheio a estas transformações, uns ganhando muito com todas estas alterações, enquanto outros se veem perdendo cada vez mais, para onde vai esta sociedade ainda é uma grande incógnita que incomoda e preocupa a todos os cidadãos.

Vivemos uma onda de incremento tecnológico crescente, os robôs, as máquinas e as tecnologias estão ganhando espaço em todas as áreas e setores, removendo custos de produção, ampliando a produtividade e incrementando os lucros dos grandes grupos econômicos, mas ao mesmo tempo, diminuindo o emprego, transformando a empregabilidade, aumentando a incerteza, criando mais medos, instabilidades e desesperanças.

O grande desafio desta sociedade dominada pelo capitalismo concorrencial está na essência do sistema do capital, que transforma tudo em mercadorias e tenta quantificar ações, gestos e políticas, criando um ambiente dominado pelas metas, pelas cobranças e pela concorrência avassaladora entre as pessoas, entre os Estados e entre as culturas, num ambiente caracterizado pela força, pela competição e pela desagregação dos laços sociais, numa sociedade onde o poder se concentra, cada vez mais, nas mãos dos mais ricos, fortes e poderosos.

Nesta sociedade contemporânea, centrada no poder do dinheiro e na força do capital tudo se compra, tudo está disponível desde que se tenha recursos monetários para adquirir, compra-se neste grande mercado desde o amor, o prazer, o sexo, a saúde, a educação, além de produtos e mercadorias das mais sofisticadas possíveis, etc… estamos numa sociedade onde compramos não apenas o prazer e o gozo sexual, mas compramos amor verdadeiro.

O aumento da tecnologia vem transformando a sociedade global, as máquinas e os equipamentos fazem, cada vez mais, parte da vida e do cotidiano de todos os indivíduos, auxiliando-os em suas decisões e gerando novos mercados, empregos e possibilidades e, ao mesmo tempo, destruindo antigas ocupações e serviços importantes, exigindo dos indivíduos uma maior flexibilidade e adaptabilidade para sobreviverem neste mundo cada vez mais concorrencial, inseguro e cheio de incertezas e desafios.

Muitas das tecnologias que estão ganhando espaço na vida das pessoas, começaram a ser construídas nos anos 70 do século passado, um período de grandes mudanças na estrutura produtiva internacional, neste momento percebemos a ascensão da chamada Terceira Revolução Industrial, marcadas pelo desenvolvimento da informática e das telecomunicações que culminaram na internet, que propiciaram ao mundo a ascensão de um novo modelo tecnológico, atualmente conhecido como a Quarta Revolução Industrial ou Indústria 4.0, com desafios cada vez maiores e mais complexos para os indivíduos.

O crescimento da tecnologia, poucas vezes estudadas pela sociedade, pode ser visto como uma parceria entre dois agentes centrais na sociedade, de um lado o capitalista, dotado de grandes somas financeiras e desejosos de aumentar seus ganhos e, de outro, dos cientistas, sempre dispostos a vender seus conhecimentos em troca de remuneração, visando melhores condições de trabalho e pesquisas científicas, a junção destes dois grupos impulsionou as grandes descobertas científicas e tecnológicas que mudaram a sociedade mundial, desde o surgimento de novos produtos, mercadorias, bens e serviços, que na atualidade estão disponíveis para todos os grupos e classes sociais.

Estas máquinas e tecnologias trouxeram grandes melhorias nos vários setores da sociedade, melhorou a produtividade da economia e gerou ganhos consideráveis para todos os grupos sociais e econômicos mas, ao mesmo tempo, passou a ditar as regras dentro da sociedade e a exigir de todos os setores uma busca constante por inovação, concorrência e produtividade e, ao mesmo tempo, uma transformação na ética que domina a sociedade, onde os valores passaram a ser dominados pelos interesses do capital e da acumulação, onde a ética do dinheiro passou a ser dominante e hegemônica, quem possui o capital domina a sociedade, cria as leis, usufrui dos benefícios e das descobertas mais modernas em detrimento daqueles que não o capital, servindo apenas para o trabalho desgastantes, degradante e com remuneração mais modestas.

O poder do capital é tão intenso nesta sociedade, que são eles os grandes donos do poder político e do poder eleitoral, são eles que criam as regras e as leis e dominam as agendas políticas, controlam o Estado e definem os grandes ganhadores das contendas do cotidiano da política, a ausência da população dos debates políticos, estimuladas por estes grupos, concede a estes grupos econômicos e financeiros um amplo poder de dominação na sociedade, garantindo-lhes uma forte capacidade de perpetuação nas entranhas do poder e uma manipulação dos interesses da coletividade, para isso se utilizam de seu controle das mídias tradicionais e do financiamento de campanhas eleitorais.

Esta sociedade percebe um enfraquecimento da democracia representativa, o modelo criado para garantir aos grupos sociais um maior controle sobre as discussões e debates sociais se perdem em proveito dos interesses do capital que, muitas vezes são vendidos para o grande público como o interesse de toda sociedade e na verdade se restringe aos interesses imediatistas dos donos do poder, mecanismo este muito bem retratados em obra clássica por Raimundo Faoro em Os donos do poder, uma leitura fundamental para todos que queiram pensar e refletir sobre muitos dos dilemas do Brasil, um país que, em pleno século XXI, ainda apresenta fortes traços de patrimonialismo, corporativismo e corrupção.

Os donos do poder no Brasil se apegam a estratégias de dominação antiga e ultrapassada, seus ganhos imediatos os impedem de pensar e refletir sobre o futuro, a população que durante muitos anos se viu deitada em berço esplêndido está dando mostras de crescente descontentamento com os rumos do país, de um lado percebemos as fortes manifestações nas redes sociais, marcadas por um clamor contra a impunidade e pela corrupção generalizada, além de uma forte percepção, por parte da população, de que suas vidas estão ficando piores do que eram em décadas anteriores, muitos filhos ao refletirem sobre seu futuro, acreditam que não devem conseguir os mesmos ganhos que seus pais criando, com isso, uma sensação de frustração e desesperança que, em muitos casos, levam os indivíduos a cometer suicídio ou a um mergulho sem volta no mundo das drogas e da depressão, males que assustam cada vez mais a sociedade capitalista.

A educação na contemporaneidade se transformou em uma das mercadorias mais importantes, antes vista como um direito dos indivíduos, na atualidade a educação é vendida como a panaceia do mundo, as escolas se transformaram em verdadeiras multinacionais do conhecimento, faturam bilhões e bilhões de dólares e entregam diplomas de péssima qualidade, para baratear sua mercadoria atuam em várias frentes, primeiramente se aliam a bancos de investimentos para aumentar seu capital financeiro e monetário, de outro restringem os ganhos dos professores ao mínimo permitido pela legislação, além de usar seus poderes políticos para reduzir as proteções e ganhos legais dos docentes visando um maior ganho financeiro imediato e vender ao público em geral uma mercadoria ao menor preço possível.

Outra estratégia clara para abarcar cada vez um público maior de alunos, está no crescimento do ensino a distância, uma estratégia imensamente rentável que garante aos grandes grupos condições de mercado que destroem os grupos menores e os levam a dominar o mercado educacional, perpetuando um modelo educacional que pouco se preocupa com a qualidade da educação, enxergando-a como uma verdadeira mercadoria que serve para garantir lucros exponenciais, neste ambiente percebemos uma fragilização dos instrumentos de regulação estatal, que ora fragilizado pouco consegue impor políticas e se comporta como um verdadeiro garantidor do interesse privado.

O mesmo ambiente encontramos nos mais variados setores da sociedade, a saúde vista como fundamental para todos, se transformou em um dos mercados mais rentáveis do grande capital, que controlam os grandes laboratórios, impondo valores, políticas e fazem com que os seus interesses se perpetuem para garantir lucros assustadores, neste ambiente os mais carentes se veem jogados como verdadeiros animais nos sistemas de saúde pública, cada vez menos aparelhados e seus serviços mais degradados.

As situações descritas acima não devem ser vistas como casos isolados, o sistema de segurança pública também se encontra nas mesmas situações, os interesses do grande capital está em forte crescimento e passam a dominar as agendas, atuando fortemente ao lado de empresas de armas e grupos detentores de interesses relacionados ao mercado bélico, este crescimento se dá justamente com a degradação dos serviços públicos na área de segurança, onde muitos estados não possuem o mínimo necessário para a proteção da sociedade, onde os presídios estão em péssimas condições e servem como verdadeiras fábricas de produção em massa de delinquentes e desocupados.

O capital domina todas as agendas e interesses da sociedade, transforma tudo em mercadorias, nesta sociedade compramos o prazer e os gozos mais intensos com direitos a repetições, desde que se tenha condições econômicas e financeiras para financiar seus prazeres, compramos os carros mais potentes que nos abrem portas em condomínios e residências de luxo para negócios altamente atraentes e rentáveis, nos garantem as fotos e as imagens mais belas nas colunas sociais, os flashes mais curtidos em todas as redes sociais e os prazeres mais intensos da gastronomia nacional e internacional.

Vivemos em uma sociedade em forte degradação, todas as estruturas da sociedade estão em crise, as famílias, as escolas, os poderes constituídos, os relacionamentos, os valores, os desejos, os sonhos, as vontades, dentre outros, mas o agente responsável por todas estas mudanças é o poder desmesurado do grande capital, este domina as mentes e transforma a sociedade de acordo com seus interesses mais imediatos.

Os relacionamentos são pautados pelos interesses monetários e se transformaram em um verdadeiro negócio, as pessoas buscam aqueles que possuem recursos econômicos para se relacionar, querem segurança em um mundo marcado pela insegurança e pelas incertezas, aqueles que possuem boa aparência e “parecem” ser bem sucedidos, ganham espaço e conseguem os “melhores relacionamentos enquanto, aqueles que não possuem recursos são deixados para trás, a lei do mercado funcionando bem em todas as áreas e setores.

O capital nos abre muitas portas e nos garante os mais interessantes programas mas, ao mesmo tempo, está gerando graves desajustes e desequilíbrios emocionais, psicológicos e espirituais para os indivíduos, criando verdadeiras compulsões e patologias contemporâneas, levando os psicólogos e as clínicas de psiquiatrias a aumentar seus faturamentos e os laboratórios a venderem mais e mais remédios para depressão, ansiedade e distúrbios variados.

Vivemos em um mundo doente, somos seres doentes emocionalmente, o capital foi criado como um instrumento de regulação de trocas e satisfação dos interesses primários, com o passar dos tempos acabou ganhando tanta força e poder, que na sociedade contemporânea somos tragados pela força do dinheiro e fazemos com que ele nos domine e nos controle, pensamos o mundo superficialmente e nos entregamos aos males do capital, estamos condenados a uma perpetuação de mediocridade e insignificância constantes. Vivemos numa contradição constante, se aderimos ao sistema nos desumanizamos e passamos a pensar sempre pela lógica dos interesses monetários e financeiros, se nos esquivamos deste sistema somos literalmente deixados de lado.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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