A desigualdade subsidia as elites? por Michael França

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História do Brasil é a de um presente aprisionado no passado

Michael França. Ciclista, vencedor do Prêmio Jabuti Acadêmico, economista pela USP e pesquisador do Insper. Foi visiting scholar nas universidades de Columbia e Stanford.

Folha de São Paulo, 26/05/2025.

O problema não está apenas na desigualdade de renda, mas também na de influência. A elite econômica não concentra só patrimônio, mas também determina prioridades políticas e financia as campanhas que desenham o Estado. Um Estado que supostamente deveria garantir equidade, mas que frequentemente se dobra aos interesses de quem pode pagar mais por sua atenção.

É assim que os vencedores do passado legam aos seus descendentes não apenas riqueza, mas também os meios para seguir vencendo, com o poder da influência, redes de proteção mútuas e um Estado moldado para manter quase tudo como está. Essa engrenagem se mostra com nitidez quando olhamos como a desigualdade do presente foi moldada pelo passado, em um arranjo que se apoia, por exemplo, em uma ampla base de trabalho pouco valorizado, que sustenta, com esforço diário, o conforto daqueles que possuem maior renda.

A ampla oferta de mão de obra pouco qualificada e mal remunerada garante à elite acesso a serviços baratos. Domésticas disponíveis sete dias por semana, entregadores pedalando sem proteção social, motoqueiros se acidentando pelas ruas da cidade, babás que gastam mais tempo com os filhos dos outros do que com os próprios filhos e cuidadoras que dedicam a vida ao cuidado dos idosos, enquanto seguem sem saber se, um dia, alguém cuidará delas com a mesma devoção.

Tudo isso reduz o custo de vida dos mais ricos. Em países desenvolvidos, um estilo de vida confortável como esse costuma exigir arcar com um custo maior pelo tempo do trabalho dos outros. Neles, o Estado tem um papel redistributivo importante e há uma sociedade que, ainda que com falhas, costuma reconhecer o valor de quem serve. No Brasil, a desigualdade subsidia o privilégio e as elites dificilmente pagam um valor justo por aquilo que consomem.

Mas, veja… Não foi por acaso que temos uma grande massa de trabalhadores pouco qualificados. Ao contrário de outras nações que enxergaram na educação um caminho para formar cidadãos e fortalecer instituições, o Brasil preferiu manter a escola longe dos mais desfavorecidos.

Desde o Império até o século 21, a história educacional do país é menos uma marcha rumo ao progresso e mais uma crônica da contenção. A contenção de uma elite que jamais considerou prioridade formar o povo.

Até durante a ditadura militar o discurso da integração pelo desenvolvimento não passou de retórica. O ensino foi massificado, mas também esvaziado. Gerou uma educação voltada para bater continência à hierarquia social. Professores desvalorizados, escolas sem infraestrutura adequada e currículos que reforçam um modelo de sociedade baseado na obediência à desigualdade ainda dão a tônica de nosso sistema educacional.

Hoje, mesmo com avanços pontuais, o Brasil ainda é prisioneiro desse passado que faz com que a elite viva de um país que trabalha para ela. Sua riqueza não é um acidente. Em muitos casos, pouco tem a ver com o esforço. Ela é o resultado de uma estrutura social construída para sugar energia de baixo e concentrar dividendos no topo.

 

 

Curso de Gestão Hospitalar – Fatec Barretos, 2025

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A revolução do óbvio, Túlio Augustus Silva e Souza.

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É difícil desconstruir o imaginário de que o bem-sucedido financeiramente é um ente divinal; deslumbramento com bilionários é chaga nacional

Túlio Augustus Silva e Souza, Professor e doutor em sociologia (USP)

Folha de São Paulo, 26/05/2025

Um confiável termômetro sobre o desatino de uma época é a capacidade de seus contemporâneos de se entorpecerem diante de uma simples obviedade. Se, como reza o ditado, em terra de cego quem tem olho é rei, vale acrescentar que, em palco de maluco, quem junta lé com cré vira gênio. Em tempos normais, o óbvio só consegue ser banal. Mas, na era do descalabro, o truísmo pode adquirir status de verdade revelada.

Nessa segunda categoria se insere a pregação de Abigail Disney, herdeira de fortuna e sobrenome que dispensam apresentações. Em entrevista à Folha (“Precisamos parar de idolatrar os ricos, diz herdeira da Disney “, 5/5), a cineasta filantropa, que visitou o Brasil recentemente, disse algo que vem a calhar nestes tempos aziagos. Segundo ela, o mundo precisa parar de idolatrar os ricos, achando que eles sabem mais. Atentemo-nos: cifras demais não necessariamente são neurônios a mais.

Com a autoridade de quem já doou US$ 70 milhões de sua fortuna e diz ter encontrado na filantropia uma felicidade que seu dinheiro antes não comprara, Abigail lidera uma organização de ricaços a favor de uma maior taxação de fortunas. E emenda: “Todo bilionário que não consegue viver com US$ 999 milhões é uma espécie de sociopata”. Lapidar.

Mais do que o passatempo preferido de alguns ricos, o de parecer bonzinho, a exortação da neta de Roy O. Disney (que fundou a The Walt Disney Company com o irmão, Walt) é pílula de sensatez em uma época que tem naturalizado a idolatria a Bilionários, por mais que suas opiniões políticas fascistoides favoreçam tudo, menos um mundo de mais justiça e equidade.

Quando se lembra, conforme pesquisas, que na Faria Lima os nomes de “Marçais e Gusttavos Limas” despontam como líderes desejáveis, a fala de Abigail adquire o peso de uma verdade incômoda.

O deslumbramento com os Tios Patinhas da vida real virou uma chaga que a sociedade brasileira exibe orgulhosa. No Congresso Nacional, de 2025, por exemplo, é mais difícil encontrar um oposicionista defendendo a justa redução dos impostos da cesta básica, conforme preconizado pelo governo, do que um representante do povo afoito para vociferar contra a taxação de fortunas, medida adotada em todo o mundo desenvolvido. A declaração do presidente do PP, Ciro Nogueira, confessando pretender aliviar qualquer aumento de impostos para o 0,006% mais rico é uma evidência da plutofilia da elite nacional.

Noves fora a interrupção de uma sessão congressual que discute um problema coletivo para tirar selfie com a influencer Virgínia Fonseca.

Uma das tarefas mais bem-sucedidas do neoliberalismo a granel nas consciências contemporâneas é exatamente a leitura de que qualquer indivíduo que porventura tenha alcançado a riqueza o fez apenas por méritos próprios, sem qualquer vínculo ou relação com o meio, as circunstâncias ou a sociedade que o cerca. Diante desse imaginário, fica mais fácil heroicizar todo e qualquer milionário.

Acrescente-se ainda uma mentalidade difundida Brasil afora com as novas versões da Teologia da Prosperidade, segundo a qual o sucesso é sempre uma recompensa ao esforço individual. Nesse caldo cultural, portanto, constrói-se a versão idealizada de que o rico, seja ele herdeiro ou “self-made man”, é sempre um incontestável merecedor da riqueza que o precede. Na gramática moral contemporânea, enriquecer via “jogo do tigrinho” é tão louvável quanto ganhar o Prêmio Nobel.

Desconstruir o imaginário de que o bem-sucedido financeiramente é um ente divinal entre os mortais não é tarefa fácil. Corre-se sempre o risco de se resvalar para uma aversão tola à prosperidade, que é sim bem-vinda, obrigado. Mas o apontamento da herdeira de Mickey Mouse faz todo sentido. Estimular que os ricaços doem quantias vultosas a projetos promovedores de equidade é um ato civilizatório. Todos ganham em uma sociedade com menos desigualdade. E que os ricos comecem a se dar conta disso é uma obviedade que pode nos salvar.

Como funciona o partido digital bolsonarista, por Camila Rocha.

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A forma de organização é uma inovação política alinhada ao espírito algorítmico de nossos tempos

Camila Rocha, Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.

Folha de São Paulo, 26/05/2025

O PL (Partido Liberal), legenda que abriga Jair Bolsonaro desde 2021, é apenas um hospedeiro institucional do bolsonarismo. Sua verdadeira organização política é uma máquina digital de poder descentralizada, com base digital e estratégias próprias, que opera à margem das regras formais da política.

Tal forma de organização é uma inovação política que nasceu alinhada ao novo espírito algorítmico de nossos tempos. Daí o nome: “partido digital”.

É o que argumentam pesquisadores do Centro para Imaginação Crítica do Cebrap (CCI/Cebrap) que, em parceria com o Instituto Democracia em Xeque e o Projeto Brief, realizaram uma série de levantamentos de dados para demonstrar por que faz sentido falar em partidos digitais.

“O bolsonarismo não é apenas um grupo de apoio a um líder, mas uma forma organizativa nascida no ambiente digital, que hackeia o sistema partidário tradicional para a disputa política eleitoral”, explica Ana Cláudia Chaves Teixeira, pesquisadora do CCI/Cebrap e professora de ciência política da Unicamp. “Ao operar em paralelo, o partido digital contorna as legislações eleitorais, modos de financiamento, bem como consegue operar de maneira nova a mobilização de sua base.”

É justamente tal modo de organização política que teria permitido a hegemonia política de Bolsonaro no campo das direitas sem a necessidade de um partido próprio ou de vínculos estreitos com lideranças políticas tradicionais. E, mais importante, mantendo um discurso antissistema radical.

Desde o início de sua vida política, Bolsonaro já passou por oito partidos. A agremiação em que permaneceu mais tempo foi o PP, fundado a partir de setores da Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido de sustentação da ditadura militar.

Quando se tornou a principal liderança política da extrema direita brasileira, Bolsonaro estava abrigado no PSC (Partido Social Cristão). Na época, de 2016 a 2018, o partido havia começado a receber um grande influxo de jovens querendo se filiar, algo até então inédito para siglas fisiológicas de direita. A maioria se declarava fã de Bolsonaro e Olavo de Carvalho.

Para viabilizar sua candidatura à Presidência, o partido pagou um curso de media training para Bolsonaro para amenizar seu estilo agressivo. Além disso, para aproximá-lo do eleitorado evangélico, o então líder do partido, Pastor Everaldo, da Assembleia de Deus, batizou Bolsonaro, que é católico, no Rio Jordão, em Israel.

Porém a radicalidade de Bolsonaro impediu sua permanência na sigla. A gota d’água foi uma aliança com o PC do B que possibilitou a eleição de um evangélico e de três vereadores comunistas. Depois disso, o bolsonarismo tentou se organizar em um partido único por duas vezes com duas siglas: Patriota e Aliança Brasil. Foi um fracasso retumbante.

De fato, os políticos bolsonaristas dificilmente conseguem se sentir representados por qualquer uma das siglas de direita brasileiras. Afinal, ao contrário da maioria dos políticos brasileiros, os bolsonaristas mais aguerridos querem fazer a grande política. E, para disputar corações e mentes hoje, as redes são imprescindíveis, os partidos tradicionais, não.

 

As elites querem o fim da universidade pública, por João Carlos Salles

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Folha, outra vez, encampa o obscurantismo: acusa Ensino Superior de projeto fracassado, caro e cabide de empregos. Lula acena com a suspensão do contingenciamento de verbas. Mas a mobilização não pode parar em gabinetes. Exige outra definição das prioridades nacionais

João Carlos Salles – OUTRAS PALAVRAS – 23/05/2025

  1. É claro o projeto das elites conservadoras para a universidade. Com rara felicidade, a Folha de S. Pauloo sintetizou no Editorial “Não haverá dinheiro que baste para universidade públicas”, de 23 de maio de 2025, reagindo ao manifesto conjunto da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira para o Progresso das Ciências (SBPC) — que, com plena razão, mostraram que o contingenciamento ora definido pelo governo federal favorece o desmonte da universidade pública em nosso país.

Os redatores da Folha são competentes. Eles são capazes de enunciar, em poucas linhas, toda a pauta reacionária, que não associa a universidade a um projeto de nação verdadeiramente democrática. Sem dúvida, com seu modo característico de simular a apresentação de argumentos em texto tão somente eivado de preconceitos, a Folha de S. Paulo mostra que tem lado. É verdade que ainda o faz sem as surpreendentes bravatas de um Trump, mas ela não está mais muito distante da retórica dos governos anteriores. Assim, ao condenar o “tom catastrofista” do manifesto da ABC e da SBPC, assume ela própria um requentado tom catastrofista, bastante digno de Bolsonaro.

No Editorial, as universidades aparecem como um projeto fracassado e caro, um inútil poço sem fundo, no qual, ademais, servidores docentes e técnicos atrevem-se a fazer greves, tendo o condenável benefício da estabilidade. Para começo de conversa, a Folha considera a universidade uma repartição pública qualquer, que não teria dignidade própria nem mereceria ser protegida das intempéries da economia. As universidades, afirma o Editorial, são meros “exemplos de distorções e vícios da gestão pública”. Já vai longe aqui o momento em que até a Folha reconhecia o valor das universidades, por exemplo, no combate à pandemia.

As bandeiras reacionárias parecem brotar como se fossem óbvias, expressando preconceitos ignorantes em letra de forma: fim da estabilidade dos professores, da gratuidade do ensino e, sobretudo, da garantia do financiamento público da educação superior — medidas que sabemos inconsistentes, mas podem ter grande apelo retórico. Em suma, para a Folha et caterva, a universidade parece mais abjeta que o próprio obscurantismo. Com efeito, a próxima campanha eleitoral começa, e o lugar de produção da pesquisa e do conhecimento no Brasil deve tornar-se um alvo a ser desmontado: “Trata-se de um modelo custoso, iníquo e de baixo incentivo à eficiência, defendido à base de discurso ideológico e prática corporativista”.

  1. Temos indícios positivos de que a reação do presidente Lula vai em outra direção. A nota da ABC e da SBPC, em vez de lhe provocar engulhos como à Folha, parece suscitar o aceno de que Lula receberá os reitores e que, então, poderá até anunciar a suspensão do contingenciamento para as universidades federais.

Não poderíamos esperar outra atitude. Nesse caso, se confirmado, fica a lição para aqueles que pensam ajudar o atual governo evitando qualquer crítica. A mobilização decidida e a crítica necessária ajudam nossos governantes a não serem tragados pelas pautas reacionárias. Com isso, nossos louvores à ABC e à SBPC, bem como a quantos vocalizam a luta, tanto urgente quanto de longa duração, em defesa da universidade pública, gratuita e de qualidade.

Com justa alegria, reitores já comemoram nos bastidores. Não obstante o possível alívio, parece que essa boa e justa acolhida está longe de significar uma autêntica guinada nos rumos das prioridades nacionais. Que o governo Lula não sacrifique as universidades é algo que está à altura de sua história, de seu melhor legado, pois sua política fez expandir a rede de universidades por todo país e permitiu o acesso ao ensino superior de muitos outrora sistematicamente excluídos. Faz, então, muito bem o líder que acolhe, mas não para refrear uma luta ainda mais ampla e franca pelos valores mais elevados que, aliás, no momento, somente ele pode representar.

Que os atores da cena universitária leiam os sinais. As águas se dividem, os campos se desenham. Nesse cenário de grande confronto entre projetos opostos de nação, não há de bastar o mero alívio das dores agudas das nossas instituições. Reitores não podem contentar-se com sobreviverem a seus próprios mandatos, mesmo com eventuais conquistas e algumas inaugurações. Afinal de contas, está em jogo o destino da universidade. Assim, não basta remediar, é preciso curar um mal e combater uma narrativa, cabendo à ANDIFES uma resposta firme ao Editorial da Folha.

É preciso, pois, deslocar a educação pública para o lugar de prioridade nacional, de sorte que ela contribua, inclusive, por seus essenciais serviços à nossa nação, para afastar de forma duradoura os insistentes fantasmas do obscurantismo.

Lula deve agir nesse momento de urgência, e os reitores devem, sim, celebrar sua atitude. Mas é preciso mais. A mobilização não pode parar nos gabinetes, uma vez que o governo Lula e as universidades não podem fechar os olhos para a dimensão do ataque, nem recusar esta oportunidade para afirmar, perante a sociedade, a bandeira da educação. Se as soluções não forem de grande monta, se não implicarem uma autêntica redefinição das prioridades nacionais, estaremos oferecendo para uma luta ideológica de largo espectro apenas uma saída passageira e insuficiente, porquanto marcada por sua imediatez e tibieza

Saúde mental e trabalho, por Rodolfo Furlan Damiano

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Rodolfo Furlan Damiano – A Terra é Redonda – 09/05/2025

Estamos presenciando uma revolução silenciosa na forma como a sociedade brasileira enxerga a saúde mental

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Em 2024, o Brasil registrou um número alarmante de 472.328 afastamentos por transtornos mentais relacionados ao trabalho, representando um aumento expressivo de 68% em relação ao ano anterior. Este dado não é apenas uma estatística fria, mas o reflexo de uma crise real enfrentada diariamente por milhares de trabalhadores brasileiros.

Como psiquiatra, observo cotidianamente em meus atendimentos o impacto profundo que o ambiente laboral exerce sobre a saúde mental das pessoas. Entretanto, esse aumento nos afastamentos possui uma dupla leitura: por um lado, indica o agravamento das condições de trabalho; por outro, revela um avanço importante na conscientização social sobre a importância da saúde mental, com pessoas mais dispostas a reconhecer seus limites e buscar ajuda profissional.

O crescimento dos afastamentos por razões psicológicas não se restringe ao Brasil. Os afastamentos por transtornos mentais aumentaram 134% nos últimos dois anos, passando de 201 mil casos em 2022 para 472 mil em 2024. Entre os casos relacionados à saúde mental, destacam-se afastamentos por reações ao estresse (28,6%), ansiedade (27,4%), episódios depressivos (25,1%) e depressão recorrente (8,46%).

Na América Latina, a situação é igualmente preocupante, com países como Argentina e Chile registrando aumentos significativos nos casos de afastamento por transtornos mentais nos últimos três anos. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT), estima-se que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente devido à depressão e à ansiedade, custando à economia global quase um trilhão de dólares.

Este aumento expressivo pode ser compreendido a partir de duas perspectivas complementares. A primeira refere-se ao agravamento real das condições laborais, especialmente após a pandemia de Covid-19. Muitos trabalhadores passaram a enfrentar insegurança financeira, medo do desemprego e sobrecarga devido à adaptação forçada ao trabalho remoto sem o suporte adequado. A fronteira entre vida profissional e pessoal tornou-se cada vez mais tênue, levando ao que especialistas chamam de “disponibilidade permanente” – a sensação de estar sempre de plantão, sempre conectado.

Vivemos hoje em um mundo hiperconectado, onde as tecnologias digitais que deveriam facilitar nossas vidas acabaram criando uma extensão infinita do ambiente de trabalho. Mensagens de whatsapp de chefes e colegas chegam a qualquer hora do dia e da noite, e-mails são checados durante fins de semana e férias, transformando nossos lares em verdadeiros escritórios sem horário de fechamento. Essa conectividade permanente criou a expectativa implícita de disponibilidade constante, eliminando os espaços de descanso e recuperação tão essenciais para nossa saúde mental.

Essa realidade afetou particularmente as mulheres, que frequentemente acumulam responsabilidades profissionais e domésticas. Não por acaso, elas representam 64% dos casos de afastamento por transtornos mentais no Brasil. O perfil médio dos trabalhadores afastados é de 41 anos, justamente o período em que as demandas familiares e profissionais tendem a ser mais intensas.

2.

A segunda perspectiva aponta para uma mudança cultural positiva: estamos presenciando uma revolução silenciosa na forma como a sociedade brasileira enxerga a saúde mental. O que antes era tabu, hoje é tema de conversas abertas. Condições como ansiedade, depressão e burnout saíram das sombras, permitindo que as pessoas reconheçam seus sintomas e busquem ajuda sem o estigma que antes acompanhava esses diagnósticos.

Do ponto de vista médico, o estresse crônico no trabalho vai muito além do simples cansaço ou irritabilidade. Estudos realizados pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos demonstram que a exposição prolongada a ambientes laborais estressantes altera literalmente a bioquímica cerebral, afetando áreas responsáveis pela regulação emocional e tomada de decisões.

Quando uma pessoa está constantemente sob pressão, seu organismo mantém níveis elevados de cortisol, o chamado “hormônio do estresse”, que em excesso pode danificar estruturas cerebrais como o hipocampo e o córtex pré-frontal. Essa alteração biológica diminui nossa resiliência emocional e capacidade de enfrentar novos desafios, criando um ciclo vicioso prejudicial.

Tenho observado em minha prática clínica um fenômeno particularmente preocupante entre os profissionais mais jovens. As novas gerações que ingressam agora no mercado de trabalho parecem apresentar limiares mais baixos de tolerância ao estresse laboral, adoecendo mais rapidamente quando expostas a pressões que gerações anteriores suportavam por períodos mais longos. Isso não significa, como alguns erroneamente apontam, que sejam “mais frágeis” ou “menos comprometidas” – trata-se de uma geração que cresceu em contextos sociais e educacionais distintos, com menos exposição a frustrações e mais consciente de seus direitos e limites pessoais.

O Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, vinculado ao Ministério do Trabalho, identificou que profissionais de saúde, educação e segurança pública apresentam os maiores índices de afastamento por transtornos mentais no Brasil. Em particular, enfermeiros e técnicos de enfermagem lideram o ranking, seguidos por professores da educação básica e atendentes de call center.

As características desses ambientes incluem alta demanda emocional, baixa autonomia e frequentemente recursos insuficientes para a realização adequada do trabalho. Como observado por profissionais da área, “os advogados são treinados para ‘pensar’ como advogados e não a ‘sentir’. Isso propicia um distanciamento das suas próprias emoções e valores, gerando quadros de ansiedade, insatisfação e desequilíbrio emocional”. São ambientes propícios ao desenvolvimento de quadros como a Síndrome de Burnout – o esgotamento profissional caracterizado por exaustão, cinismo e redução da eficácia.

3.

Na minha prática clínica, percebo que o tratamento eficaz dos transtornos mentais relacionados ao trabalho requer uma abordagem multidisciplinar. O primeiro e mais importante passo é a avaliação especializada, realizada por profissionais de saúde mental qualificados, como psicólogos e/ou psiquiatras. Somente um diagnóstico preciso pode orientar corretamente o plano terapêutico, determinando a necessidade ou não de medicação, psicoterapia e até mesmo o afastamento temporário do ambiente laboral.

Quando identificado um transtorno mental, é fundamental instituir um tratamento individualizado. A medicação psiquiátrica pode ser necessária nos casos moderados a graves, mas raramente deve ser a única intervenção. A psicoterapia, em especial a terapia cognitivo-comportamental, tem demonstrado excelentes resultados no manejo dos sintomas relacionados ao estresse laboral, auxiliando os pacientes a modificarem padrões de pensamento disfuncionais e a desenvolverem estratégias mais eficazes de enfrentamento.

Paralelamente, as intervenções psicossociais desempenham papel crucial na recuperação e prevenção. A implementação de mudanças nos hábitos de vida – como a prática regular de atividade física, alimentação equilibrada, higiene do sono e técnicas de relaxamento – contribui significativamente para a melhora do quadro. Técnicas de mindfulness e meditação têm se mostrado ferramentas valiosas, ajudando os pacientes a desenvolver maior resiliência emocional e capacidade de autorregulação.

É essencial também promover mudanças no próprio ambiente de trabalho, com a adoção de práticas organizacionais mais saudáveis: pausas regulares, definição clara de prioridades, estabelecimento de limites para a jornada de trabalho e para a disponibilidade fora do expediente. A exposição gradual a estressores laborais, sob orientação profissional, permite a ressensibilização controlada e o desenvolvimento de recursos adaptativos.

O retorno ao trabalho após um afastamento representa outro momento crítico que demanda atenção especializada. Este processo deve ser gradual e cuidadosamente monitorado, idealmente com adaptações no ambiente laboral para evitar recaídas. Aqui, a parceria entre o profissional de saúde mental, o médico do trabalho e os gestores da empresa é fundamental para garantir uma reintegração bem-sucedida. Infelizmente, muitas organizações ainda carecem de protocolos adequados para este momento delicado, o que frequentemente resulta em novos afastamentos e cronificação dos quadros.

Por fim, não podemos esquecer o papel da prevenção primária. Programas de educação em saúde mental no ambiente corporativo, identificação precoce de fatores de risco, suporte psicológico preventivo e desenvolvimento de competências em gestão do estresse são iniciativas essenciais para reduzir a incidência desses transtornos e promover ambientes de trabalho mais saudáveis e produtivos.

O enfrentamento desse problema exige uma resposta articulada entre diversos setores da sociedade. As empresas precisam ir além dos discursos sobre bem-estar e implementar mudanças concretas em suas culturas organizacionais, como o estabelecimento de limites claros para o trabalho fora do expediente, capacitação de líderes para identificar sinais precoces de sofrimento psíquico e a criação de canais seguros para que funcionários possam expressar suas dificuldades sem medo de retaliação.

O poder público também tem papel fundamental, fortalecendo a fiscalização das condições de trabalho e ampliando o acesso a serviços de saúde mental no Sistema Único de Saúde. Uma nova regra que entrará em vigor em 2025, através da atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1) promovida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, exigirá que empresas avaliem riscos à saúde mental dos seus colaboradores. Esta normativa prevê a inclusão da avaliação de riscos psicossociais no processo de gestão de Segurança e Saúde no Trabalho, representando um avanço importante no reconhecimento do nexo causal entre determinadas condições de trabalho e o adoecimento mental.

*Rodolfo Furlan Damiano é médico, pós-doutorando em psiquiatria pela USP.

Autor, entre outros livros, de Compreendendoo suicídio (Editora Manole).

Referências

Agência Brasil. Saúde mental: afastamentos dobram em dez anos e chegam a 440 mil. março de 2025.

Brasil 61. Afastamento do trabalho por transtornos mentais ultrapassaram 400 mil em 2024. Fevereiro de 2025.

International Labour Organization. Série SmartLab de Trabalho Decente 2025: apenas 46% dos municípios brasileiros possuem políticas ou programas de atendimento a pessoas com transtornos mentais. 2025.

Ministério do Trabalho e Emprego. Saúde mental do trabalhador é o foco da Canpat 2023. Maio de 2023.

Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho. Estatísticas sobre afastamentos laborais no Brasil. 2024.

Portal CNJ. Dados do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho preocupam. Maio de 2023.

Terra. Saúde mental no trabalho piora em 2023: afastamentos aumentaram quase 40%. Janeiro de 2024.

Tribunal Regional do Trabalho 13ª Região – Paraíba. Transtornos mentais são a terceira maior causa de afastamento do trabalho no Brasil. Janeiro de 2023

Construindo o desenvolvimento

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Neste ambiente de constantes instabilidades econômicas, sociais e políticas, as nações precisam construir modelos de desenvolvimento, agregando variados setores, atraindo todos os grupos sociais e compreendendo que todas os países que conseguiram alcançar o sonho do desenvolvimento econômico, antes de mais nada, conseguiram construir, internamente, um consenso social e um pacto entre todos os grupos, agregando todas as forças políticas em prol da melhora sistemática da população, aumentando as oportunidades internas, sem estes consensos, o desenvolvimento econômico, se torna, cada vez mais, um ideal impossível de ser alcançado.

Todos os exemplos de países que conseguiram alçar o verdadeiro desenvolvimento econômico e produtivo garantiram fortes recursos educacionais para todos os cidadãos, grandes investimentos em formação de capital humano, foco constante em pesquisa científica e tecnológica, grandes atrativos para atrair as melhores cabeças em todas as áreas do conhecimento humano, variadas oportunidades de crescimento profissional e novos horizontes de ascensão social para todos os indivíduos. Precisamos compreender, urgentemente, que educação não é gasto, muito pelo contrário, educação é formação dos cidadãos, conscientização política, educação é investimento produtivo que traz ganhos substanciais para todos na sociedade.

Para desenvolver a sociedade brasileira precisamos compreender que somos detentores de vantagens comparativas que poucas nações possuem, somos detentores de grandes espaços geográficos, vegetações abundantes e variadas, clima propício, energias renováveis e somos detentores de uma infinidade de recursos naturais e  minerais que enchem os olhos das nações do mundo, estimulando a cobiça e o interesse mesquinho de muitos países, notadamente aqueles que trazem uma forte trajetória de imperialismo, expoliação e dominação econômica.

Todas as nações que conseguiram seu desenvolvimento econômico se utilizaram de políticas industriais efetivas, protegendo seus setores estratégicos, exigindo transferências de tecnologias de empresas estrangeiras, fortes investimentos em educação, pesquisa e tecnologia, desta forma, capacitando os trabalhadores para concorrerem numa economia internacional marcada pela volatilidade crescente.

s nações que conseguiram garantir seu desenvolvimento econômico e produtivo construíram um setor exportador dinâmico e altamente diversificado, adotando câmbio desvalorizado, taxas de juros civilizadas para angariar novos mercados consumidores e investindo em setores dotados de ciência e tecnologia, exportando produtos de alto valor agregado e garantindo retornos financeiros como forma de estimular o crescimento econômico e, posteriormente, melhorar as condições de vida da população, vide o caso de países asiáticos, como Japão, Coréia de Sul e China, dentre outros.

Embora encontremos na literatura econômica internacional, inúmeros intelectuais, economistas e cientistas sociais que se debruçaram no tema do desenvolvimento econômico, variadas nações conseguiram o intento de se desenvolverem, percebemos que, cada país precisa encontrar seu caminho de desenvolvimento, cada nação tem sua trajetória, precisamos enfrentar limitações políticas e costurar novos consensos políticos para evitar a perpetuação do subdesenvolvimento, fugindo de receitas estrangeiras de nações que pregam máximas que nunca fizeram, países que demonizam o Estado Nacional e que sobrevivem as custas da exploração dos governos de plantão.

O desenvolvimento econômico é o sonho para muitas nações, para isso precisamos construir as condições internas, abrir mão dos supérfluos, investir em educação, fomentar ciências e tecnologias, diversificar os setores produtivos, construir uma visão sistêmica dos desafios contemporâneos e fortalecer as instituições nacionais, sem estes pré-requisitos seremos sempre vistos como o país do futuro.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário.

O plano do “mercado” para abocanhar os Correios, por Paulo Kliass

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Jornalões alardeiam o resultado deficitário da estatal em 2024. Mas não contam sobre os R$2,8 bi de saldo positivo nos últimos 15 anos. Mercado mudou e concorrência aumentou, mas saída não é privatizar uma conquista com longa história do país

Paulo Kliass – Outras Palavras – 20/05/2025

A sanha acumuladora do grande capital privado nunca teve limites. No caso brasileiro, as classes dominantes aproveitaram a onda liberalóide que se seguiu à implementação do Consenso de Washington, a partir dos anos 1980, para avançar na pauta da privatização. A estratégia pressupunha associar a presença do Estado na economia a um quadro ditatorial na esfera da política, donde se concluía que a transição democrática no Brasil deveria incorporar a venda das empresas estatais de forma ampla, geral e irrestrita.

Assim, a partir da posse de Fernando Collor de Mello na Presidência da República em 1990, tem início um longo processo de transferência de ramos inteiros de nossa economia do setor público para o setor privado. Mesmo depois do impeachment do caçador de marajás, o governo de Fernando Henrique Cardoso deu continuidade à política de entrega generosa do patrimônio estatal. Assim foi feito com o sistema bancário ligado aos governos estaduais, com o parque da siderurgia, com a petroquímica e os fertilizantes, com as telecomunicações, com boa parte do setor de energia elétrica e com a simbólica Vale do Rio Doce.

Apesar de seu desejo manifesto de promover a desestatização completa da economia, as elites destas terras não conseguiram completar integralmente tal missão. Houve resistência de vários tipos e algumas empresas estatais ainda permanecem no âmbito da União. Esse é o caso dos bancos federais (BB, CEF, BASA, BNB e BNDES), da Petrobrás (apesar do fatiamento e privatização de subsidiárias do grupo), de parte do sistema de energia elétrica, da Embrapa e dos Correios. A mais recente tentativa declarada de eliminar a presença do Estado na economia ocorreu durante o governo de Jair Bolsonaro, quando seu superministro da economia, Paulo Guedes, prometia privatizar 100% das estatais.

Correios têm muita História!

Uma das iniciativas dessa bravata fracassada do aprendiz de banqueiro foi o processo de privatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, a ECT. À época, o governo chegou a encaminhar um Projeto de Lei (PL 591/21) ao legislativo tratando do tema. A Câmara dos Deputados aprovou a matéria, mas felizmente o Senado Federal impediu a continuidade de mais este crime contra o país. No entanto, a campanha fomentada pelo financismo em favor da venda da empresa ao capital privado não cessou.

Os Correios têm uma longa história de presença na sociedade brasileira. Desde as primeiras formas de organização do sistema de entrega de correspondência no século XVII, passando por mudanças ainda no tempo do Império com a criação da Diretoria Geral dos Correios em 1829, o sistema foi sendo ampliado e aperfeiçoado. Em 1931 Getúlio Vargas cria o Departamento de Correios e Telégrafos (DCT) e posteriormente, em 1969, o então DCT é transformado com a constituição da atual empresa pública para assegurar esses serviços sob uma forma mais moderna e eficiente. O modelo pressupunha o monopólio estatal para o setor, por meio da exclusividade da União como agente para a maior parte das operações. Esse foi o modelo formalizado pela Lei n• 6.538/78. Apesar de tal peça legal ter sido recepcionada pela Constituição em 1988, o fato é que ao longo deste meio século de vigência das normas houve um significativo desenvolvimento tecnológico no setor. Assim, os termos “carta”, “telegrama” e “selo” presentes no texto legal foram substituídos por outros modelos de correspondência e comunicação.

A generalização da concorrência de facto ao modelo de atuação dos Correios provocou mudanças também na estrutura das receitas da empresa. Esse processo permitiu o estrangulamento da ECT e facilitou a narrativa daqueles que permanecem pretendendo assumir suas funções de formas plena e absoluta. Os momentos de divulgação dos resultados operacionais e financeiras da empresa são geralmente utilizados para amplificar a campanha privatizante.

Privatização não é solução!

A grande imprensa aproveitou, mais uma vez, a recente publicação dos resultados do ano passado para dar vozes aos que ainda clamam pela entrega da empresa ao capital privado. É verdade que o prejuízo anunciado de R$ 2,6 bilhões relativo ao exercício de 2024 não pode e nem deve ser ignorado. Na verdade, ao longo do último triênio os números não foram nada animadores, uma vez que também em 2022 e 2023 o resultado foi igualmente negativo, com números de R$ 770 e R$ 600 milhões, respectivamente.

A realidade objetiva é que a ECT vem apresentando resultados deficitários, mas isso não significa que a solução seja a privatização. Caso coloquemos a análise em uma perspectiva um pouco mais longa, o cenário revela-se um pouco distinto.

Entre 2010 e 2024, a ECT apresentou prejuízo em 5 destes 15 anos. Ou seja, no biênio 2015/2016 e agora nos últimos 3 anos. Isso significa um total de perdas acumuladas equivalente a R$ 9,8 bilhões a valores corrigidos. No entanto, nos outros 10 exercícios do mesmo período, a empresa apresentou lucros. Caso estes resultados positivos sejam somados e trazidos a valor presente, eles representam R$ 12,6 bi. Assim, para o conjunto do período analisado, o resultado líquido dos Correios é de um saldo positivo de R$ 2,8 bi.

Evidentemente que há muitas mudanças a serem promovidas na ECT em sua estratégia de atuação empresarial. Afinal, houve uma série de alterações significativas no mercado de correspondências e entregas, com o aumento da concorrência e novas modalidades não operadas até pelos Correios. Além disso, a empresa deve aportar recursos para o fundo de pensão de seus empregados, o Postalis, que apresenta um quadro de dificuldades financeiras bastante acentuado. Porém, isto não significa que o caminho da privatização deva ser adotado como uma panaceia para tais problemas de natureza conjuntural e estrutural.

Afinal, todos sabemos que uma vez transferido o patrimônio dos Correios para o capital privado, o único objetivo será a obtenção da maior lucratividade ao menor custo e no menor prazo possível. Assim, a tendência seria a obtenção da propriedade a preço de banana e a liquidação de todos os direitos dos trabalhadores e aposentados do grupo. Como sempre, os maiores prejudicados seriam os usuários do sistema pela elevação dos preços e tarifas.

Conhecemos muito bem o final desta estória, com enredo favorável aos futuros acionistas. Por isso, as forças democráticas e progressistas só têm uma bandeira a defender no momento: Tirem as mãos dos Correios!

A estrada construída, por Candido Bracher

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Brasil precisa decidir entre a liderança ambiental e a inércia

Candido Bracher, Administrador de Empresas formado pela FGV. Foi executivo do setor financeiro por 40 anos.

Folha de São Paulo, 18/05/2025

“Recontarei isso com um suspiro,

Em algum lugar, muito tempo atrás,

Havia uma bifurcação no caminho

E eu… eu tomei a estrada menos batida

E isso fez toda a diferença.”

Essa é a estrofe final do poema “A estrada não trilhada” (The road not taken), de Robert Frost.

Desde jovem me encanto com o sentido, a beleza e a concisão do poema. Voltei a lembrá-lo hoje, ao pensar na situação do Brasil diante do desafio do aquecimento global. Também diante de nós se abriu uma bifurcação —e o caminho que escolhermos poderá fazer toda a diferença.

No mundo real, as opções raramente se apresentam prontas e acabadas, bastando-nos simplesmente eleger a preferida. Melhor dizendo, creio haver ao menos uma alternativa que está sempre disponível: o caminho da acomodação e da inércia.

Os demais caminhos necessitam ser construídos. Envolvem esforço, reveses, riscos e conquistas. O caminho que o Brasil pode construir, nesse contexto, é aquele em que empenhamos todos os nossos recursos para promover uma coordenação global que leve à redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), como prevê o Acordo de Paris.

Para termos alguma chance de êxito nesse desafio, necessitamos alinhar nossas ações ao nosso discurso —”walk the talk”, na feliz expressão em inglês. No caso, isso implica primordialmente reduzir a zero o desmatamento na amazônia e renunciar a projetos incompatíveis com o combate ao aquecimento, como a exploração de petróleo na região.

Uma medida que pode ter grande efeito na redução do desmatamento seria a destinação integral dos 56 milhões de hectares de florestas públicas não destinadas. Essas terras pertencentes aos governos federal e estaduais da amazônia têm sido o principal foco de grilagem, que traz consigo o desmatamento ilegal e facilita o crime organizado, impedindo na prática o desenvolvimento econômico saudável da região.

O anúncio de sua destinação para atividades que preservem a natureza, como unidades de conservação e outras áreas protegidas —através de uma ação combinada do governo federal e estados ainda neste ano—, seria uma poderosa demonstração de compromisso com o combate ao desmatamento e contribuiria decisivamente para o êxito da COP 30.

Iniciativas como essa, por necessárias que sejam, estão longe de ser suficientes para alcançar o entendimento global. Restará ainda a difícil tarefa de —combinando forças com os agentes mais progressistas, como a União Europeia— atrair para o acordo as nações mais recalcitrantes, como os EUA e a Rússia.

Sempre haverá vozes defendendo a passividade, voltadas para os benefícios de curto prazo e dispostas a “pegar carona” no esforço de terceiros, caso estes sejam bem-sucedidos. Os partidários dessa estratégia poderão até socorrer-se de citações eruditas, como a de Sêneca —”O destino conduz aos que o aceitam e arrasta os que a ele resistem”—, ou a máximas da sabedoria popular, como a de origem judaica —”O homem planeja e Deus ri”—, para desencorajar a luta contra as forças estabelecidas.

O caminho da inércia implica, para o Brasil, abster-se da responsabilidade de desempenhar um papel destacado na construção de uma ordem global que reduza a zero as emissões de GEE e limite o aquecimento a 1,5ºC ou 2ºC acima dos níveis pré-industriais.

O aumento das emissões, ano após ano, evidencia como o mundo tem falhado clamorosamente na busca desse objetivo. Os países localizados na região tropical, como o nosso, serão os mais atingidos pelas consequências desse fracasso. Tivemos em 2024 uma amostra “leve” do que esse caminho nos reserva: inundações, secas e incêndios.

Eventos como esses exigirão que concentremos investimentos em medidas de adaptação à nova realidade: obras contra enchentes, relocalização de populações ameaçadas, detecção e prevenção de incêndios, além de lidar com a queda de produtividade agrícola provocada por alterações no regime de chuvas.

Todos esses investimentos, embora indispensáveis, são apenas defensivos; destinados a prevenir perdas, mas incapazes de gerar riqueza.

Já o cenário em que logramos participar ativamente de um acordo global que valorize tecnologias limpas e crie mercados que recompensem processos de baixas emissões e de captura de carbono abre ao Brasil oportunidades extraordinárias, entre as quais:

  1. o aproveitamento da matriz energética limpa e do enorme potencial de energia solar e eólica, para atrair ao país indústrias intensivas em energia;
  2. a combinação da energia limpa com processos orgânicos, como a fermentação da cana-de-açúcar, para produzir combustíveis como o e-metanol, melhor alternativa limpa para a navegação comercial;
  3. os biocombustíveis, solução energética que compete com grande vantagem contra alternativas fósseis, em uma economia de baixo carbono;
  4. a diferenciação da agricultura tropical, através de medições que comprovem sua eficiência muito superior à das zonas temperadas, no que respeita às emissões, e;
  5. a captura de GEE através da preservação de florestas e da restauração de áreas degradadas.

Todas essas alternativas já estão disponíveis. O que falta é uma ordem global que imponha a redução de emissões e crie os mercados que as valorizem adequadamente.

O contraste entre o caminho da passividade e o de uma liderança ativa na construção de uma nova ordem mundial rumo ao “Net Zero” corresponde à diferença entre sofrer a própria sina e ser agente do seu destino.

A COP30, em Belém, oferece ao país uma grande oportunidade de mostrar ao mundo uma nova postura, que necessita estar apoiada em ações concretas. Busco em Gilberto Gil a frase que melhor expressa a atitude determinada que se espera do Brasil: “Meu caminho pelo mundo, eu mesmo traço”.

Estamos emburrecendo, por Suzana Herculano-Houzel

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Chegamos ao fim do Efeito Flynn

Suzana Herculano-Houzel, Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

Folha de São Paulo, 16/05/2025

Testes de inteligência, ou quociente de inteligência (QI), são o filho enjeitado da psicologia. Quando mostram o que a sociedade espera e aceita, esses testes são celebrados como indicadores de inteligência de fato. Em 1981, quando o psicólogo James Flynn constatou que o desempenho de jovens adultos nesses testes vinha aumentando progressivamente desde a origem dos testes, no começo daquele século, o laudo foi pronto: “estamos ficando mais inteligentes”. Viva!

Mas o chamado Efeito Flynn não só parece ter chegado ao seu fim como se reverteu em torno do começo do novo século.

Em 2018, um estudo constatou que na Noruega, onde o mesmo teste foi aplicado de 1962 a 1991 a rapazes de 18 a 19 anos como parte do alistamento militar, o QI médio subiu clara e progressivamente até os nascidos em 1975 –e dali em diante passou a cair. A diferença aparece até entre irmãos, que compartilham genética e ambiente familiar.

O mesmo foi constatado em 2021 na Alemanha, e com ponto de inflexão semelhante: em torno de 2010, o QI de jovens universitários, nascidos no final dos anos 1990, já havia estagnado, e dali em diante começou a cair.

Nos Estados Unidos, um estudo publicado em 2023 também confirmou: em todos os níveis de escolaridade, o QI de adultos da mesma idade caiu progressivamente entre 2006 e 2018.

Isso quer dizer que estamos emburrecendo, então? A resposta, naturalmente, deveria ser “sim” – mas a própria autora do estudo estadunidense logo pôs panos quentes dizendo a jornalistas que o resultado “é apenas uma diferença no desempenho nesses testes”. Irônico, quando seu estudo foi publicado em um periódico chamado, justamente, Inteligência.

Ora, sejamos consistentes, por favor.

Independentemente do uso que a sociedade faz de seus resultados, os testes de QI quantificam a habilidade de cada indivíduo de resolver problemas que exigem raciocínio lógico, espacial e abstrato. Se inteligência é flexibilidade mental, como eu proponho, então representar várias informações simultaneamente e manipulá-las mentalmente em prol de um objetivo, numa espécie de malabarismo cerebral, é por excelência o que a inteligência permite fazer. Logo, se os literalmente malditos testes de inteligência medem flexibilidade mental, então eles indicam, sim, a inteligência de um indivíduo.

E neste caso, da mesma forma que a humanidade se tornou mais inteligente ao longo do século 20, agora ela está emburrecendo. A pergunta importante é: por quê?

A resposta para esta pergunta ainda não existe. Como os resultados entre irmãos indicam, não é culpa de uma “maior fecundidade dos mais burros”, como alguns ricos supõem. Minha suspeita é que tanto o Efeito Flynn quanto sua reversão indicam que a inteligência que se mede em testes é uma habilidade resultante do uso que se faz das capacidades biológicas com que nascemos, sobretudo enquanto crianças e jovens. Ao longo do século 20, a infância foi se tornando cada vez mais livre, ativa e interessante – até começar a ser dominada por telas, que, seja na televisão, no iPad ou no telefone, convidam à passividade e acabam com a exploração.

Deu no que deu: emburrecemos.

Em busca das raízes da brutalidade policial, por Almir Felitte.

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Violência e racismo das PMs remontam ao período 1830-71. Burguesia colonizada e sem projeto assumiu o Estado. Promoveu branqueamento, dependência e repressão das “classes perigosas”. As elites jamais quiseram livrar-se desta garantia

Almir Felitte – OUTRAS PALAVRAS – 16/05/2025

Do Código Criminal do Império à criação do inquérito policial, os primeiros regulamentos criminais e policiais do país se desenrolam entre 1830 e 1871. Paralelamente, a primeira lei abolicionista brasileira data de 1831, convergindo para a aprovação da Lei Áurea em 1888. Muito além de mera coincidência histórica, preocupações das camadas dominantes em realizar esta transição nas relações de produção, da escravidão ao trabalho livre, sem perder o controle sobre classes trabalhadoras foram centrais na formação do sistema de segurança pública brasileiro. Sob a perspectiva de que este período de formação do Estado nacional representou verdadeira revolução burguesa que desembocou em um sistema capitalista moderno e dependente, reconhecemos que a racionalidade burguesa brasileira operou numa dupla articulação que compatibilizou dominação imperialista externa e desenvolvimento desigual interno. Enxergamos três contradições fundamentais neste novo sistema nacional: entre o negro recém-liberto e as classes dominantes; entre o trabalhador imigrante e os interesses do modelo dependente de capitalismo; entre a massa negra marginalizada e o trabalhador imigrante. Nelas, compreenderemos como o processo de independência desembocou numa autocracia marcada pela dominação burguesa sobre a máquina estatal e as demais classes, bem como este processo tem relação direta com a formação das instituições policiais no Brasil e o foco de suas atividades no controle social sobre a classe trabalhadora no nascente capitalismo nacional.

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Dos sentidos da colonização aos sentidos da independência: capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil

“O escravismo colonial cria, portanto, as premissas econômicas, sociais e culturais para o modelo do capitalismo dependente que o substitui”. A frase de Clóvis Moura (2023, p. 45) dá a tônica do nosso tema. É difícil compreender o papel da polícia brasileira sem recorrer às teorias da formação social do Brasil. Estudar a segurança pública passa por desvendar os sentidos do desenvolvimento de nosso Estado nacional, no qual a transição da forma de produção baseada no trabalho escravo para outra fundamentada no trabalho livre, bem como os interesses nacionais e internacionais que a dirigem, são questões centrais. Ao descrever o processo de evolução do Brasil colônia ao Brasil nação, Caio Prado (1977, p. 83-85). destaca quatro etapas históricas fundamentais: a independência política, a supressão do tráfico africano e, por consequência, a imigração de trabalhadores europeus e a abolição da escravidão. Para desenrolar este trabalho, inicialmente, nos aprofundaremos nos sentidos daquela primeira, sobretudo a partir das ações e pensamentos da classe dominante que a protagonizaria: a nascente burguesia brasileira, em sua heterogeneidade e especificidade. Por isso, como pontapé inicial, fazemos a mesma pergunta de Florestan Fernandes (1976, p. 20-22) décadas atrás: “existe ou não uma ‘Revolução Burguesa’ no Brasil”?

Como ele, respondemos afirmativamente. Mas Florestan não o faz buscando repetir deformada ou anacronicamente o movimento ocorrido na Europa, por exemplo, forçando uma pré-existente sociedade feudal brasileira. Dentro das características nacionais, ele procura os agentes humanos que protagonizaram as grandes transformações históricas do país representadas pela desagregação do regime escravocrata-senhorial e pela formação de uma sociedade de classes no país. Reconhece, assim, que uma revolução burguesa não é mero episódio histórico, mas um fenômeno estrutural que pode ser reproduzido de modos relativamente variáveis, desde que determinada sociedade absorva um padrão de civilização que torne esta revolução uma necessidade histórica. No Brasil, esta revolução estava representada pela necessidade do rompimento da classe dominante com a ordem escravocrata-senhorial.

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Aliados incômodos: o povo negro e a burguesia na revolução brasileira

Não tomar o povo negro como força política dinâmica e radical no processo de independência é um erro. A negritude brasileira, mesmo à época da escravidão, teve influências diretas e indiretas nos movimentos revolucionários. Na estratificada sociedade escravista, todo processo de mudança social partia da análise sobre as relações entre senhores e escravos e da possibilidade ou necessidade de substituição deste modo de trabalho. A participação negra neles mostra tanto a força de seu dinamismo na história brasileira, quanto seu próprio isolamento criado pelos centros deliberantes destes processos (MOURA, 2023, p. 56-57). Ao analisar movimentos abolicionistas, Clóvis Moura (2021, p. 215-216) aponta neles dois níveis distintos: o dos negros, desde cedo, pela sua própria condição material; e o de políticos e outras camadas sociais que geralmente enxergavam no escravismo um entrave ao desenvolvimento capitalista. Neste sentido, ele contrasta a fala do abolicionista Joaquim Nabuco na defesa da luta via Parlamento com a realidade negra, em que a liberdade era garantida, geralmente, pelo uso da violência do escravo contra o senhor, resultando em fugas, quilombos, insurreições e crimes. Em suas palavras, “o escravo rebelde foi uma força social ativa e permanente no processo de modificar-se o tipo de trabalho existente no Brasil”.

Lutando pela própria emancipação, induzindo o país a uma nova modalidade de relações de trabalho, não é estranho que o negro escravizado tenha participado diretamente de movimentos que visavam a emancipação também do país. Na dinâmica interna destes processos, negros escravos e ex-escravos dividiram desígnios com outras classes, expondo os sentidos do “espírito burguês” que se criava no Brasil e suas contradições entre o apego a estruturas coloniais e o desejo de desenvolvimento capitalista. Revoltosos negros se fizeram presentes nas duas mais importantes inconfidências brasileiras: a mineira e a dos alfaiates baianos. Clóvis (1981, p. 58-70) aponta que tal atuação não fora tão relevante na revolta de Minas e que, embora os inconfidentes fossem abolicionistas em geral, não é clara a coesão entre os dois grupos sociais. Quando o conflito explodiu, o território mineiro era um dos maiores focos quilombolas do país e os negros aquilombados já sinalizavam união com os da cidade, conforme pasquins encontrados em Sabará. Por outro lado, inconfidentes como o sargento Luís Vaz de Toledo propunham a promessa de alforria como fator atrativo de escravos para a luta, colocando em dúvida qual o real nível de coesão entre ambos.

Na Bahia, onde os organizadores do movimento pertenciam às camadas pobres da sociedade, a Revolta dos Alfaiates foi nitidamente republicana e abolicionista, buscando romper com o governo representante do estatuto colonial para fundar uma república aos moldes franceses em 1798. Seus líderes se preocuparam em atrair outros artesãos, escravos e ex-escravos, reunidos em torno de um programa revolucionário que compreendia a independência da capitania, a forma republicana, a liberdade comercial, a remuneração de soldados e a libertação dos escravos. Mas uma dinâmica interessante deve ser apontada no levante: intelectuais como Cipriano Barata, Hermógenes de Aguiar e Francisco Moniz Barreto, abordados pelo líder pardo Manuel Faustino dos Santos, tentaram convencê-lo a aguardar pela chegada dos franceses ao invés de adentrarem, eles mesmos, numa revolta violenta pela independência. Enquanto a intelectualidade afastou-se gradativamente, membros das classes mais populares mantiveram o movimento coeso. Sufocada violentamente, documentos oficiais demonstram que a revolta teve muitos negros e pardos entre seus líderes condenados à morte, a castigos físicos ou ao banimento para a África. Lideranças das camadas médias, porém, sofreram punições mais brandas: Cipriano Barata ainda participaria de nova revolta em 1817, morrendo apenas anos mais tarde, na velhice; igualmente Hermógenes, que, absolvido, viveria longos anos até morrer como Marquês de Aguiar.

Para Clóvis Moura, o fim da Revolta dos Alfaiates é um marco nos grupos que se organizavam pela independência. “A classe senhorial – possuidora de escravos – entra na composição dessas forças e influi cada vez mais poderosamente, fato que determina a mudança concomitante de objetivo dos movimentos subsequentes”. Se fortalece a ideia de que apenas uma classe com base econômica sólida poderia dirigir o movimento independentista e, nas contradições entre as camadas letradas e populares e os senhores de escravos, são os últimos que conquistam o bastão de comando político dos levantes subsequentes. Embora contasse com escravos e inicialmente defendesse a abolição, tão logo a revolução pernambucana de 1817 fundou seu Governo Provisório, apressou-se em publicar documento esclarecendo: “a base de toda sociedade regular é a inviolabilidade de qualquer espécie de propriedade” e, por isso, desejava uma emancipação “lenta, regular, legal” do “cancro da escravidão”. Na aliança com o latifúndio escravista, ideias liberais em defesa da propriedade, ironicamente, serviram “para defender uma formação econômico-social que na Europa elas ajudaram a esfacelar”. Além disso, apesar da participação escrava na revolta ter sua parcela espontânea, muitos escravos participaram obrigados por seus próprios senhores envolvidos na luta.

Nos três movimentos citados, todos com a causa independentista em comum, vemos a participação de escravos e ex-escravos. Porém, apenas no mais popular deles, o baiano, a população negra obteve algum protagonismo a ponto de pautar o movimento. Na Inconfidência Mineira e na revolta pernambucana, embora desejada por parte das classes brancas, a abolição ficou em segundo plano em relação à independência política do país, e o negro era visto por muitos como uma reserva militar motivada pela esperança da alforria. A participação negra nestas revoltas pode inclusive ter sido decisiva para uma maior adesão de classes dominantes à luta pela independência. O senhorio brasileiro buscava a extinção do estatuto colonial, mas não se desapegaria tão facilmente de certas estruturas de poder tipicamente coloniais, mesmo que representassem um entrave para o desenvolvimento capitalista brasileiro. A publicação do Governo Provisório pernambucano foi didática: a passagem do bastão para as classes senhoriais rurais no comando do movimento independentista representava, ao mesmo tempo, a passagem de um liberalismo mais radical, com bases populares, para outro mais conservador. Este seria o sentido do “espírito burguês” responsável pela revolução burguesa aquecida pela independência em 1822.

(…)

Voltemos a análise de Clóvis (2023, p. 43-47). A identificação colonial da divisão social do trabalho com sua divisão racial é mantida. Mesmo com o surgimento do Brasil nação, as classes dominantes formam um tipo ideal nacional que segue o modelo antigo do colonizador: o branco. Criam-se símbolos que justifiquem o negro como inferior biológica, psicológica e culturalmente. A permanência da escravidão até 1888 cercearia possibilidades democráticas para o país, mas não apenas: o latifúndio escravista também minaria a formação de áreas de desenvolvimento capitalista que, à época, eram vistas na Europa, impedindo o surgimento de uma burguesia nacional que liderasse maiores transformações estruturais na sociedade. Este atraso impossibilitaria maior acúmulo de capital pelo próprio país, tornando inevitável que o Brasil pós-independência desembocasse num modelo de capitalismo dependente. É interessantíssima a comparação de Clóvis ao ressaltar que a Lei Eusébio de Queirós seria publicada dois anos após “O Manifesto do Partido Comunista”, de Marx e Engels, e a Lei do Ventre Livre entraria em vigência no mesmo ano da Comuna de Paris. Enquanto o Parlamento brasileiro ainda se ocupava com a luta de traficantes brasileiros pela manutenção da escravidão, áreas em expansão do capitalismo moderno, como a financeira e a de infraestrutura, se acumularam nas mãos do capital estrangeiro, ao invés de serem controladas por uma burguesia nacional que nunca se completou verdadeiramente.

Forma-se uma situação de dupla dominação no Brasil: uma interna e outra externa. Pouco antes da abolição, em 1882, a população das cinco principais províncias do país (SP, MG, BA, PE e RJ) se dividia entre 1.433.170 trabalhadores livres, 656.540 escravos e 2.822.583 desocupados. Estes últimos, uma franja marginal característica do capitalismo dependente formada majoritariamente por negros e mestiços, mesmo após a abolição, que ocorreria em 1888 mantendo-se o latifúndio e praticamente as mesmas classes dominantes. O país continuaria dependendo da economia de exportação monocultora, do café, enquanto a importação maciça de imigrantes europeus brancos criava enormes contingentes poliétnicos marginalizados. O imperialismo se consolida como um componente externo de dominação, tal qual o antigo colonialismo, impondo situações em que essa franja marginal nunca é aproveitada por solicitações do mercado internacional. Mesmo na abertura de áreas pioneiras para a lavoura de café paulista, a imigração japonesa é induzida, deixando-se o negro na marginalidade.

Para Clóvis, este modelo dependente que vai substituindo o escravismo se define em seis pontos principais: ausência de um capitalismo nativo capaz de conferir autonomia nacional; conservação do latifúndio; subordinação ao imperialismo; conjugação de formas arcaicas e modernas de produção; alta concentração de renda; e a construção de um aparelho de Estado altamente repressivo que contenha a franja marginalizada da população. É neste último ponto que focaremos para explicar a relação entre a transição do trabalho escravo para o trabalho livre e a consolidação de um sistema de segurança pública no Brasil.

Autocracia burguesa: a construção do aparelho policial na formação da classe trabalhadora livre no Brasil

As classes senhoriais brasileiras lograram a independência política, mas havia um longo caminho para construir um verdadeiro Estado nacional e desenvolver um capitalismo moderno no país. Muito pelo fato de que o rompimento com o estatuto colonial acabou mesmo liderado por setores da classe dominante arredios às formas mais radicais do liberalismo. A insistência no modelo latifundiário-escravista dificultaria a modernização necessária ao maior acúmulo de capital pelo Brasil, mantendo-o em posição de atraso e dependência em relação aos países desenvolvidos. Ao mesmo tempo, a fresta de liberalismo utópico que se abriu numa parcela da população e a potencialidade negra exerceriam pressão na direção da modernização capitalista brasileira, tornando a abolição uma necessidade latente que se realizaria em processo conjunto com a massiva imigração branca europeia.

Começaremos por uma rápida análise do fim deste processo, pois seu resultado final explicita três contradições que foram emergentes ao longo de todo o período imperial-escravocrata. Primeiramente, aquela entre o negro recém-liberto e as classes senhoriais advindas do Império. A segunda, entre o trabalhador imigrante e os interesses de uma sociedade de capitalismo dependente que gradualmente se firmava após o escravismo-colonial. Por último, aquela entre o trabalhador negro livre, desempregado ou subempregado, e o trabalhador branco estrangeiro livre (MOURA, 2023, p. 70-71). Consolidadas com a abolição em 1888, estas três contradições deram a tônica ao período imperial, que representou um lento processo de modernização do capitalismo brasileiro em direção a um modelo baseado no trabalho livre assalariado. Vale apontar que o movimento abolicionista já mostrava força antes mesmo da independência e que a Lei Barbacena, que proibia o tráfico de escravos, embora desrespeitada, seria imposta já em 1831. A ela, seguiu-se a legislação estrangeira Bill Aberdeen, em 1845, e, como consequência nacional, a Lei Eusébio de Queiróz, de 1850, concretizando a proibição do tráfico. A partir daí, acelera-se a transição do modo de trabalho no Brasil. A Lei do Ventre Livre, em 1871, e a dos Sexagenários, em 1885, seriam um prelúdio da Lei Áurea, que enfim aboliu a escravidão negra no país.

A cronologia destas legislações ganha relevo ao lado de estatísticas populacionais do Brasil. Em 1850, às vésperas da Lei Eusébio de Queiroz, que dificultou a reposição do trabalho escravo, a população nacional era de 5.520.000, sendo 2.500.000, quase metade, escravizada. Dois anos depois, enquanto o povo brasileiro atingia a marca de 8.429.672 pessoas, a população escrava decresceu para 1.510.000. Um ano antes da abolição, entre 18.278.616 brasileiros, o número de escravizados caíra para 723.419. Dados explicados pela mortalidade negra escravizada, pelo gradualismo da abolição e pela massiva imigração de brancos europeus para o país. O Brasil passava por uma nítida transição demográfica tendente ao branqueamento de seu povo, efetivamente acelerada pela República. São Paulo sozinha receberia cerca de 940 mil imigrantes entre 1827 e 1899 (MOURA, 2021, p. 47-49).

Também em estatísticas demonstramos a razão de Clóvis Moura ao dizer que este processo se desenrolaria através de relativo privilégio ao imigrante branco e da marginalização do povo negro. Em 1891, 30% dos trabalhadores de fábricas no Rio de Janeiro eram negros. Em São Paulo, imigrantes ocupavam 84% destas vagas em 1893 (FAUSTO, 2012, p. 124- 125). No Recenseamento carioca de 1906, embora estrangeiros fossem 26% da população da capital, eram quase 50% dos trabalhadores no setor de transformação e emprego da matéria-prima. Em vários setores, estrangeiros ultrapassavam brasileiros, ao passo que, no setor de profissionais liberais e servidores públicos, os nacionais eram 90%. Ao mesmo tempo, a taxa de improdutivos entre os nativos era de 55%, contra apenas 26% entre estrangeiros. Por um lado, na República, os empregos advindos da modernização capitalista iniciada no Império se concentrariam entre imigrantes brancos. Por outro, o contraste entre o alto número de nacionais nas profissões de maior prestígio e a alta taxa de improdutividade entre brasileiros denota a incômoda realidade: na modernização capitalista brasileira, o grosso da população de pretos e pardos seria relegado à marginalidade do desemprego e do subemprego, enquanto uma elite branca se apossava das atividades estatais e melhor remuneradas (FELITTE, 2023, p. 64).

O que importa para o fim deste trabalho é saber por que, ao consolidarmos nossa modernização capitalista, chegamos a esta situação social. Um início de resposta está no caráter dependente do capitalismo nascente. Caio Prado (1977, p. 86-100) diz que a economia brasileira se originou da função exclusiva de fornecimento aos mercados externos, condicionando seu desenvolvimento como Estado independente e constituindo a base da penetração imperialista no país. Duas circunstâncias fundamentais do colonialismo se perpetuaram: esta base voltada ao abastecimento externo e, por consequência, o tipo de relações de produção e trabalho que, mesmo após a abolição, conservaria características da tradição escravista-colonial. Em nossa economia rural, “os miseráveis padrões da população trabalhadora rural asseguram os baixos custos da produção exportável, (…) a favor (…) de um sistema capitalista de produção apoiado essencialmente (…) naquela produção exportável.”

(…)

Aqui, finalmente tocamos o ponto de chegada deste trabalho: a construção do aparato policial como necessidade coativa para o desenvolvimento do capitalismo brasileiro. Se a dependência do país no capitalismo global colocou nossa burguesia numa situação que seu acúmulo de capital só é possível via superexploração da classe trabalhadora livre, este sistema só pôde se sustentar com um forte aparelho público que contivesse ameaças de perturbação desta ordem. Forma-se, no Brasil, uma dissociação pragmática entre desenvolvimento capitalista e democracia, ou, em outros termos, uma associação racional entre desenvolvimento capitalista e autocracia. A apropriação dual do excedente econômico nos países dependentes acentua fatores sociais e políticos da dominação burguesa. Extrema desigualdade interna, drenagem internacional do excedente econômico, persistências de formas subcapitalistas de produção e pressão baixista sobre o valor do trabalho remunerado, tudo entra em contradição com aspirações democráticas geradas pelo momento revolucionário. A forma de dominação burguesa que se origina só é comparável, nos países desenvolvidos, aos momentos em que o fascismo se associou à expansão capitalista. No subdesenvolvimento depen- dente, o capitalismo nascido é mais “selvagem e difícil” e sua viabilidade se define por meios políticos. Apesar da dissimulação de uma democracia burguesa, escondida na universalização dos interesses burgueses, o que nasce no Brasil, de fato, é uma autocracia burguesa (FERNANDES, 1976, p. 289-293).

Não à toa, no pós-independência, a formação do aparato repressor estatal, as instituições policiais e legislações penais, ocupou boa parte do esforço político da burguesia brasileira no século 19. A Constituição de 1824 previu a supressão de direitos individuais em nome da segurança do Estado e determinou a criação de um Código Criminal. Este seria promulgado em 1830, preocupando-se com a manutenção das estruturas de poder estatais em rol de tipificações que envolviam crimes contra a existência do Império, conspirações, rebeliões, sedições, insurreições e reuniões secretas, além de especificar delitos de abuso da liberdade de comunicar pensamentos e do uso indevido da imprensa. A mentalidade escravocrata se manteve, conservando penas de açoitamento a qualquer escravo que não fosse condenado à morte ou à gaulés e estabelecendo, entre os artigos 113 e 115, penas severas, do açoite à morte, a qualquer cidadão insurrecto envolvido na luta abolicionista (FELITTE, 2023, p. 41-42).

Em torno deste arcabouço penal, formaram-se as polícias. Meses após a formação da Guarda Nacional do Império, a Lei de 10 de outubro de 1831 criou o Corpo de Guardas Municipais da Corte do Rio de Janeiro e permitiu a cada Província do país fazer o mesmo, no que é considerado a origem das polícias militares estaduais no Brasil. Com exceção da mineira, formada no ciclo do ouro do século 18, da fluminense, ligada à chegada da família real portuguesa, e da pernambucana, criada em 1824, as demais polícias militares do país consideram o início de sua história apenas após a promulgação desta lei. Em comum, todas acumulariam atuações na repressão a revoltas que ameaçassem a ordem imperial, como as destruições de quilombos, a supressão à Guerra dos Farrapos, à Cabanagem e à Revolução Praieira e até mesmo o conflito internacional no Paraguai (FELITTE, 2023, p. 37-40).

Mas seria na atuação cotidiana das nascentes polícias criminais que a importância da transição da escravidão ao trabalho livre seria mais sentida. O Código de Processo Criminal de 1832 criou uma estrutura envolvendo Chefes de Polícia, Juízes de Paz, escrivães de paz, oficiais de justiça e inspetores de quarteirões conformando um ciclo completo de policiamento nas províncias, da prevenção à formação de culpa. A reforma de 1841, considerada a origem de polícias civis estaduais como a paulista e a gaúcha, renovou a figura dos delegados e subdelegados, sem ainda desfazer a confusão entre funções policiais e judiciárias (FELITTE, 2023, p. 43-45). O Chefe de Polícia funcionava como uma espécie de “supermagistrado”. Através dos termos de bem viver e de segurança, que formavam culpa sumariamente, o trabalho destas polícias era altamente inquisitório, pouco aberto à defesa dos acusados e especialmente voltado aos considerados perturbadores do sossego público, como vadios, bêbados e prostitutas. Somente as reformas de 1871 começariam a desfazer esta confusão, separando funções judiciais das policiais e limitando a competência das segundas autoridades às diligências instrutórias do recém-criado inquérito policial. Apesar disso, os termos ainda seriam usa- dos por algum tempo, e o próprio inquérito conservaria características inquisitoriais (SOUZA, 2009, p. 97-100).

Na repressão a movimentos de grande vulto, é fácil perceber o papel das polícias militarizadas na manutenção dos interesses burgueses no gradual desenvolvimento capitalista nacional. Mas é na atuação destas polícias civis criminais que perceberemos a centralidade da preocupação burguesa com as novas classes trabalhadoras livres que surgiam, além de um forte componente racial, na formação do aparato policial. Clóvis Moura (2023, p. 47-48) é certeiro ao dizer que, nos países periféricos, o imperialismo permite a formação de um capitalismo dependente conjugado com grandes áreas marginalizadas sistematicamente oprimidas por um aparelho estatal autoritário e despótico. A fim de manter o nível máximo de lucro das multinacionais, consagra-se um novo símbolo do homem brasileiro como idealmente branco, ao mesmo tempo em que o negro é atirado para estas últimas franjas da sociedade como modelo antinacional. Mesmo após a abolição, reinterpretam-se racionalizações escravistas, mantendo o negro como exército industrial de reserva e massa marginalizada, forçando baixos padrões salariais e de vida às massas plebeias. O preconceito de cor funciona como mecanismo regulador do capitalismo dependente, e a repressão realizada pelas polícias é central no controle das pessoas negras e na criação da imagem destas como desordeiras e criminosas.

Quando dizemos que o capitalismo dependente exigia uma grande franja marginalizada da força de trabalho, dizemos que, no subemprego e no desemprego, uma boa parcela da população, majoritariamente negra no caso brasileiro, seria relegada ao ócio. Na contenção deste equilíbrio econômico permanentemente vacilante e explosivo, será justamente sobre os ociosos que a repressão policial brasileira terá seu principal foco de atuação. Acostumada a controlar a massa escravizada de trabalhadores através de meios domésticos de coerção, bem simbolizados pela senzala e pelo feitor, ao longo do Império, com o avanço abolicionista e migratório, a burguesia brasileira se deparou com um inédito número de pessoas livres e ociosas circulando pelas cidades, não mais sujeitas às antigas formas escravistas de controle privado. As modernas relações de trabalho que surgiam exigiam que o controle sobre elas também se modernizasse. No contexto de uma autocracia burguesa em que a classe senhorial passou a se organizar pelo poder público, em torno e dentro do Estado, também estas formas de controle deveriam se organizar no seio estatal. A estatização do controle sobre as classes trabalhadoras e ociosas, sobretudo negras, seria o cerne da formação das polícias no Brasil.

Curioso como listas de prisioneiros do Rio de Janeiro e da Bahia entre 1834 e 1837 mostram que, no período, a proporção de pessoas brancas, pardas, livres, libertas e estrangeiras encarceradas era maior que a de negros e escravos. Por motivos óbvios: a população escrava, ainda grande à época, não só estava mais sujeita às formas privadas de punição, como, caso levada ao poder público, acabava sofrendo as penas mais sumárias e cruéis, como açoite e morte (KOERNER, 1999, p. 41). Mas em 1835, então Chefe de Polícia do Rio de Janeiro, Eusébio de Queiroz já esboçava sua preocupação ao Ministro da Justiça: pela dificuldade de se obter provas sobre a condição de uma pessoa negra quando era detida, o mais razoável era presumir sua situação de escravidão, mantendo-a presa até que um certificado de batismo ou uma carta de alforria fosse apresentada em contrário (CHALHOUB, 2011, p. 431). Tanto a livre circulação quanto a prisão de negros nas cidades ainda são tratadas como novidade neste período em que o aparato policial se formava no país. Fenômeno parecido foi observado no estado norte-americano do Alabama, também de escravismo prolongado, onde negros eram somente 1% da população prisional até 1850, mas saltariam para 75% em 1865, ano da abolição (THOMPSOM, 2019, p. 223).

Junto ao recorte racial, o controle sobre ociosos ficaria mais explícito ao longo da transição do país para um modelo de produção baseado no trabalho livre entre o Império e a Velha República. Em São Paulo, de 1892 a 1916, mais de 80% das prisões foram realizadas por vadiagem, quebra de posturas municipais, averiguações de suspeitos e termos de bem viver e segurança. Mesmo com 3.466 pessoas presas ao longo de 1893, apenas 329 inquéritos foram abertos pela polícia paulista, mostrando que a arbitrariedade policial era rotina (KOERNER, 1999, p. 169-171). Na Bahia, em 1917, o secretário de segurança Álvaro Cova já havia manifestado sua preocupação com o “exército de vadios, desordeiros e contraventores” de pessoas sem trabalho no estado. No ano seguinte, em Salvador, das 2.023 prisões efetuadas, 78% seriam motivadas por “desordem” e “vagabundagem” (DIAS, 2004, p. 22-25). Desocupados também apareciam nos regulamentos policiais. O regramento carioca de 1907 previa a função policial de “dar destino aos loucos e enfermos encontrados nas ruas, bem como aos menores e vadios e abandonados e aos mendigos” (VALENÇA, 2017, p. 173-195). Já a Polícia Administrativa de Porto Alegre tinha como função oficial “pôr em custódia turbulentos, bêbados por hábito e prostitutas perturbadoras do silêncio público” (MAUCH, 2011, p. 35-90). Situações que se juntavam às repressões aos movimentos de maior vulto realizadas pelas polícias militares. Neste quesito, a PM paulista é emblemática: seu atual brasão de armas, instituído em 1958, rende homenagens a atuação da corporação na repressão à Guerra dos Farrapos, em 1838, à Campanha de Canudos de 1897 e à retaliação à primeira Greve Geral do país em 1917 (SÃO PAULO, 1981). No mesmo período, o Secretário dos Negócios de Justiça paulista requisitava, em relatório de 1899, a militarização da cavalaria como bom método “para afastar os desordeiros”, eficaz “nos casos de perturbação da ordem” (FERNANDES, 1973, p. 211-212).

Não é à toa que Florestan conclui que, no processo revolucionário brasileiro, a “Nação burguesa” iria imperar sobre a “Nação legal”. A integração nacional horizontal da burguesia em seu plano de dominação de classe impôs seus interesses particulares como universais no país. Os conflitos entre as facções dominantes foram, de certa forma, aceitos dentro da ordem como um mal menor frente à possibilidade de colapso do poder burguês. Já os conflitos com as antagônicas classes trabalhadoras foram colocados “fora da ordem”, reprimidos de forma violenta até se descolarem totalmente da ideia democrático-burguesa de revolução nacional. Mais do que isso, estes conflitos justificaram o discurso burguês de defesa da estabilidade da ordem para legitimar a dominação desta sobre as demais classes, transformando-se numa espécie de “ditadura de classe preventiva” (FERNANDES, 1976, p. 317-318).

É neste cenário formado que o Presidente do país em 1902, Washington Luís, “símbolo da mentalidade ultraconservadora do Partido Republicano Paulista”, declararia que a fermentação dos movimentos operários pelo país era um “caso de polícia” (DALLARI, 1977, p. 37-38). A revolução capitalista brasileira, iniciada nos movimentos de independência e consolidada entre o Império e a Velha República, imprimiu de forma gradativa uma mudança substancial em nossas relações produtivas. A transição do modelo colonial-escravista para o capitalismo baseado no trabalho livre foi uma necessidade de modernização que se impôs à burguesia brasileira. A posição dependente do país no capitalismo global, porém, induziu tal revolução a um caminho mais conservador, desembocando numa autocracia que possibilitasse a dominação burguesa feroz sobre as demais classes que compensasse a submissão ao abastecimento do mercado externo. Neste interregno, onde se formam as classes sociais no país, formam-se também as polícias. Consolidado o capitalismo brasileiro, a burguesia teria sua própria máquina repressiva ancorada no Estado nacional para exercer controle total sobre as camadas trabalhadoras e marginalizadas e manter o tão “desigual equilíbrio” socioeconômico do nosso país.

Conclusões

(…)

No contexto em que anseios mais democráticos eram deixados de lado na defesa dos interesses burgueses, ainda que disfarçados de universalismo, as legislações penais e as instituições policiais surgiriam ao longo do século 19 em concomitância com o próprio processo abolicionista. Nas estatísticas e nos documentos oficiais, é patente o foco que o trabalho destas tinha no controle sobre a classe trabalhadora brasileira, sobretudo na grande faixa de ociosos, majoritariamente ex-escravos, que se formava como exército de reserva industrial necessário para a manutenção dos baixos custos de produção do capitalismo dependente. Não se quer dizer a mudança no modelo de trabalho tenha sido a única motivação da conformação das polícias no país. A política dos governadores e a dinâmica entre as oligarquias regionais e a União são apenas duas outras catalizadoras deste processo que poderíamos citar. É indubitável, porém, o papel central que a formação de uma massa de trabalhadores livres ocupou nas preocupações das classes dominantes ao organizarem as instituições policiais no seio do nascente Estado nacional brasileiro.

Referências

CHALHOUB, S. The precariousness of freedom in a slave society (Brazil in the nineteenth century). International Review of Social History, Amsterdam, v. 56,

  1. 405-439, 2011.

DALLARI, D. A. O pequeno exército paulista. São Paulo: Editora Perspectiva, 1977.

DIAS, A. A. A malandragem da mandinga: o cotidiano dos capoeiras em Sal- vador na República Velha (1910 – 1925). Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2004.

FAUSTO, B. História concisa do Brasil. 2 ed., 5 reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2012.

FELITTE, A. História da polícia no Brasil: estado de exceção permanente? São Paulo: Autonomia Literária, 2023.

FERNANDES, F. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação socio- lógica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2a. ed., 1976.

FERNANDES, H. R. Política segurança. São Paulo: Editora Alfa-Omega, 1973.

KOERNER, A. HabeasCorpus,práticajudicialecontrolesocialnoBrasil(1841- 1920). São Paulo: IBCCrim, 1999.

MAUCH, C. Dizendo-se autoridade: polícia e policiais em Porto Alegre, 1896- 1929. Tese (Doutorado em História) – Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2011.

MOURA, C. Brasil: as raízes do protesto negro. São Paulo: Editora Dandara, 2023.

O negro, de bom escravo a mau cidadão?2a ed. São Paulo: Editora Dandara, 2021.

Rebeliõesdasenzala. São Paulo: Lech Livraria Editora Ciências Hu- manas, 1981.

MARX, K. A miséria da filosofia: resposta à ‘Filosofia da Miséria’ de Pierre-Josepf Proudhon. Rio de Janeiro: Editora Leitura, 1965.

PRADO JUNIOR, C. A revolução brasileira. 5 ed. Brasília: Editora Brasiliense, 1977.

SÃO PAULO. Decreto-Lei nº17.069, de 21demaiode1981. Disponível em: <ht- tp>. Acesso em: 10 jul. 2024.

SOUZA, L. A. F. Lei, cotidiano e cidade: Polícia Civil e práticas policiais na São Paulo republicana (1889-1930). São Paulo: IBCCrim, 2009.

THOMPSOM, H. A. The racial history of criminal justice in America. DuBois Review:SocialScienceResearchonRace, Amsterdam, v. 16, p. 221-241, 2019.

VALENÇA, M. A. Processo penal e democracia: as práticas repressivas aos mo- vimentos operários na Primeira República. Revista Brasileira de Ciências Criminais, vol. 133, p. 173-195, jul. 2017

A universidade refém do produtivismo, por Michel Goulart da Silva

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Exame de uma universidade sem dinheiro e sem projeto. Pesquisas são repetitivas ou rendidas a modismos. Cai a renovação teórica, busca-se financiamento privado e pontuação. Com saberes apartados da sociedade, portas são abertas ao mercado

Michel Goulart da Silva – OUTRAS PALAVRAS – 14/05/2025

Pode-se afirmar que o fundamento que estrutura o meio acadêmico brasileiro é o da precarização, ou seja, a maior parte dos profissionais que produzem conhecimento científico o fazem em condições de extrema dificuldade. Não há muitas das condições básicas para a realização das atividades, seja em termos de estrutura física ou de pessoal, fazendo com que o pesquisador e seus colaboradores encontrem grandes dificuldades para realizar seu trabalho.

Os professores das universidades públicas, onde é realizada a maior parte das pesquisas, encontram dificuldades como a escassez de tempo para se dedicar à pesquisa e à extensão, combinada a uma extensa carga horária de aulas. Os professores das instituições privadas, com poucas exceções, não são incentivados a fazer pesquisa nem a atuar na pós-graduação. Os técnico-administrativos, além de gastar a maior parte do seu tempo em tarefas operacionais, sofrem com todo tipo de preconceitos e marginalização, tornando praticamente impossível a dedicação a outras atividades do espaço acadêmico, como pesquisa e extensão. Os centros de pesquisa públicos são poucos e, a despeito de produzirem importantes pesquisas, não conseguem dar conta das necessidades demandadas pela sociedade.

Outro aspecto a ser considerado se refere à materialização da precarização na condição dos estudantes. Como os docentes têm dificuldades de tempo e de estrutura para realizar suas pesquisas, acabam sendo os estudantes os responsáveis por realizar parte do trabalho, cabendo ao coordenador do projeto se limitar a uma orientação genérica ou simplesmente colocar o nome no artigo final. Esse elemento se manifesta em especial numa divisão de tarefas em que a pesquisa dos orientadores é dividida em partes que os discentes assumem, independentemente do seu nível de formação. Com isso, grande parte das dissertações e teses desenvolvidas no interior dos grupos de pesquisa acabam sendo não o produto do interesse dos pesquisadores em formação, mas fragmentos de uma investigação cujos resultados estão voltados para os interesses e para o currículo do docente que coordena o projeto.

Os discentes, a despeito da enorme responsabilidade que acabam assumindo, inclusive eventualmente de docência, recebem bolsas cujos valores não condizem com suas necessidades vitais e mesmo de apoio às suas pesquisas. Em meio à necessidade de aquisição de bibliografia, de viagem para pesquisas e eventos, além de necessidades primordiais, como se alimentar e pagar aluguel, os valores pagos pelas bolsas vão sendo corroídos pela inflação sem que haja qualquer política de reajuste permanente. Um fator ainda mais degradante se refere ao fato de que, em um cenário de crise econômica e desemprego, para esses pesquisadores em formação a bolsa muitas vezes não está ligada a um projeto de vida e carreira como pesquisador, mas apenas à necessidade imediata de sobrevivência.

Em meio a isso, se coloca a supervalorização da titulação, onde a obtenção do doutorado não é encarada como uma fase da formação do pesquisador, mas um objeto de poder que pode ser utilizado como uma forma de distinção dentro do ambiente acadêmico. Nas universidades o título de doutor pode representar também o ponto mais elevado dentro da burocracia universitária, ocupando cargos de direção ou mesmo a reitoria. O docente doutor pode orientar pesquisadores de todos os níveis de formação, pleitear todos os tipos de financiamento e acessar todos os cargos e órgãos disponíveis na instituição. Muitos doutores fazem questão não apenas de ressaltar sua titulação, mas de destacar que isso os torna especiais e, por isso, mais importantes que todos os demais profissionais que atuam na instituição, inclusive em comparação até mesmo com técnico-administrativos que possuem doutorado. Essa relação de poder e detenção de status é uma demonstração de que “o capital universitário se obtém e se mantém por meio da ocupação de posições que permitem dominar outras posições e seus ocupantes”.1

Para que seja relevante, o título de doutor dos pesquisadores precisa estar acompanhado de uma rede de financiamento e alianças que possibilitem à instituição obter mais e mais recursos. Em função disso, não importa a relevância da pesquisa ou o papel que possui o pesquisador em sua área, mas somente a capacidade que ele tem de obter recursos, sejam públicos ou privados, e as redes de contatos em que está inserido. Para a maior parte das instituições vale mais a pena ter um pesquisador que, embora sem grandes contribuições em sua área de pesquisa, possua amigos influentes em outras universidades e centros de pesquisa.

Essa necessidade de busca por financiamento impacta na escolha do que é produzido na instituição, ainda que a pesquisa seja irrelevante em sua área do conhecimento ou apresente uma baixa qualidade teórica e metodológica. O critério passa pela publicidade que a pesquisa possa alcançar e pela sua capacidade de ser vendida ao mercado. Esse processo tem relação direta com a crise na qual se encontra o sistema capitalista, que:

“[…] reflete-se numa crise dos valores burgueses, da moralidade, da religião, da política e da filosofia. O pessimismo que aflige à burguesia e aos seus ideólogos neste período se manifesta na pobreza de seus pensamentos, na trivialidade de sua arte e no vazio de seus valores espirituais. Expressa-se no espantalho filosófico pós-modernista, que se imagina superior a toda filosofia anterior, quando, na realidade, é absolutamente inferior”.2

Muitas das pesquisas se tornam meras repetições umas das outras, com pequenas variações, dentro de grupos de pesquisas ou como parte de redes. Produz-se uma grande quantidade de teses, dissertações e artigos que basicamente discutem os mesmos assuntos, apresentando pequenas mudanças nos objetos ou nos problemas a serem discutidos. Não há uma preocupação efetiva em ensaiar novas metodologias e perspectivas, mas somente em chegar a um produto, o que obviamente é garantido por uma metodologia conhecida e utilizada de forma repetida e recorrente. Não se trata aqui de experimentos variados que levam a um novo conhecimento, podendo contribuir inclusive para uma renovação daquele campo de pesquisa, mas de um conhecimento pronto que basicamente vai sendo repetido à exaustão e, dessa forma, garantir a produção em grande escala de dissertações, teses e artigos.

Uma consequência dessa repetição de métodos e procedimentos é um completo desdém pelo debate teórico. Evita-se produzir reflexões que exijam a leitura aprofundada de clássicos e um denso debate epistemológico, e que poderiam apontar para novas interpretações ou mesmo para construções teóricas inovadoras. O caminho mais comum é partir de algum referencial pronto, normalmente algum autor ou um campo da moda na Europa ou nos Estados Unidos, e aplicar na pesquisa. Muitos pesquisadores apenas se alongam em citações que, com sorte, talvez façam sentido dentro da lógica do texto. Como consequência, a ciência “se converter numa rotina de simples absorção e arquivamento de ideias, de mera repetição de procedimentos conhecidos e sancionados, dos quais apenas se esperam os resultados seguros e rendosos que não podem faltar”.3 Torna-se, assim, praticamente impossível a construção de um referencial teórico que apresente inovações e novos olhares para os objetos de pesquisa.

Essa situação acaba se mostrando mais grave na pós-graduação, onde se estruturou uma avaliação quantitativa do trabalho realizado, embasada num sistema de controle que inicia nos projetos em andamento, passa pelas orientações e trabalhos em eventos, chegando à publicação de artigos e livros, exigindo uma coerência temática e metodológica que é medida não por critérios teóricos e metodológicos ou pela relevância para a área de conhecimento, mas, em última instância, por palavras-chave ou número de citações. Os pesquisadores, as instituições a que estão vinculados, os periódicos e os livros são categorizados e ranqueados, sendo sua classificação um critério determinante na definição da distribuição de recursos. Entende-se que essa “adoção do modo quantitativo de avaliação das produções cientificas, e o fato de que ele passa ser visto como razoável, decorre do processo de mercantilização ao qual a ciência está sujeita no capitalismo”.4

Esse cenário de pressão pela produtividade está associado às mudanças na forma de organização do trabalho, na medida em que o capitalismo necessita cada vez mais que a técnica e a tecnologia garantam a diminuição nos custos de produção. No sistema capitalista, “a grande indústria tem de incrementar extraordinariamente a força produtiva do trabalho por meio da incorporação de enormes forças naturais e das ciências da natureza ao processo de produção”.5 Cabe à pesquisa um papel decisivo nesse processo, na medida em que possibilita a incorporação de novas tecnologias ao processo produtivo, exigindo-se resultados rápidos, inovadores e com impactos práticos. Como parte do processo de “reorganização econômica, a esfera de natureza simbólico-cultural altera-se, para constituir-se de valores e signos próprios da produção econômica, no contexto de tecnificação da política e da cultura”.6 Consequentemente, diante de dificuldades estruturais, de pressão pela produtividade, e de avaliações com critérios arbitrários, criam-se formas de garantir dados estatísticos de produção. Nesse sentido:

“[…] a pressão produtivista gera o efeito perverso do agir instrumental e do abandono do essencial (o processo em si, gerador de conhecimento e enriquecedor da formação intelectual) pelo aparente, isto é, o resultado espelhado na pontuação. Em outras palavras, privilegia-se a quantidade sem se importar com a qualidade”.7

Esse problema se manifesta no comércio de publicações. O mercado das revistas acadêmicas e as parcerias com empresas fazem com que se deixe de lado a possibilidade de produção de conhecimentos que possam ter um caráter socialmente refletido e que apontem para uma perspectiva minimamente crítica. Construiu-se um complexo sistema de indicadores e estatísticas que mede não a qualidade ou a importância do conhecimento produzido, mas a quantidade de textos que o pesquisador produz. Não importa o conteúdo desses textos, se repetem integralmente o que foi escrito antes ou mesmo se não tem alguma relevância, mas sim as citações que faz e as que possa vir a obter. Os textos podem não apresentar nenhuma contribuição para sua área do conhecimento, mas tornam-se importantes dentro da realidade paralela do mundo acadêmico, importância essa completamente subjetiva e que somente faz sentido para um grupo específico de profissionais. O objetivo desses artigos produzidos em grande quantidade não é a apresentação de reflexões realizadas a partir de uma pesquisa com efetiva contribuição para seu campo de estudo ou a intervenção para a solução de um problema da sociedade, mas a obtenção de resultados que sejam mensuráveis por um sistema de avaliação definido com critérios arbitrários e desconhecido pela esmagadora maioria das pessoas de fora da universidade.

Nesse cenário, de precarização do trabalho da pesquisa e de atribuição de pouca relevância ao conteúdo que se produz, a adesão aos modismos acaba sendo o caminho seguido por pesquisadores em qualquer nível de formação. Os pesquisadores acabam ou adotando os temas mais comuns do momento ou incorporando métodos e teorias mais utilizados por seus pares, na medida em que isso facilita tanto a obtenção de recursos e bolsas, como a publicação em revistas. O pesquisador deixa de ser um profissional que procura novos caminhos para seu trabalho, onde poderia encontrar saberes ainda pouco conhecidos e nada explorados, para permanecer estagnado em um lugar lotado e totalmente desgastado. Outro aspecto tem relação com o fato de esses métodos, teorias e objetos de moda normalmente expressarem interesses privados que, mesmo quando não influem de forma direta sobre o financiamento da pesquisa, determinam a importância que se deve dar ao trabalho do pesquisador.

Essa busca por estar na moda e em harmonia com os temas e teorias dominantes nos meios acadêmicos também tem como consequência o fato de se evitar quaisquer polêmicas. Se há divergências teóricas, deve-se ou fazê-las da forma mais cordial possível ou até mesmo evitar torná-las públicas, embora a produção do conhecimento necessite do debate e da crítica para apontar não apenas limitações do trabalho realizado, como indicar possíveis caminhos a serem seguidos. Nos diversos campos, dominam teorias, temas e métodos quase consensuais, parecendo que todos falam a mesma coisa, ainda que com pequenas variações na forma. O meio acadêmico atualmente existente, com raras e marginalizadas exceções, não é constituído por um espaço de debate aberto e saudável, mas por um comodismo que aceita passivamente os modismos dominantes e a precarização estrutural.

Nos últimos anos, algumas vozes têm se levantando para denunciar os problemas enfrentados pelos pesquisadores, enfatizando especialmente cortes de verbas para fomento, dificuldades estruturais e a ameaça de perda de bolsas. Contudo, de forma geral, essas críticas não apresentam uma análise da lógica perversa do meio acadêmico e do fato de que sua precarização não se limita a um projeto de governo, mas constitui-se em uma estratégia diretamente ligada aos interesses do capital, que tem como objetivo a completa transformação do conhecimento em mercadoria. Deve-se ressaltar que:

“[…] as atividades intelectuais de produção da ciência e da tecnologia não se constituem processos autônomos, independentes da realidade concreta onde se efetivam. A ciência revela-se historicamente como instrumento de poder. Ela passa a atuar junto às forças produtivas de forma cada vez mais decisiva, ampliando cada vez mais sua potência econômica”.8

O Estado, diante das variações no modo e nas relações produções, adapta as políticas educacionais e de pesquisa aos interesses do capital, priorizando ora investimentos com recursos públicos, ora a entrega da educação à gestão privada, com ou sem recursos do Estado. Portanto, a despeito de todas as mediações possíveis, em última instância, a educação sob o capitalismo é funcional à produção de valores de troca e à exploração do trabalho. Com isso, a possibilidade de avanço na produção do conhecimento mostra-se incapaz de romper as barreiras da sua mercantilização, exigindo das organizações trabalhadores ações que se coloquem no sentido de romper essa bolha perversa.

Notas:

  1. BOURDIEU, Pierre. Homo academicus. 2ª Florianópolis: Editora da UFSC, 2011, p. 115.

2 Alan Woods. Reformismo ou revolução. São Paulo: Editora Marxista, 2009, p. 67.

3 Álvaro Vieira Pinto. Ciência e existência: problemas de filosofia da pesquisa científica. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, p. 255.

4 Marcos Barbosa de Oliveira. A mercantilização da ciência: funções, disfunções e alternativas. São Paulo: Scientiae Studia, 2023, p. 38.

5 Karl Marx. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2013, p. 460.

6 Valdemar Sguissardi; João Reis Silva Jr. Novas faces da educação superior no Brasil: reforma do Estado e mudança na produção. 2ª ed. São Paulo: Cortez; Bragança Paulista: USF, 2001, p. 80.

7 Antonio Ozaí da Silva. A corrida pelo Lattes. In: Waldir José Rampinelli; Valdir Alvim; Gilmar Rodrigues (Org.). Universidade: a democracia ameaçada. São Paulo: Xamã, 2005, p. 89.

8 Maria de Lourdes Pinto de Almeida. A pesquisa acadêmica no século XXI. Campinas: Mercado de Letras, 2012, p. 93.

Os rumos do Banco Central, por Paulo Nogueira Batista Júnior

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Paulo Nogueira Batista Júnior – A Terra è Redonda – 16/05/2025

A conta dos juros altos: ricos lucram, pobres sofrem, e o governo pode perder em 2026

Gabriel Galípolo e os demais indicados pelo presidente Lula para o comando do Banco Central ainda não disseram a que vieram. São economistas competentes e, pelo que se sabe, de orientação econômica menos ortodoxa. Mas até agora pouco mudou – talvez nada. Visto de fora, é como se o Banco Central continuasse a ser presidido por Roberto Campos Neto – com a diferença de que o governo agora não tem mais o bode expiatório.

Não quero exagerar, entretanto. A visão de fora pode não captar mudanças ocultas, em gestação. E a verdade é que pouco tempo se passou desde a saída do presidente anterior. Pode-se supor que Gabriel Galípolo e os novos diretores ainda estejam tomando pé da situação. Afinal, como ignorar que o Banco Central é uma instituição grande e complexa? Não se dá cavalo-de-pau num transatlântico. Vamos então dar o benefício da dúvida a Galípolo e cia.

Para entender a situação do comando do Banco Central neste momento é fundamental ter em conta, entre outros fatores, o seguinte fato básico: a política econômica obedece em alguma medida à influência do ciclo político. A perspectiva de eleições influencia inevitavelmente a condução da política econômica, inclusive a monetária.

Do ponto de vista do governo brasileiro, faz sentido praticar políticas monetária e fiscal razoavelmente apertadas entre o final de 2024 e meados de 2025, de forma a conter um pouco a inflação, para em seguida relaxar a política econômica, no final de 2025 e início de 2026, ajudando a criar um clima mais propicio à reeleição de Lula (ou à eleição de quem ele resolver indicar em seu lugar). Isso significaria começar a reduzir a taxa básica de juro nos próximos meses.

Um economista ortodoxo discordará e dirá certamente que o Banco Central tem autonomia em relação ao governo e não deve subordinar a seus objetivos político-eleitorais. Isso é teoria, entretanto. Na prática, os bancos centrais quase nunca são totalmente autônomos em relação ao poder político. Acabam refletindo em alguma medida, de forma não declarada, a orientação geral do governo pelo qual os seus dirigentes foram indicados.

Evidentemente, o mandato do Banco Central requer obediência às metas de inflação estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional. Ora, a inflação e as expectativas de inflação estão “desancoradas”, isto é, superam o centro da meta (3%). A política monetária deve então, argumenta-se, fazer a inflação convergir para a meta (ou, pelo menos, situá-la dentro do intervalo previso no regime de metas).

Porém, um risco central, sempre presente, é que alcançar a meta de inflação pode cobrar um preço proibitivo dos pontos de vista social e político. De que adiantaria colocar a inflação no centro da meta e entregar o país de mão beijada para a direita ou a ultra direita em 2026? Quando se considera o baixíssimo nível da oposição, tanto a bolsonarista, como a direita tradicional, a perspectiva é aterradora.

Parte do problema que estamos enfrentando, leitor ou leitora, está na definição da meta de inflação – 3% com intervalo de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Estabelecer metas ambiciosas como essa contribui para forçar o Banco Central a praticar juros muito elevados.

O responsável por essa definição, recorde-se en passant, foi o presidente do Banco Central Ilan Goldfajn no governo Temer, uma das várias figurinhas carimbadas que exerceram esse cargo ao longo das décadas recentes. Na época, o argumento “científico” era que a Colômbia e o Chile tinham meta de 3%. Por que não o Brasil? – argumentavam Ilan Goldfajn e seus asseclas. Como dizia Brizola, a elite brasileira é um lixo.

O governo Lula deveria ter revisto a meta de inflação logo no seu início em 2023, como parecia querer o próprio Presidente da República. Diversos economistas, inclusive eu mesmo, argumentaram que seria conveniente elevar o cento da meta para 3,5% ou 4%, aumentando ao mesmo tempo o intervalo entre o piso e o teto da banda de 1,5 para 2 pontos percentuais. O teto para a meta ficaria em 5,5% ou 6%, o que permitiria absorver choques de oferta sem praticar juros exorbitantes. Manteve-se, entretanto, a meta ambiciosa, com as consequências que estamos vendo.

Não há dúvida de que uma taxa básica de juro elevada pode ajudar no combate à inflação. Como? Primeiramente, porque tende a gerar apreciação do real, favorecendo o controle dos preços dos bens e serviços comerciáveis internacionalmente. Em segundo lugar, porque derruba o nível de atividade e de emprego, comprimindo os preços dos bens e serviços transacionados domesticamente.

O problema, como se sabe, é que a redução ou desaceleração da atividade econômica, ao afetar o emprego e a renda, provoca deterioração do quadro social e prejudica o governo do ponto de vista político. Além disso, tende a reduzir a arrecadação tributária, piorando o resultado primário das contas públicas.

Ainda mais importante do ponto de vista das finanças governamentais: a taxa básica de juro aumenta direta ou indiretamente o custo da dívida, que é majoritariamente interna. A despesa líquida de juros do setor público consolidado já supera os 8% do PIB! O propalado crescimento do déficit e da dívida do governo tem muito mais a ver com essa carga de juros do que com o déficit primário (que está em torno de 0,6% do PIB) – contrariamente ao que sustentam ou insinuam os economistas da Faria Lima e a mídia tradicional.

Não se pode esquecer, além disso, que os juros altos concentram a renda nacional. Não é por acaso que a turma da bufunfa defende uma política monetária apertada. Quem embolsa os juros pagos pelo governo? Os ricos e super-ricos com elevada poupança financeira aplicada em títulos públicos. O Banco Central está desfazendo, pelo menos em parte, o considerável progresso feito em termos de distribuição de renda pelo governo Lula em 2023 e 2024.

Um último ponto, nem sempre notado: a taxa de juro exorbitante coloca dinheiro nas mãos daqueles que têm meios de remeter recursos para o exterior quando bem entenderem. Com a liberdade que se concedeu mandar dinheiro para fora, a turma da bufunfa faz o que bem entende, entrando e saindo do país quando lhe convém – um legado da desastrosa gestão Fernando Henrique Cardoso, que promoveu a liberalização prematura da conta de capitais. Algo que a China, por exemplo, jamais fez.

Depois do último aumento da Selic, a taxa real de juros ex ante se aproxima de 10%! Preciso dizer mais? Por todos esses motivos econômicos, sociais e políticos, Gabriel Galípolo e cia. não podem demorar a reduzir os juros.

Paulo Nogueira Batista Jr. é economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS. Autor, entre outros livros, de Estilhaços (Contracorrente)

Novos Mercados

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Neste momento de grandes transformações econômicas, sociais, políticas e culturais na sociedade internacional, percebemos uma reorganização da estrutura da economia internacional, novos mercados crescem cotidianamente, novos concorrentes surgem diuturnamente, novas estratégias econômicas e produtivas ganham relevância no sistema econômico, exigindo governos ágeis, flexíveis e competentes, demandando profissionais altamente qualificados, empresas rápidas e dinâmicas, além de consumidores conscientes de seus interesses cotidianos, uma verdadeira revolução.

Neste cenário de agitações e conflitos comerciais, percebemos uma reorganização dos parceiros econômicos, as nações percebem as incertezas que crescem todos os dias, suas estratégias se perdem neste ambiente de instabilidade, acordos assinados são descumpridos, discursos inflamados geram graves constrangimentos diplomáticos, levando os países a repensarem seus acordos comerciais, buscando novos horizontes, reestruturando seu parque produtivo e fortalecendo sua estrutura financeira, como forma de encarar os novos desafios da economia internacional.

Vivemos numa sociedade altamente competitiva, dominada pelo individualismo e pelo imediatismo, onde os valores da concorrência dominam o ambiente econômico e produtivo, exigindo dos governos, dos indivíduos e das organizações uma adaptação constante, neste cenário, percebemos que os valores do compartilhamento, da solidariedade e da tolerância perdem espaço numa sociedade centrada em valores materiais.

Neste ambiente, percebemos que as trocas econômicas e produtivas estão crescendo como forma de satisfazer as necessidades das nações e de seus povos, novos atores do comércio internacional estão transformando a sociedade global, a ascensão dos países asiáticos está revolucionando os valores, os costumes e os comportamentos, exigindo uma reflexão menos materialista, afinal estes atores trazem outros valores culturais, como o misticismo e a valorização do espiritualismo. Estas mudanças em curso na sociedade internacional estão diretamente ligadas ao crescimento das economias asiáticas, dotadas de valores e culturas milenares e, desta forma, estão revitalizando a sociedade global e trazendo novos desafios para a sociedade global.

Diante deste novo cenário global, marcado por grandes desafios e, ao mesmo tempo, marcados por novas oportunidades as nações precisam fortalecer suas estruturas produtivas, investindo fortemente em educação, capacitando os professores, garantindo melhores condições de trabalho e remuneração dignas e decentes, afinal, mesmo sabendo que o mundo se transforma rapidamente e a tecnologia ganhando uma relevância pouco vista na sociedade mundial, a melhora da qualificação da mão de obra é um dos maiores desafios para as nações na contemporaneidade. Sem investimentos em pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico, vamos continuar sendo consumidores de produtos industrializados e fornecedores de produtos primários de baixo valor agregado, perpetuando uma situação de dependência externa, pobreza crescente e perspectivas futuras sombrias.

A geopolítica global nos mostra o crescimento do Pacífico em detrimento do Atlântico, novos produtores surgem na sociedade mundial, novas tecnologias surgem e nações como o Brasil apresentam grandes vantagens competitivas para se inserirem no comércio internacional. Somos dotados de grande potencial de energia renovável, possuímos espaços geográficos elevados e forte potencial agrícola e mineral, precisamos aproveitar as mudanças no comércio global e mostrar nossas potencialidades, negociar investimentos estrangeiros, exigir transferência de tecnologia, fortalecer nosso comércio exterior, investir fortemente em infraestrutura e logística, além de fortalecer o capital humano, com fortes investimentos em educação, pesquisa, ciência e tecnologia. Tudo isso nos parece urgente e necessário, mas para uma elite atrasada, rentista e imediatista que domina a sociedade brasileira a quinhentos anos, isso seria uma grande revolução.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário.

O Antropoceno e o pensamento econômico, por Ricardo Abramovay

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Ricardo Abramovay – A Terra é Redonda – 12/05/2025

Considerações sobre o livro recém-lançado de José Eli da Veiga

A utopia que dominou o século XX e desabou como castelo de cartas em 1989 oferecia o inegável conforto intelectual de transformar de forma inapelável e completa as próprias bases sobre as quais se constituíram as sociedades modernas. Era como recomeçar do zero. Sistema de preços, lucro, empresas privadas e o que Karl Marx chamou de “anarquia da produção” seriam substituídos por decisões racionais vindas da inteligência planificadora que, apoiada, em tese, sobre participação social democrática, sinalizaria aos organismos centrais quais seriam as necessidades e os desejos da sociedade.

Esta utopia foi importante inclusive em países democráticos e sua derradeira expressão política foi o governo de “Union Populaire” da França que, sob a presidência de François Mitterrand, em 1981, deu início à estatização dos dez maiores grupos econômicos do país. A ousadia não durou um ano e depois de sua reversão nenhuma força política expressiva, em qualquer lugar do mundo, preconiza o que a esquerda europeia chamava de “nacionalização dos grandes monopólios” como caminho para combater as desigualdades, evitar os desperdícios e usar os recursos materiais e bióticos em benefício da sociedade.

Mas este final melancólico nem de longe suprimiu os valores ético-normativos em que se fundamentou a utopia da esquerda do século XX. Tanto mais que o espetacular aumento da riqueza em todo o mundo, desde o final da Segunda Guerra Mundial, não tardou a revelar seus pés de barro pela destruição em que se assentou de recursos e serviços ecossistêmicos sem os quais o bem-estar e o próprio dinamismo econômico estavam sob risco crescente.

A utopia do século XXI não é e não pode ser conformista e condescendente. Ela mantém e, sobretudo, ela expande o que marcou os projetos de emancipação social do século XX. Sua ênfase é, em primeiro lugar, a expansão das liberdades substantivas dos seres humanos, para empregar a expressão de Amartya Sen, que exerceu influência decisiva sobre os trabalhos vindos dos diversos programas e de diferentes agências das Nações Unidas.

A conquista desta liberdade supõe não apenas direitos humanos, mas exige que se rompa com a noção de que a natureza é apenas um meio, cujo uso ilimitado pode se perenizar, já que sua exaustão será compensada por aquilo que nosso engenho tecnológico é capaz de criar.

Só que em vez de trazer a marca da tomada do Palácio de Inverno ou de uma vitória eleitoral que ponha de cabeça para baixo as regras do jogo, a utopia do século XXI assemelha-se a trocar os pneus do carro com o veículo em movimento. Ela não se propõe a suprimir os pilares da vida social (mercados, empresas, lucros) e sim a ampliar os bens públicos, reduzir ao mínimo as atividades predatórias da saúde humana e do meio ambiente e promover participação social e inovação tecnológica que contribuam para atingir este objetivo.

Nada exprime melhor a utopia do século XXI que os dezessete Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), aprovados pelas Nações Unidas em 2015 e que serão revistos em 2030. E apesar da má reputação de que goza o pensamento econômico como sinônimo daquilo que Thomas Carlyle chamou de ciência sombria, que só conseguiria conceber a sociedade como resultado não antecipado de interesses individuais, transformando, na trilha de Bernard de Mandeville, o egoísmo em virtude social, é exatamente no pensamento econômico que se encontram as fontes mais férteis das quais se alimenta esta utopia.

É o que mostra a impressionante síntese do mais recente volume da trilogia que José Eli da Veiga acaba de publicar, O Antropoceno e o pensamento econômico. O primeiro volume da trilogia (O Antropoceno e a ciência do sistema terra, Ed. 34, 2019) discute uma expressão relativamente recente no âmbito das ciências da terra e da vida: o sistema terra.

O termo tem a ambição de romper com a estreita especialização em que são treinados os pesquisadores das disciplinas que compõem esta área científica diante da urgência de se compreender o fato de que as atividades humanas dos últimos oitenta anos não só provocaram alterações na biosfera, mas se tornaram uma força de natureza geológica, interferindo no comportamento do sistema climático e por aí nos oceanos, na atmosfera e nos solos. Daí a ideia de Antropoceno.

No segundo volume, o Antropoceno e as humanidades (Ed. 34, 2023), a reflexão se volta às ciências do homem e da sociedade e alguns dos mais expressivos pensadores sociais contemporâneos são objeto de reflexão. O livro se apoia em ninguém menos que Charles Darwin para mostrar que, longe da ideia vulgar segundo a qual a evolução biológica pode ser resumida a uma disputa acirrada em que vence o mais forte, a vida (e a vida social) é composta, antes de tudo por processos cooperativos apresentados numa obra decisiva e pouco conhecida do criador da teoria da evolução, The Descent of Man.

E quem imaginou que no terceiro volume, O Antropoceno e o pensamento econômico, a narrativa se concentraria em como os ajustes no sistema de preços podem contribuir a enfrentar aquilo que Sir Nicholas Stern colocou como a mais importante falha de mercado da sociedade atual (as mudanças climáticas), a surpresa será imensa.

Longe de sua imagem caricatural que a vê como a disciplina que estuda a alocação de recursos escassos entre fins alternativos, baseada inteiramente na ideia de que indivíduos racionais e auto interessados relacionam-se uns aos outros a partir da sinalização que os mercados transmitem ao que compram e vendem, a ciência econômica da segunda metade do século XX reserva novidades que o livro de José Eli da Veiga tem a virtude de expor de maneira dinâmica, persuasiva e, como não poderia deixar de ser, polêmica.

A apresentação dos autores mais expressivos do pensamento econômico das últimas seis décadas sobre o Antropoceno gira em torno de duas questões centrais.

A primeira rompe com o dogma básico do pensamento neoclássico expresso por um de seus mais consagrados expoentes, Lionel Robbins, que, referindo-se à relação entre ética e economia, escreveu, em 1932: “infelizmente não parece logicamente possível associar os dois estudos de qualquer outra maneira que não seja a justaposição”.

A reflexão dos economistas que se voltaram a estudar o Antropoceno, ao contrário, coloca a ética no coração da economia. Se a vulnerabilidade da biosfera for abordada sob o ângulo puramente instrumental o resultado será a convicção (que domina o pensamento econômico convencional) de que seu eventual esgotamento pode ser enfrentado por meio de inovações tecnológicas que entregarão para a sociedade os serviços que as atividades humanas acabaram por destruir.

Não surpreende então que, para colocar a natureza como finalidade e não como meio, é necessário fazer aquilo que Lionel Robbins acreditava impossível. A abordagem dos mais importantes economistas sobre o Antropoceno supõe, assim. a contestação das premissas epistemológicas (e, de certa forma, ontológicas) em que a disciplina convencionalmente se apoia.

Não se trata de negar a importância dos mercados, das empresas e do lucro e sim de mostrar que a compreensão da vida econômica se torna mais fértil caso ela se amplie para incluir a cooperação, a solidariedade e os bens públicos e, mais que isso, a importância de um tratamento dos materiais, da energia e dos recursos bióticos de que depende a oferta de bens e serviços com instrumentos que não se resumem ao que o sistema de preços sinaliza.

É nesta reflexão sobre ética que se apoia a discussão central do livro: para que serve, qual o alcance e quais os limites do crescimento econômico? A miragem de uma solução unificada e totalizante para enfrentar a destruição a que vem levando a gigantesca riqueza produzida pela grande aceleração, o decrescimento, é rejeitada não por sua impossibilidade prática ou por não estarem reunidas as forças político-culturais que poderiam levá-las à prática.

O equívoco da proposta de decrescimento está em que ele se tornou, de certa forma, o outro lado da moeda do mito do crescimento. Ele se abstém de estudar a vida social com base no uso dos recursos materiais, energéticos e bióticos e nos serviços de provisão (na alimentação, na mobilidade, na construção, na saúde) a que este uso dá lugar.

Mais importante que saber se a economia cresce ou não é conhecer como se extraem e transformam os recursos voltados à oferta de bens e serviços e se estes bens e serviços contribuem a melhorar ou piorar tanto a vida social como o meio ambiente.

A proposta que decorre desta análise é que é preciso “crescer decrescendo” e “decrescer crescendo”. O aparente paradoxo se explica: por mais importante que seja a virtude do crescimento em criar empregos, arrecadar impostos e estimular inovações, estes atributos serão ofuscados se os bens e serviços em que eles se apoiam forem o tabaco, a destruição dos tecidos urbanos provocada pela massificação dos automóveis individuais (em detrimento dos transportes públicos) e a ampliação do consumo de alimentos ultraprocessados que são vetores da pandemia global de obesidade.

É preciso reduzir ao mínimo estas atividades (decrescer) ampliando aquelas que aumentam a oferta de bens públicos e as que se voltam a regenerar os serviços ecossistêmicos que, até aqui, o crescimento econômico vem destruindo, como as energias renováveis, alimentos de qualidade e o fortalecimento das áreas protegidas (crescer). Em vez de se fixar nesta medida sintética (e, de certa forma, arbitrária) que é o PIB, o fundamental é examinar as bases materiais, energéticas e bióticas da formação da riqueza e seus efeitos reais sobre o bem-estar humano e os serviços ecossistêmicos.

Em suma, a riqueza e a diversidade das correntes de pensamento apresentadas neste livro são antídotos contra o ceticismo dos apologistas do fim do mundo e contra o cinismo dos que insistem em dizer que não há e não haverá força suficiente para mudar a trajetória destrutiva que está levando ao aumento das emissões, à crescente erosão da biodiversidade e a diferentes formas de poluição. Conhecer o pensamento econômico sobre o Antropoceno é certamente um caminho promissor para evitar esta dupla paralisia.

Ricardo Abramovay é professor titular da Cátedra Josué de Castro da Faculdade de Saúde Pública da USP. Autor, entre outros livros, de Infraestrutura para o Desenvolvimento Sustentável (Elefante)

Economistas ainda pensam em crescimento eterno, diz José Eli da Veiga

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Professor da USP defende noção de crescer decrescendo e afirma que COP30 pode ser a mais difícil de todas;

Eduardo Sombini, Doutor em geografia pela Unicamp, é repórter da Ilustríssima.

Folha de São Paulo, 10/05/2025

Nem abandonar a ideia de crescimento econômico nem confiar nela cegamente.

José Eli da Veiga, professor sênior do Instituto de Estudos Avançados da USP, recorre a essa dupla negativa para sintetizar sua análise em “O Antropoceno e o Pensamento Econômico” (Editora 34), terceiro volume de sua trilogia sobre as ciências e as humanidades em um período de crise climática e transformação acelerada do planeta pela sociedade.

No livro, o intelectual revisita escolas e pensadores à margem do mainstream da economia para sustentar que a disciplina não acompanhou o avanço da fronteira do conhecimento e ainda passa ao largo, por exemplo, da teoria da evolução e da física moderna.

Em razão disso, Veiga argumenta, o pensamento econômico ignora os fluxos de energia e matéria envolvidos no processo de produção, o que faz com que economistas concebam um crescimento eterno e não se preocupem com as condições de vida das gerações futuras.

Na entrevista, o pesquisador fala sobre as ideias de crescer decrescendo e decrescer crescendo, um caminho do meio entre manter o modelo atual e as propostas de decrescimento da economia.

Veiga também discute o impasse em fóruns multilaterais dedicados à crise ambiental, como as COPs. Para ele, negociações entre as corporações e os governos responsáveis pela maior parte das emissões de gases do efeito estufa teriam mais resultado que encontros anuais com a participação de mais de uma centena de países.

Leia abaixo os trechos principais da entrevista.

O pensamento econômico hoje

Existe uma corrente muito secundária, vista pelos economistas como uma coisa heterodoxa e estranha, a economia evolucionária. Tem uma muito forte, a economia institucional. Tem uma bem sólida, mas que não é muito reconhecida, a economia ecológica. Mas, se você perguntar como uma inteligência artificial classifica as várias correntes da economia, o risco é que nem apareçam essas que eu citei.

Porque as principais são aquelas que, no fundo, formam o currículo tradicional de um curso de economia: macro, micro, história do pensamento econômico, um pouco de história econômica. A formação de um economista é mais ou menos essa.

Será que uma humanidade —a economia não é uma ciência— precisa ser compatível com a física e com a biologia, para não falar de química e geociências? Minha tendência é dizer que é errado ser incompatível.

Tem ramos da economia que avançaram muito, principalmente aqueles afeitos à modelização matemática, mas a economia ainda hoje é absolutamente prisioneira da mecânica clássica e, principalmente, da ideia de equilíbrio. Ignora totalmente a termodinâmica, para começar. Você chega a conclusões muito diferentes a respeito de como pode ser o desenvolvimento se levar em conta ou não a termodinâmica.

O conceito de entropia

Uma das primeiras coisas com que um estudante de economia se defronta é um diagrama do fluxo circular, que explica como funciona o chamado sistema econômico. Não entra nada nem sai nada desse sistema. Ele ignora a entrada de energia —nós somos uma dádiva do Sol— e, principalmente, todos os resíduos, do outro lado, além da entropia.

O que interessa para um economista na questão da entropia? Quando se usa energia —e nós não fizemos outra coisa que procurar fontes de energia que nos dessem cada vez mais produtividade—, parte dessa energia se dissipa. Permanentemente, estamos perdendo uma boa parte da energia que mobilizamos.

A rigor, a longo prazo, você não pode pensar em crescimento econômico. Você tem que pensar que o futuro da humanidade ou o desenvolvimento vão ter que prescindir do crescimento. Essa é uma conclusão que choca um economista ortodoxo, tradicional. Para eles, é subentendido que o crescimento é uma coisa eterna.

A economia e a ética

A dicotomia entre a economia como ética e uma economia mais logística, que a gente normalmente chama de o lado engenheiro da economia, é bem antiga. Houve tentativas teóricas de dizer que a economia devia se limitar só a esse aspecto logístico e não entrar em nenhum tipo de consideração ética. Evidentemente, isso não é uma coisa que foi seguida pelos economistas, mesmo por economistas que eu classificaria como ortodoxos. Uma parte deles, ao contrário, é bem ligada em considerações éticas.

Para nós, isso é muito importante porque o aquecimento global —para não falar de todos os outros prejuízos ao meio ambiente que a gente vem causando pelo menos há uns 80 anos de forma muito intensa– coloca em questão as condições de vida das próximas gerações. Esse é um dilema ético para nós.

Resultados frustrantes das COPs

Uma das coisas chocantes é notar que a questão da camada de ozônio, que era complicadíssima, teve um arranjo de cooperação internacional que deu muito resultado. Por quê? Como foi o formato?

No início, só se juntaram os que mais eram responsáveis pelo assunto. Eram poucos países que tinham as empresas que faziam o estrago. A partir disso, paulatinamente, foram ganhando adesões à convenção. É difícil encontrar, pelo menos na área ambiental, outra convenção ou outro tratado que tenha tido tanto sucesso.

Quando, em 1988, se criou o IPCC, houve muita pressa, porque a Rio-92 estava marcada e ia ser uma coisa muito importante. Mais importante que mera pressa, havia a conjuntura internacional geopolítica desse período. Ainda se vivia muito daquele entusiasmo e otimismo que surgiu a partir da queda da União Soviética. Hoje, olhando com a facilidade de estar distante disso, parece uma coisa infantil imaginar que você poderia fazer uma assembleia anual de todos os países do mundo e chegar a algum tipo de decisão.

A Convenção do Clima criou uma arena para que houvesse disputas políticas das mais variadas. No início, era sempre o Sul querendo dizer que a culpa era do Norte e que eles tinham que pagar. Depois, foram encontrando algumas saídas e, no famoso Acordo de Paris de 2015, a ideia é que cada país vai determinar ele mesmo qual é a contribuição que pode dar. Isso foi um grande avanço.

Neutralidade de carbono

No meio disso, com um grupo de Oxford liderando, cientistas começaram a levantar a ideia de que existem emissões que podem ser, de certa forma, abatidas —quando, por exemplo, uma área desmatada é restaurada— e isso levou à ideia de compensação de carbono.

Foi um tremendo desserviço. Quer dizer, tinha um lado bom e um lado ruim. O lado bom é que muitas empresas que olhavam para a questão do aquecimento global e viam sempre como um sacrifício ter que reduzir emissões, de repente, falaram: “Bom, vamos também poder abater aquilo que a gente faz de positivo”. Isso deu um certo incentivo para que elas não simplesmente banissem a ideia do aquecimento global.

Por outro lado, as empresas que mais emitem acharam o máximo. “Comprar uns créditos de carbono do pessoal que restaura na Amazônia, se a gente for muito pressionado, senão vamos continuar emitindo”. O resultado? É só olhar o que aconteceu.

Do Acordo de Paris para cá, as emissões de CO2 equivalente não pararam de aumentar, em um ritmo que é difícil imaginar se seria diferente. O impacto dos créditos de carbono nem começou a fazer cócegas por enquanto. Conheço muitos colegas que acreditam que, por volta de 2050, haja neutralidade de carbono –quer dizer, que o aquecimento global vai continuar, mas que as emissões estariam sendo mais ou menos integralmente abatidas por esses descontos.

Quando olho os números, acho que o máximo que se pode dizer é que talvez seja um problema que tenha solução neste século, mas não vai ser desse jeito, com essa convenção.

Um novo modelo para as COPs

Do meu ponto de vista, o que pode melhor acontecer é que, em algum momento, esse mesmo sistema de COPs descubra que é preciso reconsiderar a própria convenção. Hoje, a gente sabe que 80% das emissões saem de 57 empresas que estão em 34 países.

Se você juntasse esses 34 países em vez de juntar mais de cem uma vez por ano, eles não demorariam para encontrar uma maneira de se comprometer com um esquema de redução. Por exemplo, o chamado “cap and trade”: você fixa uma meta de redução das emissões para o ano que vem e as empresas que tiverem conseguido atingir essa meta recebem créditos que poderão ser vendidos para aquelas que ainda não conseguiram. Um esquema desse tipo é o que funciona no mercado de carbono europeu.

Aos poucos, você teria muito mais resultados se o arranjo fosse só com esses 34 países ou essas 57 empresas —ou a parte deles que topasse. Se a convenção não fosse abolida, as COPs poderiam começar a ser reunidas de cinco em cinco anos. É um desperdício de tudo, de dinheiro, de energia. Essas COPs são uma coisa assustadora.

Expectativas para a COP30

Do ponto de vista das negociações diplomáticas, acho que vai ser praticamente mais do mesmo. Sempre aparece alguma coisa que você pode usar para dizer que foi um avanço, mas, no frigir dos ovos, não vai ter nada de significativo nesse plano.

Só que surgiu uma novidade muito importante. No discurso do Lula na Assembleia Geral da ONU, ele fez a sugestão de que nós fizéssemos um balanço ético global.

A ideia é que o balanço seja feito a partir do momento em que todos os países apresentem os seus compromissos nacionalmente determinados, os NDCs, e pouquíssimos países, por enquanto, apresentaram. Vai ficar muito em cima da COP, em novembro, que se terá esse conjunto e se poderá começar a fazer esse balanço.

Não vai ser exatamente na COP, mas, com isso, a COP poderá ter desencadeado na sociedade civil uma dinâmica que ainda não existe: a sociedade civil mundial se mobilizar em torno desse balanço ético global e isso gerar uma forma de maior responsabilização e pressão sobre o conjunto dos países. Se eu não estiver muito enganado, vai acontecer algo de muito positivo, mas meio que fora da COP em si, que virou uma espécie de feira anual de lobistas.

Não vai ser muito diferente desta vez —e com conflitos. Tem tanta gente na Amazônia e tantas tendências da sociedade civil muito mobilizadas em torno disso que é provável que seja, de todas as 30, a mais difícil de conduzir.

Crescer decrescendo

Considero essa ideia uma espécie de ovo de Colombo, porque fica um debate entre os decrescentistas e aqueles que dizem: “Olha a fórmula que funcionou até hoje. Você terá população em queda, educação e inovações institucionais e tecnológicas continuando. Os problemas ambientais meio que se resolvem pelos preços. Não tem que ficar discutindo se tem que ter ou não crescimento. Quanto mais crescer, melhor”.

No entanto, quando você para para pensar em termos práticos, tem coisas que não podem mais crescer e tem outras que são promissoras e que precisam ter espaço para crescer. Não se trata de dizer, para quem está com a responsabilidade da política econômica, que deva pisar no acelerador ou no freio do crescimento. Ao contrário.

Tudo o que emite e queima energia fóssil demais, o ideal é que decresça. As energias renováveis precisam crescer. Estou falando do terreno da energia, mas você pode encontrar exemplos em todos os terrenos. É permanente esse caminho do meio.

Tem uma ideia que eu procuro ressaltar no fim do livro: o fundamental é desacoplar. Este é o verbo-chave da mensagem que a gente pode tirar de uma análise sobre o Antropoceno. Desacoplar, fundamentalmente, significa que tenho que procurar ao máximo possível estimular as atividades que usem menos energias fósseis e que, portanto, emitam menos. Não é o único desacoplamento, mas é o principal.

A viabilidade política da ideia

Na conjuntura atual, diria que é uma inviabilidade. O principal sinal disso é o Trump, mas não está sendo assim na China e a União Europeia está na vanguarda. Para construir a ideia, não posso condicioná-lo ao fato de a agenda ser ou não ser realista.

Se não for, eu estiver errado e essa conjuntura extremamente negativa perdurar, pior para vocês que estarão vivos [risos].

O futuro da universidade, por Simon Schartzman

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A incerteza sobre o futuro da universidade é a incerteza crescente sobre esta ideia difusa, que reflete a incerteza sobre o futuro do País

Simon Schartzman – O Estado de São Paulo – 09/05/2025

Não deve ter sido por acaso que, na mesma semana, fui convidado para dois seminários sobre o mesmo tema, o futuro da universidade. A primeira coisa que digo sobre isso é que “a universidade” não existe, o que existe são milhares de instituições diferentes, desde grandes universidades com pesquisa, cursos de pós-graduação e milhares de estudantes, geralmente públicas, até gigantescas empresas com centenas de milhares de estudantes em cursos à distância, passando por um sem-número de pequenas faculdades isoladas com cursos noturnos em educação, administração ou saúde. Existem as públicas, gratuitas e financiadas pelo governo federal e alguns Estados, e as privadas, algumas religiosas ou de orientação comunitária, e a grande maioria com fins de lucro. Estamos falando de quê?

Mas existe também, na cabeça das pessoas, uma ideia difusa de “universidade” como um lugar para onde os jovens vão no início da vida adulta, aprofundam seus conhecimentos, vivem a cultura da juventude, criam redes de relacionamento que vão levar para toda a vida e adquirem uma profissão que vai lhes dar um lugar seguro e muito mais rentável do que o de seus pais, se de famílias mais pobres, ou semelhante ao deles, se de famílias mais ricas e educadas. Quando milhões de jovens, todo ano, se inscrevem no Enem, é essa ideia que estão perseguindo, embora saibam que poucos conseguirão a nota necessária para entrar numa carreira de prestígio em uma boa universidade. Quando, depois, muitos dos que sobraram se inscrevem em cursos baratos a distância, em que é mais fácil conseguir um diploma, é ainda a ilusão das carreiras universitárias que perseguem, embora a maioria acabe abandonando os cursos ou só consiga um trabalho precário e mal pago.

A incerteza sobre o futuro da universidade é a incerteza crescente sobre esta ideia difusa, que reflete a incerteza sobre o futuro do País. Apesar das imensas desigualdades, predominava no Brasil até recentemente a sensação de que as coisas iam melhorar para todos, que amanhã seria melhor do que hoje, que a vida de nossos filhos seria melhor do que a nossa. Essa sensação vinha da grande mobilidade econômica e social que durou, com altos e baixos, até dez anos atrás e que se interrompeu com a crise econômica e a desilusão com governos, partidos políticos e instituições. Investir a longo prazo numa carreira, esquentar a cadeira aprofundando conhecimentos, construir uma reputação profissional pelo trabalho sério e responsável, tudo isso perde sentido quando comparado com a fascinação do estrelismo prometido pelos meios de comunicação, o enriquecimento pela tacada de um grande negócio ou os números corretos na Mega Sena e as certezas simples de entender disseminadas pelos influenciadores da internet.

O que mais se ouve, conversando com professores universitários, é como os estudantes de hoje são apáticos, mal cumprem as obrigações escolares e são muito mais ligados às suas redes de internet do que ao que dizem seus professores.

Pesquisas mostram que um terço dos jovens, no Brasil, gostaria de mudar para outro país. Existem, hoje, mais de 4 milhões de brasileiros no exterior, comparado com 3 milhões há dez anos e menos de 1 milhão no ano 2000.

A incerteza, no entanto, vai além da estagnação do País e da apatia da juventude. A ideia de que as universidades, primeiro as públicas, depois as privadas, se aproximariam do modelo tradicional, e que seriam acessíveis a todos, está cada vez mais distante, com 80% das matrículas em instituições privadas e mais da metade em cursos a distância. Instituições públicas mal conseguem recursos para pagar salários a seus professores e manter os prédios que ocupam. Poucas conseguem manter pesquisa e programas de pós-graduação de qualidade, e a distância entre a pesquisa brasileira e a dos países de ponta só aumenta. No setor privado, o espaço das instituições comunitárias e religiosas, criadas com a intenção de influenciar a sociedade com seus valores, vem diminuindo, na concorrência com os grandes conglomerados de ensino que dificilmente vão além de cursos empacotados nas profissões sociais mais simples e baratas de ministrar. E, com os novíssimos recursos da inteligência artificial, ninguém sabe mais o que, como e para que ensinar.

As instituições de ensino superior, em suas diversas formas e com todas as suas dificuldades, não vão desaparecer, porque o mundo depende cada vez mais de conhecimentos e competências, e a capacitação intelectual e profissional continuará sendo a grande porta de entrada para a vida dos países, instituições e pessoas. Elas precisam, no entanto, se reinventar. Essa reinvenção passa por novos tipos e cursos e carreiras, novas formas de ensinar, novas maneiras de buscar recursos e novos e mais relevantes temas para pesquisar. Para isso, elas contam com um recurso precioso, que é o capital intelectual de seus professores e a tradição de autonomia e audácia intelectual que muitas vezes acabaram perdendo, pelo peso da rotina, da burocracia ou dos resultados de curto prazo. É por aí que passa o futuro, se ele não trouxer mais desilusões.

Leão XIV, por Leonardo Boff

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Leonardo Boff – A Terra é Redonda –

Do Peru ao Vaticano, a jornada do Papa Leão XIV — e a missão impossível de desocidentalizar uma Igreja que insiste em vestir as roupas do Império Romano

Confesso que fiquei surpreso com a nomeação do Cardeal norte-americano-peruano Robert Prevost ao supremo pontificado da Igreja. Isso por ignorância minha. Depois, ao informar-me melhor, vendo youtubes e falas dele no meio do povo, de pé em plena inundação de uma cidade peruana e seu cuidado especial para com os indígenas (a maioria dos peruanos) me dei conta de que ele realmente pode ser a garantia da continuidade do legado do Papa Francisco.

Não terá o carisma do último Papa, mas será ele mesmo, mais contido e tímido, mas muito coerente com suas posições sociais, inclusive críticas face ao presidente Donald Trump e ao seu vice. Não sem razão que o Papa Francisco o chamou de sua diocese de pobres no Peru e o convocou para uma função importante na administração do Vaticano.

Leão XIV viveu grande parte de sua vida fora dos EUA, por muitos anos como missionário e depois como bispo no Peru, onde certamente colheu farta experiência de outra cultura e da situação social pobre da maioria da população. Explicitamente confessou que se identificou com aquele povo a ponto de naturalizar-se peruano.

Sua primeira fala ao público foi contra minhas expectativas iniciais. Foi um discurso piedoso e feito para o interno da Igreja. Nunca ocorreu a palavra pobre, menos ainda libertação, ameaças à vida e o clamor ecológico. O tema forte foi a paz especialmente “desarmada e desarmante”, suave crítica ao que está ocorrendo nos dias de hoje de forma dramática como a guerra na Ucrânia e o genocídio, a céu aberto, de milhares de inocentes crianças e civis na Faixa de Gaza. Pareceria que tudo isso não estivesse na consciência do novo Papa. Mas estimo que tudo isso voltará em breve, pois tais tragédias foram tão fortes nos discursos do Papa Francisco, seu grande amigo, que ainda devem ressoar nos ouvidos do novo Papa.

O Papa Francisco como jesuíta possuía um raro senso de política e do exercício do poder, pelo famoso “discernimento do espírito”, categoria central da espiritualidade inaciana. Minha pressuposição é que ele viu no Cardeal Robert Prevost um possível sucessor seu. Não pertencia à velha e já decadente cristandade europeia, vinha do Grande Sul, com a experiência pastoral e teológica madurada na periferia da Igreja, no caso do Peru, onde com Gustavo Gutiérrez, nasceu e se desenvolveu a teologia da libertação.

Seguramente, com sua maneira suave e seu caráter afeito a escutar e a dialogar, levará avante os desafios assumidos e as inovações enfrentadas pelo Papa Francisco, o que não é o caso de aqui enumerá-las.

Mas terá outros desafios, no meu ponto de vista, nunca tomados a sério pelas intervenções dos papas anteriores: como desocidentalizar e despatriarcalizar a Igreja Católica face à nova fase da humanidade. Ela se caracteriza pela planetização da humanidade (não só em sentido econômico, agora perturbada por Donald Trump) que, de fato está ocorrendo a passos cada vez mais rápidos em termos políticos, sociais, tecnológicos, filosóficos e espirituais. Nesse processo acelerado, a Igreja Católica em sua institucionalidade e na forma como se estruturou hierarquicamente, comparece como uma criação do Ocidente. Isso é inegável.

Por detrás de tudo, está o clássico direito romano, o poder dos imperadores com seus símbolos, ritos e forma de exercício do poder centralizado numa autoridade máxima, o Papa, “com o poder ordinário, máximo, pleno, imediato e universal” (cânon 331), atributos que, na verdade, caberiam somente a Deus. Acresce ainda sua infalibilidade em assuntos de fé e moral. Mais longe não se poderia ir. O Papa Francisco conscientemente se afastou deste paradigma e começou a inaugurar outro modelo de Igreja simples e pobre e em saída para o mundo.

Isso não tem nada a ver com o Jesus histórico, pobre, pregador de um sonho absoluto, o Reino de Deus e severo crítico a todo o poder. Mas foi o que ocorreu: com a erosão do Império romano, os cristãos, feitos Igreja, com alto senso de moralidade, assumiram a reordenação do império romano que atravessou séculos. Mas isso é criação da cultura ocidental.

A mensagem originária de Jesus, seu evangelho, não se exaure nem se identifica com esse tipo de encarnação, pois a mensagem de Jesus é de abertura total a Deus como Abba (paizinho querido), ilimitada misericórdia, o amor incondicional até aos inimigos, a compaixão pelos caídos nas estradas da vida e a vida como serviço aos demais. O atual Papa Leão XIV não ficará imune a este desafio. Queremos ver e apoiar a sua coragem e fortaleza para enfrentar os tradicionalistas e dar passos na referida direção.

Um grande, imenso desafio para qualquer Papa, é relativizar essa forma de organizar o cristianismo para que possa ganhar novos rostos nas várias culturas humanas. O Papa Francisco deu largos passos nesta direção. O atual novo Papa acenou para este diálogo em sua fala inaugural. Enquanto não se caminhe firmemente nesta desocidentalização, para muitos países o cristianismo será sempre coisa do Ocidente. Foi cúmplice da colonização de África, das Américas e da Ásia e assim ainda é visto assim pelas inteligências dos países que foram colonizados.

Outro desafio não menor consiste na despatriarcalização da Igreja. Ele já foi referido acima. Na direção da Igreja só existem homens e estes celibatários e ordenados no sacramento da Ordem (padre a Papa). O fator patriarcal é visível na negação às mulheres ao sacramento da Ordem. Elas compõem, de longe, a maioria dos fiéis e são as mães e as irmãs da outra metade, dos homens da Igreja e da humanidade. Essa exclusão machista fere o corpo eclesial e coloca em xeque a universalidade da Igreja. Enquanto não se abre a possibilidade às mulheres, como ocorreu em quase todas as igrejas, de acederem ao sacerdócio ela mostra seu arraigado patriarcalismo e sua marca de um Ocidente cada vez mais um Acidente na história universal.

Junto a isso a manutenção obrigatória do celibato (feito lei) faz com que o caráter patriarcal ainda se radicalize mais e favoreça o antifeminismo que se nota em estratos da hierarquia eclesiástica. Como é apenas uma lei humana e histórica e não divina, nada obsta que seja abolida e se permita o celibato opcional.

Estes e muitos outros desafios deverá o novo Papa enfrentar, pois cresce mais e mais na consciência dos fiéis o sentido evangélico de participação (a sinodalidade) e da igualdade em dignidade e direitos de todos os seres humanos, homens e mulheres. Por que na Igreja Católica deveria ser diferente?

Estas reflexões pretendem ser um desafio permanente a ser enfrentado por quem foi escolhido para o mais alto serviço de animação da fé e de direção dos caminhos da comunidade cristã como a figura do Papa. Chegará o tempo em que a força destas mudanças se fará tão exigente que ela ocorrerá. Então será uma nova primavera da Igreja que se tornará tanto mais universal quanto mais assumirá questões universais e dará a sua contribuição para respostas humanizadoras.

Leonardo Boff é ecoteólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros, de Eclesiogênese: a reinvenção da Igreja (Record).

Para que servem os economistas? por Manfred Back & Luiz Gonzaga Belluzzo

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Manfred Back & Luiz Gonzaga Belluzzo – A Terra é Redonda – 09/05/2025

Ao longo do século XIX a economia tomou como paradigma a imponente construção da mecânica clássica e como paradigma moral o utilitarismo da filosofia radical do final do século XVIII

Começamos com uma afirmação que, certamente, vai desfiar desagrados aos cultores da ciência sombria. A história do pensamento econômico nos oferece o espetáculo da naturalização da economia. A economia tem que se apresentar como uma esfera autônoma da vida humana e social em que prevalecem leis naturais, às quais os indivíduos deveriam se submeter.

Da infância smithiana à maturidade caquética das expectativas racionais, os conflitos de concepção e de método assolaram a trajetória intelectual da ciência sombria. Nos momentos de controvérsia aguçada, os príncipes e sacerdotes da ciência econômica convocam os quatro cavaleiros da ortodoxia – naturalismo, individualismo, racionalismo e equilíbrio – para espaldeirar a turba dissidente.

Leis naturais, as que possuem a mesma forma das leis da física. De Adam Smith para frente, este movimento de aproximação do paradigma da física se torna crescente. Havia, não só um ambiente intelectual que favorecia essa aproximação, como a dimensão econômica, ao mesmo tempo, vai se tornando cada vez mais importante, e cada vez mais separada das demais.

Ao longo do século XIX, a economia tomou como paradigma a imponente construção da mecânica clássica e como paradigma moral o utilitarismo da filosofia radical do final do século XVIII. O homo economicus, dotado de conhecimento perfeito, busca maximizar sua utilidade ou os seus ganhos diante das restrições de recursos que lhe são impostas pela natureza ou pelo estado da técnica.

Essa metafísica da corrente dominante supõe uma ontologia do econômico que postula certa concepção do modo de ser, uma visão da estrutura e das conexões da sociedade. Para esse paradigma, a sociedade, onde se desenvolve a ação econômica, é constituída mediante a agregação dos indivíduos racionais.

Tais premissas da economia repetidas todo o santo dia, não passam de retórica travestida de ciência. A tal racionalidade é fabricada através de crenças e dogmas, maquiados por números, equações e funções algébricas. Bufando modelos econométricos aos quatro ventos do planeta, como se fossem a pedra fundamental de um conhecimento único, incontestável como a santíssima Trindade. Um estilo rococó de se expressar, que se reproduz na eternidade dos cursos de economia! Nivelando a estatística a matemática! Um dialeto algébrico que poucos entendem! É feito para não entender!

O importante para esses sofistas alfanuméricos não é entender e estudar as relações econômicas, mas transformar uma suposta realidade estática em um jogo de causa-efeito, e pronto! Um dos dez mandamentos recebidos por Lucas, não o apóstolo, mas o ícone das expectativas racionais, a moeda é neutra.

No modelo “equilibrista” que organiza a sociedade habitada por indivíduos racionais, utilitaristas, proprietários de mercadorias e dos fatores de produção, a moeda só é necessária formalmente como moeda de conta e meio de troca. A moeda é neutra e determina o nível geral de preços sem qualquer efeito de longo prazo sobre a economia de intercâmbio de mercadorias, cujos valores relativos são mensurados pela utilidade marginal dos agentes. Também é nesse espaço de mensuração que são tomadas as “decisões de produção” dos indivíduos proprietários do capital e do trabalho

Essa forma tem seu código próprio, misture algumas equações e dados, e algumas previsões, e para dar credibilidade, imponha força divina nas palavras.

Aí, pela graça divina, os argumentos não podem ser contestados, ao contrário, são paparicados e mimados. E reverenciados como deuses, “Deus” não se dúvida, nem se contesta, é questão de fé e crença! Assim como a Cúria Romana, o que falam é lei! Um dos dez mandamentos entregue a Moisés no monte Sinai, dizia: Não tomarás em vão o nome do Senhor, o teu Deus, pois o Senhor não deixará impune quem tomar o seu nome em vão.

Nos mandamentos dos economistas: Não tomarás em vão o nome do equilíbrio, o teu “Deus”, pois o senhor academia quem tomar posse da realidade em vão seja na utilidade marginal, na produtividade dos fatores. Não darás falso testemunho econométrico. Honra a forma, o método, a burocracia, como se fossem, teu pai e mãe.

Se você perguntar, perante uma plateia, aos sábios da crematística como produzo um pão e vendo no mercado? Espere, meu caro, preciso construir um modelo econométrico do mercado de pães! Segundo nossas expectativas análises quantitativas, ceteris paribus, o mercado crescerá 20% até 2035, estimamos um mercado mundial desse produto na ordem de 7 bilhões de dólares, se prepare, para exportar! O Brasil será um dos maiores exportadores de pães em 2035, se resolver o problema fiscal, acabar com os aposentados, e congelar o salário-mínimo.

Eu perguntaria: como é viver com um salário-mínimo mensalmente, para pagar aluguel, vestir e comer? Não faça pergunta difícil e pertinente com a vida diária das pessoas. Você não entende nada!

Afinal, para que serve os economistas?

Robert Skidelsky, biográfo de John Maynard Keynes, nos ofereceu a leitura do livro O que há de errado com a economia?: “A economia não é progressiva, no sentido de, digamos, da física. O progresso na economia consiste principalmente em maior formalização, em vez da descoberta de novas verdades. Nenhuma verdade na economia, uma vez proclamada, foi refutada. Isso argumenta muito fortemente para não consignar alternativas ao mainstream atual para a lata de lixo de falácias explodidas”.

Em terceiro lugar, a economia não é uma ciência natural, mas uma ciência social (Keynes a chamou de ciência moral). Na física, a interação dos corpos é fixada por leis físicas, mas na economia é fixada pelo contexto, valores e normas sociais, que são parâmetros variáveis. Como a economia não tem verdades universais, ela não tem mais direito do que a sociologia ou a história de reivindicar uma super teoria ou metametodologia, com ensino catequético.

“Porque o objetivo de uma economia não é apenas gerar empregos para que as pessoas possam sobreviver. É elevar o padrão de vida de todos e garantir que a prosperidade seja compartilhada”. (William Lazonick, especialista em corporações empresariais americanas).

Manfred Back é graduado em economia pela PUC –SP e mestre em administração pública pela FGV-SP.

Luiz Gonzaga Belluzzoeconomista, é Professor Emérito da Unicamp. Autor entre outros livros, de O tempo de Keynes nos tempos do capitalismo (Contracorrente).

Crise e Oportunidade

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A sociedade internacional vive momentos de grandes mutações em todas as áreas e setores, todos os dias surgem novas tecnologias, alterações de modelos de negócios, movimentações disruptivas, transformações estruturais no mercado de trabalho, mudanças no comportamento dos consumidores e o crescimento sistemático da concorrência entre os atores econômicos, exigindo maior profissionalização de toda a cadeia produtiva, além de novos instrumentos educacionais que surgem todos os dias, tudo isso contribui para percebermos que vivemos numa sociedade instável e em crescente transformação.

Nessas novas mutações que passa a economia global, percebemos alterações constantes no comércio internacional, o surgimento de novos atores globais, aumento da integração entre regiões, novos conflitos entre nações hegemônicas, guerras tarifárias, aumento do protecionismo e o incremento dos subsídios, gerando incertezas em toda a economia mundial, impactando sobre as estruturas produtivas nacionais, estimulando ou desestimulando os investimentos produtivos, a geração de emprego e a renda agregada.

Neste momento de crises constantes na economia internacional, cada sociedade precisa construir novos espaços para a sua inserção na economia internacional, redesenhando seu comércio exterior, investindo em setores fundamentais para fortalecer a estrutura econômica e repensar os parceiros comerciais, aproveitando os espaços que surgem nos conflitos globais de países que lutam pela hegemonia, usando instrumentos de política industrial para atrair grandes corporações e variados conglomerados econômicos e além disso, é imprescindível preparar toda a cadeia produtiva, aumentando os investimentos na educação, atraindo pesquisadores renomados que buscam novas oportunidades no mercado internacional, contribuindo para fomentar a pesquisa científica e as bases tecnológicas.

Neste cenário de grandes incertezas na sociedade global, é fundamental atrairmos novos conglomerados econômicos e setores produtivos de ponta, dotados de grande potencial e alta complexidade, para alcançarmos este intuito é importante melhorarmos a infraestrutura, investindo fortemente em logística, reduzindo a burocracia que emperra os investimentos produtivos, diminuindo os impostos que reduzem a competitividade da estrutura produtiva, reduzindo as taxas de juros que desestimulam os investimentos produtivos e melhorando, com urgência, o capital humano nacional que, na era da inteligência artificial que está transformando a sociedade global, encontramos quase 30% dos brasileiros incapazes de compreender texto e nem fazer contas simples.

Somos uma nação dotada de grandes vantagens competitivas, temos uma gama elevada de energias sustentáveis, não temos conflitos militares e hostilidades com nenhum dos nossos vizinhos, nosso país detém grande contingente de terras e clima propício, somos detentores de minérios estratégicos para a economia do século XXI e, importante destacar, que neste ambiente de conflitos hegemônicos, nosso país consegue conversar soberanamente com todas as nações do globo, somos respeitados e todos reconhecem nosso potencial, precisamos apenas confiarmos em nós mesmos, deixando de lado discussões mesquinhas e irresponsáveis e construirmos um projeto de país, com autonomia econômica e independência política.

Estamos num momento de crises e imensas oportunidades, lembremos do período da pandemia, onde os setores mais empreendedores e dotados de grande potencial de inovação viram na crise sanitária uma grande oportunidade para se reinventar e aumentarem seus ganhos monetários, agora, aqueles que não compreenderam o imenso potencial das transformações contemporâneas, perderam espaço na sociedade. Vivemos num momento parecido, turbulento e marcado por grandes instabilidades e neste instante as decisões estratégicas definirão o futuro da nossa nação.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Mestre, Doutor em Sociologia e Professor universitário.