Brasil passa por mais um momento Gramsci, por Nelson Barbosa.

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Sintomas mórbidos aparecem enquanto o velho morre e o novo ainda não nasce

Nelson Barbosa, Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

Folha de São Paulo, 07/10/2022

O Brasil passa por mais um momento Gramsci. Falo do historiador, filósofo e político italiano do século 20, que disse: “A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece”.

Começando pelo que está acabando, assim como em outras democracias ocidentais, a extrema direita ocupou o espaço da centro-direita no espectro político brasileiro.

A nova composição do Congresso registrou grande avanço do bolsonarismo, espremendo a antiga centro-direita. A centro-esquerda e a extrema esquerda também cresceram, mas infelizmente menos do que a extrema direita.

Em minha opinião de cientista político amador, o encolhimento da centro-direita deve-se a dois fatores mundiais: o fracasso do neoliberalismo em gerar crescimento para todos e o surgimento das redes antissociais.

Na economia, a crise de 2008 e a estagnação que se seguiu, em parte derivada da hipótese de austeridade expansionista adotada em várias democracias ocidentais, desacreditaram o discurso neoliberal e os políticos a ele associados.

Somem-se à crise neoliberal os temores da classe média branca sobre globalização e imigração em países avançados e sobre corrupção e falsa ameaça comunista em países como o Brasil, e você tem a avenida aberta para a extrema direita.

Nos dois casos, o surgimento das redes antissociais, onde todos falam e quase ninguém escuta, permitiu a aglutinação de movimentos minoritários, mas ruidosos, de extrema direita. Existem também doidos de extrema esquerda (o pessoal que defende stalinismo), mas esses são minoria da minoria.

A maioria da minoria doidivana de rede antissocial está na extrema direita, em que vários “homens de bem” acharam a oportunidade de extravasar suas frustrações em racismo e misoginia, sempre com a desculpa: “Eu estava brincando”. Bolsonaro é a versão nacional de um fenômeno mundial.

E os sintomas mórbidos previstos por Gramsci? Há vários. Na economia, discurso fiscalista com prática populista, basta ver o pacote eleitoral de Bolsonaro e a crise atual no Reino Unido. Na política, judicialização crescente de todo e qualquer assunto, com paralisia administrativa. Nas relações sociais, crescimento do porte de arma e discussões pessoais que acabam em tragédia.

Os sintomas mórbidos continuam na saúde pública, educação, meio ambiente e outras áreas, mas paro por aqui para não desanimar os leitores.

Do lado positivo, a frente ampla construída por Lula é um sinal positivo do que pode aparecer. Do PSOL a eminentes tucanos, várias pessoas constataram que é preciso se juntar para barrar o bolsonarismo enquanto isso é possível, mas falta definir o que fazer depois.

Apesar de o “novo” ainda não ter nascido, é possível antever dois princípios para que ele tenha sucesso: 1) de nada adianta responsabilidade fiscal com paz de cemitério e 2) o crescimento econômico tem que ser para todos, em vez de para poucos. É por esses dois motivos que Lula ganhou o primeiro turno das eleições presidenciais. Convém escutar o que ele tem a dizer.

Do meu lado, digo apenas que há várias formas de reequilibrar o orçamento público com geração de emprego e redução de desigualdades, desde que petistas e ex-antipetistas concordem com uma pauta mínima de estímulos de curto prazo e reformas de longo prazo, mas hoje isso virou “detalhe” para depois das eleições.

Agora a prioridade é apoiar o santo guerreiro contra o dragão da maldade, por isso é Lula de novo com a força do povo!

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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