A Economia Brasileira viveu períodos nebulosos marcados por altos índices inflacionários e desequilíbrio nos preços, gerando graves problemas econômicos, sociais e políticos, contribuindo fortemente para uma degradação nas condições sociais e um incremento considerável na desigualdade e na exclusão social, levando o Brasil a se tornar uma das economias com indicadores sociais mais degradantes da sociedade internacional.
O processo inflacionário sempre esteve atrelado aos altos gastos empreendidos pelo Estado Nacional, gastos estes que geraram fortes desequilíbrios fiscais e financeiros, inicialmente o Estado se notabilizou como o grande promotor do processo de industrialização que, no início dos anos 80, transformou a indústria nacional na mais sofisticada dentre todos os países em desenvolvimento, deixando-nos a poucos passos de um setor industrial mais complexo e dotado de tecnologias mais desenvolvidas.
Todo o processo de desenvolvimento industrial brasileiro foi construído pelo Estado Nacional, nesta empreitada os sucessivos governos foram imprescindíveis no planejamento e na orquestração de todas as variáveis centrais para uma consolidação da indústria, desde a capacitação da mão-de-obra, passando pelo financiamento monetário, os variados subsídios e incentivos governamentais, até a atração de profissionais estrangeiros dotados de bagagem teórica e conhecimentos para a transformação do setor produtivo, transformando nossa economia de bases agroexportadoras em uma economia industrializada, dinâmica e em constante evolução.
A intervenção estatal foi imprescindível para esta construção industrial, como o país não tinha recursos privados suficientes e como as taxas de retorno eram demoradas e, muitas vezes, incertas, os investimentos do Estado foram feitos via emissão monetária, levando a um excesso de moeda em circulação na sociedade e, posteriormente, a um descontrole monetário gerador de inflação e instabilidade nos preços relativos.
A inflação era uma das características do descontrole econômico, fiscal e financeiro do país, que colocava os investidores internacionais sempre em dúvida sobre as incertezas e as instabilidades do país, muitas vezes afugentando novos investimentos produtivos e gerando preocupações na sociedade internacional quanto a solvência do Estado Nacional e sua capacidade de honrar seus compromissos financeiros.
Nesta trajetória de combate a inflação, muitos planos econômicos surgiram, uns mais consistentes tecnicamente enquanto outros se mostraram bastante frágeis e seus resultados foram reduzidos, criando um desafio que mobilizou muitos economistas nas mais diferentes áreas do pensamento econômico, desde liberais e neoliberais até os keynesianos e os estruturalistas, cada um com suas fórmulas, teorias e intensa arrogância.
Os anos 1980 representaram um momento de intensas tentativas e variados planos de estabilização monetária, desde o Plano Cruzado, passando pelo Plano Bresser e pelo Plano Verão, culminando no Plano Collor, todos inconsistentes e com resultados decepcionantes e limitados, transformando o combate a inflação como um desafio nacional.
Depois de décadas de desequilíbrios monetários e de muitos planos econômicos fracassados, em julho de 1994, entrou em funcionamento o Plano Real que, embora tenha apresentado alguns equívocos macroeconômicos, foi fundamental para que a economia brasileira vencesse este grave desajuste nos preços e nesta instabilidade monetária, responsável por um incremento na concentração de renda da sociedade brasileira.
No ambiente externo, é importante destacar, que o Plano Real foi implantado em um momento de grandes crises econômicas na sociedade internacional, entre 1994 e 1998 foram vários os países que passaram por desequilíbrios macroeconômicos e crises externas, desde México, passando pela Rússia, pela Coréia do Sul e pela Argentina, um momento de grandes incertezas e instabilidades.
O Plano Real pode ser descrito como um grande avanço quando comparamos aos seus antecessores, seu “nascimento” foi planejado pela equipe econômica que teve todos os seus passos descritos e informados para a sociedade, uma forma diferente da dos planos anteriores que foram introduzidos sem nenhuma informação prévia, gerando ganhadores e perdedores que, muitas vezes, se mobilizavam para fraudar e denegrir a tentativa de estabilização.
A inflação sempre beneficiou os grupos mais bem organizados da sociedade, aqueles que são capazes de construir instrumentos de defesa e evitando a desvalorização de seus recursos e a defesa de seus rendimentos monetários. Os maiores ganhadores com a inflação são os governos, que emitem moeda e ganham com o poder de senhoriagem e os bancos, que faturam alto com os recursos parados nas contas correntes de seus correntistas, estes recursos são investidos pelas instituições financeiras e seus rendimentos são apropriados em forma de ganhos adicionais, engordando os lucros bancários.
Como os governos são os grandes ganhadores com a inflação, muitos acreditavam que, dificilmente, estes mesmos governos adotariam medidas para acabar com os desequilíbrios monetários. Estas medidas somente foram adotadas, quando estes governos foram pressionados pelos investidores e governos internacionais, que viam esta instabilidade como um limitador de seus investimentos e passaram a exigir políticas de estabilização mais consistentes e um monitoramento das instituições financeiras globais, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD).
O programa começou a ser implementado no governo Itamar Franco e foi construído por uma equipe econômica de respeito, formada por economistas do calibre de Edmar Bacha, Pérsio Arida, Gustavo Franco e André Lara Resende, todos supervisionados pelo Ministro da Fazendo Fernando Henrique Cardoso, responsável pela ligação entre as questões técnicas e as questões políticas relacionadas a presidência da República.
Outro ponto importante que vale a pena destacar, é com relação as questões políticas da época, naquele momento existia uma oposição forte que usava todos os expedientes para boicotar o plano e inviabilizar a melhora do ambiente macroeconômico, temendo que neste cenário suas chances de ganhar eleições presidenciais seriam reduzidas imensamente. O grande partido de oposição, no período, era o Partido dos Trabalhadores (PT), cujo potencial de oposição era elogiado, mas sua capacidade de proposição era sempre limitada e concentrada em interesses corporativos e eleitoreiros, este grupo político ganhou as eleições em 2002 e governou até o impeachment da presidente Dilma Rousseff e teve como principais resultados grandes políticas sociais e graves desequilíbrios fiscais e financeiros que levaram o país a flertar com a insolvência.
Antes da entrada em funcionamento da nova moeda, o Real, a equipe econômica costurou a criação de um indexador único para a economia, entra em vigor a Unidade Real de Valor (URV) que, mais do que antecipar seu nome, fez a transição com a moeda anterior, o cruzeiro real. A URV foi considerada pelos teóricos como um prodígio da engenharia econômica que, lançado a três meses antes, permitiu que, aos poucos, a sociedade abandonasse a moeda desvalorizada e migrasse para um indexador estável.
O Plano Real apresentou resultados auspiciosos, reduziu a inflação rapidamente a padrões aceitáveis internacionalmente, atraiu uma grande quantidade de recursos financeiros, viabilizando investimentos produtivos e iniciando uma nova fase para a sociedade, deixando para trás um modelo centrado no Estado desenvolvimentista e iniciando a construção de um novo paradigma, marcado pela redução do papel do Estado na economia, pela abertura econômica, pelas privatizações e por um incremento da concorrência entre os atores econômicos.
Destacamos ainda, algumas medidas que foram descritas, na época, como fundamentais para o plano de estabilização, dentre elas destacamos: quebra de alguns monopólios da Petrobrás, criação de agências reguladoras (ANP, Anatel, ANS, Anvisa, etc,), extinção ou privatização de bancos públicos, vistos como sorvedouro de recursos para os governos estaduais, ajuste no sistema bancário privado que perdeu fontes de recursos com a queda da inflação, renegociações de dívidas e programas de ajustamentos das finanças estaduais dos quais resultaria, alguns anos a frente, a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Neste período foram alienadas muitas empresas vistas anteriormente como grandes ícones da economia brasileira, nesta batalha o governo federal angariou grande inimizade e foi muito criticado por grupos corporativistas, eram verdadeiras joias da coroa, onde destacamos a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, dos bancos estaduais e da Telebrás, dentre outras.
Depois de vinte e cinco anos de Plano Real, muitas foram as conquistas oriundas da estabilização monetária, poucas pessoas duvidariam de que o fim da hiperinflação, que transferia renda para quem dela podia se proteger, teve um impacto social positivo para a sociedade brasileira, seus ganhos iniciais foram imensos e propiciaram uma melhoria na renda de uma parcela considerável da população, que anteriormente viam seus recursos serem dragados pelo chamado imposto inflacionário.
Embora saibamos que neste período a economia brasileira passou por grandes e fundamentais transformações, se analisarmos estrategicamente todas estas mudanças, vamos perceber que, na lógica econômica o país passou por uma verdadeira revolução, muitas foram as alterações econômicas, mas neste ínterim, as mudanças políticas foram muito reduzidas, em muitos casos impercebíveis e pouco significativa para as grandes mudanças econômicas.
Dentre os maiores equívocos do Plano Real, devemos destacar a política de valorização da moeda, o câmbio valorizado aumentou a entrada de produtos importados e aumentou a competição interna, obrigando os agentes econômicos locais a adotar uma postura diferente. Neste período, muitas empresas nacionais foram transferidas a empresários estrangeiros, aumentando a desnacionalização, enquanto outras empresas quebraram em decorrência deste ambiente competitivo e da reestruturação econômica.
O câmbio valorizado estava diretamente atrelado a altas taxas de juros que atraíram grandes somas de recursos para o setor externo da economia, gerando uma verdadeira avalanche de dólares que, como resultado imediato, valorizava em excesso a política cambial, gerando estragos nas contas externas que obrigaram o governo a assinar inúmeros acordos com instituições financeiras globais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI).
Em decorrência destas políticas, a indústria nacional sofreu um processo de desindustrialização, com graves consequências no cenário externo, com queda nas exportações e internamente, com um incremento no desemprego e uma piora do emprego regular, em decorrência de uma fragilização maior dos setores exportadores, fortemente afetados pelo câmbio.
A estabilidade monetária trouxe inúmeros benefícios para a população, gerando um aumento de renda e uma melhora no consumo, este incremento se voltou fortemente para a compra de produtos importados, diante disso, as importações cresciam de forma acelerada e consistentes, gerando uma tendência forte de déficits nas contas externas e obrigando o governo a se endividar no mercado internacional de crédito, elevando os desembolsos futuros.
Outro ponto fundamental para que entendamos o Plano Real, foi o crescimento da dívida pública, os indicadores mostram que a queda da inflação e o fim do imposto inflacionário, exigia dos governos uma reestruturação fiscal e uma melhoria nas contas públicas, sem elas, os governos precisavam angariar recursos no mercado de crédito, com incremento nas dívidas públicas.
As demandas são sempre imensas em uma sociedade como a brasileira, o Plano Real foi um grande avanço para a economia, garantindo ganhos generalizados no inicio e alguns desequilíbrios na implantação, o câmbio e os juros altos foram, com toda certeza, dois efeitos colaterais bastante negativos para a economia do país, que contribuíram para uma desindustrialização da economia e uma piora nas contas externas.
Depois de vinte e cinco anos, as condições econômicas atuais são desafiadoras, mas melhores do que nos anos 90, muitas das medidas que deveriam ter sido implementadas não foram e a tão sonhada modernização da economia brasileira não aconteceu, na atualidade muitas destas medidas estão sendo discutidas e, algumas delas, devem ser aprovadas e implementadas, gerando novos ambientes de investimentos e crescimento econômico.
Depois de vinte e cinco anos, o Real se transformou na mais longeva moeda em circulação na sociedade brasileira, superando o cruzeiro, seus ganhos são enormes, a estabilidade monetária deve ser vista como um passo fundamental, mas seus desafios na construção de um país mais justo e desenvolvido não são menores e devem ser encarados imediatamente.