Brasil deve reinventar suas cidades para o clima do século 21, por Muggan e Lemos

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Nova mentalidade exigirá reformulação radical no desenho, planejamento e gestão de núcleos urbanos

Robert Muggan, Cofundador do Instituto Igarapé e da Bioverse, especialista da SuperNature Labs, membro do Global Future Council on Cities do Fórum Econômico Mundial e autor do livro “Terra Incógnita” (Random House)

Davi Lemos, Sócio-diretor da Supernature Labs, membro fundador do Laboratório de Organizações Regenerativas (ReLab) e tradutor do livro “Sociedade da Escuta” (ed. Afluente)

Folha de São Paulo, 23/09/2024.

No próximo mês, um número histórico de brasileiros irá às urnas em 5.570 municípios. Mas, neste ano, diversos municípios já quebraram outros recordesbem diferentes. Em março de 2024, o Rio de Janeiro bateu o recorde de mais alta sensação térmica já registrada no Brasil, com escaldantes 62,3® C. Dois meses depois, as enchentes em Porto Alegre e em outras áreas do Rio Grande do Sul desalojaram 600 mil residentes urbanos, o maior desastre do tipo na história do Brasil. Neste mês, São Paulo registrou a pior qualidade do ar no mundo. As cidades, onde vivem 85% dos brasileiros, podem ser tanto a causa quanto a solução para o colapso ecológico.

Segundo o IPCC (Painel Intergovernamental para a Mudança Climática, órgão ligado à ONU), as cidades são responsáveis por cerca de 70% das emissões de gases de efeito estufa (GEEs) ao redor do mundo. Os principais culpados são o concreto de nossos edifícios, os sistemas de aquecimento e resfriamento e os meios de transporte. Grande parte do problema se dá por conta de urbanistas, arquitetos e incorporadoras imobiliárias continuarem a usar modelos ultrapassados de planejamento, construção e gestão das nossas cidades, que estão nos afastando da natureza e de uns dos outros. Um novo paradigma é essencial.

O momento de aceleração das mudanças climáticas coincide historicamente com o ápice da expansão urbana desenfreada. Estima-se que, apenas nos próximos 35 anos, as cidades cresçam, em termos de área ocupada, mais do que cresceram ao longo de todo o século 20. Esse processo de transformação de áreas naturais em áreas construídas tem sido responsável não só por enormes quantidades de emissão de GEEs, mas também pela perda significativa de biodiversidade ao redor do planeta.

Nas últimas décadas, as cidades enfrentam um cenário sério de fragilidade, com o aumento das ilhas de calor, a escassez de água, o agravamento das desigualdades e a deterioração da saúde mental. A verdade inconveniente dos dias de hoje parece ser que nossas cidades não foram construídas e não estão preparadas para o clima do século 21. A Confederação Nacional dos Municípios relatou que apenas 1 em cada 5 dos 5.570 municípios do país está preparado para enfrentar as mudanças climáticas.

Algumas cidades estão tomando medidas, mesmo que graduais. Fortaleza, por exemplo, está investindo na transformação verde de áreas públicas visando a redução da poluição urbana e o risco de enchentes. Já Curitiba está investindo em um parque planejado que terá capacidade de estocar 43 bilhões de litros de água para períodos de seca. E, em nível nacional, o Ministério das Cidades começou a acelerar o planejamento de mitigação e adaptação, mas ainda há muito a ser feito.

Há um consenso crescente de que são necessárias não apenas novas políticas climáticas, mas também uma reformulação radical no desenho, planejamento e gestão das cidades. Esse é o objetivo do biourbanismo, movimento nascente que visa mobilizar atores públicos e privados na implementação de pilotos de urbanismo ecológico e regenerativo em cidades brasileiras a partir de 2025. No coração dessas novas abordagens ecológicas ao urbanismo está a aplicação das formas e processos da natureza ao design urbano e aos métodos e materiais construtivos. Entende-se que na intersecção da biomimética com o planejamento e construção de bairros e infraestrutura verde esteja uma grande oportunidade de impulsionar a descarbonização e preparar os nossos núcleos urbanos para as mudanças climáticas.

As cidades bem-sucedidas de amanhã não serão apenas lugares para viver, mas também ecossistemas vivos e que respiram. Não serão geradores de GEEs, mas sim sumidouros urbanos de carbono e centros de inovação e experimentação. Isso requer uma mudança de mentalidade entre os governos municipais, investidores e construtores privados e residentes urbanos. Requer a construção de visões inclusivas, estratégias participativas, métricas alcançáveis e vitórias tangíveis para impulsionar a adoção. Exige uma abordagem de risco, financiamento inovador de fontes públicas e privadas e uma vontade de experimentar e testar novas soluções.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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