Auto-obsessão: quando somos os nossos próprios algozes.

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A Doutrina dos Espíritos nos trouxe grandes instrumentos de reflexão e melhorias íntimas, mostrando-nos os equívocos que cometendo e nos auxiliando na construção de uma estrada mais consistente e estruturada para alcançarmos nosso progresso interior, somos frutos de nossas escolhas e de nossas experiências, nestas caminhadas caímos e nos levantamos sempre em busca de um progresso que, mesmo nos parecendo distante, será alcançado por todos num determinado momento, uns mais rapidamente enquanto outros demandarão mais tempo, mas todos vamos encontrá-lo.

O Espiritismo nos trouxe informações preciosas da vida e da existência de um mundo depois da morte física, mostrou-nos ainda, que a morte não existe e que estamos, neste mundo e no outro, num grande processo evolutivo, a evolução não dá saltos, quando deixamos o mundo material não nos tornamos melhores e mais conscientes, alguns espíritos mais conscientes e maduros até conseguem enxergar mais nitidamente, mas a grande maioria dos indivíduos mourejam na obscuridade e na ignorância.

A Doutrina dos espíritos nos revelou ainda, a existência de obsessores e perseguições espirituais, entidades que muitas vezes se deixam dominar pelos rancores e ressentimentos, cultivando sentimentos inferiores e os deixando se transformar em ódio, diante destes sentimentos, muitas entidades perseguem outros irmãos, buscando vinganças e revanches, deixando que estes sentimentos menores os transformem em vingadores dominados pela maldade. As lições codificadas por Allan Kardec, que se manifestaram através de O Livro dos Espíritos, foram importantes para acabar com as crenças católicas de demônio e de exorcismo, além de condenar muitas das técnicas e dos tratamentos dos hospitais psiquiátricos, que se utilizavam de choques e de violência para reprimir uma suposta loucura dos indivíduos, gerando dores e aumentando as angústias internas.

Com as informações trazidas e com o crescimento de seus adeptos, surgem casas espíritas, seminários, congressos e locais onde as teses espíritas passam a ser discutidas e prosperando rapidamente, autores importantes e intelectuais renomados abraçam as causas doutrinários, dentre eles podemos destacar vultos da intelectualidade européia, desde Camille Flamarion, León Denis, Ernesto Bozzano, Charles Richet, entre outros nomes de destaque.

Um dos temas mais fascinantes da doutrina espírita é a questão da obsessão, o fenômeno sempre esteve muito presente nas sociedades, incomodando e gerando constrangimentos variados para as famílias, desde a de nobres e abastados industriais da época até de trabalhadores mal remunerados e pessoas que viviam na indigência social e econômica. Neste ambiente, as teses que defendiam técnicas de exorcismo eram as mais comuns, embora agressivas e marcadas por certo exibicionismo, davam um grande poder aos membros da Igreja católica e se mostravam frágeis e insuficientes para resolver as questões ligadas as obsessões.

A nova doutrina trazia formas diferentes de lidar com esta questão, entendia o processo de forma diferente e via uma ausência de loucura, mas uma perseguição espiritual, onde o espírito ora obsessor buscava ressarcir suas perdas com o encarnado, cobrando-lhe aquilo que acreditava ser seu de direito ou queria impingir no obsidiado dores e moléstias para se vingar de atitudes e gestos cometidos anteriormente, tudo isto gerava graves constrangimentos ao perseguido e aos seus familiares que estavam intimamente ligados.

A Doutrina dos Espíritos nos mostra que as entidades, perseguidor e perseguido são, na verdade, indivíduos que possuem vínculos sólidos e antigos, estes vínculos tem as suas origens em experiências anteriores, muitos deles estão interligados a muitos anos, décadas ou até mesmo séculos, nestes períodos estes espíritos cultivaram alguns conflitos, confrontos ou brigas que acabaram gerando desequilíbrios na relação, sendo cobrados nesta experiência física.

A nova profilaxia estava centrada na conversa e no esclarecimento do obsessor, muitos deles não são maus ou violentos, apenas estão dominados pela busca constante de vingança, esta visão acaba com a ideia de que, nesta relação, existem mocinhos e bandidos, a doutrina espírita nos mostra que somos todos culpados por erros cometidos anteriormente, o obsessor que hoje se coloca como vítima pode ter sido, em outras oportunidades, o grande algoz, o responsável pelo crime ou pelos deslizes cometidos, mesmo assim, este espírito prefere cobrar de outros a assumir suas responsabilidades de equívocos anteriores.

A Doutrina dos Espíritos nos mostra claramente que não existem vítimas, por mais que nos emocionemos com as dores e as dificuldades dos outros indivíduos, todos somos algozes, todos cometemos erros e equívocos variados e devemos responder por estas nossas atitudes. Mesmo nos emocionando com as dores alheias, devemos reconhecer que temos um passado marcado por desequilíbrios, cometemos os mais intensos desatinos e devemos compreender que as leis são educativas e não punitivas, as dificuldades servem para nos elevar e nos fazer crescer e não para nos maltratar e nos humilhar, gerando mais constrangimentos e desequilíbrios.

Dentre os vários tipos de obsessão, destacamos a auto-obsessão, que acontecem aos milhares na sociedade, todos passamos por situações parecidas, quantas vezes nós ficamos remoendo coisas antigas, pensamentos e situações vividas a muitos anos, situações que nos trouxeram momentos de prazer e alegria, mas que já ficaram para trás e deveria ter sido superadas, se continuamos a remoer esta situação é porque alguma coisa ficou mal resolvida na nossa história, remoer esta situação apenas nos fará mal e tende a gerar graves desequilíbrios interiores, gerando constrangimentos e ressentimentos.

Quando falamos e refletimos sobre a auto-obsessão, estamos desviando o olhar do obsessor/exterior e concentrando no indivíduo/interior, sendo o indivíduo o grande obsessor de si mesmo, aquele que precisa, urgentemente, compreender seus ingredientes, tais quais: culpa, remorso, causas diversas a fim de que possa superar o problema, superando os momentos difíceis e construindo cenários e perspectivas mais saudáveis.

A culpa e os remorsos podem gerar nos indivíduos graves desajustes, que quando não são resolvidos por completo podem ocasionar graves desequilíbrios emocionais e espirituais, levando muitos indivíduos a uma auto-obsessão que pode gerar uma sabotagem completa, criando ressentimentos, rancores e mágoas intermináveis.

Muitas pessoas viveram relacionamentos intensos, marcados por uma paixão alucinante, esta situação ainda não foi superada para um dos envolvidos e este a remove com constância, revive uma situação que a muito não mais existe, faz planos e inventa situações não vividas, mas imaginadas e, com isso, sua mente e seu pensamento plasmam imagens e prazeres constantes. O resultado imediato desta situação é que o indivíduo cria um processo obsessivo e o cultiva no cotidiano, gerando graves desequilíbrios que podem levá-lo a loucura e a insanidade, com graves constrangimentos para o espírito imortal.

A auto-obsessão é fenômeno muito mais comum do que as pessoas imaginam, na contemporaneidade muitos indivíduos sonham com situações que dificilmente se tornarão uma realidade num futuro próximo, muitos se veem em situação de desfrute financeiro e material muito além de suas posses, se estes pensamentos crescerem e sair do controle dos indivíduos, podem se tornar fonte de graves desajustes emocionais, levando-os a terapias em clínicas de psicologia ou, em casos mais intensos, em clínicas psiquiátricas.

Os seres humanos tem sido orientados desde os tenros anos de vida e olhar para o ambiente externo, crescemos e nos desenvolvemos, iniciamos nossas atividades profissionais, nos relacionamos e depois casamos, constituímos famílias e nos envolvemos tão intensamente com as atividades do cotidiano e nos esquecemos de olhar para nosso íntimo, diante disso, não aprendemos a lidar com nossos sentimentos, nossos desejos e vontades muitas vezes estão descontrolados e quando paramos para refletir estamos envolvidos em uma teia de desequilíbrio que pouco sabemos como lidar e compreender, diante disso, faz-se fundamental seguirmos a máxima de Sócrates quando nos disse Conheça-te a si mesmo.

            Acrescentamos ainda, que numa sociedade marcada pela concorrência crescente entre os agentes econômicos, onde as pessoas se entregam, cada vez mais, ao trabalho profissional e a sobrevivência material, deixando de lado valores mais íntimos, sentimentos mais internos e emoções mais aceleradas, acreditando que estas dores e sentimentos internos serão preenchidos com bens e valores materiais, ledo engano destes indivíduos e desta sociedade, que observa atônita um crescimento acelerado no suicídio, na depressão, na ansiedade e nos transtornos emocionais e espirituais.

Sem se conhecer, sem refletir sobre seu papel no mundo e sem buscar um equilíbrio emocional e espiritual, o indivíduo tende a se deixar levar por vontades e desejos hedonistas, prazeres imediatos e gozos abundantes, nesta trilha os prazeres materiais são imensos, mas os vazios existenciais criados pela ausência de uma espiritualização são cada vez maiores, deixando um grande hiato nos valores do indivíduo.

O tema obsessão sempre esteve na berlinda na literatura espírita, muitas são as obras que analisam a temática e nos trazem grandes ensinamentos sobre questão, tão complexa e empolgante, o tema auto-obsessão, embora fundamental, ainda é estudado com menor ênfase, alguns autores de destaque, como Yvonne do Amaral Pereira e André Luiz, além de obras relevantes de Suely Caldas Schubert e Divaldo Pereira Franco, refletiram fortemente sobre a auto-obsessão, nos trazendo importantes contribuições para a sociedade e desnudando um tema que está presente muito fortemente no cotidiano das pessoas, gerando graves constrangimentos individuais e traumas generalizados para todos os entes queridos e familiares.

Quando, nos trabalhos mediúnicos, nos deparamos com a obsessão e temos a oportunidade de conversar com o obsessor, encontramos dramas e histórias marcadas por ressentimentos e angústias constantes, nesta situação encontramos situação que remetem a outras encarnações que estão vivas na mente do espírito ora agressor. Ao analisar os casos de auto-obsessão, percebemos a ausência de agentes exteriores, todo o processo acontece intimamente, o obsessor é a mesma pessoa do obsidiado, nestes casos, as soluções são deveras complexas e, muitas vezes demoradas, isto porque envolve dramas da alma, conflitos internos e profundos e dores que perpassam a encarnação presente e tem suas raízes na parte mais íntima do ser humano, se encontram nas profundezas da alma, num local onde o adentrar só é permitido àquele que, além de conhecer a senha e possuir as chaves, seja dotado de sentimentos nobres, puros  e mais conscientes, a reflexão íntima e a oração são fundamentais, mas a reforma íntima e a atitude no bem fazem a diferença e auxilia no crescimento e na consolidação do progresso e no rechaço de pensamentos negativos e sentimentos inferiores.

Muitas pessoas buscam informações sobre o que foram em encarnações anteriores, se assustam quando ficam sabendo e, muitas delas, se desesperam, criando situações negativas e altamente perturbadoras. O medo dos erros cometidos no passado gera no indivíduo grande desesperança com relação ao futuro, preocupações inexistentes podem aparecer depois de descobertas de equívocos em vidas anteriores, sem equilíbrio e consciência desenvolvidos, a descoberta pode gerar graves transtornos e auto-obsessão, somos todos marcados por graves desequilíbrios, os erros anteriores não podem ser reparados, mas as melhoras individuais devem ser construídas no futuro e isto só será possível com trabalho, oração e muita disciplina, com estas três atitudes nenhuma obsessão ou auto-obsessão se perpetuará por muito tempo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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