Brics, pra que te quero? por Rodrigo Zeidan

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Grupo era fantasia que virou realidade; não dá para esperar grandes coisas

Rodrigo Zeidan, Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

Folha de São Paulo, 28/10/2023

O Brics não existe. Brasil, Rússia, Índia e China (e depois África do Sul) foram colocados no mesmo saco por um executivo do Goldman Sachs, em 2001, por serem os países do futuro, que combinariam grandes populações e potencial econômico.

Bem, o futuro chegou e a realidade é dura. China e Índia não pararam de crescer durante os últimos 20 anos, enquanto Brasil, Rússia e África do Sul se estabeleceram como bastiões da armadilha da renda média; economias estagnadas sem chance de saltar estágios de desenvolvimento. China e Índia podem sonhar em galgar degraus.

Os chineses saíram da baixa renda média (onde a renda per capita é de menos de US$ 4.000) para a alta renda média (ganhos por habitante entre US$ 8.000 e US$ 13 mil). A China se tornará um país rico? Possivelmente, embora não seja certo. A Índia, por sua vez, saiu da classificação de país pobre (com renda abaixo de US$ 1.100 por pessoa) para renda média baixa e, provavelmente, chegará à renda média nos próximos dez anos.

Em 2000, o Brics representava 20% do PIB mundial. Hoje, o bloco é um terço da renda mundial. Só que a participação dos outros países que não China e Índia encolheu sobremaneira, com a parcela do PIB mundial representado pela economia brasileira caindo quase um quarto, para 2,4%, enquanto os gigantes asiáticos aumentaram seu peso na economia mundial para 20% (China) e 9% (Índia).

O mais interessante é que a China, que é o país com menos razão econômica para fazer parte do Brics, é o governo que de longe mais lidera iniciativas para manter a existência de um clube que, não fosse um relatório de um banco de investimentos, não existiria. Na China existem inúmeros centros de estudos do Brics, o país sedia o Banco do Brics (agora chamado de Novo Banco de Desenvolvimento) e são várias as conferências sobre o assunto.

Vamos ser sinceros: o Brics hoje é uma construção geopolítica liderada pelos chineses. Para o Brasil, vale a pena ser parte do bloco? Claro que sim. Afinal, a China é o maior parceiro comercial do país e diversificar interesses econômicos é algo que faz sentido geopolítico. Mas o que não dá é para o governo brasileiro achar que os eventos do Brics refletem uma visão de consenso entre os países do bloco. Quem dá a energia para a existência das iniciativas é o governo chinês, e não há qualquer possibilidade de outros países terem uma voz ativa que se distancie demais dos interesses da China. De novo, isso não é um grande problema, pois afinal o Brics é a centésima prioridade geopolítica chinesa (e também têm baixa prioridade nos outros países).

Para a China, o grupo também serve como diversificação geopolítica. Custa muito pouco manter um grupo de países aliados em um momento no qual o ocidente espreme o país. Para os outros países membros, como a maior parte dos custos é bancada pelos chineses, participação custa muito pouco.

Mas não há sonho global comum. O Brics não é parte de um projeto de fortalecimento do Sul Global (outra construção ideológica de dúbio valor). É um investimento geopolítico pragmático, com poucos custos para os países envolvidos, mas também sem prometer grandes retornos.

É legal dizer que fazemos parte de um clube que concentra um terço do PIB mundial? Talvez, mas o Brics era uma fantasia de um banco de investimentos que se tornou realidade; não dá para esperar grandes coisas de algo assim.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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