Aumento do PIB não vai trazer ajustes fiscais para o País, Mendonça de Barros.

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Mesmo com resultado positivo, resposta do PIB ainda não pode ser levada a longo prazo quando se fala em ajuste fiscal

José Roberto Mendonça de Barros.

O Estado de São Paulo, 12/06/2022

Acho inacreditável que a melhora da relação dívida/PIB leve a interpretações da existência de um ajuste fiscal estrutural no País. Explico o porquê.

A aceleração da inflação reduz o coeficiente, porque o PIB nominal cresce mais rápido do que a dívida. Além disso, cai o salário mínimo e, em consequência, reduzem-se os gastos da Previdência. Da mesma forma, derruba a folha de salários em termos reais. O problema é que isso será revertido em prazo curto, tanto pela queda na inflação resultante dos juros altos como porque as grandes corporações irão brigar pela reposição salarial em 2023.

A arrecadação de impostos cresceu em boa parte por conta do choque de commodities. Ora, é bastante provável que o ciclo desses preços se reverta no próximo ano pela esperada redução no crescimento global.

Da mesma forma, o forte crescimento do PIB de 2021 teve efeitos positivos na coleta de impostos, que em parte são pagos neste ano, como o ajuste do Imposto de Renda. Isso não mais se repetirá, dadas as modestas projeções para 2022 e 2023.

Além disso, o processo orçamentário regular está completamente destruído por conta do crescimento das emendas parlamentares, especialmente as de relator. Essas transferências são paroquiais, mal distribuídas, pouco transparentes e de escasso efeito no crescimento. Basta pensar em obras inacabadas e shows sertanejos.

O pior de tudo é que não existe mais uma regra fiscal, pois o teto foi tantas vezes perfurado que virou uma ficção. Não há estabilidade macroeconômica sem uma âncora fiscal crível.

O populismo fiscal chegou com tudo. Convencido de que não ganhará a eleição com a inflação tão alta, o presidente da República, com o entusiasmado apoio do seu ministro da Economia, enviou para o Congresso um pacote de medidas que busca reduzir os preços da energia. Ele tem três elementos: a limitação do ICMS em vários produtos em 17%, a zeragem dos impostos federais nos combustíveis e um pretenso estímulo para que Estados reduzam a zero a alíquota desses produtos, pelo menos até depois das eleições. O pacote total tem o astronômico custo fiscal de R$ 90 bilhões em 12 meses.

O pior de tudo é que, mesmo se aprovado, os preços na bomba podem não cair. Dificilmente os Estados concordarão em, voluntariamente, reduzir a zero o ICMS. É esperado que até o fim do ano o preço internacional do petróleo suba ainda mais. E o real deve se desvalorizar em resposta à farra fiscal, como já ocorreu nos últimos dias.

A herança fiscal será lamentável.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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