Crescimento, Estado de bem-estar e a democracia seguirão ameaçados

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Branko Milanovic

Para economista, quanto maior a desigualdade, menor a tendência de crescimento e da parcela de ricos interessados em financiar serviços públicos aos demais 

Fernando Canzian/ BARCELONA

Um dos maiores especialistas em desigualdade global, o economista Branko Milanovic diz que o encolhimento da classe média em países como os EUA leva à ascensão de líderes populistas e coloca em risco o crescimento mundial.

“Estamos votando contra porque estamos infelizes”, diz.

De fora, o mundo parece cada vez menos desigual, com a renda dos países pobres e ricos convergindo. Internamente, porém, a desigualdade só aumenta, espremendo a classe média. Qual a consequência disso?

Há de fato uma melhora significativa entre as classes mais pobres em países emergentes, principalmente na Ásia. A China atrai mais atenção, mas essa tendência ocorre também na Índia, na Tailândia, no Camboja e no Vietnã.

Esses países têm uma força de trabalho razoavelmente bem-educada, capaz de fazer o que era feito no Ocidente a um custo muito menor.

Vem daí parte do fato de a classe média estar sendo espremida. É a globalização somada ao avanço tecnológico trabalhando juntos. Mas é ilusório acreditar que seja possível isolar quanto disso se deve à globalização e quanto às mudanças tecnológicas, porque a globalização é a moldura do quadro no qual acontecem as mudanças tecnológicas.

Mas há uma segunda pressão, que vem do topo. Dos 1%, 5% ou até 20% mais ricos que estão no alto da pirâmide. São pessoas que conseguem se dar muito bem na globalização, que não estão competindo com os que estão na China ou em outros locais.

Pessoas que, de certo modo, se beneficiam da existência de uma força de trabalho mais barata nesses países.

Então, temos uma situação paradoxal, pois o que há de fato é um alinhamento de interesses entre o mundo pobre e o mundo rico contra a classe média nos países ricos.

Ao contrário do dinheiro, que se movimenta livremente pelo mundo, há um limite claro para a imigração. É possível atacar a desigualdade só com taxação sobre o capital, que é móvel?

Os governos se tornaram impotentes para fazer muita coisa, particularmente para colocar impostos sobre o capital.

Conhecemos boas citações de Adam Smith (1723-1790) dizendo basicamente que uma pessoa que possui capital não é um cidadão do seu país de origem, é um cidadão do mundo. Porque pode movê-lo para onde quiser.

E isso agora também é verdade para a mão de obra altamente qualificada.

Você pode fazer muitos trabalhos em muitos lugares do mundo hoje em dia. Com isso, os governos nacionais não são capazes de cobrar impostos facilmente dessas pessoas. É uma situação muito difícil para o Estado de bem-estar social, sob as condições da globalização, porque as pessoas que têm capital monetário ou habilidades muito qualificadas realmente deixam esses países e vão para outros lugares.

E, como se sabe, há muitos países que ficariam felizes em recebê-los, porque eles trazem o poder de compra, dinheiro e tudo o mais.

A ironia aqui é que enquanto países ricos no Ocidente se beneficiam do influxo de trabalho qualificado vindo de países pobres, eles não estão felizes em receber mais estrangeiros. Por isso, fecham a fronteira.

A consequência parece ser um revide da classe média, quando ela vota em governos e líderes populistas, não?

É verdade. E é comum as pessoas perguntarem qual é o programa para as classes médias, como elas poderiam mudar. O fato é que não há nenhum programa coerente.

Então, grande parte dessa votação é o que costumava ser, e ainda é, o chamado voto de protesto. Em outras palavras, estamos votando contra e em boa medida porque estamos infelizes.

Agora, quais são as promessas que pessoas como Donald Trump fazem? São de dois tipos.

De um lado, de que algo será alterado na globalização. No caso de Trump, a promessa é ir a uma guerra comercial com a China, trazer esses empregos de volta para os EUA, o que evidentemente é impossível. Os empregos se foram e não vão voltar.

Mas pelo menos existe uma retórica, existe algum uso de força política para possivelmente forçar a China a mudar os direitos sobre propriedade intelectual, o uso da tecnologia estrangeira, talvez aumentar a importação de soja e coisas assim.

Do outro lado, há só promessa de melhora da distribuição em nível nacional. Porque até agora vimos a reação contra a China e a globalização. Mas muito pouca reação política em termos de medidas a favor da diminuição da desigualdade interna.

Há idas e vindas de políticos. Há, por exemplo, [a deputada democrata norte-americana] Alexandria Ocasio-Cortez, que fala em alíquotas de 70% para os mais ricos ou [o senador independente] Bernie Sanders.

A ironia é que hoje vemos essa ala do espectro político americano mais à esquerda do que em qualquer outra nação no Ocidente. Estamos acostumados a ver os EUA mais à direita do que, digamos, a Suécia ou a Alemanha. É irônico que haja um segmento socialista nos EUA.

Qual a consequência do aprofundamento das desigualdades para o crescimento econômico sustentável?

Essa é a grande questão. O argumento de sempre era o de que seria preciso uma classe média muito forte não apenas para manter a democracia, mas para criar um grupo de pessoas com o mesmo padrão de consumo para gerar produção em massa.

O perigo de fazer a classe média desaparecer é que o motor do crescimento terá que mudar. Não significa que não haverá crescimento, mas que haverá um tipo muito diferente de crescimento.

Outra questão é que quanto maior a desigualdade, menor será a parcela de ricos interessados em serviços públicos, porque eles podem pagar por serviços privados de melhor qualidade como escolas, transporte e saúde.

Numa sociedade polarizada e desigual será possível existir seguro social, sendo que, por definição, a seguridade social inclui todo mundo? Porque se o seguro social for apenas para pessoas que não têm dinheiro ou estão sem trabalho, quem vai pagar por isso?

Os ricos, com certa razão, então pensam que, se não usam nada do Estado, porque pagam por serviços privados, não deveriam pagar pelos serviços públicos.

Portanto, percebemos que há problemas imensos à frente. Primeiro, do Estado de bem-estar social; segundo, do tipo de crescimento que estamos tendo; e, terceiro, da democracia.

Isso não é brincadeira. São questões sérias sobre as quais não teremos consequências em seis meses, mas daqui a 10 ou 20 anos.

 

Pré-distribuir habilidades é melhor jeito de reduzir desigualdade, diz Nobel de Economia

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James Heckman afirma que só é possível haver livre competição com igualdade de oportunidades 

Fernanda Mena – Folha de São Paulo, 29/07/2019.

CHICAGO

Políticas para a primeira infância podem ser o antídoto contra a perpetuação de desigualdades de uma geração para outra. Isso porque a tendência é que famílias estruturadas invistam na educação dos filhos desde o berço, enquanto as mais vulneráveis não conseguiriam fazê-lo, consumidas pela batalha da sobrevivência diária.

O economista James Heckman, 75, já havia sido consagrado com um prêmio Nobel quando descobriu a relação entre a desigualdade e o estímulo a crianças de zero a cinco anos de idade.

Sua pesquisa acompanhou indivíduos expostos a estímulos no início da vida e descobriu que, no longo prazo, eles obtiveram melhor desempenho escolar, salários mais altos, melhor saúde e menor envolvimento com crimes. Tais benefícios, constatou, se estenderam à geração seguinte.

“São as habilidades que farão com que alguém deixe de ser meramente uma criatura de seu berço desprivilegiado”, disse Heckman à Folha no Centro de Economia do Desenvolvimento Humano da Universidade de Chicago (EUA), que dirige. “Quanto mais as pessoas adquirirem competências, menor tende a ser a desigualdade”.

A partir da ideia de que é possível aprender habilidades que garantirão melhores escolhas, mais trabalho e mais renda, Heckman defende como melhor estratégia de redução da desigualdade a pré-distribuição de competências, no lugar da redistribuição de renda.

Com isso, ele refuta cânones do pensamento político ocidental à esquerda e à direita. Assim, de um lado, falar em classes sociais é “algo que pertence ao reino da eugenia”; de outro, a livre competição defendida pelos ultraliberais só é possível com igualdade de oportunidades, algo atingível apenas por meio de políticas públicas.

Heckman defende também que a pré-distribuição tenha como base as famílias, que passam por mudanças estruturais profundas nas sociedades contemporâneas e, por isso, precisam de apoio.

Para reduzir desigualdades, pré-distribuição é melhor que redistribuição? Antes de discutirmos a redistribuição de dinheiro de um adulto para outro, precisamos pensar em prover crianças com as habilidades básicas para o mercado de trabalho no futuro.

Nessa fase, do nascimento até os cinco anos, as crianças são muito maleáveis, aprendem com grande facilidade e podem desenvolver uma base sobre a qual aprenderão todas as proficiências que a vida vai lhes oferecer. E isso cria vantagens diante das oportunidades que a vida ou mesmo a escola proporcionam.

É preciso preparação para a vida escolar? Sim. Quando falamos em adquirir destrezas, não basta mandar as crianças para a escola. É preciso que estejam preparadas para receber o conhecimento, equipadas com habilidades cognitivas e socioemocionais com as quais possam enfrentar desafios e interagir.

Se uma criança recebe estímulos aos três anos, ela será mais concentrada nas aulas no ensino médio, portanto mais inclinada a se beneficiar das oportunidades que a vida vai lhe oferecer.

Mas o foco na primeiríssima infância não desencoraja os investimentos na educação básica? Os estímulos e o desenvolvimento de habilidades podem ser adaptados para crianças maiores, adolescentes ou mesmo adultos de 20 e poucos anos.

Sabemos, pela neurociência, que as competências relacionadas às tomadas de decisão, chamadas de funções executivas, influem em nossa personalidade e podem ser desenvolvidas bem mais tarde do que apenas aos 5 anos.

Não existe a ideia de que, após certo período, tudo está perdido — essa ideia é errada. Uma criança que não teve acesso a estímulos na primeira infância ainda deve ser objeto de atenção para intervenções públicas na puberdade.

Qual a relação custo-benefício da pré-distribuição em relação à redistribuição? Do ponto de vista de um economista, se eu tirar R$ 1 de mim e der para você, isso é uma transferência de recursos. É algo que não vai aumentar a riqueza nacional, ainda que possa ser importante porque você precisa mais desse recurso do que eu.

Para além da questão ética —devo dar dinheiro para uma pessoa pobre? — , o que proponho é um investimento nos indivíduos de uma idade muito tenra, pois isso traz taxas muito altas de retorno econômico.

Qual é essa taxa? Calculamos que o investimento nos primeiros anos de vida tem taxas de retorno tão altas quanto 10% ou até 14% por ano. Isso porque fornecer habilidades básicas a uma criança melhora, no longo prazo, a saúde do indivíduo, sua cognição e sua autorregulação, o que faz com que fique longe de problemas.

São consequências amplas, que impactam toda a sociedade. Diminui custos da saúde, reduz os crimes, melhora a educação, aumenta os rendimentos. Não estou dizendo que não devemos transferir recursos em caso de necessidade, mas, sim, que podemos evitar que pessoas permaneçam pobres oferecendo habilidades para que floresçam e, com elas, a economia.

Essas vantagens se transferem para as gerações seguintes? Sim. Observamos que os filhos dos que receberam esse tipo de intervenção na infância também foram beneficiados. Mais do que ganhar mais status social e econômico, essas pessoas se tornam capazes de ajudar seus filhos a se desenvolverem melhor.

E como os pais podem promover esse estímulo? O ambiente doméstico tem papel fundamental no desenvolvimento do indivíduo, pois o bebê é influenciado pela família, especialmente nos primeiros meses de vida. Ter um ambiente saudável é crucial para desenvolver habilidades. Ler para as crianças, envolvê-las em atividades da casa, brincar com elas, desenhar com elas. A interação com os pais é muito importante.

Como a mulher, historicamente responsável por cuidar dos filhos, mas que agora ocupa posições no mundo político e corporativo, pode lidar com esse dilema? Estudos norte-americanos mostram que mulheres com mais anos de educação tendem a trabalhar mais, ao mesmo tempo em que querem passar o máximo de tempo possível estimulando e educando os filhos.

O que se descobriu é que é relativamente pequena a diferença de tempo dedicado aos filhos entre uma mãe que trabalha fora e uma que fica em casa. A mãe que trabalha retira esse tempo dos seus momentos de lazer. Mas, se ela encontra uma boa creche ou escola de educação infantil que possa ser sua parceira, é possível substituir parte das horas diárias do estímulo materno.

Essa nova perspectiva fez da desigualdade algo menos problemático? Você pode abordar a desigualdade como uma questão moral. Mas, em vez de falar do capitalista rico espremendo o pobre trabalhador, estou falando do pobre trabalhador aprimorando suas condições para se integrar ao restante da população.

Nesse sentido, a ideia de classe é algo que pertence ao reino da eugenia. Duzentos anos atrás, um menino nascido em uma família de mineiros seria um mineiro. Hoje sabemos que isso só acontece se forem restritas suas oportunidades em termos de educação e acesso à sociedade.

Ainda assim, é fato que a desigualdade está aumentando em muitos países. A pobreza é que é um problema. Mas claro que, se as pessoas estão passando fome ou não satisfazem suas necessidades básicas, isso é coisa séria.

Algo interessante no Brasil é que estudos feitos nos anos 1960 mostraram que a desigualdade havia aumentado, o que motivou grande preocupação. Mas um jovem que foi meu aluno aqui na Universidade de Chicago, Ricardo Paes de Barros, mostrou que toda a distribuição de renda havia mudado, e que os brasileiros pobres estavam bem mais ricos do que 15 ou 20 anos antes.

​E isso hoje é verdade na China e em muitos outros países do mundo. Nesses casos, a desigualdade de fato aumentou, mas também aumentou o bem-estar da população.

Não existe problema em uns ganharem muito e outros, muito pouco? Por que deveria ser uma preocupação para mim se outra pessoa ganha muito mais do que eu? Falando tecnicamente, se tenho recursos, uma vida digna, o que isso importa? A questão se torna de inveja, que não é bom motivo para nada.

A renda da classe média está encolhendo em várias partes do mundo. Quais os perigos disso? As evidências são menos claras do que parecem. Existe, sem dúvida, uma transformação da força de trabalho, e ela envolve um agrupamento de habilidades que coloca muita gente em desvantagem, especialmente os mais velhos.

É um problema grave, mas eu diria que é um problema de transição. Porque outras carreiras estão surgindo, beneficiando outros grupos de pessoas, especialmente as mulheres, que são mais educadas do que os homens, na média.

Um dos maiores desafios desse processo, sobre o qual as pessoas não gostam muito de falar, é o da família.

Como assim? A estrutura da família tradicional tem se transformado tremendamente. Se a mulher é o arrimo de uma casa, algo cada vez mais frequente, ela em geral combina dois desafios muito difíceis: formação ruim e dificuldade extrema em criar os filhos, o que contribui para a pobreza.

Essa questão é tão sensível nos Estados Unidos que nem sequer é debatida. Os governos resistem a prover educação pré-escolar porque presumem que as crianças estão em famílias saudáveis, com dois adultos relativamente educados cuidando delas. A realidade, porém, é que a família mudou e precisa de apoio.

Por que alguns países atingem alto grau de desenvolvimento enquanto outros não? Acho que isso tem a ver com a política. O populismo, em qualquer lugar, tem sido uma maldição para o crescimento. Corrupção, falta de vontade política e políticas ineficientes frequentemente impediram que nações se desenvolvessem.

Isso é verdade para o Brasil também? O Brasil, sem dúvida, apresenta muita desigualdade, social e racial. Embora a educação esteja certamente se expandindo, ainda há muito a ser feito.

É um país engraçado aos olhos de um norte-americano porque, mesmo que haja casamentos interraciais, o grupo cultural dominante é extremamente distinto do resto da sociedade. Está na cara das pessoas. E as forças da sociedade têm ainda que encorajar uma maior integração racial.

James Heckman 
Desde que foi laureado com o Nobel de Economia em 2000, o economista James Heckman, 75, tem se dedicado a pesquisar tanto as origens de grandes problemas sociais e econômicos, como a desigualdade, quanto as estratégias para remediá-los.

Ele desenvolveu modelos teóricos sobre escolhas parentais, bem como modelos intergeracionais de influência familiar, para determinar as origens das diferenças entre as pessoas e quais intervenções são efetivas para remediar desvantagens.

Nascido em Chicago (EUA), formou-se em matemática e fez mestrado e doutorado em economia na Universidade Princeton. É professor do Departamento de Economia da Universidade de Chicago desde 1973, onde dirige o Centro de Economia do Desenvolvimento Humano.

A origem da desigualdade, o custo do capital e a manutenção do poder

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Carta Maior – 23/07/2019

Os teóricos economistas que serviram aos governos ao longo da história brasileira sempre se mantiveram afastados do verdadeiro processo econômico. A maior parte esteve próximo à gestão financeira, associada e orientada ao mercado. Para atender a sua demanda, não aprenderam a gerar riqueza, então focaram suas fórmulas no outro lado, diminuindo custos, cortando gastos, economizando riquezas.

A mudança que o Brasil precisa é através da geração e distribuição de suas riquezas. E, não existe crescimento, geração de riquezas, sem investimento. Esse investimento pode vir pela iniciativa privada da riqueza de pessoas ou pelo investimento público, advindo da riqueza de todos, por meio do Estado. Nesse caso, envolve, sobretudo, o entendimento e o exercício do conceito de nação.

É nesse momento que a velha elite econômica, detentora histórica do poder e da riqueza atua e sempre atuou. Ela é a mão que impulsiona os investimentos, mas que majoritariamente são feitos para atender seus próprios interesses, afastando a nação da riqueza e revertendo para ela própria o bônus do investimento. Além disso, ao emprestar esse recurso ao Estado ela se torna credora dele. Um credor que cobra juros e favores.

Com o aumento do endividamento interno, o Estado não consegue investir. Essa dívida vem contraída de juros e esse juros consome cada vez mais a capacidade das pessoas de entregar um pouco de suas riquezas para o bem comum, através do pagamento de impostos.

O Estado arrecada esse montante de impostos, mas endividado, passa a pagar somente juros para quem deve e perde sua capacidade de investir. O problema é que quem recebe esses juros é aquela mesma elite financeira, sobretudo os grandes bancos, que emprestaram o dinheiro ao governo. Para piorar, o dinheiro que recebem como pagamento de juros não vai para a geração de riqueza, mas sim para a compra de títulos de dívida pública, aumentando ainda mais seus ganhos e, crescendo o endividamento do Estado, criando um círculo vicioso, não virtuoso.

Isso posto, a elite econômica, utilizando do discurso dos economistas de mercado citado anteriormente, transfere ao Estado a responsabilidade que ela mesmo causou e escolhe os representantes políticos como marionetes para a articulação e atuação nas esferas legais do poder, afastando os interesses populares das decisões políticas.

O povo, desencantado com o Estado, vislumbra no discurso político do “bom gestor” associado a uma equipe de economistas igualmente reconhecida pela sua “competência”, a solução para os problemas econômicos do país.

Contudo, como já foi dito, o sistema econômico não é capaz, sozinho, de gerar riqueza. Ele precisa da nação e do apoio do Estado. Em um país com extrema desigualdade, esse processo facilita a concentração de riqueza (fundiário, financeiro, imobiliário etc) e, perpetua por gerações, o ônus da pobreza. Ela (a elite econômica) passa, então, a ser administradora dessa divisão social. Cria um muro e separa aqueles que são capazes de gerar riqueza através do trabalho, que é uma fonte geradora de riqueza, daqueles que detém os meios de produção.

Essa frágil divisão tem que ser mantida a todo custo, minando a capacidade desses trabalhadores derrubarem essa relação de dependência, impedindo que se reúnam em associações, dificultando greves e manifestações. No passado isso era facilmente controlado pela própria falta de consciência de classe dos trabalhadores e do desamparo legal em relação a eles.

Para conduzir a economia brasileira na atualidade, a elite econômica não precisa se utilizar desses subterfúgios e indisposições sociais. Basta apenas elevar os custos e impedir que essas pessoas atravessem o muro que as separa dos meios de produção.

Com os custos do dinheiro (juros) mais altos do que a riqueza que ela consegue gerar, a classe trabalhadora se torna dependente do sistema. Além disso, através do poder político e com o urgente discurso de que o Estado precisa reverter essa situação, o governo e os seus economistas convencem a população de que a solução se faz pelo “corte” de gastos. E assim, o governo vai promovendo o desmantelamento das conquistas e dos direitos populares e trabalhistas. São as tais das “reformas” e dos cortes.

Por essas razões, o trabalhador e o pequeno produtor têm dificuldade de empreender e ascender socialmente. A desigualdade se mantem como um projeto de poder e de riqueza nas mãos de poucos.

A república repete as velhas práticas oligárquicas.

Precisamos de um Estado democrático que valorize o trabalho e o pequeno produtor, como geradores de riqueza.

*Gabriel Davi Pierin é professor, historiador e escritor, autor de “Uma Estrela na Escuridão – A história do único brasileiro sobrevivente ao holocausto”.

 

A ressaca da Globalização, democracia e a desigualdade social

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O processo de globalização foi responsável por um grande conjunto de transformações na sociedade mundial nos últimos trinta anos, desde uma maior aproximação entre os agentes econômicos e produtivos, até um incremento no desenvolvimento científico e tecnológico e uma maior aproximação entre os indivíduos, com um aumento da imigração e uma maior integração entre as culturas, as línguas e os comportamentos, este processo alterou a vida de todas as regiões e transformou o cotidiano de grupos sociais e comunidades, gerando novos desafios, oportunidades e muitos medos.

Os defensores do processo de globalização defendiam a ideia de que a imersão no mundo globalizado seria a grande panacéia da sociedade global, os ganhos seriam generalizados, a pobreza e a fome estariam com os seus dias contados, o mundo estaria iniciando uma nova fase de integração, solidariedade e forte crescimento e desenvolvimento econômico.

Nestes anos a economia dos países se abriram para uma maior integração comercial, os fluxos financeiros cresceram de forma acelerada, as exportações e importações se tornaram fundamentais para que a nova produção global se efetivasse, os investimentos estrangeiros se avolumaram, os fluxos de imigração cresceram e as empresas multinacionais ganharam uma centralidade poucas vezes vistas na história da humanidade.

O pós segunda guerra mundial propiciou um momento fértil para o avanço do processo de globalização, como a grande parte das regiões foram destruídas pelo conflito, foi necessário a construção de consensos entre os países, para que a sociedade mundial fosse reconstruída e os países tivessem a oportunidade de se levantar, criando instrumentos para suas populações voltarem a ter melhores perspectivas, depois de décadas de mortes e conflitos que deixaram mais de 100 milhões de pessoas mortas e regiões inteiras destruídas, inclusive locais vitimados com bombas nucleares de alta destruição.

O grande líder deste período foi os Estados Unidos da América, país emergente em todas as áreas e setores, desde o industrial até o tecnológico e o cultural, além de possuírem a moeda que se tornaria reserva para a nova estrutura econômica internacional. Para agilizar a recuperação global e se consolidar como potência hegemônica, os Estados Unidos levaram sua moeda e suas empresas para as mais variadas regiões, obrigando os outros países a aceitarem suas empresas, seu modelo de produção baseado no fordismo e a aumentar o comércio, a integração financeira e produtiva.

O crescimento do comércio e a integração produtiva, somados ao aumento dos fluxos financeiros consolidaram os Estados Unidos como a grande economia do mundo, levando seu governo a adotar políticas liberais, desde que estas atendessem aos seus interesses econômicos e políticos, ou intervencionistas, desde que fossem positivas para civilização, com isso, garantiram grandes benefícios para sua economia e se consolidavam como a maior estrutura militar da sociedade global, líder em variados setores mas tendo no militar sua grande força bélica e, principalmente, tecnológica e científica.

O modelo difundido pelos Estados Unidos estava centrado, na democracia representativa e na economia de mercado, com separação de poderes e uma maior liberdade para seus agentes econômicos, estimulando o empreendedorismo, a concorrência e a inovação, bases para a construção de uma nova sociedade, mais dinâmica e menos dependente do estado.

Com a ascensão da China nos anos 1990, os Estados Unidos acabaram perdendo a centralidade deste modelo, mesmo tendo sido considerado o grande vencedor da chamada Guerra Fria, os norte-americanos perderam terreno com a ascensão asiática, primeiramente o Japão, a Coréia do Sul e, principalmente, com a chegada da China. Inicialmente, os norte-americanos viram a região oriental como um local para produção com mão de obra mais barata e, posteriormente, vendo-a como um forte competidor, um rival e até para muitos como inimigos, vide a guerra comercial deflagrada contra empresas chinesas.

A ascensão asiática, vista inicialmente como uma grande oportunidade de reduzir custos de produção, já que estes países são dotados de mão de obra abundante e com preços baixíssimos, se mostrou um grande fator de desequilíbrio para toda a economia internacional. Com uma economia mais integrada e interdependente, grandes conglomerados ocidentais passaram a transferir suas estruturas produtivas para os países asiáticos, gerando milhões de empregos e contribuindo para uma vigorosa transformação na estrutura dos países asiáticos.

Nestas regiões da Ásia, milhões de pessoas que viviam em condições de forte degradação, passaram a ser empregados em grandes empresas ocidentais, foram treinados e capacitados para participar dos processos produtivos, com isso, as regiões mais pobres passaram por um grande fluxo migratório para as regiões mais industrializadas, gerando novas ocupações e garantindo um maior crescimento econômico, com fortes impactos sociais e políticos.

Os trabalhadores orientais passaram a trabalhar no setor industrial, foram treinados e capacitados, ao mesmo tempo os governos investiram fortemente em qualificação e expandiram os recursos para a educação básica, transformando alguns países da região em grandes produtores de mão de obra qualificada e fortalecendo a perspectiva de que, num futuro muito próximo, a região se transformará em um grande polo de desenvolvimento tecnológico, gerando inovação, ciência e tecnologia.

Neste movimento os países asiáticos, principalmente, China, Coréia do Sul, Japão, Indonésia, Malásia, Singapura, dentre outros, foram os grandes ganhadores com o processo de globalização, sua participação no comércio internacional cresceu de forma acelerada, galgando novos espaços, atraindo investimentos e se utilizando de uma política pragmática que combina governos fortes e autoritários com uma economia de mercado, centrada na ampla concorrência e competição, é bom lembrar que esta competição só aconteceu quando os países estavam capacitados e suas empresas preparadas, antes disso, o Estado teve um papel central como grande construtor de instituições dinâmicas e eficientes.

O modelo chinês se caracteriza por traços de grande autoritarismo, os cidadãos são reprimidos e são obrigados a seguir as regras implementadas pelo Partido Comunista Chinês, PCC, que define as regras e estrutura todas as instituições. Este modelo ajudou a garantir um crescimento fantástico desde os anos 1980 e foi responsável por um recado negativo para o sistema democrático dos países ocidentais, isto porque deixou em aberto que os regimes autoritários podem garantir crescimento econômico e ganhos sociais consideráveis, ao contrário das democracias ocidentais.

Uma população que sempre viveu, em sua grande parte, na miséria, sob governos autoritários ou em condições de indignidade, moradores de comunidades rurais que sobreviviam em condições degradantes, muitos deles viviam como seus antepassados viveram durante muitos séculos, sem perspectivas e esperanças de melhorias e avanços nas condições de sobrevivência. Nesta situação, a chegada de investidores estrangeiros e um forte planejamento e intervencionismo do Estado, levaram estas populações a um espasmo de crescimento, com melhoras consideráveis na vida, mesmo ganhando pouco, mesmo assim, era algo muito melhor e mais consistente do que ganhavam anteriormente.

A chegada de empresas multinacionais em territórios asiáticos significou, para os países ocidentais a migração de suas empresas para a Ásia, afinal num mundo marcado pela concorrência crescente, os custos da mão de obra fazem a diferença na conquista ou na perda dos mercados. A migração de multinacionais dos países desenvolvidos para a Ásia, significou a perda de empregos e a redução do poder de compra da população dos países desenvolvidos, impactando diretamente sobre a classe média destes países, que viram seus empregos serem reduzidos e suas massas salariais em queda acentuada.

A globalização trouxe benefícios para os países asiáticos, os investimentos estrangeiros criaram bons empregos e alteraram de forma substancial a vida destes trabalhadores, que migraram do campo para as cidades, impulsionaram o crescimento econômico destes países e abriram espaço para novos mercados e setores produtivos dentro da sociedade, incorporando uma região inteira no sistema capitalista de produção.

No lado ocidental os impactos são variados, de um lado, o preço dos produtos que passaram a ser produzido nos países asiáticos se reduziram rapidamente, inundando o mercado mundial com mercadorias de baixo preço e bastante competitivas. De outro lado, os empregos migraram dos países ocidentais para as economias emergentes da Ásia, gerando uma leva de desempregados e subempregados, levando muitas regiões a um amplo processo de desindustrialização, com queda na arrecadação de impostos e graves desequilíbrios para as finanças dos governos estaduais e municipais. Um exemplo interessante deste esvaziamento das regiões, geradas pelo processo de desindustrialização, foi a cidade de Detroit, que sempre se caracterizou pela dependência do setor automobilístico, sua economia girava em torno destes produtos e das cadeias produtivas dos automóveis, com a migração destas empresas para os mercados da Ásia, a região entrou em uma situação falimentar, com graves desequilíbrios sociais, econômicos e políticos.

A fragilização desta classe média em países ocidentais levou uma parcela considerável de seus membros a flertarem com o populismo de direita, apoiando decisões protecionistas e xenofóbicas, além de uma grande hostilidade a imigração e uma ojeriza a órgãos e instituições multilaterais, com isto, estes grupos passaram a flertar com políticas autoritárias e eleger líderes com viés totalitária, fragilizando e colocando em xeque a democracia. As pessoas estão ansiosas em relação ao futuro, e como nos diz a Psicologia, quando ansiosas, olham para o mundo exterior em busca de culpados. Ao propor o fechamento das fronteiras, isso acalma a ansiedade das pessoas mas não resolve os problemas que as afligem.

A classe média passou a se afastar das classes ricas e a se aproximar dos grupos mais depauperados, esta aproximação gerou graves constrangimentos para a classe média e uma grande revolta com relação a sua degradação e perda de centralidade na sociedade contemporânea, alimentando partidos e movimentos de direita ou de ultra direita, que defendiam ideias e prometiam reverter a situação de empobrecimento da classe média, tão central no desenvolvimento das economias e fundamental para setores culturais e de direitos humanos, setores estes abandonados atualmente.

Como destacou Lucas Chancel, um dos coordenadores do Relatório de Desigualdade Global, as promessas da globalização fracassaram para muitos ao redor do mundo: “Onde quer que olhemos ao redor do mundo, na Europa, na América Latina, na América do Norte ou na Ásia, vemos a renda do 1% mais rico subindo brutalmente. São taxas acima de 100% ou de 200% para 1% do topo entre 1980 e hoje. Em alguns países a taxa ultrapassa os quatro dígitos”.

Neste novo modelo, os grupos mais poderosos dos países desenvolvidos e em desenvolvimento conseguiram construir um modelo com grandes benefícios para o capital em detrimento do trabalho, como controlam ou tem muitas influencias sobre os Estados nacionais, controlam estes órgãos e definem as políticas que lhes garantem ganhos consideráveis, com isto as Bolsas batem recordes de rentabilidade, agora, quando percebem movimentos perturbatórios, os capitais fogem rapidamente, esvaziam as Bolsas e geram perdas substanciais, com isso, mostram seu poder e sua capacidade de acumular ganhos consideráveis.

O grande problema do processo de Globalização é que nos últimos anos, os grandes comandantes deste processo, foram os donos do capital financeiro, estes senhores passaram a controlar os recursos disponíveis na sociedade global e transformaram este poder em rentabilidades maiores, garantindo retornos fáceis e astronômicos. Cabe a este grupo de poderosos o controle dos Bancos Centrais, dos Secretários do Tesouro, dos Ministros da Economia e das Finanças e das agências multilaterais, garantindo aos membros ganhos crescentes e aos dissidentes um empobrecimento e um afastamento da inovação e do conhecimento científico e tecnológico.

A classe média perdeu espaço neste modelo, principalmente das cidades menores que apresentam menos oportunidades e esperanças de angariar bons empregos, obrigando-as a migrarem para outras regiões ou cidades maiores, objetivando uma melhor colocação profissional, única forma de manter seus ganhos e vantagens como classe.

Com o crescimento da fome e da pobreza e um enfraquecimento da democracia, percebemos que o processo de globalização apresentou ganhos relativos, neste ambiente de instabilidades e constrangimentos aos perdedores, cabe aos Estados Nacionais uma centralidade maior, organizando as estruturas e garantindo serviços públicos de qualidade e com eficiência, com isso, aliviam os temores da classe média, pois se estes temores crescerem, os movimentos posteriores serão bastante negativos e preocupantes, com impactos generalizados sobre todas as comunidades, no final do século passado estas instabilidades culminaram em duas grandes guerras mundiais, esperemos que neste momento a civilidade e o respeito não abram espaço para a barbárie.

Sobre Santidades, Medianeiros, Missionários e homens comuns

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A humanidade sempre concedeu a algumas pessoas uma importância fundamental, deram-lhes títulos e responsabilidades adicionais, vendo nestes habilidades para conversar e se relacionar com forças superiores, eram homens e mulheres ungidos para missões especiais, dotados de sensibilidades e uma grande capacidade de conversação com entidades abstratas e imateriais, antigamente eram os feiticeiros, bruxos e pitonisas e, na atualidade, são conhecidos como pastores, missionários e médiuns, todos dotados de um elevado poder espiritual e grandes estruturas moral e carisma, sendo vistos como exemplos a serem seguidos por suas comunidades.

Estes indivíduos eram vistos como pessoas especiais, dotados de uma grande capacidade de comunicação, carisma e empatia, eram seres enviados pelas forças superiores para auxiliar os indivíduos nas duras lutas existentes no mundo material, ajudando-os a superar as dificuldades e angariar valores para seu amplo crescimento espiritual, todas as religiões e crenças traziam em suas fileiras pessoas com estes dons divinos.

Nos escaninhos da humanidade, estes indivíduos desempenhavam um papel central, se dotados de bons sentimentos auxiliavam as comunidades e seus cidadãos a uma reflexão mais íntima e a atitudes mais salutares, angariando informações e consolidando valores muitas vezes esquecidos, em um mundo marcado pelas brutalidades e por tendências de violentas e de agressividade. Agora, se fossem marcados por sentimentos menores e por uma ambição descontrolada, eram responsáveis por atitudes de dominação e controle, levando muitos indivíduos a se perpetuarem em situações degradantes e constrangedoras.

Com o passar do tempo, muitos líderes religiosos passaram por momentos de contestação e foram desmascarados pela sociedade, muitos deles se mostraram mais intimamente, como nos dizia Maquiavel, quer conhecer os homens, dê a eles poder. Muitos se misturaram com os prazeres do mundo e se deixaram levar pelas paixões mundanas e imediatistas, deixando de lado seus compromissos espirituais e se entregando aos gozos sexuais e aos supostos prazeres do álcool, tendo seus caminhos e jornadas alteradas e, em muitos casos, até interrompidas pelo plano espiritual para que seus equívocos não fossem maiores e suas dificuldades posteriores não lhes impusessem esforços descomunais.

No Espiritismo, muitas são as obras que retratam casos de degradação e abandono de ideais superiores em prol de prazeres materializados, dentre eles destacamos o livro Trilhas da Libertação, escrito pelo médium Divaldo Pereira Franco e ditado pelo espírito Manuel Philomeno de Miranda, uma obra central para que entendamos as paixões e os desejos que levam muitas pessoas a abandonar ideais construídos no mundo espiritual em busca de caminhos suspeitos e equivocados, cujos constrangimentos futuros são intensos e as dores posteriores marcam a trajetória do espírito.

Os médiuns devem ser vistos como seres humanos, dotados de valores e sentimentos como qualquer indivíduo, tendo como única diferença, uma maior sensibilidade e uma abertura maior com o mundo espiritual. Muitos deles passam a ser divinizados por uma sociedade doente e carente de cultos e personalidades, estes sensitivos sentem prazer nesta bajulação e, aos poucos, se afastam de ideais e de valores mais sólidos e consistentes, sentindo uma maior atração pelos prazeres da carne, que tem levado os indivíduos a uma vida marcada pela ilusão e pela insignificância moral, trazendo-lhes um grande vazio interior, levando muitos deles a patologias, ansiedades e depressão.

Os presentes e os mimos passam a ser constantes, os beneficiados pelos seus auxílios se sentem agradecidos e passam a presentear estes médiuns e passam a confundir seus chamados dons, concedendo-lhes títulos e vendo-os como seres especiais, ungidos por Deus e dotados de poderes que estes não possuem, tudo isto contribui para que estes médiuns passem a se sentir seres especiais, passem a acreditar que são possuidores de poderes e forças diferenciadas, neste momento passam a se afastar dos verdadeiros ideais de progresso espiritual e se entregam aos prazeres da bajulação e das tietagens, estampando capas de revistas e matérias em jornais e documentários televisivos.

As religiões nos trazem inúmeros exemplos de pessoas vistas como diferenciadas, dotados de poderes sobrenaturais, que se envolveram em episódios destrutivos e suas imagens foram destruídas, desde padres e bispos católicos pegos e denunciados em pedofilia, passando por pastores e lideres evangélicos que se comprazem com os prazeres do dinheiro público e se empanturram na política para defender seus interesses e de seus rebanhos, até médiuns espírita que se utilizam de um falso poder para enganar e degradar os valores e sentimentos de pessoas incautas e ignorantes, os exemplos são muitos e não se restringem a uma única religião ou grupo religioso.

Os prazeres do mundo espiritual são inúmeros e são estimulados por entidades que querem fragilizar o médium e boicotar seu trabalho, são inimigos espirituais do próprio médium ou da religião que estes professam, são irmãos que ora estão centrados em vingança e em ressentimentos, infelizmente se comprazem com a degradação e elegem como inimigos e fazem de tudo para destruí-los, impedindo que as luzes difundidas pelos conhecimentos religiosos reduzam seus poderes e angarie adeptos para suas fileiras religiosas.

Estes espíritos atuam fortemente sobre o médium, querem humilhá-lo e enfraquecer seus conhecimentos e desviar seu caminho, com isso, denigrem as religiões e levam o médium a humilhações, gerando constrangimentos variados e colocando a população da comunidade em rota de colisão com os adeptos da religião, neste ambiente de intolerância e de xenofobia, acabam gerando violências e atitudes equivocadas.

Em um livro recentemente publicado no Brasil No Armário do Vaticano, o escritor francês Frédéric Martel, destaca como a cúpula da Igreja Católica se degradou e passou a inviabilizar mudanças importantes, acumulando ilícitos de todas as naturezas, desde corrupção, passando por pedofilia, homossexualidade e variados desequilíbrios, gerando no movimento religioso graves constrangimentos morais e degradando os valores defendidos pelo Cristianismo e sempre divulgados em suas fileiras.

Quando analisamos estes fatos destacados no livro, percebemos que muitos grupos religiosos são caracterizados por discursos fortemente centrado na moral e nos bons valores e que, na intimidade cultivam atitudes e comportamentos diferentes, pregam valores que não possuem, exigem das pessoas e, principalmente, dos fiéis, comportamentos exemplares e atuam clandestinamente em movimentos de intolerância, defendendo uma limpeza espiritual incompatível com seus gestos e comportamentos.

A Doutrina dos Espíritos nos mostra claramente que a renovação moral deve ser o primeiro passo para que os indivíduos cresçam e se consolidem espiritualmente, para isto, faz-se necessário uma atuação constante no bem, o cultivo do hábito saudável da oração, da renovação e da reflexão, seguindo sempre a máxima de que fora da caridade não há salvação.

            Todos que levantam bandeira do bem e do equilíbrio espiritual são alvos dos espíritos desequilibrados, estes últimos se associam para destruir os trabalhos no bem, se utilizam da escuridão para constranger os trabalhadores do bem, para atuar na matéria controlam todos aqueles irmãos desequilibrados, utilizando-os para denegrir, humilhar, maltratar e gerar falsas notícias, distribuindo calúnias e difamação, sempre visando atingir e fragilizar os trabalhadores do bem. De outro lado, todos que cogitam trabalhar para o bem, devem cultivar hábitos saudáveis e vigiar sempre, suas energias e pensamentos devem estar sempre calibrados com os ideais do Cristo, com isso, atraem bons espíritos para a construção de um trabalho digno e edificante, tendo a proteção e o amparo de todos que se esforçam para que o mal, o rancor e o ressentimentos sejam transformados em energias de luz e de equilíbrio e possam retornar para a humanidade em forma de amor, caridade e bons sentimentos.

A Doutrina Espírita nos mostra que, quando um médium começa a adotar uma postura equivocada, os bons espíritos que o acompanhavam até então, acabam deixando o medianeiro, antes disto usam todos os instrumentos possíveis para auxiliá-lo e dissuadi-lo de seguir para um outro caminho, tentam instruí-lo no sono físico e colocam pessoas em seu caminho para que este lhe traga informações confiáveis para evitar que o médium altere o caminho planejado anteriormente, muitos fazem este planejamento no mundo espiritual e são lembrados constantemente sobre o projeto antes de reencarnar.

Os espíritos que querem desviar o caminho do medianeiro, se utilizam de um instrumento que, constantemente, gera um êxito aparente e desviam o médium de seu caminho anterior, estimulam a vaidade e a ambição do indivíduo e colocam pessoas para o elogio fácil e para a bajulação constante, concedendo-lhe uma falsa sensação de poder e superioridade, que o leva facilmente, isto se não manter seus interesses, pensamentos e valores blindados, a escolhas equivocadas e quedas bastante violentas, gerando dores e constrangimentos variados.

Francisco Cândido Xavier foi um exemplo completo de médium integral, sua mediunidade abarcava vários tipos e modelos, para fugir da vaidade e da bajulação adotava princípios e valores edificantes, a oração era presente frequente em suas atividades cotidianas, a companhia de seu mentor espiritual, Emmanuel, lhe trazia, muitas vezes a realidade da vida, sua dureza e perseverança foram fundamentais para que o nosso Chico Xavier conseguisse obter êxito máximo em sua vivência material, sendo que seu mentor espiritual, no momento do encontro definiu de forma intensa três palavras e conceitos fundamentais para a consolidação de seu mandato mediúnico: disciplina, disciplina e disciplina.

A sociedade busca constantemente a santidade das pessoas em todos os momentos e épocas e, ao mesmo tempo, se refestela quando os supostos missionários caem e são vítimas de humilhações e constrangimentos, transformando-os em escárnios e portadores de verdadeiras doenças contagiosas, o que os tornam mais humanos e os fazem mais parecidos com o cidadão comum, marcados por equívocos e limitações.

Somos todos imperfeitos e inconsequentes, a perfeição não existe neste mundo de provas e expiações, se aqui estamos temos muito trabalho a fazer, a Doutrina dos Espíritos e as outras religiões podem ser vistas como um instrumento para que encontremos o caminho, nenhuma religião sozinha garante a evolução espiritual mas podem auxiliar, desde que nos utilizemos deste instrumento para refletir e nos transformarmos intimamente, a evolução é inexorável e inadiável, uns evoluem mais rapidamente enquanto outros estão ainda esperando a chegado de um todo poderoso para lhes mostrar o caminho e, quem sabe, caminhar ao lado deles nesta estrada.

 

 

Globalização fracassou para muitos, e reações podem ser violentas

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Coordenador do Relatório da Desigualdade Global diz que ‘fuga para o mais barato’ achatou as classes médias e levou à precarização dos serviços públicos

Para o economista Lucas Chancel, um dos coordenadores do Relatório da Desigualdade Global, as promessas da globalização “fracassaram” para muitos ao redor do mundo.

Em sua opinião, os países precisam reorganizar a integração econômica global para evitar “reações violentas” no futuro.

Frenando Canzian – 22/07/2019 – Paris

Embora os muitos pobres estejam melhorando por causa da Ásia, os mais ricos ficam cada vez mais ricos em todo o mundo e a classe média está sendo espremida. Quais as razões e as perspectivas desse movimento?

O que vemos são os três lados da história da globalização. O lado mais feliz é o enorme crescimento da Ásia. Na China, na Índia e em outros países. Há uma melhora substancial nos padrões de vida,e isso levou à redução das desigualdades entre os países.

Alguns se concentraram nisso para dizer que a globalização é ótima e que é preciso aprofundá-la,pois a desigualdade global diminuiu.

Mas há um outro lado. A renda cresce em ritmo muito baixo entre as classes trabalhadoras na América do Norte e em alguns países europeus. Nos EUA, toda a metade mais pobre ficou de fora do crescimento da renda nos últimos 38 anos.

Isso também precisa ser entendido a partir da perspectiva da terceira história da globalização, que é a da elite econômica global.

Onde quer que olhemos o mundo, na Europa, na América Latina, na América do Norte ou na Ásia, vemos a renda do 1% mais rico subindo brutalmente. São taxas de crescimento acima de 100% ou de 200% para o 1% do topo entre 1980 e hoje. Em alguns países a taxa ultrapassa os quatro dígitos.

Um debate bem informado sobre a globalização precisa levar em conta essas três histórias. Não dá para dizer apenas que os pobres estão melhorando e que isso é ótimo. Ou que as pessoas do topo estão ganhando muito e que isso é terrível.

O que vai acontecer? O lado bom da história é que tudo depende de nós.

Tudo vai depender do que os formuladores de políticas implementarem. E isso vai depender, em muitos países, das decisões dos cidadãos.

Como os países individualmente podem combater as desigualdades se as empresas hoje são globais e o capital é livre para migrar, mas as pessoas, não?

O capital pode migrar por que organizamos a globalização dessa maneira. Assinamos tratados que nos permitem mover bens e às vezes trabalhadores e, em muitos casos, o capital. Mas não assinamos tratados que harmonizassem a tributação.

Então, qualquer tipo de entidade na qual há livre comércio sem harmonização fiscal será uma entidade econômica que não funcionará adequadamente. Particularmente do ponto de vista da desigualdade. Com certeza, essa é uma questão-chave que precisa ser enfrentada.

Nos últimos 30 anos houve, dentro da União Europeia, uma “fuga para onde for mais barato” em termos de tributação progressiva,ou em termos de tributação de uma empresa. Porque todo país acha que, se não fizer o jogo da “fuga para o mais barato”, vai sair perdendo.

Mas, no final, todo mundo perde porque não sobram recursos para os atores públicos que quer em financiar um bom nível de educação, transporte público e saúde.

Basicamente, os formuladores de políticas foram um pouco preguiçosos, e apenas diziam que “tudo bem, vamos fazer o jogo da fuga para o mais barato”. Mas qual é a consequência desse jogo?

Bem, há contribuintes “móveis”, que são as multinacionais e os cidadãos ricos, que ameaçam e chantageiam o governo com o argumento de que “se você aumentar meus impostos, eu me mudo”.

Mas também há”contribuintes imóveis”, a classe trabalhadora, a classe média e o contribuinte que simplesmente não pode se mudar. E essas pessoas querem a manutenção de bons níveis de serviço público.

Então, quem vai pagar os impostos? Se isso recair sobre a classe média, sobre os grupos de baixa renda, não será nenhuma surpresa que venhamos a ter uma reação muito violenta, brutal.

Já temos fenômenos como Donald Trump, brexit e populistas ganhando terreno. A “desglobalização” vai se acentuar nessa onda?

Um dos problemas é que as promessas da globalização em grande parte fracassam. Ela deveria aumentar o padrão de vida em países de baixa renda, e isso aconteceu

Mas também deveria melhorar a vida das classes médias e dos trabalhadores nos países ricos, e isso não aconteceu.

Uma das formas de entender a rejeição a o multilateralismo é o próprio fracasso do multilateralismo.

Mas uma maneira de tentar torná-lo bem-sucedido é abordar a questão-chave que você colocou, da fuga de capitais. É preciso organizar a globalização e saber com muito mais transparência onde está a riqueza e como ela se move de um país para outro.

Isso significa, por exemplo, que não podemos continuar negociando com paraísos fiscais que não respeitam as regras básicas da transparência. Porque países e governos perdem nesse jogo. Isso justifica a imposição de limites.

Em “The Great Leveler”, Walter Scheidel argumenta que a desigualdade é um fato da vida. Que só diminuiu após eventos extremos, como guerras e pestes. Qual a sua opinião?

Sim, é um fato da vida e, em certa medida, sempre existirá, até o fim dos tempos.

Mas a questão é até que ponto aceitaremos esse nível de desigualdade. E há outro fato, não um fato da vida, mas das sociedades humanas, que é a discussão permanente sobre como a riqueza deve ser compartilhada. E esse tipo de discussão está no centro da construção das democracias modernas.

 

Desencarnação, crescimento e desenvolvimento espiritual

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A morte sempre foi uma grande incógnita para os indivíduos e para as coletividades, as culturas tratam de forma diferente este tema e encontram respostas originais e inusitadas, todos sabemos que desde o nascimento estamos em contagem regressiva para uma outra vida, para alguns vamos para um vazio absoluto ou para uma escuridão sem precedentes, outros acreditam em uma espera que pode durar muitos anos ou quem sabe séculos ou milênios, a morte ainda desperta muitas dúvidas e reflexões das pessoas em todos os lugares do mundo.

Existem muitas discussões e dúvidas sobre a morte, as religiões, as culturas e as correntes filosóficas apresentam visões variadas, algumas trazem explicações mais vigorosas e consistentes, enquanto outras atribuem as respostas a dogmas inatingíveis para os homens no momento atual, contribuindo para o crescimento e o fortalecimento de um verdadeiro misticismo, que cultiva ignorância e desinformação, gerando medos e inseguranças.

A Doutrina Espirita, codificado por Allan Kardec, em 1857, com a publicação de O Livros dos Espíritos nos traz informações novas e originais, suas análises perpassam a questão religiosa e se concentram em uma visão científica e filosófica, com isso, nos mostra uma situação mais completa e uma interpretação mais consistente e inteligente, sem dogmas e desprovida de preconceitos, que muitas vezes limitam a capacidade de compreensão dos indivíduos e das coletividades.

Os conhecimentos trazidos pela Doutrina dos Espíritos nos informam que a morte como a conhecemos não existe, somos espíritos que estagiamos no corpo físico e, posteriormente, retornaremos para o verdadeiro local da vida, o mundo espiritual, embora não nos recordemos este é o verdadeiro local da nossa existência, somos espíritos habitando corpos materiais temporariamente, nele passamos por variadas experiências que devem servir como vivências, nunca como punição, mas como educação, em prol do progresso e de um verdadeiro desenvolvimento espiritual.

As informações trazidas por Allan Kardec geraram muitas controvérsias na época, é importante lembrar que, neste momento histórico, a Europa vivia os últimos espirros da Inquisição, momento marcado pelos desatinos da Igreja Católica, que se outorgava o direito de alienar os indivíduos e impor seus interesses mesquinhos e imediatos, condenando os indivíduos a uma cegueira moral e perpetuando seu poder e dominação.

As ideias descritas por Kardec reviviam os ensinamentos de Jesus de Nazaré, mostrando aos indivíduos a importância de sermos bons e justos com nossos semelhantes, isto porque estas atitudes nos auxiliariam em nosso progresso espiritual e em outros momentos da vida. Pelas doutrinas anteriores, os prazeres do mundo eram os grandes ideais dos indivíduos, as posses materiais, as terras, os títulos e as insígnias eram buscadas como forma de prazer e enriquecimento, formas de poder da sociedade da época.

Quando restringimos a vida dos indivíduos a apenas uma única vida, quando não cogitamos a existência de uma vida posterior a existência atual, nos deixamos levar por todos os instrumentos de acumulação e de prazeres materiais, afinal a vida se restringe aos momentos atuais, os prazeres do hedonismo dominam os indivíduos e nos garantem prazeres e mais prazeres, esta era, para a grande maioria dos indivíduos, os ideais da existência humana.

Se vivemos eternamente em momentos e em estágios diferentes, a vida material deve ser encarada como uma nova experiência de progresso do ser humano, uma nova oportunidade de crescimento e de desenvolvimento espirituais onde novas oportunidades e antigas experiências são revividas para que consigamos encontrar o equilíbrio e o progredir, estes sim os grandes objetivos da vida e o caminho para a evolução.

A doutrina dos espíritos vem nos mostrar um mundo muito maior e mais complexo, nos esclarecendo sobre verdades e nos mostrando que o verdadeiro caminho para a melhoria espiritual está na máxima fora da caridade não há salvação, onde devemos compreender a caridade como algo maior e mais consistente, não como muitas a veem, como a doação de recursos financeiros e de valores materiais, esquecendo-se de que a verdadeira caridade é algo muito maior do que esta doação monetária, a verdadeira caridade pode ser feita com palavras, gestos e conversas desinteressadas e estimulantes, quando despendendo tempo para ouvir e esclarecer corações aflitos e solitários.

Os desencarnados retornam ao mundo espiritual, voltam ao verdadeiro local da existência humana, quando retornam encontram situações variadas e individualizadas, a Doutrina Espírita nos mostra que não existe um modelo único de desencarnação, existem regras gerais, mas os méritos e a meritocracia são instrumentos que diferenciam os indivíduos, os que melhor se comportaram na matéria, que mais fizeram pelos semelhantes e mais trabalharam para o bem, recebem mais segundo seus merecimentos agora, aqueles que se afastaram dos caminhos do bem recebem de acordo com seus parcos merecimentos.

As pessoas desencarnadas voltam para o mundo espiritual e com a passagem não melhoram instantaneamente, muitos acreditam que os desencarnados passam deste mundo para um outro melhor, isto nem sempre é uma verdade irrefutável, muitos ao desencarnar passam para o mundo espiritual de uma forma muito pior do que estavam na matéria, muitos vivem uma verdadeira ilusão marcada por riquezas, posses e bens materiais e quando desencarnam acordam em uma situação deplorável e degradante, como encontramos no livro Nosso Lar, escrito por Francisco Cândido Xavier e ditado pelo espírito de André Luiz, nesta obra nos deparamos com o relato do médico fluminense que vivia uma vida de conforto e posses materiais e ao desencarnar se depara com uma situação assustadora em uma região fétida e deplorável.

A Doutrina nos mostra que os espíritos são entidades que não mais possuem corpos materiais, o fato de estarem no mundo dos espíritos não os concedem nenhuma capacidade intelectual ou moral superior, são apenas espíritos em uma outra condição de vida, a desencarnação não gera desenvolvimento espiritual em ninguém, a morte física não faz o papel da evolução.

A evolução é uma conquista individual que demanda muito tempo e muita dedicação, reflexão, empenho e reforma íntima são instrumentos centrais para o desenvolvimento do ser humano, a morte é um fenômeno natural e a evolução uma conquista particular e imprescindível que todos alcançaremos, uns mais cedo e outros mais tarde, dependendo do esforço e dedicação de cada indivíduo.

Encontramos muitas pessoas buscando notícias e informações de parentes, amigos e familiares desencarnados, esta atitude é muito saudável e louvável, afinal temos saudade e queremos saber como estão nossos afetos que partiram para uma outra existência, embora saibamos que a desencarnação não conduz ao progresso imediato, muitos familiares oram e buscam auxílio de pessoas recém desencarnadas, acreditando que estes podem auxiliar nos momentos de dores e decepções. A Doutrina Espírita nos mostra que quando retornamos ao mundo espiritual somos nós mesmos, trazemos embutidos na alma os valores e conquistas morais e intelectuais, estas não podem ser tiradas, são conquistas verdadeiras que levamos para todos os momentos de nossa existência.

Todos os indivíduos que desencarnam com sentimentos saudáveis, desprendimento de bens materiais e bons pensamentos, marcados pelos trabalhos no bem e no respeito as Leis de Deus, todos que cultivam a oração e a reflexão edificante, com certeza encontrarão, no mundo espiritual, as energias e os sentimentos compatíveis com seus pensamentos e com a suas condutas individuais, estes irmãos muito brevemente estarão integrados em trabalhos e continuarão suas atividades no mundo espiritual. Ao contrário, todos aqueles que passam para o outro lado da vida, com os corações marcados pelo rancor e pelo ressentimento, muito atrelados aos bens materiais e aos prazeres do álcool e do sexo, com certeza estes irmãos demorarão algum tempo para se libertar destas energias desagradáveis e limitantes, necessitando de oração e bons pensamentos como forma de auxiliá-los no processo de melhoria e de conscientização espiritual.

Todas as vezes que interpelamos familiares desencarnados com problemas particulares, dificuldades materiais ou constrangimentos afetivos, levamos a estes irmãos, energias pesadas e densas, nos deixamos levar por sentimentos menores e transmitimos e estes irmãos desencarnados estas energias e sensações, prejudicando-os muito mais do que imaginamos, embora não queiramos prejudicá-los, nossas energias causam desequilíbrios a estes irmãos. Numa situação como esta devemos evitar os petitórios que fazemos aos irmãos desencarnados, o melhor a fazer nesta situação é nos apegarmos a oração e o envio de boas vibrações, estas devem auxiliá-los em seu progresso e desenvolvimento espiritual.

A oração deve ser uma conduta constante na vida das pessoas, quando oramos e solicitamos o amparo e a proteção de amigos espirituais estamos reconhecendo nossas limitações e fragilidades, no livro Nosso Lar, André Luiz destaca que as poucas orações recebidas em seu auxílio foram fundamentais para que este vencesse seus desequilíbrios e lhe trouxesse as energias necessárias para superar os momentos de dores e dificuldades.

Outro depoimento interessante retratado na literatura espírita está na obra Voltei, neste livro psicografado pelo ilustre Francisco Cândido Xavier, ditado pelo espírito de Frederico Figner, encontramos o autor espiritual descrevendo seu próprio velório, embora um episódio inusitado, percebemos como nos comportamos em um momento de tanta dificuldade, as pessoas se encontram distante das orações e se entregam as conversas desimportantes e as piadas degradantes, todas estas energias são absorvidas integralmente pelo desencarnado, trazendo-lhe energias e sentimentos menores marcados pelo pessimismo, pelo medo e pela insegurança.

Na obra acima, o autor nos mostra como estamos distantes dos sentimentos e das energias edificantes e desenvolvidas, mesmo sendo descrito pelos encarnados como uma pessoa de bem, de boas obras e elevados sentimentos morais, o autor espiritual se encontra em uma situação de medos e preocupações, acreditou encontrar “facilidades” variadas devido a suas obras no plano material, mas infelizmente seu trabalho foi insuficiente para angariar as conquistas que acreditava ser merecedor.

Todos os dias uma grande quantidade de pessoas retornam ao mundo espiritual e uma quantidade elevada retornam ao munda da matéria, estes fluxos mostram a grandeza das obras divinas que nos auxiliam no desenvolvimento constante da sociedade, embora buscamos todos os momentos o crescimento e o desenvolvimento espiritual, para que o angariemos, faz-se necessário nascer, morrer, renascer e morrer novamente, afinal como nos diz Allan Kardec, esta é a verdadeira Lei da vida e da natureza, e todos estamos sujeitos a esta lei para que consigamos evoluir e alcançar o verdadeiro progresso.

A vida nos traz grandes desafios e oportunidades, todos que conseguem compreender as grandes realidades da vida conseguem trilhar caminhos mais sólidos e consistentes, vive melhor e morrem de forma serena e equilibrada, mostrando que a tão falada morte na verdade não existe, mas uma nova vida se abre em um local diferente e com uma maior liberdade e consciência, afinal somos todos seres humanos em constante evolução.

Matthew H. Kramer

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Professor de Filosofia Política e Jurídica na Universidade de Cambridge, Kramer discute temas como teorias da justiça, o positivismo jurídico e a objetividade de juízos morais.

Estado da Arte 

19 de julho de 2019

por Gilberto Morbach

Matthew H. Kramer é professor de Filosofia Política e Jurídica na Universidade de Cambridge. Autor de uma vasta obra, Kramer discute temas como teorias da justiça, o positivismo jurídico, a objetividade de juízos morais, o liberalismo político, direitos e responsabilidades, a pena de morte, enfim, questões que gravitam em torno do núcleo central que constitui sua obra: a filosofia moral, política, jurídica. Seus livros mais recentes são H.L.A. Hart: The Nature of Law — uma das mais completas obras a discutir o legado de Hart — e Liberalism with Excellence — no qual Kramer articula sua versão de liberalismo político.

Tomando suas obras mais recentes como ponto de partida, conversei com o Prof. Kramer sobre Hart, sobre positivismo, sobre uma teoria perfeccionista de liberalismo político e sobre o próprio liberalismo em tempos de populismos iliberais ao redor do globo.

  1. Seu livro mais recente, L.A. Hart, é uma análise tão interessante quanto aprofundada da teoria jurídica de Hart. Naturalmente, há, como em qualquer livro que lide com a obra de um autor, espaço para elogios e críticas. Se estivermos a tratar de sua posição, em que o senhor acompanha Hart, e em que segue um caminho distinto do dele? Dito de outro modo, como o senhor resumiria seus principais acordos e desacordos com Hart?

Kramer: Meu livro de 2018 expõe apenas as ideias de Hart com relação à teoria geral do direito (i.e., suas ideias sobre a natureza do direito, da filosofia do direito, do raciocínio jurídico e do discurso jurídico). Com a maior parte dessas ideias, estou de acordo com Hart. Como Hart, sou um positivista. Especialmente em meus livros In Defense of Legal Positivism (1999), Where Law and Morality Meet (2004) e Objectivity and the Rule of Law (2007) — e, é claro, no próprio livro de 2018 sobre Hart —, eu desenvolvo uma concepção positivista de direito. Além disso, como Hart, sou um positivista inclusivo e não exclusivo. É verdade, estou longe de alguém que não tem críticas a Hart com relação à teoria do direito. Meu livro traz uma série de objeções à obra de Hart em uma série de pontos e meus outros escritos sobre o positivismo são igualmente críticos à teorização hartiana sobre o direito em vários aspectos. Seja como for, em termos de teoria geral, a minha posição e a de Hart são muito próximas uma da outra. Sou imensamente grato a ele.

Em outras questões filosóficas, minhas divergências com relação a Hart são mais contundentes. Por exemplo, Hart foi um dos mais notáveis proponentes da teoria da vontade no âmbito dos direitos, enquanto eu tenho proeminentemente articulado uma teoria do interesse — a teoria rival. No mesmo sentido, embora eu seja, como Hart, um liberal em questões de liberdade civil, seus fundamentos eram eminentemente consequencialistas, ao passo que os meus são fortemente deontológicos. Mais do que isso, embora eu tenha me baseado fortemente na concepção de causalidade no direito elaborada por Hart com Tony Honoré, a minha concepção (desenvolvida de forma mais robusta em The Quality of Freedom, meu livro de 2003) vai além da deles em várias questões. Além disso, sou um realista moral, na medida em que não é assim tão fácil definir a visão de Hart com relação à natureza dos juízos morais. Falarei mais sobre o realismo moral mais à frente.

Finalmente, enquanto Hart era um forte crítico da pena capital (baseado em fundamentos consequencialistas), argumentei amplamente — a partir de fundamentos deontológicos — em favor da legitimidade, em princípio, da pena de morte em determinados contextos bastante restritos. Admitidamente, contudo, deixo em aberto a questão sobre se os problemas práticos subjacentes à administração da pena capital são superáveis

  1. A partir do debate entre positivismo jurídico exclusivo e inclusivo, alguns autores derivam uma espécie de positivismo normativo — ou seja, a aceitação do positivismo inclusivo num plano conceitual, mas com a prescrição de algo próximo aos fundamentos do positivismo exclusivo. Alguns autores adotam essa posição, outros veem-na como possível, outros rejeitam-na. Como um positivista inclusivo, como o senhor vê essa questão?

Kramer: O positivismo jurídico prescritivo é certamente uma doutrina que tem sido defendida por alguns filósofos do direito. Tom Campbell é o filósofo contemporâneo que a articulou de forma mais contínua, mas ela foi ainda mais notavelmente proposta ao início da era moderna por Thomas Hobbes e Jeremy Bentham. Basicamente, ela consiste na proposição de que uma série de leis em determinada jurisdição devem ser formuladas de modo a garantir que o processo por meio do qual se pode atribuir caráter de juridicidade a determinadas proposições raramente ou nunca envolvam juízos morais. Como tal, essa é uma posição ortogonal ao positivismo jurídico enquanto teoria geral do direito (i.e., uma teoria sobre a natureza do direito). Pessoalmente, oponho-me ao positivismo prescritivo; não por fundamentos teóricos, mas por razões de moralidade política.

  1. Algumas pessoas — equivocadamente, a meu ver, mas ainda assim — insistem que é difícil reconciliar o positivismo jurídico com uma posição de realismo moral. Como o senhor articula suas visões sobre a objetividade moral de um lado e, de outro, a tese da separabilidade entre direito e moral?

Kramer: Longe de serem incompatíveis, o positivismo jurídico e o realismo moral ajustam-se um ao outro tranquilamente. Nenhuma dessas teses pressupõe a outra, mas elas são absolutamente consistentes entre si. De fato, dado que a minha versão de positivismo jurídico é parcialmente sobre a relação entre o direito e a moralidade tout court (i.e, a moralidade como um conjunto de princípios básicos cuja existência e conteúdos são independentes daquilo que se pense sobre eles), minha posição na teoria do direito já pressupõe a correção do realismo moral como explicação sobre a natureza da moralidade.

Eu suponho que a visão de que as doutrinas são incompatíveis se dá em razão da crença de que a insistência do positivismo na separabilidade entre direito e moral significa uma asserção de um caráter não moral do direito — i.e., uma asserção de que o direito não é suscetível a apreciações morais. Qualquer asserção desse tipo seria de fato incompatível com o realismo moral, mas (como eu coloco enfaticamente em meus escritos jurídicos) nenhum positivista até hoje sugeriu que o direito é um fenômeno não moral.

  1. Agora, com relação ao seu trabalho na filosofia política: em Liberalism with Excellence (2017), o senhor reflete sobre se é moralmente exigível que governos mantenham-se neutros com relação a concepções razoáveis sobre o desenvolvimento humano e a boa vida. A partir desse debate, o senhor articula uma posição a que chama de perfeccionismo de aspiração [“aspirational perfectionism”]. Como o senhor definiria sua posição dentro da esfera do liberalismo àqueles que ainda não leram o livro?

Kramer: Como indicado em vários momentos do livro, minha posição é amplamente estóica. A sequência a Liberalism with Excellence — que será escrita assim que eu finalizar outros dois livros, sobre aborto e liberdade de expressão — será intitulada A Stoical Theory of Justice. Entretanto, meu liberalismo estoico não pode ser propriamente designado como uma espécie de liberalismo amplo [“comprehensive liberalism”] no sentido utilizado por John Rawls e seus seguidores, tais como Jon Quong. Quero dizer, não se trata de uma tentativa de fundamentar o liberalismo em um valor (ou uma série de valores) que poderia ser sensatamente rejeitado por alguns liberais. Ao contrário: o âmago de meu liberalism estoico é o valor da garantia de autorrespeito — que é igualmente o coração do liberalismo rawlsiano.  Não posso entrar em maiores detalhes aqui, mas, com efeito, o que quero fazer é criar um certo desacordo entre a busca rawlsiana por neutralidade e a doutrina de razão pública de Rawls. Eu apoio, afinal, a neutralidade, enquanto rejeito as limitações da razão pública. (Aos leitores não familiarizados com a obra de Rawls, gostaria de colocar que o princípio da neutralidade prescreve que qualquer Sistema de governança deve manter-se neutro com relação à concepções razoáveis do que é bom e valioso — sendo que “razoável” significaria “consistente com os valores básicos do liberalismo”. As limitações da razão pública são restrições nos tipos de considerações às quais as pessoas podem recorrer em desacordos políticos públicos. Essa limitação foi tomada por seguidores de Rawls como uma decorrência lógica do princípio da neutralidade, mas eu rejeito a primeira conservando a segunda.)

  1. Finalmente, em tempos de democracia iliberal e populismo, qual é a maior ameaça — se houver alguma — ao liberalismo?

Kramer: No Reino Unido e em alguns países como a Venezuela, o populismo de esquerda foi muito mais danoso que o da direita. As calamidades produzidas pelos regimes populistas de esquerda de Chávez e Maduro são certamente bem conhecidos pelas pessoas de sua região, então concentro-me no Reino Unido. Em 2015, o Partido Trabalhista britânico foi dominado pelo ideólogo de extrema esquerda Jeremy Corbyn e sua trupe de sinistros asseclas. Corbyn, à época, talvez fosse mais conhecido por seu apoio de longa data ao terrorismo da República da Irlanda e por seu efusivo apoio a tiranias antiocidentais, mas ele já tinha também uma longa e nada atrativa história de associação com antissemitas fanáticos. Ao longo de seus anos enquanto líder do Partido Trabalhista, os níveis de antissemitismo interno à organização aumentaram de forma exponencial, levando milhares de judeus ao abandono do partido mesmo após uma filiação durante boa parte da vida adulta. Mais do que isso, o partido passou a se comprometer com uma política econômica que transformaria desastrosamente o Reino Unido na Venezuela do Mar do Norte caso os britânicos fossem suficientemente loucos a ponto de eleger um governo liderado por Corbyn. Um governo desse tipo seria firmemente leal a tiranos como Vladimir Putin, Ali Khamenei e Bashar al-Assad. Sobre esses tiranos, Corbyn não tem uma única palavra negativa. Toda sua raiva é direcionada às democracias liberais ocidentais.

Nos Estados Unidos, em seu país e em alguns países europeus, como Hungria, Polônia e Áustria, o populismo de direita tem sido pior que o de esquerda. Donald Trump é o primeiro candidato por um dos grandes partidos a, em quase um século, engajar-se em retórica racial ao longo da campanha. A robustez, o desenvolvimento geral da democracia liberal nos EUA limitou (embora não tenha evitado completamente) os danos gerados pela lamentável presidência de Trump, mas outros países como Polônia e Hungria não tiveram a mesma sorte. Tendo quase definhado sob o despotismo comunista até poucas décadas atrás, cada um desses países é agora governado por regimes manifestamente antissemitas e quasi-fascistas que podem arruinar de vez todo o progresso em direção aos valores da democracia liberal.

Ainda, em outros países como a França, o populismo à esquerda e à direita parece ganhar força. Isso quer dizer que qualquer resposta adequada à sua pergunta deve levar em conta as circunstâncias variáveis de país a país. A democracia liberal, ao longo de sua história, sofreu ataques de uma série de ideologias iliberais, e seus inimigos são diversos e abundantes.

Liberalismo e dogmatismo

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Por André Lara Resende – Valor Econômico – 13/05/2019

No início da década, a Grécia se viu obrigada a fazer um extraordinário ajuste fiscal. Tendo sido beneficiada pela condição de membro da União Europeia, o que lhe permitiu financiar sua dívida a juros baixos, a Grécia tinha sido fiscalmente irresponsável. Com a crise financeira de 2008, a realidade bateu à porta. Os mercados, sempre dispostos a absorver mais dívida quando a maré está alta, com o refluxo, secaram. O aumento do prêmio de risco cobrado pelos bancos tornou a dívida, além de muito alta, também muito onerosa.

Yanis Varoufakis, à época um professor visitante na Universidade do Texas-Austin, foi o primeiro a afirmar o que qualquer pessoa com uma noção básica de aritmética poderia constatar: a dívida grega era impagável. A Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI, a Troica, preocupados com o impacto sobre o sistema bancário, decidiram entender que não, que a Grécia deveria fazer um drástico ajuste fiscal e refinanciar a dívida. O ajuste foi feito. O déficit, de mais de 10% do PIB em 2010, foi revertido. Em 2017 a Grécia, a Alemanha, a Dinamarca e a Suécia, eram os únicos países da União Europeia com superávit fiscal.

O resultado pode ser avaliado por alguns números. O desemprego, que já era alto antes do início do ajuste, quase de 10%, três anos depois chegou a 28% da força de trabalho e a mais de 60% entre os jovens. No ano passado o desemprego ainda estava perto de 20% e o PIB tinha caído mais de 30% em relação a 2010. A dívida, que era equivalente a 150% do PIB em 2010, depois de quase uma década de ajuste, chegou a 180% do PIB. Mas os números, por mais impressionantes que sejam, não podem exprimir a dimensão da verdadeira tragédia que se abateu sobre a Grécia. O país foi destroçado.

Em 2015, depois de três anos de ajuste fiscal, a população exprimiu sua rejeição ao estrangulamento econômico a que o país estava sendo submetido. Um novo partido de esquerda, o Syriza e seu jovem lider, Alex Tsipras, venceram as eleições. Varoufakis foi convocado para ser o ministro da fazenda e renegociar a dívida. Condicionou a sua aceitação a ser eleito para o congresso. Sem jamais ter exercido qualquer cargo público, em menos de três meses de campanha, foi eleito o deputado mais votado da história. Ministro, enfrentou a tecnocracia europeia e o FMI, procurando demonstrar a inviabilidade do ajuste como exigido pela Troica. Convocou um referendo para avalizar a sua proposta alternativa. Saiu vitorioso das urnas, mas foi derrotado pela tecnocracia. O governo cedeu à Troica e Varoufakis voltou à academia e ao ativismo político. O seu livro, Adults in the Room, publicado em 2017, que resenhei para a revista Quatro Cinco Um, é uma fascinante incursão pelos bastidores das forças políticas do mundo contemporâneo.

Neste início de século, o dogmatismo ameaça derrotar também nossa frágil democracia liberal

A tragédia grega deste século XXI traz à cena todos os elementos do impasse da democracia contemporânea. Desde o início do século passado, sobretudo a partir do fim da Segunda Guerra, o mundo parecia ter encontrado a fórmula do progresso e da paz social. A democracia representativa liberal e a separação dos poderes davam a impressão de compatibilizar a vontade da maioria com a defesa dos direitos individuais e o respeito às minorias. Através de políticas compensatórias, o Estado, administrado por uma tecnocracia ilustrada, garantiria as condições mínimas de vida para os mais desfavorecidos. Nos países mais atrasados, o Estado exerceria ainda o papel de coordenador do desenvolvimento econômico.

Neste início de século, o equilíbrio entre os três elementos que compõem as democracias representativas – a vontade popular, o respeito aos direitos individuais e o governo tecnocrático – se rompeu. O populismo, tanto de direita como de esquerda, que hoje se alastra pelo mundo, deve ser entendido como uma reação à tomada de consciência de que a tecnocracia e as instituições liberais para a defesa dos direitos individuais se tornaram dominantes e abafaram a vontade popular. Tantos as razões desta tomada de consciência, como as implicações para o futuro da democracia têm sido objeto de inúmeros estudos e livros publicados nos últimos anos.

O populismo chega ao poder pelo voto, explorando a percepção de um déficit democrático, que foi acentuada pela internet e pelas mídias sociais. Primeiro, questiona as instituições liberais, depois desmantela a tecnocracia, para em seguida instaurar o autoritarismo. Não importa se a partir da esquerda, como na Venezuela, ou da direita, como na Turquia, na Polônia e nos EUA. Tanto a sua ascensão, quanto a sua capacidade de manter acesa a chama do ressentimento, dependem da frustração das expectativas. Por isso, o mau desempenho da economia, a recessão e o desemprego, são o combustível de que depende para solapar a democracia. Quando a economia se desorganiza mais rápido e profundamente, maior é a probabilidade do populismo descambar para o autoritarismo aberto. Confrontado com a perda de apoio, o populismo sobe o tom contra a política representativa, as minorias e as instituições liberais. A desorganização da economia, a recessão e o desemprego, se tornam um terreno fértil para a sua campanha de ressentimento.

No Brasil, depois de alguns meses do novo governo, a economia não dá sinais de que irá se recuperar. Continua estagnada, com a renda abaixo do que era há cinco anos e o desemprego acima de 12% da força de trabalho. O programa dos tecnocratas que estão no comando da economia parece estar condicionado à aprovação da reforma Previdência, uma reforma há décadas mais do que necessária, mas na qual não faz sentido depositar todas as esperanças. Transformada num cavalo de batalha com o congresso, insistentemente bombardeada como imprescindível pela mídia, a reforma da Previdência, ainda que aprovada sem grande diluição, como os resultados não são imediatos, não será suficiente para resolver o problema fiscal dos próximos anos. Também não será capaz de despertar a fada das boas expectativas. Como demonstra de forma dramática a experiência recente da Grécia, a busca do equilíbrio fiscal no curto prazo, quando há desemprego e capacidade ociosa, não apenas agrava o quadro recessivo, como termina por aumentar o peso da dívida em relação ao PIB.

A Grécia não tinha escolha: ou se submetia ao programa de austeridade fiscal ou seria obrigada a sair da zona do euro, com custos possivelmente ainda mais altos. No Brasil, a obsessão pelo equilíbrio fiscal no curto prazo é uma auto-imposição tecnocrática suicida. O liberalismo econômico do governo parece estar subordinado ao seu dogmatismo fiscal. Como liberalismo e dogmatismo são incompatíveis, o liberalismo sairá inevitavelmente derrotado. No século passado, o dogmatismo monetário derrotou o liberalismo econômico de Eugênio Gudin. Neste início de século, o dogmatismo ameaça derrotar também nossa frágil democracia liberal.

André Lara Resende é economista.

 

 

Lara Resende a meio caminho

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Marcelo Manzano – Le Monde Diplomatique Abril de 2019

Em artigo publicado semanas atrás no jornal Valor Econômico, o economista André Lara Resende, talvez um dos maiores expoentes do liberalismo econômico no país e o pater familias do Plano Real, colocou a moeda em cima da mesa e tratou de questionar a forma como a corrente dominante entende o seu papel na economia capitalista contemporânea.

Aos não economistas, esse debate pode parecer um tanto esdrúxulo ou lateral, mas, acreditem, é fundamental, já que em última instância é esse entendimento sobre o papel da moeda que define o norte das políticas econômicas que governam um país. Antes de avançar, portanto, vale um breve esclarecimento sobre o assunto.

Costuma-se considerar que a moeda cumpre três funções clássicas no capitalismo: 1) meio de troca: quando é utilizada como um equivalente geral para que sejam trocados produtos e serviços no dia a dia dos mercados; 2) unidade de conta: quando serve como um padrão de medida (um índice) que permite comparar e avaliar o valor de produtos, serviços e riquezas diferentes entre si e 3) reserva de valor: quando funciona como forma geral da riqueza, isto é, quando os agentes a retém para preservar os valores que puderam se apropriar até o presente.

Pois bem, desde a velha tradição monetarista (surgida na Escola de Chicago em meados do século XX) até os atuais e predominantes economistas novo-keynesianos (que de keynesianos não têm nada), prevalecia uma perspectiva de que a moeda é apenas e fundamentalmente um meio de troca, o que significa dizer que a moeda seria neutra, uma espécie de graxa que ajuda no funcionamento dos mercados, mas que em nada afetaria a dimensão real (material) da produção e da renda. Desta perspectiva, o volume de moeda que circula na economia impactaria apenas o nível geral de preços. Emissão de moeda em excesso ou gastos financiados por endividamento público seriam assim inúteis para impulsionar a atividade econômica e prejudiciais ao bom ambiente econômico, na medida em que produziriam pressões sobre o sistema de preços provocando inflação. Logo, controlar a quantidade de moeda por meio de regras rígidas de emissão (como recomendavam os velhos monetaristas) ou pelo manejo da taxa de juros (como querem os novo-keynesianos) seria o fundamento primordial a orientar a ação governamental.

Como essa concepção um tanto simplista da moeda serve muito bem aos interesses de todos os agentes econômicos que estão na ponta credora do sistema (instituições financeiras e rentistas de um modo geral), ela foi sempre abraçada com afinco pelas classes dominantes, principalmente a partir dos anos 1970, quando o padrão de regulação da ordem econômica internacional de Bretton Woods foi desmantelado, abrindo o flanco político para a emergência das finanças desreguladas e o império dos rentistas.

Nessa toada, o mundo seguiu aos trancos e barrancos até a grande crise financeira de 2008, que não só explicitou o fracasso daquela ordem desregrada, como ensejou políticas emergenciais que jogaram na lata do lixo toda a construção teórica que vinha sendo lapidada pelos novo-keynesianos e sua certeza na moeda neutra. Para socorrer os bancos que iam a pique empapuçados de títulos podres, os governos dos países centrais (principalmente dos Estados Unidos) passaram a comprar seus micos com um apetite ciclópico, inundando de liquidez as praças financeiras e salvando os bancos privados do colapso. A essa solução deu-se o nome de quantitative easing (QE), termo em inglês que pode ser traduzido por “laxidão monetária”. Com ela, a crise não engoliu o capitalismo, nem o capitalismo engoliu a crise. Entretanto, o que mais intrigou os economistas convencionais, até então fieis ao mantra da moeda neutra, é que a avalanche de dinheiro circulando no mundo ao lado de taxas de juros próximas de zero não tiraram a inflação do rés do chão, embora muito tenham contribuído para inflar os preços dos ativos (reais e financeiros).

Intrigada com teimosia mundana de trilhar caminhos não prescritos pelos manuais de economia, a ortodoxia econômica voltou aos livros em busca de interpretações alternativas a respeito das funções da moeda. Acabou trazendo à tona teorias que apontavam a função “unidade de conta” como aquela que deveria ser considerada a primordial. Resgataram assim a MMT (modern monetary teory) dos anos 1990 e com ela, toda a velha ladainha sobre a relação entre excesso de moeda e inflação passou a ser fortemente questionada. Mais do que isso, corretamente, os economistas da MMT jogaram luz sobre um aspecto contra intuitivo do capitalismo que é fundamental para se compreender o seu real metabolismo: a quantidade de moeda não é controlada pelos governos ou pelos bancos centrais, mas gerada endogenamente, isto é, por dentro do circuito financeiro na medida em que há maior ou menor demanda por crédito. Como bem observa Lara Resende “sua expansão ou contração [da moeda] é consequência, e não causa, do nível da atividade econômica”.

Como decorrência lógica dessa concepção um tanto mais realista das funções da moeda, uma segunda conclusão que obrigatoriamente vem sendo resgatada diz que, se não é cabível satanizar o excesso de moeda, então também deixa de ser problema o fato dos governos se endividarem, vendendo títulos da dívida pública (que são uma variante da moeda) para aumentarem os seus gastos e estimularem a demanda.

Ora, ora, se assim for – e a história do capitalismo demonstra com fartura de evidências que assim é – então o setor público não precisa lidar com as impertinências da restrição financeira, podendo avançar os seus gastos muito além da sua capacidade de arrecadação. Keynes e Kalecky já haviam tratado disso – e muito mais! – há quase noventa anos, mas estranhamente a ortodoxia preferiu descartar suas profícuas reflexões, apostando na ideia de que todos os agentes econômicos, inclusive o Estado, se movem segundo as mesmas regras universais, notadamente a da restrição financeira.

Deve-se reconhecer, portanto, que o despertar de Lara Resende para este “novo” entendimento da macroeconomia tem o mérito de trazer um debate que nas últimas décadas rastejava pelo campo da heresia para o centro do ninho das garças, digo, do clube de economistas liberais brasileiros que cuida de azeitar os argumentos da corrente dominante neste nosso fim de mundo. Se for finalmente derrubado o tabu teórico que pregava limites espartanos para o gasto público, poder-se-á abrir uma avenida no campo da política econômica para se avançar rumo ao pleno emprego e ao financiamento do Estado de Bem Estar Social.

É de se lamentar, entretanto, que tanto Lara Resende quanto os economistas que hoje se entusiasmam com as revelações da MMT não avancem como poderiam. A bola segue quicando na frente do gol, mas eles preferem ignorar o fato incontornável de que a moeda cumpre uma outra função – a mais crucial das três – na ordem capitalista: a de “reserva de valor”. Vejamos qual seria então o busílis da questão.

Primeiramente, vale notar que por ser uma modalidade de ativo com qualidades muito especiais (liquidez plena, grande mobilidade, fácil entesouramento, dentre outras), a moeda é o porto seguro para onde a riqueza se transmuta sempre que sente cheiro de crise e, também, é o cálice sagrado que abriga mais ou menos quinhões de capital quando seus possuidores não estão seguros quanto às alternativas de acumulação produtiva que se apresentam no cenário. Keynes, lendo em Marx o problema do salto mortal da mercadoria (i.e., da sempre possível e ameaçadora não realização da produção) denominou esse traço de caráter dos capitalistas como “preferência pela liquidez” e demonstrou que nele reside a mãe de quase todos os problemas que cercam esse colérico sistema em que estamos metidos.

Como deveria parecer óbvio a todo aquele que pisa a calçada da rua, o ambiente econômico que aflora da dinâmica capitalista é atravessado do início ao fim por inescapáveis incertezas, pois nada pode garantir que as inversões produtivas alcancem plenamente o lucro que era planejado no momento em que se decidiu imobilizar capital. Se assim for, deve-se considerar que ao menos uma fração do capital não seja empenhada em processos de acumulação produtiva, ficando preservada em sua forma líquida (olha a moeda aí!). O problema é perturbador porque, embora cada capitalista individual possa decidir soberanamente o quanto de sua riqueza deseja imobilizar em um processo de acumulação produtiva (comprando trabalho, máquinas e insumos), é ao mesmo tempo incapaz de controlar ou sequer prever o quanto de capital será investido pelo conjunto da classe capitalista. Dessa anarquia das decisões de investir, resultam dois problemas da maior gravidade: (1) periódicas e imprevisíveis crises de acumulação e (2) a prevalência de um padrão comportamental que prima pela aversão ao risco, cujo reflexo em termos agregados é a tendência ao subemprego das forças produtivas.

Dito isso, e partindo do entendimento de que a função “reserva de valor” não apenas deve ser considerada, como deve ser percebida como crucial na formulação das políticas econômicas, vale refletir sobre certas implicações desta particular função da moeda no campo da economia política.

Por servir como “equivalente geral da riqueza” que, em última instância, permite estabelecer o balanço entre as relações de propriedade em nossa sociedade, a moeda atua como a chave de comando (o comutador) que estabelece as hierarquias de poder entre países, blocos de capital, modalidades de ativos e classes sociais. Não por outra razão, a gestão da moeda, ou melhor, a manutenção artificial de sua escassez, é antes de mais nada um instrumento político, de preservação do valor relativo da riqueza e, consequentemente, da luta de classes. Por isso, ao contrário do que propõe a autocrítica tardia e meritória de Lara Resende – e de seus colegas da MMT –, o anacronismo do pensamento econômico dominante não deve ser imputado a equívocos teóricos que por ventura lhes encantavam, mas antes à sua pertinência para manter o jugo do capital sobre os interesses gerais da sociedade.

Em outras palavras, o que Lara Resende não se atreve a dizer – e talvez até mesmo conceber – é que o debate em torno da gestão da moeda é tão somente a epiderme de um conflito muito mais profundo e crítico a respeito do poder relativo das classes no capitalismo. Para o polo dos possuidores da riqueza, não apenas é imprescindível manter o torniquete privado (i.e., o banco central independente) regulando a quantidade de moeda que circula na economia, como é fundamental guardar em segredo o poder que dispõem de decidir acumular riqueza em forma líquida (eis a moeda como reserva de valor), especialmente quando a produção se esfarela e o desemprego grassa.

 

*Marcelo Manzano é economista, doutor em Desenvolvimento Econômico pela Unicamp, pós-doutorando do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (Cesit/IE/Unicamp) e coordenador da Maestría Estado, Gobierno y Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO Brasil).

A busca da economia ética, por Jospeh Stiglitz

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É através do nosso sistema político que as regras da economia são estabelecidas, e quando os resultados dessas regras são inaceitáveis – como na crise de 2008 – as consequências devem ser abordadas e resolvidas através de mudanças radicais.

Agora está claro que algo está fundamentalmente errado com o capitalismo moderno. A crise financeira global de 2008 mostrou que o sistema atualmente construído não é nem eficiente nem estável. Se uma série de dados ainda não nos convenceu de que, durante quarenta anos de crescimento econômico lento nas economias avançadas, os benefícios foram majoritariamente superiores aos 1% – ou 0,1% -, os votos anti-establishment nos Estados Unidos e no Reino Unido certamente deveria. Os principais economistas, governadores dos bancos centrais e políticos centristas de Blair e Clinton, que nos colocaram e mantiveram esse curso sombrio e declararam confiantemente que a globalização e a liberalização do mercado financeiro trariam crescimento sustentado e benefícios financeiros para todos, foram profundamente desacreditados.

Considerando a devastação provocada por políticas financeiras equivocadas, ao longo da última década em particular, poder-se-ia razoavelmente esperar uma revolução na profissão de economia semelhante à keynesiana no rescaldo da Grande Depressão. Mas tendemos a esquecer que, nos anos 1930, à medida que a economia afundava cada vez mais na depressão, muitos economistas nos EUA e no Reino Unido se atinham ao laissez-faire. Os mercados se corrigiriam, disseram eles; não há necessidade de se intrometer. E mesmo depois de John Maynard Keynes brilhantemente articulado o que estava errado, e como as ações do governo poderiam corrigir as coisas, um grande número de economistas não queria seguir suas prescrições, por medo ideológico de intervenção excessiva do governo. Portanto, não é surpresa, na verdade, que a resposta da profissão de economia à crise de 2008 tenha sido lenta e hesitante.

É assim que a disciplina funciona. Cinco anos antes da crise, o economista ganhador do Prêmio Nobel, Robert Lucas, capturou o espírito da profissão quando afirmou orgulhosamente que “a macroeconomia… teve sucesso: seu problema central de prevenção da depressão foi resolvido, para todos os efeitos práticos, e tem de fato resolvido por muitas décadas ”. Para ser claro: com isso, Lucas não quis dizer que o problema havia sido resolvido por Keynes e seus discípulos, mas pelos seguidores de outro ganhador do Prêmio Nobel, Milton Friedman, no que veio a ser chamado de “nova economia clássica” e “negócios reais”, “ciclos ”(essencialmente a ideia de que choques econômicos são respostas eficientes do mercado). E enquanto muitos desses economistas friedmanistas permaneceram extraordinariamente aquiescentes após a crise, a ideologia e os conjuntos de crenças que eles impulsionaram e que têm responsabilidade significativa pela crise permanecem vivos e bem.

É por isso que esses três livros bem escritos de eminentes estudiosos são muito bem-vindos. Juntos, eles montam um ataque convincente à ortodoxia estabelecida – convencendo, pelo menos, àqueles que não estão ligados às teorias desacreditadas – e propõem remédios para corrigir algumas de suas falhas. Suas idéias, muitas delas originais e intrigantes, fornecem uma base para a tão necessária reforma de nossa economia e da profissão econômica. Paul Collier, por exemplo, em O Futuro do Capitalismo: Enfrentar as novas ansiedades propõe um imposto não apenas sobre a terra urbana – sobre as rendas que se acumulam como resultado do aumento da produtividade da aglomeração econômica em nossas prósperas cidades – mas sobre as altas renda dos trabalhadores urbanos que compartilham dessa prosperidade (veja o artigo de Collier no TLS, 27 de janeiro de 2017). Mesmo assim, mesmo tomadas em conjunto, essas idéias estão longe de ser abrangentes ou suficientemente desenvolvidas para fornecer um paradigma alternativo às doutrinas econômicas neoliberais que predominaram nas últimas décadas.

Nosso atual sistema econômico é freqüentemente chamado de capitalismo, um termo – como Fred L. Block aponta no Capitalismo: O futuro de uma ilusão – que a esquerda uma vez usou pejorativamente e a direita agora defende como se fosse uma estrutura imutável e nobre que proporciona um crescimento milagroso e interminável, do qual todos se beneficiam, ou se apenas o governo não interferisse. Mas todas as premissas subjacentes deste termo são erradas: nenhuma economia, e certamente nenhuma economia moderna, tem um setor privado que funciona no vácuo. O governo está bem ao lado dele, promulgando regras e regulamentos, reforçando os padrões comerciais, apoiando o sistema bancário e estabilizando a economia de mercado. O capitalismo não é um sistema rígido. Está sempre mudando. E as promessas feitas por seus defensores mais redutivos – de que a desregulamentação, a privatização e a globalização trarão o bem-estar para a maioria dos cidadãos em todos os países – provaram estar terrivelmente erradas. (A globalização, para seu crédito, contribuiu para a enorme diminuição da pobreza global: os sucessos na Ásia Oriental, em particular na China, onde cerca de 740 milhões foram retirados da pobreza, não teriam sido possíveis sem ela. a globalização mal administrada e injusta, com grandes subsídios agrícolas para as fazendas corporativas nos países avançados, prejudicou os mais pobres dos pobres: trabalhadores rurais nos países menos desenvolvidos.)

Duas outras crises acompanham a crise em nossa economia. O primeiro é uma crise em nossa democracia, pois os dois são inseparáveis. É através do nosso sistema político que as regras da economia são estabelecidas, e quando os resultados dessas regras são inaceitáveis – como na crise de 2008 – as conseqüências devem ser abordadas e resolvidas através de mudanças radicais. E esses tipos de mudanças têm que ser feitos através do sistema político – caso contrário, as coisas só vão piorar, especialmente quando uma terceira crise de interconexão é levada em consideração: o meio ambiente. Infelizmente, nenhum desses livros enfrenta o fracasso do nosso sistema em abordar a questão existencial do momento: a mudança climática.

Em um nível, eu simpatizo com o chamado de Collier para me afastar da ideologia e do extremismo, e sua ênfase no pragmatismo. Ele é um centrista de esquerda forte, moralmente motivado e se opõe aos excessos de ambos os extremos. Afinal, qualquer estudante de revolução sabe onde essas ideologias quase inevitavelmente levam. Mas foi o pragmatismo – o pragmatismo de Tony Blair e Bill Clinton, apoiado pelo que eles chamariam de “políticas baseadas em evidências” – que nos ajudaram a entrar na bagunça atual, e o incrementalismo não nos levará para fora. Quando sua geração e a geração de seus pais estavam crescendo, a era progressista da América e o New Deal trouxeram mudanças radicais (embora, para todos os epítetos lançados contra eles, longe de serem revolucionários) das quais todos nós nos beneficiamos enormemente. Da mesma forma, na Grã-Bretanha, as reformas foram feitas durante o governo trabalhista pós-guerra de Clement Attlee. O mesmo vale para a macroeconomia keynesiana. Todas essas políticas transformaram nossa concepção do papel do Estado e nos mostraram as possibilidades, até mesmo as necessidades, da ação coletiva. Imagine quão pior seria o mal-estar de hoje se não fosse pelas ações radicais das gerações anteriores.

Collier começa seu livro com uma descrição contundente das divisões que separam tantos países desenvolvidos, divisões entre cidades prósperas como Londres e Nova York e cidades provinciais e áreas rurais, e entre as elites educadas e os cidadãos com escolaridade limitada. Não muito tempo atrás, a teoria econômica predominante era “convergência”. Isso argumentava que havia forças econômicas subjacentes que reduziriam as discrepâncias na renda entre diferentes lugares, à medida que o capital se deslocava dos países ricos para os pobres, dos trabalhadores dos países pobres para os ricos e o comércio elevava os salários não qualificados nos países em desenvolvimento e nos países desenvolvidos. . Este último ponto raramente foi enfatizado – pois previu que a globalização por si só, sem intervenções governamentais significativas, incluindo a redistribuição, poderia deixar piores as grandes regiões dos países avançados. Mas o raciocínio era direto, e deveria ter sido óbvio para qualquer um que tivesse tomado um curso de iniciante em economia: mão-de-obra e, especialmente, mão-de-obra não qualificada, era relativamente abundante em países em desenvolvimento e emergentes, o que significava que esses países seriam exportadores líquidos. bens com uso intensivo de mão-de-obra (especialmente bens que requerem mão-de-obra não qualificada) para países avançados. Como a produção desses bens declinou nos países avançados, a demanda por mão-de-obra (especialmente a mão-de-obra não qualificada) diminuiu, levando a salários mais baixos e desemprego mais alto. Como Collier nos mostra, em vez da convergência geral prevista, a evidência agora sugere um quadro mais complexo, com os mercados emergentes convergindo para os países avançados, enquanto as brechas se ampliam entre os cidadãos mais pobres e mais ricos dentro e entre os países.

Robert Skidelsky, cujo dinheiro e governo: Um desafio para a economia mainstream é mais voltado para economistas do que os outros dois livros em análise, concentra sua atenção em fracassos macroeconômicos – a incapacidade da economia para evitar crises decrépitas e seu corolário, alto desemprego. A crise de 2008 mostrou vividamente que Lucas estava errado. As flutuações que fizeram parte do capitalismo desde o início ainda estavam conosco. Enquanto economistas da direita, como Friedman, por muito tempo culparam o governo por essas flutuações – e nos Estados Unidos o fizeram novamente depois de 2008 – a esmagadora evidência mostra que os delitos do setor financeiro privado foram responsáveis ​​por provocar a recessão global. Naturalmente, o que o governo fez e o que não fez moldou as conseqüências dos fracassos do setor privado: a recusa do governo dos EUA de resgatar o Lehman Brothers desencadeou a crise financeira, enquanto a subsequente intervenção governamental impediu que a crise se transformasse em outra Grande Depressão. Aqueles que, como eu, criticam o resgate por causa do modo como foi feito, e não pelo fato de que foi feito. Poderíamos ter salvado os bancos e seus depositantes sem socorrer os banqueiros e seus acionistas e detentores de títulos. Skidelsky argumenta convincentemente que a desaceleração teria sido ainda mais bem administrada se os conservadores no Reino Unido e os republicanos nos EUA não mantivessem a política fiscal. Com taxas de juros reais negativas (taxas de juros ajustadas pela inflação) em meio à crise, esse era precisamente o momento para investimentos públicos robustos. Nas primeiras semanas de seu governo, em fevereiro de 2009, Barack Obama aprovou uma medida de estímulo aprovada pelo Congresso, no valor de US $ 787 bilhões, que incluiu gastos significativos em infraestrutura e seguiu isso com várias medidas menores, mas dada a escala, escopo e duração provável. da recessão, era improvável que a economia retornasse rapidamente ao pleno emprego. (Eu disse isso na época, e eventos subseqüentes provaram que isso era verdade.) Enquanto estava sob o Partido Trabalhista, o Reino Unido tinha medidas expansionistas mais modestas, que foram revertidas sob o governo de coalizão de David Cameron em 2010. Mesmo se a real “austeridade” fosse por vezes, menos grave do que aquilo que foi reivindicado, constituiu uma mudança na direcção errada, e o Reino Unido sofreu, como resultado, demorando muito tempo a emergir da recessão e depois a registar anos de crescimento lento. A noção de uma “contração expansionista” provou ser a quimera que economistas como Skidelsky disseram que seria. Haveria um duplo dividendo – rendas mais altas hoje e no futuro.

Até mesmo os republicanos da América concordaram que esse investimento era muito necessário. Alegadamente, eles se preocuparam com o déficit resultante, que é o que os reteve; no entanto, não foi o déficit, mas a ideologia que impulsionou sua oposição à política fiscal: eles queriam impedir que o Estado assumisse um papel crescente. Apesar da tão alardeada promessa de Donald Trump de investir em infra-estrutura, isso não parece ser algo que ele, e certamente seus colegas republicanos, levaram a sério, e sua mais recente (ainda não realizada, e com virtualmente zero sua proposta, em fevereiro, para injetar US $ 200 bilhões fica bem aquém das várias promessas de trilhões de dólares que ele fez na campanha. Em contraste, quando, no primeiro ano da presidência de Trump, os republicanos tiveram a oportunidade de cortar impostos para bilionários e corporações, eles o fizeram com entusiasmo – mesmo quando aumentaram enormemente o déficit: até 2022, os EUA são esperados pelo Orçamento do Congresso. Escritório terá déficits de US $ 1,1 trilhão de dólares, totalizando quase 5% do PIB. E enquanto as estimativas oficiais colocam o aumento total do déficit nos próximos dez anos em cerca de US $ 1,5 trilhão, elas se basearam em cenários de crescimento que já estão perdendo sua credibilidade. Se o crescimento se mostrar mais fraco do que os números rosados, os déficits e a dívida aumentarão.

Todos os três livros dão destaque ao papel da batalha de idéias, explicando como as teorias equivocadas venceram a era de Reagan e Thatcher em diante. Block, por exemplo, detalha o papel desempenhado por vários equívocos sobre nosso sistema econômico e político, começando com o fundamentalismo de mercado (o que eu refiro em meu livro, Globalization and Its Discontents, 2002, como a crença quase religiosa de que os mercados, por conta própria , são eficientes, estáveis e, em certo sentido, justas). Ele mostra com razão que, sem as restrições do governo, os ricos e poderosos moldam o capitalismo para obter vantagem, minando a competição e explorando os outros, acabando por minar o próprio sistema capitalista. Adam Smith reconheceu isso, mas seus seguidores nos últimos dias parecem esquecer-se disso.

Aqui, Skidelsky se junta à sua análise macroeconômica: não há presunção, argumenta Skidelsky, que as economias de mercado obtêm o equilíbrio certo – ou seja, demanda agregada suficiente para garantir pleno emprego sem inflação, uma espécie de economia de ouro de não muito pouco, não muito Muito de. Jean-Baptiste Say afirmou em 1800 que os mercados atingem essa economia de Cachinhos Dourados; a história mostrou que ele estava errado. Keynes, seguindo uma série de escritores anteriores, incluindo John Stuart Mill, explicou as falácias da teoria de Say. Skidelsky acrescenta a essa refutação uma exposição clara e útil: os indivíduos, especialmente quando enfrentam altos níveis de incerteza sobre o futuro, podem decidir converter o poder de compra que ganham da produção de bens em dinheiro, ou, ainda, em qualquer bem não produzido, como a terra. Nesse caso, a demanda agregada por bens produzidos será menor que a oferta. Os macroeconomistas modernos “resolvem” o problema assumindo-o: os modelos-padrão presumem que, de algum modo, a economia está em equilíbrio, com a demanda por trabalho e bens de alguma forma apenas igualando a oferta. O fato de alcançarmos esse belo equilíbrio é, como a crença na própria eficiência do mercado, uma questão de profunda convicção religiosa e o caminho que seguimos para chegar a uma questão de revelação mística. Se surgir um problema nesta teoria abrangente – se houver desemprego, por exemplo – a resposta é simples: culpe a vítima, significando trabalhadores, por exigir salários muito altos, ou migrantes, por inundar o mercado de trabalho. Se apenas os salários fossem suficientemente flexíveis, diz a teoria, ou fronteiras suficientemente proibitivas, a economia estaria sempre em pleno emprego. E se tudo o mais falhar, culpe o governo por estragar tudo.

Como Block coloca, há uma ilusão de que a democracia ameaça a economia; isso levará o governo a inevitavelmente estragar as coisas. Friedman tentou culpar a Grande Depressão pelas políticas equivocadas dos bancos centrais: sua contração da oferta monetária, argumentou ele, foi o que derrubou a economia. Sua análise é agora entendida como ilusória. E o que aconteceu depois do colapso do Lehman Brothers pode fornecer a prova mais convincente. Ninguém poderia imaginar até que ponto os bancos centrais em todo o mundo expandiram a oferta monetária em 2008 e 2009, e ainda assim o mundo experimentou uma profunda recessão. Assim, também, a direita hoje tentou culpar a recessão de 2008, com suas origens na crise do subprime, no incentivo do governo à propriedade imobiliária. E mais uma vez os argumentos foram refutados: ninguém forçou os bancos a fazer empréstimos ruins, a emprestar uma quantia que estava além da capacidade de pagamento dos compradores – na verdade, mesmo encorajando a casa própria, o governo também encorajou a prudência. A Comissão de Inquérito da Crise Financeira, nomeada pelo Congresso para investigar as causas da crise, concluiu que esses programas de propriedade não foram os fatores que originaram a crise financeira; foram as más ações do setor financeiro privado.

Ao mostrar que a intervenção do governo pode evitar os piores excessos do desemprego, Keynes, sem dúvida, salvou o capitalismo, e o mesmo deve ser verdade hoje em dia. O capitalismo deformado, no qual a renda sobe para os que estão no topo, enquanto os salários estagnam e a qualidade de vida se desintegra para a maioria dos cidadãos – um estado de coisas apenas aumentado desde 2008 – não é política ou socialmente sustentável. Se o capitalismo deve ser salvo, o governo terá que mostrar que pode ser reformado, que o capitalismo pode proporcionar prosperidade para todos ou pelo menos para a maioria dos cidadãos.

Há muitos elementos dessa agenda de “reforma”. Collier acertadamente leva as corporações modernas à tarefa por seu foco único no valor do acionista – o que muitas vezes simplesmente significa alinhar os próprios bolsos do CEO. E Block corretamente critica a doutrina da “ganância é boa”, uma idéia que na verdade tem algum pedigree intelectual. Isso aconteceu por meio de uma extensão do teorema da mão invisível de Adam Smith – de que a busca de interesse próprio de indivíduos e empresas levaria, como que por uma mão invisível, ao bem-estar da sociedade. (Como já observamos, Smith entendia as limitações dos mercados não regulamentados, observando, por exemplo, a tendência das empresas de conspirar para aumentar os preços.) Assim, as empresas deveriam simplesmente maximizar seu valor de mercado de ações, aconteça o que acontecer. Para economistas como Friedman, era errado, quase imoral, que as empresas se comprometessem com a responsabilidade corporativa, não conseguindo baixar os salários. Essa noção desempenhou um papel fundamental na reformulação das normas e do arcabouço legal em torno do capitalismo. Foi novamente uma agenda política, com fortes consequências para o crescimento e distribuição. As empresas se concentraram no que poderiam fazer para aumentar o valor das ações hoje, sem pensar no futuro. Isso levou tanto à contabilidade criativa – os investidores enganados a acreditar que as perspectivas futuras da empresa eram melhores do que de fato eram – quanto a diminuir o investimento em fábricas, equipamentos e pessoas. O foco nos retornos de curto prazo – graças às ideias de Friedman – levou a um crescimento mais lento. Uma empresa não pode ter um crescimento de longo prazo baseado em pensamento de curto prazo.

A análise de Friedman baseou-se em argumentos superficiais que, na época em que ele os impulsionou, já haviam sido desacreditados por avanços simultâneos na teoria econômica. Por exemplo, a doutrina da “ganância é boa” foi refutada pelo trabalho (feito na segunda metade do século passado por Kenneth Arrow, Gérard Debreu, Bruce Greenwald e eu) que mostrou que as condições sob as quais o teorema da mão invisível de Smith era true eram tão restritivas que tornavam o teorema irrelevante como uma questão prática. Em suma, esta pesquisa mostrou que os mercados não eram eficientes em geral sempre que a informação era imperfeita e os mercados incompletos – o que é sempre. Se alguém precisasse de evidências empíricas de que a ganância desenfreada era ruim para a economia, bastava olhar para as ações dos banqueiros no período que antecedeu a recessão de 2008: sua voracidade levou a economia global à beira da ruína. Mais uma vez, legisladores, legisladores e políticos pró-negócios da direita não prestaram atenção: seus argumentos econômicos eram simplesmente uma fachada, um meio para um mercado menos regulado que lhes proporcionaria mais oportunidades de lucros, mais chances de explorar e tirar vantagem de outros. .

Uma força desses três livros é que eles saem dos limites estreitos da economia. Essa abordagem é natural para Block, que vem de um departamento de sociologia e cuja visão está profundamente enraizada no trabalho do pensador vienense Karl Polanyi. Mas também não é surpresa para Collier, um eminente economista de desenvolvimento que está particularmente interessado em reconciliação pós-conflito e conflito. Collier reconhece que o colapso econômico é causa e conseqüência do colapso social; mas ele é rápido demais para culpar o paternalismo, os utilitaristas e os globalistas pelas doenças da sociedade. Há razões mais profundas para isso – por exemplo, o colapso do engajamento cívico e o sentimento de isolamento que permeia. Há muitas explicações estruturais que considero mais plausíveis do que aquelas que Collier foca, incluindo os impactos de muitas das novas tecnologias, os extremos do individualismo enfatizados pelo Reaganismo / Thatcherismo e as vertentes dominantes do neoliberalismo, e o declínio da confiança pública por eventos como as guerras do Iraque e do Vietnã e Watergate.

Collier acredita que uma catastrófica falta de moralidade – evidenciada pela ganância é boa doutrina – está no cerne do capitalismo moderno. Ele pede uma família ética, uma empresa ética e uma globalização ética. Essa é a abordagem correta, mas, embora possamos discutir se ele definiu esses conceitos adequadamente, ou até mesmo forneceu bases filosóficas suficientes, a questão central é: como podemos alcançar essa sociedade ética? Collier não responde de forma persuasiva, nem vai longe o bastante para expor os lapsos éticos das economias e sociedades capitalistas do século XXI. Afinal de contas, o que podemos dizer sobre a ética de uma sociedade que parece estar disposta a comprometer a saúde e o bem-estar das futuras gerações ao consumir, com carência, mais bens materiais intensivos em carbono hoje? Os manifestantes de colete amarelo em Paris, enquanto clamam contra um imposto verde progressivo destinado a garantir o futuro do planeta, estão, com razão, imaginando como terão dinheiro suficiente para chegar ao final do mês. O que mostra que um capitalismo verdadeiramente ético deve abordar simultaneamente a desigualdade estrutural e o meio ambiente. O tempo não está do nosso lado. O tipo de pragmatismo e centrismo defendido por Collier não servirá se quisermos reagir com prudência aos riscos reais que enfrentamos. O Green New Deal, proposto por um grupo de jovens democratas nos EUA, está mais próximo da meta: uma mobilização de recursos da magnitude que cabe à tarefa e feita de forma a reestruturar a economia para que os “coletes amarelos” do mundo ”Não estão mais vivendo as vidas precárias que foram. Eu acredito que esses jovens democratas estão certos. De fato, haveria um enorme aumento na renda nacional se eliminássemos a discriminação e o desemprego, reformassemos nossos mercados de trabalho para facilitar que mais mulheres e trabalhadores mais velhos participassem em igualdade de condições no local de trabalho e reduzissem as distorções decorrentes de empresas com mercado. poder. Este aumento de renda seria um longo caminho no sentido de fornecer os recursos necessários para o Green New Deal. Sem dúvida, precisaríamos fazer mais: redistribuindo recursos – inclusive reduzindo o consumo excessivo e conspícuo dos ricos por meio de impostos mais progressivos e reduzindo o efetivo militar (a segurança global é a ameaça real à segurança no longo prazo). Essa agenda alcançaria não apenas um crescimento maior, mas uma prosperidade mais equitativa e sustentável.

Collier está certo em se preocupar com o extremismo, e o nativismo e a fealdade sintetizados por Trump – o que Collier chama de “nacionalismo excludente”. Mas seu diagnóstico da causa principal é equivocado. Ele conclui seu livro com o seguinte argumento: “Evitando o pertencimento compartilhado e o patriotismo benigno que ele pode apoiar, os liberais abandonaram a única força capaz de unir nossas sociedades aos remédios. Inadvertidamente, imprudentemente, eles o entregaram aos extremos charlatães, que estão alegremente torcendo-o para seus próprios propósitos distorcidos ”. Esta posição parece injusta. Esses não são os liberais que conheço, que lutaram para enriquecer a vida coletiva de nossas nações. Uma pessoa pode ser cidadã do mundo, cidadã do país e da mesma cidade ao mesmo tempo. Os economistas – e especialmente os liberais – reconhecem há muito tempo a importância do capital social e da confiança, a cola que não apenas mantém a sociedade unida, mas faz a economia funcionar.

Não é inevitável que nossa economia de mercado misto continue em sua forma atual no Reino Unido e nos EUA. De fato, podemos olhar para um capitalismo mais temperado na Escandinávia e, pelo menos de tempos em tempos, em outros lugares: o atual governo da Nova Zelândia está mostrando o caminho. Até mesmo seu orçamento é formulado em termos de “bem-estar” nacional. Os EUA e o Reino Unido talvez tenham liderado o caminho errado ao criar uma versão extrema do capitalismo, muitas vezes em nome de doutrinas neoliberais aparentemente “centristas” e pragmáticas. Há pouca dúvida em minha mente de que podemos criar um capitalismo mais ético, projetado para moldar uma sociedade mais desinteressada – e o resultado será uma sociedade menos povoada por indivíduos egoístas. Mas isso não vai acontecer sozinho. E isso não vai acontecer com palestras corporativas sobre responsabilidade social. As corporações são especialistas em greenwashing, ou alegam falsamente ser ambientalmente responsáveis, porque é um bom negócio. A Apple e a Starbucks falam sobre responsabilidade corporativa e, em algumas esferas, agem com responsabilidade. Mas a verdade subjacente é a seguinte: onde Collier enfatiza a importância da obrigação mútua, a Apple, a Starbucks e muitas outras multinacionais estão dispostas a aceitar, mas não a retribuir em igual medida. O primeiro elemento da responsabilidade social é pagar seus impostos, e essas empresas e outros como eles empregaram a mesma engenhosidade que usaram para produzir produtos melhores para evitar a tributação.

É por isso que a criação deste novo sistema só acontecerá através da política – o que, por sua vez, é o motivo pelo qual o futuro do capitalismo, nossas democracias e o mundo estão inextricavelmente ligados. Vimos o que o capitalismo disforme tem feito às democracias nos EUA e em outros lugares e como as perversões eleitorais resultantes distorcem nossas economias. A triste realidade é que as coisas podem piorar. O presidente Jair Bolsonaro do Brasil é apenas o mais recente autoritário no cenário global.

Se quisermos alcançar um capitalismo ético, precisamos de uma política ética, que respeite os princípios básicos dos valores democráticos. Novamente, isso não é provável que aconteça sozinho. Podemos ver isso claramente nos EUA, onde a direita tem se engajado em uma agenda sistemática de privação de direitos e desempoderamento – limitando o voto aos cidadãos que se opõem às ideias da direita, limitando a capacidade dos opositores de traduzir votos em poder político, e limitando o que pode ser feito se seus oponentes obtiverem poder político (ou como Nancy MacLean colocou em seu livro com esse título, colocando “a democracia acorrentada”; ver TLS, 6 de julho de 2018). Isso é especialmente fácil nos EUA, onde a Suprema Corte altamente politizada julga à direita ler na Constituição novos direitos para os ricos e menos direitos para os cidadãos comuns: por exemplo, o direito das corporações ricas de fazer contribuições de campanha desenfreadas enquanto circunscrevem os direitos dos cidadãos. trabalhadores para organizar ou indivíduos para processar corporações que abusaram deles. Mesmo os democratas de alguma forma conseguiram superar as desvantagens eleitorais gerrymandering, o Senado dos EUA (em que populações em pequenos estados são super-representados) e o colégio eleitoral (que assegurou que ambos os presidentes republicanos eleitos neste século assumiram o cargo com uma minoria de votos ), eles só poderiam mudar essas e outras políticas obtendo novas decisões da Suprema Corte.

Esses três livros naturalmente atribuem um papel fundamental ao poder das idéias. Mas os interesses também importam. A economia tem a ver com crescimento, mas também com batalhas distributivas – e, como ilustra a devastadora Lei de Cortes de impostos e Empregos de Trump, de 2017, a última mostrou-se mais importante do que ideias ou crescimento. Um pequeno estado é uma serva para esses interesses. Os cidadãos com poder econômico simplesmente não querem um estado que os impeça de exercer esse poder. As empresas que exploram outras pessoas não querem um governo capaz de impedi-las de se envolver em atividades nefastas ou de redistribuir seus ganhos ilícitos. As empresas de petróleo, produtos químicos e carvão não querem um estado poderoso o suficiente para impedi-los de destruir nosso planeta.

Em suas tentativas de circunscrever o Estado, a direita também destrói a capacidade de uma nação de fazer o que deve para que todos os seus cidadãos prosperem. Os enormes aumentos nos nossos padrões de vida nos últimos 250 anos são baseados em avanços no conhecimento – cuja base é a pesquisa básica – um bem público que deve ser fornecido publicamente através de universidades e outras instituições de pesquisa financiadas pelo setor público. Nossa prosperidade também repousa sobre organização social, nosso estado de direito, democracia e sistemas de freios e contrapesos, todas as funções públicas essenciais. Em seu egoísmo, mesmo aqueles que estão no topo podem estar se prejudicando: eles estariam melhor com uma fatia menor de um bolo maior e, como todos os outros, se beneficiariam de uma economia e sociedade mais estáveis e sustentáveis. Para não mencionar um planeta habitável.

Agora é hora de encontrar um caminho entre o incrementalismo, por um lado, e a revolução violenta, por outro. Uma mudança radical nas relações econômicas e de poder é possível. Também é existencialmente urgente. Essa é a única coisa que salvará o capitalismo de si mesmo e dos capitalistas que o destruiriam involuntariamente, e a Terra junto com ele.

A redescoberta da nação: Nacionalismo econômico volta a ser lembrado

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Luiz Carlos Bresser Pereira

A grande crise que começou em 2013 dura até hoje. No plano econômico, ela é estrutural; decorre do fato de desde os anos 1980 tanto o Estado quanto o setor privado terem perdido capacidade de investir; no plano político, ela começa com as grandes manifestações de junho de 2013 que marcaram o rompimento da classe média brasileira com o pacto democrático-popular das Diretas Já.

O rompimento da classe média decorreu da incapacidade dos governos, tenham sido eles de centro-direita ou de centro-esquerda, de retomar o desenvolvimento econômico interrompido em 1980.

A partir de 1990, no quadro da democracia, com a preferência pelo consumo imediato, os interesses financeiros prevaleceram sobre o componente desenvolvimentista do pacto, e a classe média se viu espremida entre uma classe alta, financeiro-rentista, que se beneficiava dos juros e do câmbio apreciado, enquanto os pobres eram beneficiados pelas políticas sociais e pelo aumento do salário mínimo.

O rompimento da classe média ocorreu em 2013, quando essa classe deu uma grande guinada para a direita e se submeteu ao neoliberalismo. Quando, em 2014, o PT ganhou as eleições por pequena margem, não obstante haver perdido o apoio das elites econômicas, esse partido e seu líder foram transformados em “inimigos públicos”, aprofundando a crise política. O desencadeamento de uma crise financeira e fiscal nesse mesmo ano de 2014, cuja culpa foi atribuída ao governo Dilma Rousseff, agravou essa guinada.

Ocorre, então, uma sequência de conluios que aproveitam da hegemonia neoliberal. Primeiro, o vice-presidente Michel Temer, para obter o apoio das elites e da classe média e lograr o impeachment, encomendou a economistas neoliberais o documento “Uma Ponte Para o Futuro”; ao mesmo tempo, para se legitimar as violências contra o Estado de Direito da Operação Lava Jato, o então juiz Sérgio Moro e seus procuradores escolheram o PT e Lula como seus alvos; finalmente, e segundo a mesma lógica, o candidato Bolsonaro escolheu um economista radicalmente ortodoxo, Paulo Guedes, para alcançar a Presidência.

Esses três conluios não foram apenas contra a esquerda, foram contra o Brasil. Os governos que deles resultaram colocaram todas as suas fichas em uma incompetente política fiscal procíclica de corte dos investimentos públicos, mostrando-se, assim, incapazes de adotar as políticas necessárias para a retomada do desenvolvimento econômico, enquanto procuravam vender as empresas públicas monopolistas a estrangeiros.

Hoje, o fracasso desse conservadorismo e dessa dependência radical aos Estados Unidos está minando a hegemonia neoliberal. E vemos, de repente, ressurgir a ideia da nação brasileira. Vemos intelectuais e políticos tanto na centro-esquerda quanto na centro-direita, que haviam “esquecido” o nacionalismo econômico, voltarem-se para ele —voltarem-se para uma nação que, não obstante as lutas inerentes à sociedade civil, seja capaz de unir os brasileiros em torno de um projeto nacionalista e desenvolvimentista.

Não há desenvolvimento econômico sem nacionalismo econômico, mas o nacionalismo implica um projeto de desenvolvimento econômico que tenha como principal característica macroeconômica a rejeição radical de déficits em conta corrente que a taxa de câmbio apreciada gera no longo prazo. Não basta para um país a competitividade técnica (a produtividade); é preciso que o país tenha também competitividade monetária, ou seja, uma taxa de câmbio competitiva que assegure às empresas brasileiras igualdade de condições na concorrência com as empresas de outros países.

Não basta ser contra a venda dos móveis da família. É preciso que a família brasileira abandone a não-política de um regime econômico voltado para o consumo e o substitua por um regime de política econômica voltado para a produção e a competitividade. O nacionalismo econômico só faz sentido quando o país, além de rejeitar a dependência, abandona a preferência pelo consumo imediato e se dispõe a competir no nível internacional.

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)

Pensamentos, influências e as companhias espirituais

Os teóricos da autoajuda sempre destacaram a importância do pensamento positivo para o equilíbrio emocional e para as conquistas que cada pessoa almeja nesta sociedade, o pensamento tem uma importância central para a vida dos indivíduos, aqueles que controlam seu pensamento e vibram de forma positiva conquistam tudo que querem e se tornam mais eficientes e felizes, justamente tudo que almejamos em uma sociedade dominada pelo poder do dinheiro e pelos prazeres da matéria e das sensações.

O pensamento é força criadora, pensar positivamente pode auxiliar em nosso crescimento profissional, auxiliando nossas conquistas e nosso crescimento corporativo, esta fórmula a muito fora compreendida pelos teóricos da gestão e foi vendida como um grande mantra pessoal, levando muitos a acumular fortunas e prestígio na sociedade do consumo e do entretenimento.

A Doutrina Espírita, desde sua codificação, sempre destacou a importância do bem pensar, do reflexionar e do conhecimento interno para nosso crescimento e desenvolvimento pessoal, mostrando-nos a importância do pensamento como força de atração criadora e realização de sonhos e na construção de perspectivas salutares para a vida e o futuro imediato.

Como nos mostra Emmanuel, no livro Pão Nosso, psicografia de Francisco Cândido Xavier: “Pensar é criar. A realidade dessa criação pode não se exteriorizar-se, de súbito, no campo dos efeitos transitórios, mas o objeto formado pelo poder mental vive no mundo íntimo, exigindo cuidados especiais para o esforço de continuidade ou extinção”.

Num mundo marcado pela competição crescente e pela busca do prazer, onde os desejos são facilmente realizados e as condutas individuais são, na sua maioria, pautadas, pelos interesses do dinheiro e do poder material, o pensamento deve ser construído com grande intensidade pelas pessoas, como uma forma de atrair energias saudáveis para equilibrar o ambiente e buscar alcançar os ganhos da sociedade contemporânea.

Vivemos numa sociedade muito competitiva, os valores muitas vezes são deixados de lado em prol de prazeres e satisfações momentâneas, como acreditamos nos prazeres imediatos, nos esquecemos de questões espirituais mais relevantes e nos esquecemos que somos espíritos em constante evolução, embora nosso corpo físico tenha uma limitação física e temporal, nos esquecemos que, num futuro muito próximo, estaremos de volta a roupagem material em busca do crescimento e do desenvolvimento, tudo isto nos foi revelado com a publicação de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, obra basilar da codificação espírita.

Na obra, O Livro dos Espíritos, nos foi revelado que somos espíritos que habitamos corpos materiais, a verdadeira face da vida se encontra no mundo espiritual, a matéria pode ser descrita apenas como um processo de crescimento individual, um momento necessário e imprescindível para a evolução de cada indivíduo, todos somos obrigados a passar por este momento de amplo crescimento e aprendizado em busca da evolução moral, emocional e espiritual.

O pensamento nos auxilia na organização das energias que atraímos para nosso convívio, se pensamos coisas saudáveis e salutares, atraímos estas energias que nos fazem muito bem, nos ajuda em nosso crescimento e nos aproxima de bons espíritos que nos protegem e nos inspiram em atitudes e comportamentos melhores, contribuindo para nosso desenvolvimento enquanto ser humano.

As energias salutares podem ser encontradas em bons pensamentos, no hábito da oração e nas atitudes saudáveis, na caridade e nos trabalhos assistenciais. Quando agimos de forma caridosa e buscamos auxiliar as pessoas em dificuldades, estamos nos capacitando para angariar boas energias e com elas renovamos nossos sentimentos e pensamentos, trazendo para perto de nós bons espíritos e amigos espirituais.

Quando temos atitudes negativas, pensamentos grosseiros e, muitas vezes, negativos e maldosos, atraímos para nosso convívio entidades e espíritos ora dominados por sentimentos menores, estes irmãos nos geram mal-estar e nos geram constrangimentos, muitos deles podem até nos dominar e comandar nossas atitudes e nossos comportamentos.

Na sociedade atual, marcada por sentimentos hedonistas e imediatistas, onde os sentimentos de concorrência e competitividade dominam e, na maior parte das vezes, não trazem embutidos valores mais sólidos e estruturados, os sentimentos negativos e os pensamentos agressivos dominam de forma acelerada, moldando as pessoas e motivando-as intensamente.

Nesta mesma sociedade, os pensamentos negativos estão atraindo espíritos desencarnados dotados de sentimentos e pensamentos equivocados, muitos irmãos desencarnados ainda não se conscientizaram de seu estágio atual, morreram e não compreenderam o que está lhes acontecendo, muitos chafurdam na lama e desconhecem as profundidades do pântano, com isso, atraem dores e ressentimentos em escalas crescentes.

Numa sociedade doente, como a que vivemos na contemporaneidade, marcada pela busca do lucro indiscriminado e pelos prazeres do dinheiro, os espíritos estão presentes em nossa vida muito mais do que imaginamos, muitos deles nos controlam e nos dominam, fazendo com que seus pensamentos desequilibrados dominem nossas atitudes e comportamentos. Como nos foi dito em O Livro dos Espíritos, os espíritos nos influenciam muito mais do que imaginamos, enquanto nos comportamos como seres dotados de uma única vida e não encararmos de frente a riqueza do mundo espiritual, corremos o risco de perpetuar um desequilíbrio constante entre os dois polos da vida, o material e o espiritual.

O pensamento é uma fonte criadora constante, os teóricos da autoajuda entenderam esta equação muito mais rápido do que os outros mortais, seus conhecimentos podem auxiliar os indivíduos em sua renovação e crescimento íntimos, mas para que este crescimento se materialize, é fundamental que os indivíduos busquem atrair bons espíritos e boas energias, sem estas dificilmente as teorias vendidas nos mercados da literatura de autoajuda encontrará ecos e resultados auspiciosos.

A Doutrina dos Espíritos nos mostra que como somos todos espíritos envoltos em corpos materiais, necessitamos auxiliarmo-nos mutuamente, precisamos construir uma evolução conjunta, todo progresso do ser humano está envolto em um desenvolvimento coletivo, somos entidades criadas para viver em comunidade e evoluir em comunidade, todos aqueles que dificultam o desenvolvimento da sociedade são expurgados para outros mundos, como nos foi retratado por Edgar Armond em Os exilados de Capela.

Na obra acima, a espiritualidade nos leva a conhecer a trajetória dos capelinos, estes irmãos dotados de grande crescimento intelectual e tecnológico, mas desprovidos de valores espirituais e de uma ética de responsabilidade coletiva, estes espíritos estavam dificultando o crescimento de seu mundo e, com isso, foram levados a mundo mais atrasados como forma de evoluir e valorizar suas conquistas em prol da coletividade, dando maior sentido para sua existência enquanto ser espiritual, dotado de valores emocionais sólidos e consolidados.

Como nos destaca Suely Caldas Schubert, no livro Obsessão e desobsessão: Profilaxia e terapêuticas espíritas: “Na qualidade do pensamento que emitimos, que cultivamos e que recebemos dos outros, aceitando-os ou não, está o ‘mistério’ da saúde ou da doença, da paz ou do desequilíbrio”

O pensamento deve ser visto como algo central na sociedade e no processo de crescimento espiritual dos indivíduos, diante disso, faz-se necessário destacar, que pensar positivamente exige trabalho incessante para a concretização de seus sonhos e de seus desejos, o pensamento positivo sem obras e trabalho consistente não nos garante as conquistas almejados no cotidiano.

Outro ponto interessante e fundamental a ser destacado, é que muitas conquistas não se efetivam por completo, muitos sonhos e desejos não se materializam como desejamos, isto acontece porque muitos de nossos desejos e de nossas vontades não nos trariam as vantagens no médio ou no longo prazo, sendo inviabilizadas por espíritos superiores que zelam pela nossa caminhada. Muitos de nossos desejos imediatos ou caprichos materiais não se viabilizam porque nos trariam ganhos ilusórios e num prazo posterior pode nos custar muito mais caro e nos trazer prejuízos e desequilíbrios enormes, diante disso, os bons espíritos evitam que estes desejos sejam materializados.

Neste momento, é importante refletir e compreender, que muitas das nossas vontades são apenas desejos imaturos de indivíduos tolos e inconsequentes, muitos desejos se realizados no momento podem nos levar a desequilíbrios e dores intensas num futuro muito próximo, diante disso, o auxílio dos bons espíritos pode evitar que nossas vontades inconsequentes se transformem em uma realidade assustadora.

O pensamento equilibrado é uma grande conquista dos seres humanos, embora saibamos que a razão e a racionalidade estão presentes nos indivíduos a uns quarenta mil anos, sabemos que a liberdade de pensar pode nos levar a equívocos generalizados ou auxiliar-nos em progressos imensuráveis, a liberdade é uma grande benção concedida por Deus e deve vir sempre junto com a responsabilidade, para merecermos a liberdade devemos assumir a responsabilidade.

Neste mundo contemporâneo percebemos pensamentos viciados e desequilibrados, na nossa caminhada escolhemos caminhos equivocados e percebemo-nos escravos das paixões mundanas e dos desejos imediatos e nos esquecemos que somos seres em constante evolução, e esta trajetória envolve vitórias e derrotas, mas nunca devemos esmorecer e nos esquecer que somos auxiliados constantemente por uma força propulsora que tende a nos levar pra frente, uns mais rápidos do que os outros, mas todos vão alcançar o progresso.

A obsessão, muito estudada na Doutrina Espírita, pode ser descrita como o pensamento a transitar e a sintonizar nas faixas vibratórias inferiores. A desobsessão é a mudança de direção do pensamento para rumos novos e construtivos, é a mudança do padrão vibratório, sob o influxo da mente, que optou por uma frequência mais elevada.

As dificuldades do mundo contemporâneo são constantes e vencê-las é fundamental para o progresso e o crescimento espiritual, nesta jornada rumo ao desenvolvimento do espírito, o controle e a domesticação do pensamento devem ser vistos como fundamentais, pensamento positivo nos leva em direção ao progresso e nos aproxima dos bons espíritos, enquanto sentimentos viciados e inconsequentes nos afasta do progresso espiritual e nos distancia dos bons espíritos.

 

 

 

 

Corporações: já vivemos uma distopia…

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Poder global das megaempresas manipula pessoas, devasta o meio ambiente e corrompe democracias. Uma ameaça a existência humana mais devastadora — e real — que a Inteligência Artificial. Podemos superá-la?

Por Jeremy Lent | Tradução: Simone Paz

Alguns dos principais pensadores de nossos tempos vêm soltando uma série de alertas sobre a ameaça da inteligência artificial dominar os humanos. Stephen Hawking profetizou que isso poderia ser “o pior acontecimento na história de nossa civilização”, a menos que encontremos uma forma de controlar o seu desenvolvimento. O bilionário Elon Musk fundou uma companhia para tentar manter os humanos um passo à frente no que ele considera uma ameaça existencial da Inteligência Artificial (IA).

O cenário que os aterroriza é que, apesar das boas intenções, terminemos criando uma força mais poderosa do que toda a humanidade, com um sistema de valores que não necessariamente incorpora o bem-estar social dos humanos. Quando essa força atingir uma massa crítica, ela poderá dominar o mundo, controlar as atividades humanas e, essencialmente, sugar toda a vida do planeta, enquanto se otimiza para seus próprios fins. O notável futurista Nick Bostrom nos dá o exemplo de uma superinteligência projetada para fabricar clipes de papel que poderia transformar toda a Terra em uma grande instalação industrial produtora de clipes.

Estes futuristas estão certos ao falarem de suas preocupações, mas se esquecem do fato de que os humanos já criaram uma força que está no caminho de devorar a humanidade e o planeta juntos, exatamente da forma em que eles temem. É a Corporação.

“Governado por corporações”

Quando as corporações foram inicialmente criadas, no século XVII, seus fundadores — assim como os engenheiros de software modernos — acreditavam que agiam com boas intenções. Os primeiros estatutos corporativos foram feitos apenas para limitar a responsabilidade do investidor à quantia de seu investimento, portanto, encorajando-os a financiarem expedições arriscadas para a Índia e para o Sudeste da Ásia. Porém, logo surgiu uma consequência imprevista, conhecida pelo seu perigo moral: com vantagens maiores do que os prejuízos, desatou-se um comportamento imprudente, que desencadeou uma série de grandes fraudes e a falência do mercado. Com isto, as corporações foram banidas temporariamente da Inglaterra, em 1720.

Thomas Jefferson e outros líderes dos Estados Unidos, precavidos pela experiência inglesa, desconfiavam profundamente das corporações e davam a elas contratos limitados com poderes muito restritos. No entanto, no turbilhão da Guerra Civil americana, industriais se aproveitaram da desordem para alavancar e generalizar a corrupção política e, assim, expandir sua influência. “Este não é mais um governo das pessoas, feito por pessoas e para as pessoas. É um governo de corporações, feito por e para corporações”, lamentou Rutherford Hayes, que virou presidente em 1877.

As corporações se aproveitaram completamente de sua nova autoridade e passaram a influenciar legislações estatais para que emitissem contratos perpétuos que lhes dessem o direito de fazer qualquer coisa que não fosse explicitamente proibida pelas leis. O ponto de inflexão em seu trajeto para a dominação ocorreu em 1886, quando a Corte Suprema denominou corporações como “pessoas” com direito à proteção da 14ª Emenda, que havia sido aprovada para dar direitos iguais aos antigos escravos, libertos após a Guerra Civil. Desde então, a dominação das corporações só tem sido otimizada pela lei, culminando no conhecido caso do Citizen United, em 2010, que liberou as restrições de gastos políticos das corporações em eleições.

Sociopatas com alcance global

Corporações, bem como uma Inteligência Artificial potencialmente desertora, não possuem interesses intrínsecos de bem-estar humano e social. São construções legais: entidades abstratas, projetadas, acima de tudo, com o objetivo final de maximizar os retornos financeiros para seus investidores. Se corporações fossem, de fato, pessoas reais, seriam sociopatas, completamente esvaziados de empatia, que é um elemento crucial do comportamento humano normal. Todavia, diferentemente dos humanos, corporações são teoricamente imortais, não podem ir para a cadeia e, no caso das maiores multinacionais, não podem ser restringidas pela lei de nenhum país de forma individual.

Com a incalculável vantagem de seus poderes sobre-humanos, corporações dominaram o mundo, literalmente. Cresceram de forma tão acentuada que um impressionante número de 69 das 100 maiores economias do mundo não são Estados-nações, mas entidades corporativas.

Corporações têm conseguido usar seus poderes transnacionais para ditar suas próprias condições a qualquer país do mundo. Como resultado de décadas de globalização, corporações podem explorar a livre movimentação de capitais para construir fábricas em países com sindicatos mais fracos ou distribuir plantas poluentes em países com leis ambientais inconsistentes, baseando suas decisões somente na maximização dos retornos para seus acionistas. Os governos disputam entre si para tornar seus países o mais atraente possível para o investimento corporativo.

As corporações manejam seus vastos poderes para controlar a mente dos consumidores, seduzindo-os para um estado de consumo sem fim. No começo do século XX, Edward Bernays, o grande cérebro do empoderamento corporativo, apresentou seu audacioso plano de jogo como “a manipulação consciente e inteligente dos hábitos e opiniões das massas, de forma organizada”. Declarou, ameaçador, que “aqueles que manipulam este mecanismo invisível da sociedade constituem um governo invisível, que é o verdadeiro poder dominante deste país”. As tenebrosas palavras de Wayne Chilicki, diretor executivo da General Mills, demonstram como a visão de Bernays tem se perpetuado: “Quando se trata de segmentar consumidores infantis, nós da General Mills… acreditamos em capturá-los bem cedo e tê-los conosco para a vida toda”.

O resultado desta apropriação da humanidade pelas corporações é um mundo fora de controle, onde a natureza é impiedosamente saqueada para extrair as matérias-primas necessárias ao aumento dos retornos dos acionistas num vórtex de crescimento econômico infinito, sem se preocupar com a qualidade da vida humana e sem consideração pelo bem-estar das futuras gerações.

Apropriação corporativa da governança global

Em vez de serem julgados pela sua destruição voraz, aqueles que dedicam suas vidas aos importantes senhores das corporações são recompensados com riqueza e elevados cargos com maior poder e prestígio. ExxonMobil, por exemplo, foi denunciada por ter mentido descaradamente sobre as mudanças climáticas, sabendo há décadas das suas consequências e, ainda assim, ter ocultado informações — condenando, deste modo, as gerações presentes e futuras à catástrofe. Longe de ir preso, Rex Tillerson (que foi o diretor executivo da ExxonMobil durante grande parte desse período), é hoje o Secretário de Estado dos EUA e coordena as relações globais do país mais poderoso do mundo.

De fato, o atual gabinete dos Estados Unidos representa a maior dominação até então vista de corporações no governo norte-americano, com cerca de 70% dos altos cargos preenchidos por executivos corporativos. Nas palavras de Robert Weissman, presidente da Public Citizen (organização liberal progressista de advocacia de direitos do consumidor, fundada em Washington), “no governo Trump, lobistas da indústria automobilística definem a política de transporte, a Boeing tem uma posição elevada no Ministério de Defesa, Wall Street controla as políticas financeiras e as agências regulatórias e advogados de defesa corporativa ocupam os cargos-chave no Ministério de Justiça”. Corporações estão entrando em acordos internacionais, com o objetivo de alcançarem seus interesses de forma mais eficaz. No Fórum Econômico Mundial de Davos, em 2015, uma nova Global Redesign Initiative (Iniciativa de Reestruturação Global, na tradução), estabeleceu uma agenda para que as corporações multinacionais se envolvessem diretamente na governança mundial. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, apresentados com muito orgulho como uma proposta para reduzir a pobreza, em 2015, adotaram essa abordagem convidando corporações a se sentarem em sua mesa para discutir os impactos das políticas da ONU, pedindo mais globalização. Companhias de combustíveis fósseis têm se infiltrado nas conferências anuais das Nações Unidas sobre mudanças climáticas para assegurar-se de que não sejam prejudicados por algumas ações, mesmo com o planeta enfrentando as ameaças da catástrofe climática.

O fato das multinacionais terem assumido a administração mundial fez com que o bem-estar social fosse minado em todas as partes, na busca do lucro. Sem remorso algum, a Nestlé compra de comunidades rurais o domínio das reservas de água subterrânea para vendê-la engarrafada, deixando para essas comunidades a conta da limpeza ambiental e o resultado é que, em alguns países como a Colômbia, os refrigerantes são mais baratos do que a água. Como resultado dos produtos químicos vendidos por companhias globais de agronegócio, como a Cargill e a Monsanto, a ONU estima que a camada superior do solo só possa aguentar mais 60 anos de colheitas. Nestes casos, assim como em muitos outros, tanto os humanos como a terra são mera ração para o insaciável apetite de uma inteligência desumana e amoral, fora de controle.

Há uma saída

A posse da humanidade pelas corporações é tão abrangente que fica difícil visualizar qualquer outro sistema global possível. Porém, existem alternativas. Ao redor do mundo, cooperativas administradas por trabalhadores mostram-se tão eficientes quanto corporações — ou até mais — sem almejar, em primeiro lugar, a riqueza dos acionistas. A Cooperativa Mondragon, na Espanha, tem receitas que superam os 12 bilhões de euros, demonstrando que este tipo de organização pode dar muito certo.

Também há mudanças estruturais que podem ser feitas pelas corporações para realinhar seus sistemas de valores ao bem-estar humano. Contratos corporativos podem ser reformados e otimizados, para terem uma linha de fundo tripla, com resultados sociais, ambientais e financeiros — os chamados “três P”, de people (gente), planet (planeta) e profit (lucro). Uma certificação “benéfica” ou B-Corp, que mantém companhias dentro dos padrões de performance social e ambiental, está sendo cada vez mais adotada e, hoje, já é tida entre mais de 2 mil corporações em torno de 50 países.

Por fim, se queremos impedir que essa força tome o completo controle da humanidade, essas abordagens alternativas precisam ser sistematizadas para nossa governança nacional e internacional. Imagine um mundo em que contratos corporativos só pudessem ser reconhecidos se adotasse um “fundo de linha triplo” e onde processos judiciais ameaçassem os acionistas cada vez que uma companhia quebrasse uma de suas regras sociais ou ambientais. Até que isso aconteça, pode ser que o “pior acontecimento na história de nossa civilização” não seja o futuro desenvolvimento da Inteligência Artificial moderna, e sim a decisão de um grupo de políticos do século XVII, que desatou o poder da Corporação sobre uma humanidade desavisada.

Anotações sobre os sucessos e os fracassos do Plano Real

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A Economia Brasileira viveu períodos nebulosos marcados por altos índices inflacionários e desequilíbrio nos preços, gerando graves problemas econômicos, sociais e políticos, contribuindo fortemente para uma degradação nas condições sociais e um incremento considerável na desigualdade e na exclusão social, levando o Brasil a se tornar uma das economias com indicadores sociais mais degradantes da sociedade internacional.

O processo inflacionário sempre esteve atrelado aos altos gastos empreendidos pelo Estado Nacional, gastos estes que geraram fortes desequilíbrios fiscais e financeiros, inicialmente o Estado se notabilizou como o grande promotor do processo de industrialização que, no início dos anos 80, transformou a indústria nacional na mais sofisticada dentre todos os países em desenvolvimento, deixando-nos a poucos passos de um setor industrial mais complexo e dotado de tecnologias mais desenvolvidas.

Todo o processo de desenvolvimento industrial brasileiro foi construído pelo Estado Nacional, nesta empreitada os sucessivos governos foram imprescindíveis no planejamento e na orquestração de todas as variáveis centrais para uma consolidação da indústria, desde a capacitação da mão-de-obra, passando pelo financiamento monetário, os variados subsídios e incentivos governamentais, até a atração de profissionais estrangeiros dotados de bagagem teórica e conhecimentos para a transformação do setor produtivo, transformando nossa economia de bases agroexportadoras em uma economia industrializada, dinâmica e em constante evolução.

A intervenção estatal foi imprescindível para esta construção industrial, como o país não tinha recursos privados suficientes e como as taxas de retorno eram demoradas e, muitas vezes, incertas, os investimentos do Estado foram feitos via emissão monetária, levando a um excesso de moeda em circulação na sociedade e, posteriormente, a um descontrole monetário gerador de inflação e instabilidade nos preços relativos.

A inflação era uma das características do descontrole econômico, fiscal e financeiro do país, que colocava os investidores internacionais sempre em dúvida sobre as incertezas e as instabilidades do país, muitas vezes afugentando novos investimentos produtivos e gerando preocupações na sociedade internacional quanto a solvência do Estado Nacional e sua capacidade de honrar seus compromissos financeiros.

Nesta trajetória de combate a inflação, muitos planos econômicos surgiram, uns mais consistentes tecnicamente enquanto outros se mostraram bastante frágeis e seus resultados foram reduzidos, criando um desafio que mobilizou muitos economistas nas mais diferentes áreas do pensamento econômico, desde liberais e neoliberais até os keynesianos e os estruturalistas, cada um com suas fórmulas, teorias e intensa arrogância.

Os anos 1980 representaram um momento de intensas tentativas e variados planos de estabilização monetária, desde o Plano Cruzado, passando pelo Plano Bresser e pelo Plano Verão, culminando no Plano Collor, todos inconsistentes e com resultados decepcionantes e limitados, transformando o combate a inflação como um desafio nacional.

Depois de décadas de desequilíbrios monetários e de muitos planos econômicos fracassados, em julho de 1994, entrou em funcionamento o Plano Real que, embora tenha apresentado alguns equívocos macroeconômicos, foi fundamental para que a economia brasileira vencesse este grave desajuste nos preços e nesta instabilidade monetária, responsável por um incremento na concentração de renda da sociedade brasileira.

No ambiente externo, é importante destacar, que o Plano Real foi implantado em um momento de grandes crises econômicas na sociedade internacional, entre 1994 e 1998 foram vários os países que passaram por desequilíbrios macroeconômicos e crises externas, desde México, passando pela Rússia, pela Coréia do Sul e pela Argentina, um momento de grandes incertezas e instabilidades.

O Plano Real pode ser descrito como um grande avanço quando comparamos aos seus antecessores, seu “nascimento” foi planejado pela equipe econômica que teve todos os seus passos descritos e informados para a sociedade, uma forma diferente da dos planos anteriores que foram introduzidos sem nenhuma informação prévia, gerando ganhadores e perdedores que, muitas vezes, se mobilizavam para fraudar e denegrir a tentativa de estabilização.

A inflação sempre beneficiou os grupos mais bem organizados da sociedade, aqueles que são capazes de construir instrumentos de defesa e evitando a desvalorização de seus recursos e a defesa de seus rendimentos monetários. Os maiores ganhadores com a inflação são os governos, que emitem moeda e ganham com o poder de senhoriagem e os bancos, que faturam alto com os recursos parados nas contas correntes de seus correntistas, estes recursos são investidos pelas instituições financeiras e seus rendimentos são apropriados em forma de ganhos adicionais, engordando os lucros bancários.

Como os governos são os grandes ganhadores com a inflação, muitos acreditavam que, dificilmente, estes mesmos governos adotariam medidas para acabar com os desequilíbrios monetários. Estas medidas somente foram adotadas, quando estes governos foram pressionados pelos investidores e governos internacionais, que viam esta instabilidade como um limitador de seus investimentos e passaram a exigir políticas de estabilização mais consistentes e um monitoramento das instituições financeiras globais, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD).

O programa começou a ser implementado no governo Itamar Franco e foi construído por uma equipe econômica de respeito, formada por economistas do calibre de Edmar Bacha, Pérsio Arida, Gustavo Franco e André Lara Resende, todos supervisionados pelo Ministro da Fazendo Fernando Henrique Cardoso, responsável pela ligação entre as questões técnicas e as questões políticas relacionadas a presidência da República.

Outro ponto importante que vale a pena destacar, é com relação as questões políticas da época, naquele momento existia uma oposição forte que usava todos os expedientes para boicotar o plano e inviabilizar a melhora do ambiente macroeconômico, temendo que neste cenário suas chances de ganhar eleições presidenciais seriam reduzidas imensamente. O grande partido de oposição, no período, era o Partido dos Trabalhadores (PT), cujo potencial de oposição era elogiado, mas sua capacidade de proposição era sempre limitada e concentrada em interesses corporativos e eleitoreiros, este grupo político ganhou as eleições em 2002 e governou até o impeachment da presidente Dilma Rousseff e teve como principais resultados grandes políticas sociais e graves desequilíbrios fiscais e financeiros que levaram o país a flertar com a insolvência.

Antes da entrada em funcionamento da nova moeda, o Real, a equipe econômica costurou a criação de um indexador único para a economia, entra em vigor a Unidade Real de Valor (URV) que, mais do que antecipar seu nome, fez a transição com a moeda anterior, o cruzeiro real. A URV foi considerada pelos teóricos como um prodígio da engenharia econômica que, lançado a três meses antes, permitiu que, aos poucos, a sociedade abandonasse a moeda desvalorizada e migrasse para um indexador estável.

O Plano Real apresentou resultados auspiciosos, reduziu a inflação rapidamente a padrões aceitáveis internacionalmente, atraiu uma grande quantidade de recursos financeiros, viabilizando investimentos produtivos e iniciando uma nova fase para a sociedade, deixando para trás um modelo centrado no Estado desenvolvimentista e iniciando a construção de um novo paradigma, marcado pela redução do papel do Estado na economia, pela abertura econômica, pelas privatizações e por um incremento da concorrência entre os atores econômicos.

Destacamos ainda, algumas medidas que foram descritas, na época, como fundamentais para o plano de estabilização, dentre elas destacamos: quebra de alguns monopólios da Petrobrás, criação de agências reguladoras (ANP, Anatel, ANS, Anvisa, etc,), extinção ou privatização de bancos públicos, vistos como sorvedouro de recursos para os governos estaduais, ajuste no sistema bancário privado que perdeu fontes de recursos com a queda da inflação, renegociações de dívidas e programas de ajustamentos das finanças estaduais dos quais resultaria, alguns anos a frente, a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Neste período foram alienadas muitas empresas vistas anteriormente como grandes ícones da economia brasileira, nesta batalha o governo federal angariou grande inimizade e foi muito criticado por grupos corporativistas, eram verdadeiras joias da coroa, onde destacamos a privatização da Companhia Vale do Rio Doce, dos bancos estaduais e da Telebrás, dentre outras.

Depois de vinte e cinco anos de Plano Real, muitas foram as conquistas oriundas da estabilização monetária, poucas pessoas duvidariam de que o fim da hiperinflação, que transferia renda para quem dela podia se proteger, teve um impacto social positivo para a sociedade brasileira, seus ganhos iniciais foram imensos e propiciaram uma melhoria na renda de uma parcela considerável da população, que anteriormente viam seus recursos serem dragados pelo chamado imposto inflacionário.

Embora saibamos que neste período a economia brasileira passou por grandes e fundamentais transformações, se analisarmos estrategicamente todas estas mudanças, vamos perceber que, na lógica econômica o país passou por uma verdadeira revolução, muitas foram as alterações econômicas, mas neste ínterim, as mudanças políticas foram muito reduzidas, em muitos casos impercebíveis e pouco significativa para as grandes mudanças econômicas.

Dentre os maiores equívocos do Plano Real, devemos destacar a política de valorização da moeda, o câmbio valorizado aumentou a entrada de produtos importados e aumentou a competição interna, obrigando os agentes econômicos locais a adotar uma postura diferente. Neste período, muitas empresas nacionais foram transferidas a empresários estrangeiros, aumentando a desnacionalização, enquanto outras empresas quebraram em decorrência deste ambiente competitivo e da reestruturação econômica.

O câmbio valorizado estava diretamente atrelado a altas taxas de juros que atraíram grandes somas de recursos para o setor externo da economia, gerando uma verdadeira avalanche de dólares que, como resultado imediato, valorizava em excesso a política cambial, gerando estragos nas contas externas que obrigaram o governo a assinar inúmeros acordos com instituições financeiras globais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Em decorrência destas políticas, a indústria nacional sofreu um processo de desindustrialização, com graves consequências no cenário externo, com queda nas exportações e internamente, com um incremento no desemprego e uma piora do emprego regular, em decorrência de uma fragilização maior dos setores exportadores, fortemente afetados pelo câmbio.

A estabilidade monetária trouxe inúmeros benefícios para a população, gerando um aumento de renda e uma melhora no consumo, este incremento se voltou fortemente para a compra de produtos importados, diante disso, as importações cresciam de forma acelerada e consistentes, gerando uma tendência forte de déficits nas contas externas e obrigando o governo a se endividar no mercado internacional de crédito, elevando os desembolsos futuros.

Outro ponto fundamental para que entendamos o Plano Real, foi o crescimento da dívida pública, os indicadores mostram que a queda da inflação e o fim do imposto inflacionário, exigia dos governos uma reestruturação fiscal e uma melhoria nas contas públicas, sem elas, os governos precisavam angariar recursos no mercado de crédito, com incremento nas dívidas públicas.

As demandas são sempre imensas em uma sociedade como a brasileira, o Plano Real foi um grande avanço para a economia, garantindo ganhos generalizados no inicio e alguns desequilíbrios na implantação, o câmbio e os juros altos foram, com toda certeza, dois efeitos colaterais bastante negativos para a economia do país, que contribuíram para uma desindustrialização da economia e uma piora nas contas externas.

Depois de vinte e cinco anos, as condições econômicas atuais são desafiadoras, mas melhores do que nos anos 90, muitas das medidas que deveriam ter sido implementadas não foram e a tão sonhada modernização da economia brasileira não aconteceu, na atualidade muitas destas medidas estão sendo discutidas e, algumas delas, devem ser aprovadas e implementadas, gerando novos ambientes de investimentos e crescimento econômico.

Depois de vinte e cinco anos, o Real se transformou na mais longeva moeda em circulação na sociedade brasileira, superando o cruzeiro, seus ganhos são enormes, a estabilidade monetária deve ser vista como um passo fundamental, mas seus desafios na construção de um país mais justo e desenvolvido não são menores e devem ser encarados imediatamente.

Recuperação da economia só é viável com proteção social, diz Monica de Bolle

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Economista defende estratégias ousadas, com resultados mais imediatos, para retomar crescimento

Monica de Bolle

[RESUMO] Economista defende que retomar o crescimento demandará não apenas medidas de efeito de médio ou longo prazo, como a reforma da Previdência, mas também estratégias criativas e ousadas com resultados mais imediatos, que atendam aos desempregados e vitimados pela desigualdade.

Somos peritos em crises, nossa experiência é vasta. Já passamos por hiperinflações, moratória de dívida externa, crises bancárias, crises cambiais —à exceção da moratória, o resto merece o tratamento no plural, pois as vivemos em diversos momentos, às vezes até simultaneamente. Contudo, mesmo com nossa vasta experiência em matéria de crises econômicas, jamais passamos pelo que testemunhamos hoje, espécie de crise sem crise.

Temos uma crise, pois a economia brasileira não cresce, ou cresce pouco. Não temos uma crise tradicional, pois a armadilha de crescimento baixo não é acompanhada ou mesmo causada por uma crise financeira, como no passado. O freio brasileiro está engatado a muito tempo e não resulta somente da grande recessão de 2015-2016.

Como analisei em meu livro, “Como Matar a Borboleta-Azul: Uma Crônica da Era Dilma” (Intrínseca, 2016), a tragédia do crescimento baixo reflete anos de descaso com os efeitos de contas públicas desarranjadas, de políticas insustentáveis de crédito para aumentar o consumo, do protagonismo indevido do BNDES, responsável por grandes distorções financeiras, da ausência de medidas para aumentar a competitividade do país.

Tais erros na condução da economia começaram no segundo mandato de Lula e continuaram com Dilma. Para resolver o acúmulo de entraves ao crescimento, não bastará a reforma da Previdência. Ela abrirá um importante espaço fiscal no médio prazo, é claro, mas isso é insuficiente. No ritmo atual de crescimento, não conseguiremos reduzir o desemprego e a desigualdade e flertaremos com o risco crescente de uma grave crise social.

Penso que, como ocorre em vários países avançados, o Brasil padece da chamada estagnação secular. O termo foi originalmente concebido em 1938 pelo economista e ex-professor da Universidade Harvard Alvin Hansen, para descrever o que ele acreditava ser o destino da economia norte-americana após a grande recessão dos anos 1930: um freio sustentado do crescimento econômico causado por uma demanda agregada deprimida e tendências demográficas adversas.

Em versão atualizada pelo economista Larry Summers, outro ex-professor de Harvard, a estagnação secular ocorre quando a produtividade para de crescer, a demografia passa a ser um ônus e a demanda agregada perde fôlego de forma sustentada.

No Brasil, a produtividade —seja a que conhecemos por produtividade total dos fatores ou a produtividade dos trabalhadores— está estagnada há décadas. Nossa taxa de crescimento populacional é hoje menor que a dos EUA e a da França, igualando-se à da Bélgica. Todos esses países estão sob risco de contrair a estagnação secular.

O crescimento da população é importante para as tendências de longo prazo das economias, pois garante que, no futuro, haverá gente suficiente para formar a força de trabalho sem a qual os países não crescem, por mais que existam robôs. Os robôs, afinal, não só são confeccionados por alguém, como também são operados por gente.

Por fim, a demanda no Brasil está inequivocamente deprimida. Basta observar o ritmo médio de expansão do consumo nos últimos anos —pouco mais de 1%— e a trajetória periclitante do investimento. A taxa de investimento brasileira fixou-se há tempos em pouco mais de 15%, patamar bem mais baixo do que o observado em nossos pares latino-americanos. A urgente reforma da Previdência não irá alterar esse quadro.

Se o Brasil preenche as condições para a estagnação secular nos quesitos acima, outro critério também é atendido: a taxa de juros real está em nível historicamente baixo e não dá sinais de que irá subir. Hoje, tomando a inflação 12 meses à frente projetada pelo mercado, ela está em cerca de 2,5%.

Diante do quadro econômico decepcionante e da ausência de pressões inflacionárias no horizonte, há quem defenda a redução da Selic pelo Banco Central, o que parece razoável, sobretudo após a aprovação das novas regras da Previdência. Nesse caso, e supondo que a inflação se mantenha ao redor dos 4% projetados pelo mercado, a taxa de juros real poderia ser ainda mais baixa.

Por que é possível projetar uma taxa de juros real permanentemente baixa à frente, sobretudo em comparação com a média de cerca de 3,5% nos últimos dois anos do primeiro mandato de Dilma?

Antes de responder, eis uma digressão: embora a taxa de juros real neste período estivesse em nível baixo comparado ao passado, era claro que tal patamar fora alcançado permitindo que a inflação ficasse, recorrentemente, bem acima da meta de 4,5% e que, por esse e outros motivos, aquele nível do juro real não seria sustentável, como de fato se viu posteriormente. Abordei esse tema em detalhe no meu livro.

Voltando à pergunta sobre os motivos de a taxa de juros real permanecer baixa agora, remeto os leitores aos resultados de artigo que escrevi em 2015 para o Peterson Institute for International Economics, sobre o papel do BNDES e o impacto de seus empréstimos.

Na ocasião, apresentei exercício empírico no qual mostrava que a farra do crédito subsidiado durante o segundo mandato de Lula e o primeiro de Dilma havia distorcido as taxas de empréstimos no mercado de crédito, além de ter exercido pressão considerável sobre os juros reais.

Calculei que, se os empréstimos do BNDES deixassem de ser feitos a taxas subsidiadas e retornassem aos patamares observados no início dos anos 2000, isto é, caindo de uns 4% do PIB para algo em torno de 1% do PIB, a taxa de juros real poderia cair em até 1,3 ponto percentual.

A introdução da TLP (taxa de longo prazo) durante o governo Temer removeu o componente subsidiado dos empréstimos do BNDES. Além disso, os desembolsos do banco foram reduzidos de R$ 190 bilhões em 2013 para R$ 69 bilhões em 2018, ou, precisamente, para 1% do PIB. Nesse mesmo período, a taxa de juros real caiu da média de 3,5% observada em 2013-2014 para 2,5% hoje, em linha com os cálculos que havia feito em 2015.

A taxa de juros real reflete o custo do capital para as empresas. Portanto, uma taxa permanentemente mais baixa proveniente das mudanças na atuação do BNDES deveria incentivar a alta dos investimentos privados. Contudo, não é isso o que se vê. Observa-se precisamente o que ocorreria em situação de estagnação secular: a taxa de juros real menor já não é capaz de estimular a economia.

E o consumo, componente mais importante da demanda privada e motor dos gastos que incentivam as empresas a produzir? Para falar sobre ele, é preciso não só reconhecer a alta taxa de desemprego, mas destrinchar o que vem ocorrendo com a desigualdade.

Em análise recente, o especialista no tema Marcelo Medeiros mostra que a retomada lenta da economia brasileira tem sido profundamente desigual, que a desigualdade de renda voltou a crescer em 2016, após longo período de queda e posterior estabilidade.

De um lado, o aumento da desigualdade não surpreende: resulta diretamente da grande recessão de 2015-2016, ela própria decorrente dos desmandos macroeconômicos que analisei em meu livro sobre a era Dilma. De outro, há sinais de que a alta da desigualdade total esteja em processo de aceleração.

Segundo Medeiros, dados do Imposto de Renda mostram que há migração dos investimentos daqueles que têm renda mais alta para aplicações financeiras. Isso significa que recursos são transferidos das áreas de produção, que naturalmente criam empregos, para títulos públicos e outros ativos financeiros sem impacto direto na geração de vagas.

Portanto, à frente, a desigualdade poderá aumentar mais em razão de altas no desemprego ou da criação de empregos precários, que não dão a segurança devida ao trabalhador para que ele volte a consumir.

Outro fator importante é a mudança metodológica de 2016 na Pnad Contínua, a pesquisa nacional por amostras de domicílios do IBGE. Naquele ano, a pesquisa passou a incorporar rendas que antes não estavam refletidas nos dados de rendimentos do trabalho —a saber, o 13º salário e o pagamento de comissões. Há quem tenha visto aumento na renda do trabalho e o tenha atrelado à recuperação econômica sem se dar conta da alteração na metodologia.

Ainda mais importante é a constatação de que a parte da renda do trabalho que aumenta é proveniente das comissões e do 13º. Esses rendimentos são, evidentemente, frágeis para o consumidor, pois comissões são variáveis e o 13º é sazonal.

Por essas razões, rendas provenientes dessas fontes não têm o mesmo poder de aumentar o consumo como teria a elevação do salário para aqueles com empregos seguros. E a economia brasileira hoje está sem fôlego para criar empregos que deem segurança aos consumidores.

Diante do diagnóstico apresentado, isto é, de que a economia brasileira não tem dinamismo para crescer acima das taxas observadas no médio e longo prazo e de que as tendências de curto prazo contribuem para agravar as tensões sociais, é possível elaborar algumas soluções.

Para devolver o dinamismo econômico ao país, a atual agenda de reformas é correta: precisamos de uma reforma da Previdência, precisamos de uma reforma tributária, precisamos de privatizações. Precisamos, também, abrir a economia brasileira ao comércio e ao investimento externos, o que passa não apenas por medidas de redução de tarifas de importação mas por atuações nas diversas áreas regulatórias em que o Brasil está severamente atrasado em relação a outros países latino-americanos.

A convergência regulatória para equiparar o país às boas práticas internacionais não só abriria espaço para negociar acordos de facilitação de comércio ou de livre-comércio como também reduziria o protecionismo que torna o Brasil um dos países mais isolados do mundo. Transferências tecnológicas por meio da abertura comercial ajudariam a aumentar a produtividade, junto com outras reformas, como a tributária.

A estratégia para tirar o Brasil da estagnação secular passa, portanto, pelas reformas que Paulo Guedes tem defendido e por uma agressiva abertura comercial. É claro que o desenho das reformas deve ser cuidadoso para que elas não tenham consequências indesejáveis, como o esgarçamento da rede de proteção social. Contudo, a estratégia de médio e longo prazo parece clara.

Menos clara e menos debatida é a estratégia de curto prazo para a economia brasileira. A esse respeito, o atual governo não tem plano. Tudo se resume, no curto prazo, à aprovação da reforma da Previdência. Embora a agenda Guedes não se limite a ela, todos os efeitos das reformas propostas estão circunscritos ao médio ou longo prazo.

Eis, portanto, o manifesto: para atender aos milhões de desempregados e de consumidores afogados em incertezas e vitimados pela desigualdade, é preciso desenhar políticas de curto prazo para retirar a demanda do Estado catatônico. Tais políticas não podem se resumir ao recente flerte de Paulo Guedes com a liberação do FGTS —como vimos no governo Temer, essa medida tem fôlego curto e não ameniza a aceleração da desigualdade de renda em curso. É preciso pensar de forma mais criativa e ousada.

Há tempos venho propondo o uso das reservas internacionais brasileiras para dar um alívio à economia. Antes de prosseguir, advirto: a ideia seria usá-las após a aprovação da reforma da Previdência, quando parte da incerteza fiscal de médio prazo terá sido resolvida. Vender reservas é ideia que encontra muitas resistências, pois há quem argumente, não sem razão, que o nosso amplo estoque de US$ 380 bilhões é o que mantém o Brasil distante de crises mais agudas.

No entanto, hoje não temos mais vulnerabilidades externas relevantes. Conseguimos reduzir nosso déficit externo para pouco mais de 1% do PIB, não temos dívida externa em montante relevante e nossa dívida pública está praticamente toda denominada em moeda local. Isso significa que não temos riscos no balanço de pagamentos, o que nos abre um espaço importante.

De acordo com os cálculos do Fundo Monetário Internacional (FMI), o Brasil dispõe hoje de cerca de US$ 140 bilhões de reservas excedentes, isto é, de recursos acima do necessário para lidar com pressões externas. Ou seja, temos uma poupança que não está sendo utilizada. Neste momento de extrema fragilidade interna, deveria ser empregada para reduzir a insegurança econômica que impede o consumidor de consumir e a empresa de investir.

Uma ideia seria usar as reservas excedentes para abater a dívida pública, o que diminuiria os juros pagos pelo governo e o déficit nominal, abrindo espaço para algum aumento de gastos —por exemplo, com programas sociais para enfrentar a aceleração da desigualdade.

Vejam: esse uso das reservas possibilitaria o aumento de gastos, porém de maneira bastante indireta. Precisa-se de cautela para não desestabilizar o mercado de câmbio: a rápida conversão de dólares em reais tenderia a apreciar a moeda brasileira, prejudicando as exportações.

As reservas excedentes poderiam também ser usadas, como alguns economistas já haviam sugerido, para constituir fundo cujo objetivo seria o de financiar investimentos em áreas como infraestrutura. Josué Pellegrini, economista da Instituição Fiscal Independente (IFI), analisou essa possibilidade, além do emprego das reservas excedentes para abater a dívida pública, em nota técnica publicada pela IFI em agosto do ano passado.

Para além das dificuldades apresentadas por Pellegrini, tenho menos simpatia por esse uso das reservas, pois não atenderia às necessidades imediatas das famílias e dos consumidores aqui expostas, além de não ajudar a solucionar o drama do aumento da desigualdade.

A terceira possibilidade, bem mais controvertida e próxima de um flerte com a heterodoxia, seria a transferência das reservas excedentes, ou de parte delas, para o Tesouro Nacional, atendendo às restrições abordadas na nota de Pellegrini. Uma vez em poder do Tesouro, os recursos seriam destinados a aumentar diretamente a capacidade de elevar os gastos com programas sociais para reduzir a desigualdade e a insegurança econômica dos mais atingidos pela lenta recuperação.

Essa ideia difere do uso das reservas para abater dívida, pois os recursos transferidos para o Tesouro não seriam gastos primeiro para esse fim, mas diretamente em programas sociais. Mais uma vez, insisto: tal medida seria feita apenas após a aprovação da reforma da Previdência, sem a qual essa ideia provavelmente seria tiro pela culatra.

O uso direto de parte das reservas excedentes para turbinar programas sociais sem a âncora da mudança na Previdência seria visto por muitos economistas como espécie de populismo econômico, criando turbulência nos preços de ativos e prejudicando a atividade. Contudo, uma vez aprovada a reforma, penso que usos menos ortodoxos, como o sugerido, deveriam ao menos ser contemplados. O país não está em situação de poder se dar ao luxo de nada fazer no curto prazo.

Reafirmo esse ponto relembrando aos leitores as experiências de alguns países que tentaram fazer ajustes em suas economias sem qualquer base de apoio para o curto prazo. Os casos mais recentes não foram em países emergentes como o Brasil, mas em alguns europeus após a crise de 2008. Todos passaram por intensas turbulências políticas e sociais em razão das políticas de arrocho a que foram submetidos, o que possivelmente prolongou a saída da crise que sobre eles se havia abatido.

O caso mais emblemático é o da Grécia, mas Portugal e Espanha também viveram seus próprios infernos particulares, ainda que pudessem desfrutar do apoio financeiro das instituições europeias criadas para resolver a crise, do Banco Central Europeu e do FMI.

Para além desses exemplos, o próprio Brasil já demonstrou para si que a viabilidade das reformas só pode ser garantida com redes de proteção que evitem o caos social. O Plano Real, que completa 25 anos neste mês, e as reformas que o sucederam só foram possíveis porque a abrupta redução inflacionária removeu o ônus que impossibilitava o bom funcionamento da economia e recaía brutalmente sobre as camadas mais vulneráveis da população.

Basta olhar indicadores de pobreza e de desigualdade de renda para constatar que o Plano Real foi um grande equalizador, impedindo que uma situação de caos social e político ainda mais grave.

Volto, portanto, ao parágrafo inicial deste artigo. Por razões diversas, descuidos e desprezos de longa data, o Brasil está hoje preso numa armadilha de crescimento baixo que tende a agravar os problemas políticos, econômicos e sociais. Para sair dessa armadilha, é premente fazer reformas econômicas na linha das propostas pelo governo, ainda que alterações sejam necessárias para evitar danos às redes de proteção social.

Também é preciso ter o foco correto nas áreas de educação —sem um plano para tal não haverá aumento de produtividade—, de treinamento dos trabalhadores —principalmente com as mudanças tecnológicas em curso—, do meio ambiente. O descaso ambiental pode piorar ainda mais os rumos da economia brasileira no longo prazo, como revelam os diversos estudos acerca dos impactos econômicos perversos da negação da realidade.

Ao prevalecer a guerra ideológica nessas áreas, o governo presta um desserviço para si e para o país. Afinal, as reformas econômicas terão impacto diminuído caso se insista em ignorar a importância desses temas ou seguir na contramão do que revelam as evidências científicas. Mas mesmo isso já não basta.

Para que o Brasil tenha alguma chance de recuperar a segurança econômica, os gestores precisam reconhecer a importância de criar uma rede de sustentação no curto prazo. Para isso, será necessário resgatar o espírito criativo e inovador sem o qual estaríamos hoje ainda presos à hiperinflação.

Nossa crise atual é inédita. Esse ineditismo requer que tanto os que gerem a economia quanto os que dela entendem e sobre ela debatem saiam das suas zonas de conforto e parem de rotular à revelia. Há ideias ortodoxas que não funcionam, como as contrações fiscais sem sustentação social. Do mesmo modo, há ideias heterodoxas que resultaram em sucessos espantosos, como o Plano Real.

Fica o manifesto por um debate sem as amarras ideológicas que impedem a criatividade em momento tão crítico.

Monica de Bolle, economista, é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins  University (EUA) e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics.

Os jovens, a juventude e seus medos contemporâneos

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O mundo contemporâneo pode ser descrito como um mundo de contrastes e contradições, marcados por intensas concorrência e competição, nele encontramos riquezas extraordinárias, produtos altamente sofisticados, tecnologias de ponta, viagens espaciais, prazeres acelerados convivendo ao lado de prazeres alucinantes, drogas complexas e misérias existenciais, além de medos generalizados

Nesta sociedade contemporânea que, para muitos é descrita como pós-moderna, outras a descrevem como pós-industrial, nela encontramos medos e desesperanças em decorrência de vivermos em uma sociedade marcada por degradação ambiental, conflitos étnicos e raciais, xenofobismos, violências generalizadas, fragilidade democrática e intensos conflitos comerciais, onde as potências se degradam e os trabalhadores são obrigados a aceitar, sob pena de desemprego, uma condição de subalternidade e degradação de suas condições sociais e econômicas.

Diante destes inúmeros desafios, percebemos um incremento no suicídio de jovens e de idosos, além de um grande desalento dos indivíduos e das comunidades, todos amedrontados com os rumos que caminha a humanidade e as condições de vida num futuro muito próximo, onde filhos e herdeiros se sentem esquecidos por um sistema que cobra uma dedicação irracional, gerando mais instabilidades e inseguranças, motivando violências nas mais variadas áreas e setores.

O suicídio cresce de forma acelerada entre varias faixas etárias da sociedade, levando os profissionais da saúde e os gestores de políticas públicas a falarem de uma verdadeira epidemia, com impactos generalizados sobre a população mundial, este fenômeno assusta e ao mesmo tempo força os grupos sociais a repensarem a forma de vida e de organização da estrutura produtiva global.

Os idosos estão se suicidando porque perderam a capacidade de produzir e de se sentirem úteis nesta nova sociedade, como não mais dispõem de força física numa sociedade utilitarista, se sentem a margem da estrutura social, muitos deles se enxergam como um grande peso para seus familiares, preferindo se suicidar acreditando que, com isso, acabam com o suposto problema.

De um dos lados encontramos jovens perdidos, desanimados e vivendo alienados e como verdadeiros zumbis, nesta nova realidade da juventude global percebe-se um medo generalizado com relação ao futuro, com as mudanças no mundo do trabalho e as novas concepções do emprego, os jovens se encontram amedrontados, o medo de decepcionar os familiares e a sociedade está levando este grupo social a intensos e severos desequilíbrios emocionais e espirituais.

Com o advento das redes sociais, encontramos uma nova geração de jovens e adolescentes que vivem diuturnamente conectados, são indivíduos que perderam a noção das relações reais e se veem constantemente vivendo ou sobrevivendo no mundo digital. Esta geração que vive conectada, conversando via internet, namorando pelas redes sociais, se relaciona via WhatsApp, faz sexo virtual, goza e tem prazer no ambiente digital, se utilizando de aplicativos de paquera e de encontros afetivos, estes indivíduos estão se tornando cada vez mais frios, materialistas e racionais, deixando de lado sentimentos nobres, emoções e equilíbrios espirituais e energéticos.

Muitos trazem fortemente escrito em suas mentes a necessidade de avançar profissionalmente quando comparados aos seus pais e familiares, estes desafios motivavam muitas famílias que viam nesta possibilidade uma forma de estimular seus jovens a uma vida centrada em estudos e reflexões, buscando melhores oportunidades de emprego e trabalho com melhores remunerações, estes estímulos hoje são vistos como verdadeiros calvários por jovens e adolescentes que perderam a motivação desta concorrência salutar, os tempos contemporâneos são auspiciosos, trazem desafios e poucas oportunidades, levando muitos deles a depressão, a ansiedade e, no limite, ao suicídio.

A juventude atual se estrutura em uma sociedade marcada pela fragilização da família, a primeira grande célula social da sociedade, muitos jovens e adolescentes vivem em famílias desequilibradas e desestruturadas, famílias degradadas pelas drogas, pelo tráfico e pela pouca atenção de pais e de familiares, isto sem mencionarmos uma sociedade cuja religião perde força e capacidade de influência, vitimada por desequilíbrios intensos, desde pedofilia, exploração e denúncias de corrupção e desvios de recursos. A fragilização das religiões convencionais enfraquece as referências que antes moldavam os jovens e adolescentes, levando-os a uma visão mais materialista, sem os preceitos religiosos os indivíduos se entregam aos prazeres do mundo contemporâneo, centrados principalmente na adoração do dinheiro e em uma vida caracterizada por um intenso hedonismo.

As bases sociais estão sendo destruídas pelo mundo pós-moderno, a escola e as universidades que sempre foram vistas como centro do conhecimento perderam espaço para as novas mídias sociais e para as tecnologias da informação e do conhecimento, as famílias se encontram num verdadeiro caos, de modelos tradicionais de famílias encontramos na contemporaneidade uma infinidade de modelos diferentes e contraditórios, relacionamentos novos, variados e descritos como modernos estão levando os mais jovens a uma intensa confusão mental, emocional e espiritual, além de medos, dramas e inseguranças, colocando em xeque seus desejos e necessidades mais íntimas.

Destacamos ainda que vivemos em uma sociedade marcada por intensa competição entre as pessoas, as comunidades, as empresas e os Estados Nacionais, gerando uma diminuição exponencial da solidariedade, do respeito e de valores morais mais sólidos, esta sociedade acaba levando os indivíduos a uma busca por lucros e remunerações monetárias crescentes, muitas delas acumuladas através da exploração e da degradação das condições de vida dos indivíduos e das comunidades, além de uma violência e uma exclusão social em ascensão.

Neste mercado contemporâneo, cada indivíduo é visto de acordo com seus valores monetários, sua colocação econômica e financeira define seu status social, seus valores estão sempre atrelado a recursos amoedados, quem os tem percebe portas abertas da sociedade e se encontra com o luxo e com a acumulação de riquezas agora, quem não possui estes recursos são colocados a parte e passam a ser explorados e condenados a uma condição de subalternidade, sempre vitimados por violências e exclusões crescentes.

Deste ambiente marcado por contradições e desequilíbrios crescentes, encontramos jovens e adolescentes morrendo cada vez mais cedo, muitos passam a trabalhar com o tráfico de entorpecentes, são aliciados para o mundo das drogas e atuam de forma equivocada para conseguir os recursos necessários para sobreviver e ostentar uma vida cheia de riquezas, aparências e valores monetários, conquistados as custas de muita dor, pilhagens, desequilíbrios familiares e degradação social. Como em casa ação encontramos uma reação, o futuro destes jovens e adolescentes que enveredam pelo mundo das drogas e dos entorpecentes já está escrito na nossa sociedade, ou serão presos e condenados ou serão mortos pelos comparsas ou em confronto com as polícias.

Neste ambiente de constante competição entre os agentes econômicos e políticos, onde os jovens e adolescentes mais prescindem de pais e familiares, é que encontramos uma presença física cada vez menor de familiares, muitos terceirizando para a escola uma função que deve ser exercida apenas pela família, com isso, sobrecarregam as escolas e seus professores e fazem com que ofereçam serviços de qualidades questionáveis, numa sociedade que demanda das escolas um papel central na construção do capital humano para competir e gerar riquezas para a sociedade contemporânea.

O suicídio cresce de forma acelerada entre os jovens e os adolescentes em várias regiões do globo por uma infinidade de motivos, o estudo não mais garante uma melhor condição futura para o indivíduo, a simples presença em uma universidade ou a detenção de um diploma de curso superior, que anteriormente garantia um trabalho melhor e mais consistente, atualmente não mais garante uma profissão sólida e consistente, em todos os países e regiões do mundo a previdência social vem sendo colocada em xeque, nesta sociedade percebemos que estamos vivendo mais, com mais conhecimento e com melhores condições de vida e com perspectivas futuras saudáveis, graças aos avanços da ciência dos últimos cinquenta anos que grandes ganhos trouxeram para a medicina, para a biologia e várias outras áreas.

Cabe a sociedade contemporânea construir novos capítulos na vida destes jovens e adolescentes, seus medos são, na verdade, um grito generalizado de todos os setores e grupos sociais, um grito que tem suas raízes na alma de cada indivíduo e cada ser vivo, que enxerga um futuro sombrio pela frente, sem investimentos sociais crescentes na construção de novos espaços sociais, dificilmente conseguiremos angariar novos e conscientes cidadãos para os desafios que se erguem na sociedade contemporânea.

A construção de bases sólidas para o futuro demanda uma política integrada entre vários atores sociais e políticos, a sociedade civil deve se organizar e capacitar os jovens para um futuro cheio de desafios imediatos, aos governantes deve se priorizar políticas públicas inclusivas que garantam a todos os indivíduos nesta faixa etária, condições dignas e decentes de sobrevivência autônoma, em uma sociedade centrada no lucro, altamente competitiva e concorrencial, marcada por momentos de selvageria e de irracionalidade.

Sem políticas públicas e um olhar privilegiado para os jovens e para os adolescentes, a sociedade vai continuar fornecendo uma grande massa de marginais para o crime organizado, munindo-os de mão de obra barata e cheia de rancor e de ressentimentos de uma sociedade que sempre os degradou, sempre os humilhou e sempre os maltratou, deixando-os a margem da sociedade, neste ambiente não se pode esperar uma reação serena ou equilibrada, mas uma reação centrada na vingança e no revanchismo.

Cabe a esta sociedade, garantir uma estrutura educacional mais consistente, escolas em tempo integral, recursos monetários e infraestrutura capacitadas, além de um ampla aparato esportivo, com aulas de vários esportes para estimular as múltiplas habilidades dos estudantes, centros esportivos e complexos culturais, com dança, teatro, música e os mais variados elementos culturais, todos voltados para a construção de cidadãos conscientes e capacitados para a constituição de um mundo melhor, mais harmônico e marcado pelo humanismo, pelo amor e pela solidariedade, valores e sentimentos nobres que dão a todas as sociedades desenvolvidas uma maior solidez e solidariedade.

Os desafios contemporâneos são cada vez maiores e mais complexos, a revolta e a revolução armadas devem ser deixadas de lado e esquecidas por completo, em seu lugar devem ser colocados os investimentos nos jovens e nos adolescentes, estes são os agentes do futuro, se falharmos nesta empreitada estaremos condenando nosso futuro a um ambiente de instabilidade e desequilíbrios crescentes mas, se conseguirmos melhorar as condições destes grupos sociais, vamos conseguir colher, num futuro próximo, grandes vitórias que trarão de volta novas esperanças e perspectivas melhores para todos os grupos sociais.

Neste ambiente de degradação crescente, cabe a sociedade definir um outro olhar para os jovens e para os adolescentes, sabendo de sua importância para a sociedade, precisamos definir o que queremos para nosso futuro imediato, se continuarmos deixando este ativo social na condição de degradação e marginalidade, com certeza, estaremos construindo um futuro sombrio e desesperador, marcados por choro e ranger de dentes.

 

Stiglitz: hora de enterrar um sistema fracassado

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Nobel da Economia sugere que basta: em 40 anos, neoliberalismo provou ser incapaz tanto de promover justiça quanto de criar riquezas. Para afastar os riscos de degradação e fascismo, precisamos de uma nova esquerda democrática

Por Joseph Stiglitz | Tradução: Felipe Calabrez

Que tipo de sistema econômico é mais propício ao bem-estar humano? Essa questão definirá nossa época, porque, após 40 anos de neoliberalismo nos Estados Unidos e em outras economias avançadas, sabemos o que não funciona.

O experimento neoliberal — impostos mais baixos para os ricos, desregulamentação dos mercados de trabalho e de produtos, financeirização e globalização — tem sido um fracasso espetacular. O crescimento é menor do que era no quarto de século após a Segunda Guerra Mundial, e a maior parte acumulou-se no topo da escala de renda. Depois de décadas de renda estagnada ou mesmo em queda para aqueles abaixo dos mais ricos, o neoliberalismo deve ser declarado morto e enterrado.

Lutando para sucedê-lo há pelo menos três grandes alternativas políticas: nacionalismo de extrema direita, reformismo de centro-esquerda e esquerda democrática (com a centro-direita representando o fracasso neoliberal). E, no entanto, com exceção da esquerda progressista, essas alternativas permanecem em dívida com alguma forma de ideologia que expirou (ou deveria ter expirado).

A centro-esquerda, por exemplo, representa o neoliberalismo com um “rosto humano”. Seu objetivo é trazer as políticas do ex-presidente dos EUA Bill Clinton e do ex-primeiro ministro britânico Tony Blair para o século XXI, fazendo apenas pequenas revisões dos modos predominantes de financeirização e globalização. Enquanto isso, a direita nacionalista renega a globalização, culpando migrantes e estrangeiros por todos os problemas de hoje. No entanto, como demonstrou a presidência de Donald Trump, não é menos comprometida — pelo menos em sua variante norte-americana — com cortes de impostos para os ricos, desregulamentação e encolhimento ou eliminação de programas sociais.

Em contraste, o terceiro campo defende o que chamo de sistema econômico progressista, que prescreve uma agenda econômica radicalmente diferente, baseada em quatro prioridades. A primeira é restaurar o equilíbrio entre mercados, Estado e sociedade civil. O crescimento econômico, a crescente desigualdade, a instabilidade financeira e a degradação ambiental são problemas nascidos do mercado e, portanto, não podem e não serão superados pelo mercado por si só. Os governos têm o dever de limitar e moldar os mercados por meio de leis ambientais, de saúde, segurança ocupacional e outros tipos de regulamentação. É também tarefa do governo fazer o que o mercado não pode ou não irá fazer – como investir ativamente em pesquisa básica, tecnologia, educação e saúde de seus constituintes.

A segunda prioridade é reconhecer que a “riqueza das nações” é o resultado da investigação científica – aprender sobre o mundo ao nosso redor – e de formas de organização social que permitam que grandes grupos de pessoas trabalhem juntos para o bem comum. Os mercados ainda têm um papel crucial na facilitação da cooperação social, mas só atendem a esse propósito se forem regidos pelo Estado de Direito e submetidos ao crivo democrático. Caso contrário, os indivíduos podem ficar ricos explorando os outros, extraindo riquezas por meio do rentismo, em vez de criar riqueza por meio de genuíno esforço. Muitos dos ricos de hoje tomaram a rota de exploração para chegar onde estão. Eles foram bem servidos pelas políticas de Trump, que encorajaram o rentismo enquanto destruíam as fontes subjacentes de criação de riqueza. O sistema econômico progressista procura fazer exatamente o oposto.

Isso nos leva à terceira prioridade: enfrentar o crescente problema do poder do mercado concentrado. Ao explorar as vantagens da informação, comprando potenciais concorrentes ou criando barreiras à sua entrada, as empresas dominantes acabam se envolvendo numa busca de renda em larga escala, que prejudica todos os demais. O aumento do poder das corporações, combinado com o declínio do poder de barganha dos trabalhadores, explica muito por que a desigualdade é tão alta e o crescimento é tão morno. A menos que o governo assuma um papel mais ativo do que prescreve o neoliberalismo, esses problemas provavelmente se tornarão muito piores, devido aos avanços na robótica e na inteligência artificial.

O quarto item chave na agenda progressiva é cortar a ligação entre poder econômico e influência política. Juntos, ambos reforçam-se mutuamente e se autoperpetuam, especialmente onde os indivíduos e corporações ricas podem gastar sem limite nas eleições. À medida em que países como os EUA se aproximam cada vez mais de um sistema fundamentalmente antidemocrático de “um dólar um voto”, o sistema de freios e contrapesos, tão necessário para a democracia já não é capaz de se sustentar: nada consegue restringir o poder dos ricos. Este não é apenas um problema moral e político: economias com menos desigualdade têm um desempenho melhor. Reformas progressistas, portanto, têm que começar reduzindo a influência do dinheiro na política e reduzindo a desigualdade de riqueza.

Não será possível reverter o dano causado por décadas de neoliberalismo em um passe de mágica. Mas uma agenda abrangente, construída com base nas linhas esboçadas acima pode fazê-lo com certeza. Muito dependerá de os reformadores serem tão enérgicos no combate a problemas (em especial) o poder excessivo de mercado e a desigualdade) quanto o setor privado o é ao criá-los.

Uma agenda abrangente deve enfocar a educação, a pesquisa e outras fontes verdadeiras de riqueza. Deve proteger o meio ambiente e combater as mudanças climáticas com a mesma vigilância que os defensores do Green New Deal, nos EUA, e a Extintion Rebellion no Reino Unido. E deve propor políticas públicas para garantir que a nenhum cidadão seja negado os requisitos básicos de uma vida decente. Isso inclui segurança econômica, acesso ao trabalho e salário digno, assistência médica e moradia adequada, aposentadoria segura e educação de qualidade para seus filhos.

Esta agenda é eminentemente acessível. Na verdade, não podemos nos dar ao luxo de não executá-la. As alternativas oferecidas por nacionalistas e neoliberais assegurariam mais estagnação, desigualdade, degradação ambiental e amargura política, levando potencialmente a resultados que nem sequer queremos imaginar.

O capitalismo progressista não é um oximoro. Pelo contrário, é a alternativa mais viável e vibrante para uma ideologia que claramente falhou. Como tal, representa a melhor chance que temos de escapar do nosso atual mal-estar econômico e político.

No original, Stiglitz usa o conceito “progressive capitalism”, ou “capitalismo progressista”. No entanto, como o leitor notará, as bases de sua proposta são radicalmente distintas daquilo a que se denominou “capitalismo” no Brasil (em especial nas últimas quatro décadas). Por isso – e acima de tudo para preservar a potência política do texto – optamos por substituir a expressão por “sistema econômico progressista”

 

Seguimos como sonâmbulos e estamos indo rumo ao desastre, diz Edgar Morin

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Para um dos maiores filósofos vivos, humanidade deve tomar consciência da incerteza do futuro e de seu destino comum

Úrsula Passos Folha de São Paulo, 24 de junho de 2019.

SÃO PAULO 

Edgar Morin é um dos mais importantes e relevantes pensadores vivos. Prestes a completar 98 anos, em julho, segue escrevendo e expondo ideias em conferências em universidades e eventos.

O francês de origem judaica é um grande intelectual público, sempre disposto a participar do debate, seja ele sobre o conflito na Palestina, cinema, transgênicos, aquecimento global ou imigração.

Morin deve boa parte de seu sucesso ao pensamento complexo, conceito defendido por ele segundo o qual o conhecimento só é possível pela transdisciplinaridade.

Essa ideia impactou o pensamento sobre educação no mundo todo. Tanto que, em 1999 foi convidado pela Unesco a escrever um livro explicitando as modificações que julga necessárias na educação: “Os Sete Saberes Necessários à Educação no Futuro”, disponível em português.

Morin conversou com a Folha em São Paulo, onde esteve na semana passada para uma conferência sobre prazer estético e arte no Sesc. Ao longo da entrevista, acompanhado por uma caipirinha, sorriu bastante e bateu na mesa em momentos de indignação.

O senhor frequentemente fala da prosa e da poesia na vida, sendo a prosa a sobrevivência, o cotidiano do que somos obrigados a fazer, e a poesia, as relações de afeto, o jogo. O espaço da poesia está diminuindo e a prosa está ganhando? 

Ela não poderá jamais vencer totalmente, mas eu diria que a prosa fez progressos consideráveis com a industrialização não só do trabalho mas da vida, com a burocratização que encerra as pessoas num pequeno espaço especializado, com a técnica, que se serviu tanto dos homens quanto dos materiais.

Mas há uma resistência da poesia na vida privada, nas relações amorosas, de amizade, nos afetos, no prazer do jogo, no futebol, por exemplo. Há momentos de ambiguidade e devemos resistir a esse progresso enorme da prosa, que significa uma degradação da qualidade de vida.

O senhor tem uma conta bastante ativa no Twitter; ela é uma ferramenta de divulgação de seu trabalho? 

É uma forma de me expressar, de expressar ideias que me ocorrem, reações que tenho frente a acontecimentos e de uma forma muito concentrada. É um exercício de estilo, que permite que eu expresse e comunique aos outros o que penso e vejo em diferentes momentos do dia.

O senhor fala de um mundo padronizado, uniformizado. Como ficam o pensamento e a arte? 

Vivemos uma crise do pensamento. Aprendemos em nosso sistema de ensino a conhecer separando as coisas de maneira hermética segundo disciplinas. Os grandes problemas, porém, requerem associar os conhecimentos vindos de disciplinas diversas. Isso não é possível dada a lógica que comanda nosso modo de conhecer e de pensar.

Temos uma crise do pensamento que se manifesta no vazio total do pensamento político, ainda que, há coisa de um século, houvesse pensadores políticos que, mesmo quando se equivocavam, tentavam compreender o mundo, como Karl Marx e Tocqueville.

Meu esforço nas minhas obras é tentar efetivamente esse pensamento. O que estamos vivendo? O que está acontecendo? Para onde estamos indo? Claro que não posso fazer profecias, mas vejo o risco nas possibilidades que se abrem diante de nós.

Qual o maior desafio do ensino? 

Não inserimos no programa temas que podem ajudar os jovens, sobretudo quando virarem adultos, a enfrentar os problemas da vida. Distribuímos o conhecimento, mas não dizemos que ele pode ser uma forma de traduzir a realidade e que podemos cair no erro e na ilusão.

Não ensinamos a compreensão do outro, que é fundamental nos nossos dias, não ensinamos a incerteza, o que é o ser humano, como se nossa identidade humana não fosse de nenhum interesse. As coisas mais importantes a saber não se ensinam.

O senhor disse em uma conferência recente que a democracia ficou rasa e que a consciência democrática está degradada. Esse diagnóstico vale para o mundo todo? Como chegamos a isso?

Chegamos progressivamente, primeiro porque as antigas concepções políticas se deterioraram e chegamos a uma política da urgência e do imediato. E, como sempre digo, ao sacrificar o essencial pelo que é urgente, acaba-se por esquecer a urgência do essencial.

A crise da democracia se deve aos enormes poderes do dinheiro terem levado a casos de corrupção em todo lugar. O vazio do pensamento, somado a essa corrupção, leva a uma perda de confiança na democracia, e isso favoreceu os regimes neoautoritários, como vimos na Turquia, Rússia, Hungria e como vemos agora na crise da democracia no Peru e no Brasil.

A regressão histórica começou muito fortemente com os anos Thatcher e Reagan, que no fim do século passado impuseram a regra do liberalismo econômico absoluto, como se as leis da concorrência pudessem regrar e melhorar todos os problemas sociais, mas isso só favoreceu a especulação e a força do dinheiro, que controla a política.

A crise da democracia é o controle do poder político pelo poder financeiro, que é cego, que vê só os interesses imediatos, não tem consciência do destino da humanidade. A prova é a degradação da biosfera, que é evidente, e que vemos na degradação da Amazônia ou na poluição das cidades, por exemplo, mas que é ignorada em detrimento de um benefício imediato. Assim, damo-nos conta de que vivemos em uma época de cegueira e de sonambulismo. Isso participa na crise da democracia.

Eu vivi —sou muito velho, como sabe— nos anos 1930 e 1940, um período da ascensão da guerra, vínhamos de uma época em que acreditávamos estar em paz, mas numa crise econômica enorme que provocou a chegada de Hitler ao poder por vias democráticas.

Vivemos esse período como sonâmbulos, sem saber que íamos em direção ao desastre. Continuamos como sonâmbulos e estamos indo rumo ao desastre, em condições diferentes. O que é certo é o desastre ecológico, e o desastre dos fanatismos.

A menos que as pessoas tomem consciência da comunidade de destino dos humanos sobre a Terra, as pessoas se fecharão em suas identidades religiosas, étnicas etc. Vivemos um período obscuro da história, a única consolação é que esses períodos obscuros não são eternos.

Vemos hoje uma política das identidades. Como conciliar a democracia, o espírito republicano e as lutas identitárias? 

Uma nação é sempre a unidade de diversidades. Se não se vê a unidade, ela se empobrece e perde sua diversidade, e se só se vê a diversidade, ela perde a unidade. O comunitarismo é uma forma degenerada da diversidade necessária, é uma forma fechada para uma demanda  justa de se manter ligado a suas origens. Infelizmente hoje perdemos a noção de unidade. Quando as comunidades se tornam importantes, elas esquecem a unidade nacional na qual se encontram.

Estamos numa época de interdependência. Concordo que as nações devam seguir soberanas, mas com soberania relativa, e não absoluta. Desde que haja um problema que diga respeito a toda a espécie humana, as nações deveriam subordinar seus interesses ao interesse coletivo.

O senhor já disse algumas vezes que o sul global, como chama, representa um pensamento anti-hegemônico. Ainda é o caso com a globalização?

A globalização é a hegemonia dos valores do norte sobre o sul, é a continuação, por meios econômicos, da colonização, que era política. O sul deve resguardar o que conseguir —como os modos de viver— como resistência à hiperforça da técnica, do lucro, do sucesso, e deve conservar a noção de poesia na vida, essa é a missão do sul.

Como fazer isso em países pobres, de democracias instáveis, países menos expressivos no jogo político global?

Não há uma receita. É preciso resguardar o que há de resistência, valores universalistas, humanistas e planetários, guardá-los enquanto preparamos tempos melhores.

Estamos num movimento perpétuo no qual há um conflito entre as forças de união, de abertura, de democracia, fraternidade, e as forças de luta, de desprezo, de degradação e de morte. Esse conflito, como dizia Freud, entre Eros e Tânatos, é um conflito que existe desde o começo do universo e vai continuar. A questão é saber de que lado se está. Essa é a única questão, o futuro ninguém conhece.

Como pensar modos de combater as fake news?

As fake news não têm nada de novo, sempre houve notícias falsas. Durante uma dezena de anos a União Soviética dava informações falsas sobre o que acontecia com ela, a China de Mao Tse-tung também, o sistema hitlerista escondeu os campos de concentração. As mentiras políticas e as notícias falsas não são novas, são banais, o novo é a internet, a difusão de notícias que podem vir de qualquer lugar.

O problema é que, se quisermos informar o mundo, precisamos de pluralidade de fontes de informação e pluralidade de opiniões. Precisamos de uma imprensa diversa, com opiniões diversas, para que possamos fazer escolhas. Quando a imprensa perde sua diversidade, quando ela é controlada pela força do dinheiro, há uma diminuição do conhecimento e da informação.

O senhor sempre menciona o deus espinosano, que é intrínseco ao mundo, e não exterior a ele. Mesmo com toda a técnica e ciência que temos, as pessoas seguem com suas crenças num deus transcendental…

Todas as sociedades, desde a pré-história, têm uma religião, uma crença na vida após a morte. A religião traz pela reza um sentimento que dá calma. Marx tinha razão ao dizer que a religião é o suspiro da criatura infeliz.

Com a morte do comunismo, houve um retorno das religiões. Temos o retorno dos evangélicos aqui no Brasil, do islamismo. Nos países árabes houve movimentos laicos enormes, mas tudo deu errado. A religião ganha onde a democracia falha, a revolução fracassa, o mundo moderno falha. A religião triunfa no fracasso da modernidade.

Como aceitar a incerteza e lidar com a angústia ou até mesmo o cinismo que advém disso?

Mais do que sucumbir à incerteza, que nos dá angústia e medo, e que nos leva a buscar culpados e bodes expiatórios, é preciso enfrentar a incerteza com coragem, com ideias humanistas de fraternidade. As ciências acharam formas de encontrar certezas em incertezas. Eu digo sempre que a vida é uma navegação num oceano de incertezas passando por arquipélagos de certezas. Assim é a vida, não se pode mascarar a realidade.

Às vésperas de completar 98 anos, o que o estimula a continuar escrevendo e dando conferências?

Há um demônio em mim, uma força no meu interior de intensa curiosidade. Eu conservei uma curiosidade da infância —eu tive um grande choque aos dez anos com a morte da minha mãe, eu envelheci muito, mas também isso me bloqueou na infância com a curiosidade e o amor pelo jogo. A sorte do mundo é cada vez mais incerta, não sabemos aonde vamos, então não podemos não estar preocupados com o futuro da espécie humana sobre a Terra.

Ainda há lugar para utopias?

Há duas utopias. A má e a boa. A má é sonhar com uma sociedade perfeita, totalmente harmonizada; isso não é possível. Mesmo numa sociedade melhor, sempre haverá conflitos. A perfeição não está no universo, não está na humanidade.

A boa utopia é sonhar com coisas impossíveis mas que são, de certa forma, possíveis intelectualmente.
Por exemplo, hoje há muita fome, mas poderíamos alimentar toda a humanidade, basta desenvolver as culturas, a agricultura orgânica. É possível criar uma sociedade nova com a paz sobre a Terra, podemos pensar no fim dos conflitos entre nações; essa é uma boa utopia. Um mundo que não seja totalmente dominado pelo poder econômico e que seja mais fraterno —é preciso ainda ter utopias.

 

 

“O Estado está se transformando em orientador da precarização do trabalho” Entrevista com Ludmilla Costhek Abílio.

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Em meio ao chamado de greve geral e possível aumento das revoltas sociais, o Brasilse acostuma com frequentes rodadas de reformas econômicas que atingem em cheio o mundo do trabalho. Mas, como demonstrou a greve global dos motoristas de Uber em 8 de maio, semana em que a empresa abriu capital na Bolsa de Nova York e atingiu US$ 82 bilhões de valor de mercado, trata-se de tendência mundial. Sobre este processo, conversamos com a socióloga Ludmila Costhek Abílio, pesquisadora da “uberização do trabalho”, em desdobramento a seu estudo sobre as revendedoras da Natura.

“Para sintetizar, uberização é uma nova forma de controle, gerenciamento e organização do trabalho. Resumindo para o lado do trabalhador, significa transformá-lo em nanoempreendedor de si mesmo. Na prática há uma série de formas de controle e gerenciamento sobre o trabalhador. É uma nova forma de organização onde se abolem as relações de emprego e todas as formas de proteção, segurança e garantias que vêm delas. E conta com uma nova formação subjetiva do trabalhador, o ‘gerente de si próprio’. No meio, entra o consumidor, a quem também está terceirizada uma parte do gerenciamento do trabalho”, explicou.

Sobre a greve internacional dos motoristas do aplicativo, Ludmila considera ter demonstrado a vigência da materialidade do trabalho mesmo na economia informacional-digital, e desmente a ideia de que tais novidades nos vínculos entre empregador e empregados trariam uma diminuição da intensidade das jornadas de trabalho.

“A greve se organizou exatamente no dia em que a Uber ia abrir seu capital na bolsa de valores. Veja que falamos em financeirização e a dificuldade de relacioná-la com a exploração do trabalho, mas esta greve mostrou que os trabalhadores estão no centro da acumulação da empresa. Ela não existe sem essa multidão. Se a multidão parar a empresa acaba”.

Além de aprofundar o debate sobre a chamada gig economy, conceito em expansão nos países centrais do capitalismo que não deve obscurecer o vasto histórico de informalidade do trabalho em países como o Brasil, a pesquisadora ressalta como tal tendência é anterior à “economia dos aplicativos”, e faz uma ligação com seu estudo anterior relacionado às revendedoras da Natura.

“200 mil pessoas por ano se dispondo a vender Natura quer dizer o quê? Quando vi os motoboys se uberizarem pelo trabalho em aplicativos, as coisas se conectaram e entendi ser uma tendência que atravessa o mundo do trabalho, com a perda das formas historicamente estabelecidas das ocupações. É quase como se estivéssemos rumando a uma generalização do trabalho-amador”.

A entrevista é de Gabriel Brito, publicada por Correio da Cidadania, 13-06-2019.

Eis a entrevista.

Seu trabalho mais recente é denominado “Uberização do trabalho: novas formas de controle, gerenciamento e organização do trabalho”. Em linhas gerais, o que isso significa?

O termo uberização busca nomear uma tendência do mundo do trabalho muito visibilizada pela atuação desta empresa, que entrou no mercado e em poucos anos formou uma multidão de trabalhadores e usuários. O termo é muito bom porque o Uberrealmente materializa e sintetiza tal tendência, mas devemos ter cuidado, pois o processo não começou com a atuação de tal empresa – e nem mesmo do que chamamos de plataformas digitais.

Temos de entender como um processo de décadas no mundo processo de décadas no mundo do trabalho, relacionado ao neoliberalismo à flexibilização do trabalho,  ao papel desempenhado pelos Estados na desregulação – ou novas formas de regulação – do trabalho… Há ainda os contextos nacionais, de acordo com a estruturação do mercado de trabalho e o lugar que cada sociedade ocupa na divisão internacional do trabalho. Tudo isso está em jogo.

Mas, para sintetizar, uberização é uma nova forma de controle, gerenciamento e organização do trabalho. Resumindo para o lado do trabalhador, significa transformá-lo em nanoempreendedor de si mesmo. Neste sentido, temos de nos livrar do termo empreendedor e pensar mais em termos de autogerenciamento. Ou seja, trata-se de transformar o trabalhador em uma figura autônoma, inteiramente responsável por seus meios de trabalho, custos, como carro e gasolina, além do próprio saber-fazer relacionado à atividade.

Este trabalhador não é contratado, não ocupa vagas limitadas de emprego. A Uber não estabeleceu um limite de 1000 motoristas, por exemplo. Se o trabalhador cumprir requisitos mínimos ele pode ser motorista da empresa. Basta aderi-la. E isso exige o autogerenciamento permanente. Trabalha-se como quer, na hora que se quer, com as estratégias que se quer. Entretanto, permanece-se subordinado.

E é uma subordinação mais difícil de mapear e reconhecer em seu modus operandi. É uma nova forma de organização, na qual a empresa aparece como mediadora da situação. A Uber diz mediar uma relação entre uma oferta de pessoas que querem ser motoristas e a demanda de pessoas que querem se locomover pela cidade pagando menos que no táxi tradicional.

No entanto, na prática há uma série de formas de controle e gerenciamento sobre o trabalhador. Basicamente, é uma nova forma de organização onde se abolem as relações de emprego e todas as formas de proteção, segurança e garantias que vêm delas. E conta com uma nova formação subjetiva do trabalhador, o “gerente de si próprio”, que garante sua sobrevivência em tal relação.

No meio, entra o consumidor, a quem também está terceirizada uma parte do gerenciamento do trabalho: executa-se o controle sobre o trabalho com o número estrelinhas que se dá ao prestador de serviços, ranqueamento, comentários na internet… Aparece como prestação de serviço, mas é uma avaliação do trabalhador. E a empresa detém todas as regras do jogo, sua utilização, distribuição, criação de formas de bonificação, metas… É uma nova forma de gerenciamento, na qual se transfere tal responsabilidade ao trabalhador, que por sua vez se mantém subordinado.

Como recebeu o evento que marcou o último dia 8 de maio, no qual motoristas do aplicativo Uber – e também Lyft, no caso dos EUA – pararam em todo o mundo, numa greve internacional considerada a maior até hoje na “gig economy”?

Recebi com alegria. Há muitos elementos importantes para entendermos tal greve, talvez a primeira de muitas. Foi um movimento inicial que falou até em organização mundial. Claro que está dando seus primeiros passos, mas devemos entender que toda forma de dominação, controle, geração de novas formas de desigualdade, gera consigo novas formas de resistência.

E é muito interessante, pois falamos em novas formas de subordinação, dificuldade de mapeamento das relações entre empregador e empregado, com todo um debate no campo do direito sobre como legislar a respeito e se é possível reconhecer vínculos e responsabilidades da empresa sobre riscos e custos assumidos pelo trabalhador. Está tudo isso em disputa pelo mundo.

“É muito imaterial, é só um aplicativo etc.”, costuma ser dito. Mas quando trabalhadores(as) se reconhecem como multidão de nanoempresários de si próprios, também podem se apropriar deste meio e criar novas formas de organização e resistência. Quando eles se reconhecem e afirmam como multidão há uma potência gigantesca. Imagine se eles quiserem parar as cidades. Eles conseguiriam.

E quando o fazem – a greve é interessante por vários ângulos – fica muito evidente a relação entre capital e trabalho. Desfaz-se a imaterialidade da relação e fica evidente como eles comunicam à empresa que “vocês nos subordinam e exploram. Exigimos condições mínimas de trabalho”. Veja que colocam questões básicas, mínimas, para sua sobrevivência e reprodução social. O movimento de organização desfaz a imaterialidade e evidencia a disputa entre trabalhadores e empresas.

Outro ponto interessante é que a greve se organizou exatamente no dia em que a Uberia abrir seu capital na bolsa de valores. Veja que falamos em financeirização e a dificuldade de relacioná-la com a exploração do trabalho, mas esta greve mostrou que os trabalhadores estão no centro da acumulação da empresa. Ela não existe sem essa multidão. Se a multidão parar a empresa acaba.

Portanto, é muito interessante como ficou evidente a relação capital-trabalho – e a financeirização no meio disso. É uma greve que temos de olhar com muita atenção, pois acho que foi um primeiro movimento de algo que talvez se torne mais comum, com potencial muito grande. E isso se acentua ainda mais por se tratar da esfera da circulação.

Por sinal, como compreender a chamada gig economy, que para alguns supõe uma diminuição na intensidade do trabalho? Você entende assim?

Teremos de tomar cuidado com o uso do termo gig economy, usado como sinônimo de uberização. Isso obscurece um pouco as coisas. Demanda mais pesquisa e apuração, a fim de saber como o conceito é usado e se aplica à realidade brasileira. Tal conceito surgiu nos EUA e Europa pra denominar um fenômeno que para nós não é uma novidade: a economia dos bicos.

O termo gig, em sua origem, se refere ao trabalho feito por músicos na noite, trabalho eventual. Começou a haver um crescimento de tal atividade na economia, a exemplo de iniciativas como AirBNB, Uber, e chegou-se ao termo gig economy para nomear todas as formas de trabalho e atividade – é até difícil definir o que são de fato – e suas pequenas participações nas economias.

Mas apesar de ser uma participação pequena, seu crescimento é acelerado, fenômeno que chama atenção. Quando trazemos o debate ao Brasil de forma irrefletida, começamos a obscurecer a realidade brasileira. Se olhamos o nosso mercado de perto, temos 50% da população com no máximo 1,5 salário mínimo e cuja trajetória de informalidade começou bem antes do Uber, na estruturação do mercado de trabalho do começo do século 20.

A vida dos trabalhadores brasileiros é de trânsito permanente entre tais trabalhos, formais e informais, com bicos etc. Em relação à outra pesquisa que conduzi, é a gestão da sobrevivência, em trânsito permanente. Ao chamar de gig economy, importamos um termo que está sendo usado para descrever o processo de informalização das relações de trabalho no centro do capitalismo. Portanto, temos de tomar cuidado para importar tal categoria, para não apagar nossa própria realidade.

Em termos de intensificação do trabalho, qual a ideia que vem junto da uberização? Mais um passo na direção da flexibilização do trabalho. “O trabalhador tem liberdade, autonomia”, “ele trabalha onde quer e quando ele quer”, “se tiver um emprego e quiser desempenhar mais uma atividade ele pode decidir por isso”… Mas o que vemos é o contrário da diminuição da intensidade do trabalho. Aplicativos podem funcionar como vetor de sentido contrário.

Entrevistei uma motogirl na minha pesquisa: ela trabalha com CLT numa empresa terceirizada durante o dia; à noite entrega pizza como informal não registrada. Ela combina o trabalho no aplicativo com as demais atividades. Informalmente, ela intensifica seu próprio trabalho. E temos de olhar o que a mobiliza: ela aumenta seu rendimento, ela tem interesse nesta situação. Ninguém é burro, o trabalhador está pensando em sua sobrevivência. E assim a pessoa começa a combinar as entregas do aplicativo com o outro trabalho, preenchendo brechas em seu tempo com mais trabalho.

Outro exemplo de exploração/precarização é da Amazon: ela tem uma plataforma chamada Amazon Mechanical Touch, uma das maiores empregadoras de tais plataformas, como se vê na Europa, Ásia e EUA. Há uma legião de trabalhadores que ficam conectados desempenhando tarefas manuais, repetitivas, ofertadas nesta plataforma. Já há estudos sobre formas de adoecimento destes trabalhadores, uma vez que ficam conectados 24 horas, à espera de demandas que podem vir da China, de Londres, de qualquer lado.

Portanto, a ideia de que o trabalhador será livre, que tais meios automatizam o serviço e permitem que se trabalhe menos não se verifica, pelo contrário. É um vetor de perda da medida sobre o que é ou não é tempo de trabalho. E há formas variadas de intensificação do trabalho. Às vezes a intensificação se dá no sentido de que se preenche seu tempo de trabalho com as atividades ou ficando inteiramente disponível ao trabalho, cumprindo demandas pontuais. É uma discussão bem complexa.

No meio disso tudo, como lidar com informações de que a própria Uber não dá lucro, afirmações do próprio dono da Amazon, Jeff Bezos, sobre a necessidade de mudar a forma de operação da empresa, senão será questão de tempo falir? Enfim, com lidar com a impressão de que são empresas muito lucrativas, pois têm custos menores de reprodução da força de trabalho, mas na realidade não aparecem tão lucrativas e viáveis assim?

É uma questão muito séria. Até pessoas do campo marxista, que têm a tese de que o capitalismo chegou ao seu limite na extração de mais-valia, por não ser mais o valor que sustenta a reprodução do sistema, verão aí um exemplo: empresas que exploram ao máximo o trabalhador, com custos de produção próximos de zero, não dão lucro. Como explicar? É o dilema que está posto e inclusive é o próximo passo nas minhas pesquisas.

De saída, como leiga, que ainda não detém conhecimento profundo sobre isso, penso que devemos separar o joio do trigo: não é que a Uber não tem lucro. É que a atuação agressiva com a qual a empresa se impõe, tentando monopolizar o setor e quebrar a concorrência, custa muito caro. Ela tem todo um trabalho de marca. É preciso confiança do público na marca, que precisa se cultivar permanentemente. E aí a multidão de trabalhadores e até consumidores faz um excelente trabalho publicitário não pago. Tem também um gasto enorme com lobbies e negociações com legislações locais. Tudo isso deve entrar na conta. Mas ainda precisamos entender se há mais elementos, afinal, o horizonte declarado da Uber é eliminar a figura do motorista e usar o carro automático.

Por outro lado, devemos também entender que estamos entrando numa nova era da forma de organização e gerenciamento do trabalho e sua relação com o capital, na qual o mapeamento de dados, a vigilância e o controle estão andando juntos com o consumo e têm importância cada vez maior. Assim, há uma produção de dados sobre as cidades, consumidores, sua organização etc. que vale muito. Como será usado futuramente? Essa captação de dados tem muito a ver com a forma como se organizará o uso da inteligência artificial e seu impacto no mundo do trabalho.

São questões que ainda não estão claras e precisamos entender melhor. Onde está o lucro, por que tais empresas não se apresentam como superlucrativas? Eu não iria pelo caminho de que no cerne da história teria acabado a exploração do trabalho. Precisamos destrinchar melhor.

É possível existir uma economia exclusivamente informacional/digital?

Uma coisa que aprendemos bastante com o marxismo é: a questão não é a tecnologia. Esta é política. Não é que a tecnologia se desenvolve neutralmente e pode resultar em certo tipo de organização social. O próprio desenvolvimento tecnológico já é politicamente constituído. São determinados interesses que movem o desenvolvimento para um caminho. Temos a noção arraigada de que a tecnologia se desenvolve por si própria, através da possibilidade de tudo conhecer e criar. Não, pois isso é politicamente determinado. O que importa é sua utilização.

Podemos ter uma sociedade automatizada onde as pessoas vivam com mais tempo livre ou numa sociedade ainda mais desigual, com formas de exploração cada vez mais degradantes. A relação entre desenvolvimento tecnológico e precariedade é importante. Marx já mostrava como o desenvolvimento da máquina a vapor também aprofundou o trabalho nas minas de carvão.

Mas isso não é inevitável. Deve-se à forma pela qual tais sociedades se organizaram. O futuro do trabalho e da sociedade informacional dependerá de como as sociedades, em suas relações de desigualdade e exploração, se organizarão. Podemos tanto imaginar um futuro onde o trabalho seja livre da produtividade em favor da criatividade, da realização do ser humano, ou um futuro que vai aprisionar cada vez mais as pessoas.

tecnologia não paira de forma independente a isto, ela é parte do processo.

Como seu último trabalho dialoga com o Sem maquiagem: o trabalho de um milhão de revendedoras de cosméticos, que você publicou em 2014? O que pode ser sintetizado no que tange aos interesses dos trabalhadores?

É interessante, pois não cheguei na uberização por causa dos motoboys que começavam a trabalhar por aplicativo, mas por causa do trabalho destas revendedoras, o que ajuda a escapar um pouco da noção de se dar muita centralidade à tecnologia. Quando comecei minha pesquisa sobre as revendedoras, elas eram 200 mil. Quando terminei a pesquisa, eram 1 milhão.

Eu tinha como questão central saber como se dava a relação de trabalho entre empresas e a multidão de revendedoras. Primeiro porque não parecia trabalho. Segundo porque elas trabalhavam quando e como queriam. E terceiro porque havia uma heterogeneidade gigantesca no perfil social das revendedoras, desde diaristas a esposas de executivos de empresa.

Como uma multidão de informais trabalha para uma empresa só, sem que isso apareça como trabalho, sob vários riscos, custos, dedicando várias horas de suas vidas? Isso precedeu a plataforma digital. Ao vermos de perto, percebemos que as características centrais da flexibilização do trabalho estão muito relacionadas com o trabalho tipicamente feminino, com a indistinção entre o que é tempo de trabalho ou não é, a dúvida sobre classificar o trabalho da esfera doméstica, se este deveria ser mercantilizado, se participaria da reprodução social… Se olharmos bem, é um trabalho de mulheres muito comumente tornado invisível.

Na época da pesquisa, dizia que havia a generalização da adesão a tais formas de trabalho sem a forma-trabalho tradicional, ou seja, sem garantia de nada, totalmente desprotegida, sob autogerenciamento permanente; 200 mil pessoas por ano se dispondo a vender Natura quer dizer o quê? Quando vi os motoboys se uberizarem pelo trabalho em aplicativos, as coisas se conectaram e entendi ser uma tendência que atravessa o mundo do trabalho, com a perda das formas historicamente estabelecidas das ocupações. É quase como se estivéssemos rumando a uma generalização do trabalho-amador.

O que seria isso? Por exemplo: sou professora, estou na universidade, tenho meu crachá, holerite, horários definidos de trabalho, uma série de coisas que me instituem como professora. Mas e se trabalho numa plataforma que me encomenda um material didático sobre política pública para a semana que vem, e cabe a mim pensar se aceito ou não? Ou se dou aula a distância, online? É um deslocamento da minha definição de professora. O mesmo vale para os taxistas e o motorista de uber. O primeiro é profissional, sua ocupação está instituída. O segundo, apesar de também trabalhar, é amador. Isto é, trata-se de uma tendência de perda das formas do trabalho.

As coisas se conectaram. Se eu não tivesse estudado as revendedoras, só enxergaria na uberização uma nova forma de terceirização. Mas nas revendedoras de Natura eu consegui ver elementos em sua atividade que parecem desimportantes, socialmente invisíveis, que se generalizam agora.

Considerando no âmbito brasileiro as reformas liberalizantes, como a da terceirização e a trabalhista, o fim do Ministério do Trabalho e atual proposta de reforma da Previdência, o que devemos esperar de resultados econômicos e distribuição de renda?

É um momento gravíssimo, de ataques explícitos às forças do trabalho. E tais ataques já vêm de alguns anos. O mundo do trabalho está em permanente pressão. Há um cabo de guerra em torno de até onde vão os direitos do trabalho, sua regulação protetora, custos etc. É estruturante no capitalismo.

Nos últimos anos, desde a Reforma Trabalhista, vemos ataques às forças do trabalho, suas formas de organização e proteção historicamente construídas. E é muito refinado, ainda que brutal. A Reforma Trabalhista vai se ramificando por diversos aspectos do mundo do trabalho que constituem proteções ao trabalhador. A mesma lógica se vê na Reforma da Previdência.

E se pensamos que o mundo do trabalho brasileiro já é tão desigual, tão precarizado, com uma força de trabalho de valor tão rebaixado, por que se mobiliza um ataque tão articulado ao que já é precário? Precisamos incluir nos debates a realidade do mercado de trabalho brasileiro. A maioria da população brasileira não vive, mas sobrevive. E sobrevive sem garantias, mesmo o trabalho formal é de alta rotatividade. Ela está transitando pelo mercado, isso quando não combina formas diferentes ao mesmo tempo.

O Estado passa por uma mudança na sua colocação entre o capital e o trabalho. Ele passa a promover a informalização do trabalho. E se tivermos um sistema de capitalização aprovado através da Reforma da Previdência estará praticamente extinta a possibilidade do trabalho formal. O atual presidente declarou claramente que o trabalho informal é o modelo, com aquele discurso de estímulo ao empreendedorismo etc.

De fato, está tudo voltado à eliminação das mínimas garantias que orientam o mundo do trabalho. A Reforma Trabalhista age como se o trabalho informal não existisse no Brasil, como se não fosse necessário regular nada, ao passo que se criam dispositivos como “autônomo exclusivo”, isto é, legalização da Pessoa Jurídica (PJ).

Trabalhador intermitente, o que é isso? Um cara totalmente disponível ao trabalho que apesar de ter uma carteira assinada não tem ideia de quanto ganha por mês, quando tem férias remuneradas. Ele está lá, disponível. Só.

São mudanças pautadas pelo discurso do livre mercado. “Olha, empregador e trabalhador se encontram em condições iguais e negociam livremente”. Estamos formalizando o trabalho informal, com figuras jurídicas que não existiam. Se tudo seguir este caminho, em poucos anos teremos o rebaixamento do valor da força de trabalho, aprofundamento da desigualdade social e eliminação de direitos. Um rolo compressor.