Como funciona o partido digital bolsonarista, por Camila Rocha.

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A forma de organização é uma inovação política alinhada ao espírito algorítmico de nossos tempos

Camila Rocha, Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.

Folha de São Paulo, 26/05/2025

O PL (Partido Liberal), legenda que abriga Jair Bolsonaro desde 2021, é apenas um hospedeiro institucional do bolsonarismo. Sua verdadeira organização política é uma máquina digital de poder descentralizada, com base digital e estratégias próprias, que opera à margem das regras formais da política.

Tal forma de organização é uma inovação política que nasceu alinhada ao novo espírito algorítmico de nossos tempos. Daí o nome: “partido digital”.

É o que argumentam pesquisadores do Centro para Imaginação Crítica do Cebrap (CCI/Cebrap) que, em parceria com o Instituto Democracia em Xeque e o Projeto Brief, realizaram uma série de levantamentos de dados para demonstrar por que faz sentido falar em partidos digitais.

“O bolsonarismo não é apenas um grupo de apoio a um líder, mas uma forma organizativa nascida no ambiente digital, que hackeia o sistema partidário tradicional para a disputa política eleitoral”, explica Ana Cláudia Chaves Teixeira, pesquisadora do CCI/Cebrap e professora de ciência política da Unicamp. “Ao operar em paralelo, o partido digital contorna as legislações eleitorais, modos de financiamento, bem como consegue operar de maneira nova a mobilização de sua base.”

É justamente tal modo de organização política que teria permitido a hegemonia política de Bolsonaro no campo das direitas sem a necessidade de um partido próprio ou de vínculos estreitos com lideranças políticas tradicionais. E, mais importante, mantendo um discurso antissistema radical.

Desde o início de sua vida política, Bolsonaro já passou por oito partidos. A agremiação em que permaneceu mais tempo foi o PP, fundado a partir de setores da Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido de sustentação da ditadura militar.

Quando se tornou a principal liderança política da extrema direita brasileira, Bolsonaro estava abrigado no PSC (Partido Social Cristão). Na época, de 2016 a 2018, o partido havia começado a receber um grande influxo de jovens querendo se filiar, algo até então inédito para siglas fisiológicas de direita. A maioria se declarava fã de Bolsonaro e Olavo de Carvalho.

Para viabilizar sua candidatura à Presidência, o partido pagou um curso de media training para Bolsonaro para amenizar seu estilo agressivo. Além disso, para aproximá-lo do eleitorado evangélico, o então líder do partido, Pastor Everaldo, da Assembleia de Deus, batizou Bolsonaro, que é católico, no Rio Jordão, em Israel.

Porém a radicalidade de Bolsonaro impediu sua permanência na sigla. A gota d’água foi uma aliança com o PC do B que possibilitou a eleição de um evangélico e de três vereadores comunistas. Depois disso, o bolsonarismo tentou se organizar em um partido único por duas vezes com duas siglas: Patriota e Aliança Brasil. Foi um fracasso retumbante.

De fato, os políticos bolsonaristas dificilmente conseguem se sentir representados por qualquer uma das siglas de direita brasileiras. Afinal, ao contrário da maioria dos políticos brasileiros, os bolsonaristas mais aguerridos querem fazer a grande política. E, para disputar corações e mentes hoje, as redes são imprescindíveis, os partidos tradicionais, não.

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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