Confronto e erosão como método, por Oscar Vilhena Vieira.

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Essa concepção tribal de política foi descaradamente plagiada pelo bolsonarismo

Oscar Vilhena Vieira, Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

Folha de São Paulo, 21/05/2022

Bolsonaro pratica uma concepção primitiva de política, baseada no confronto, na intimidação dos adversários e no arbítrio, em detrimento de uma política fundada na competição eleitoral, no debate público e na legalidade.

Essa concepção tribal de política, defendida por Carl Schmitt, que marcou a ascensão de regimes totalitários nos anos 1930, repaginada pela extrema direita norte-americana nas últimas décadas —com sua idolatria fálica às armas,

à supremacia racial e a ideias liberticidas—, foi descaradamente plagiada pelo bolsonarismo.

Para os praticantes dessa concepção pervertida de política, a democracia constitucional —que pacifica e institucionaliza a competição política e impõe limites jurídicos àqueles que exercem poder— aparece como um entrave inaceitável ao poder soberano devendo, portanto, ser suprimido. A verdadeira soberania, de acordo com Schmitt, não pode ser confinada pela Constituição, pelo império do direito. Ela somente se expressa no contexto do estado de exceção.

Afirmar que se trata de um modelo primitivo de política, não significa, portanto, dizer que é uma concepção destituída de método. No caso brasileiro, o constitucionalismo democrático vem sendo atacado de duas formas: o intenso confronto político deliberado e a erosão difusa da ordem jurídica e da integridade das instituições.

Politicamente, o bolsonarismo conduz um interminável confronto com as instituições e os valores da democracia liberal. Promove uma guerra cultural permanente pelas redes sociais e, ao mesmo tempo, ataca as instituições de controle e aplicação da lei, com o objetivo de minar a credibilidade e a capacidade delas de exercerem a função de freios contrapesos ao poder presidencial.

O ataque às urnas eletrônicas, ao Supremo e aos ministros que têm conduzido o processo eleitoral é parte essencial dessa estratégia de fragilização institucional. Como demonstra relatório da organização Democracia em Xeque, publicado esta semana, após Bolsonaro propor ação de abuso de autoridade contra Alexandre de Moraes, o ministro vem sendo alvo de uma gigantesca onda de ataques nas redes sociais, voltada a intimidar e restringir sua credibilidade.

Dentro dessa mesma estratégia, o bolsonarismo fomenta a animosidade das Forças Armadas contra o Supremo e o TSE.

No plano jurídico, por sua vez, o governo tem empregado as prerrogativas presidenciais, como decretos, nomeações, restrições orçamentárias, estabelecimento de sigilo e ordens para institucionais, para subverter a ordem constitucional. Essa estratégia parece ser uma consequência da incapacidade do governo de promover mudanças mais amplas com apoio de ambas casas do Congresso Nacional.

Esse ataque infralegal fica muito evidente no campo do meio ambiente, dos direitos indígenas, do combate ao trabalho escravo, da reforma agrária, da Polícia Federal e, especialmente, na área das armas de fogo, prejudicando não apenas a política de segurança pública, como fortalecendo milícias e grupos radicalizados que ameaçam a democracia.

Trata-se, assim, de um perigoso avanço em direção ao estado de exceção, como decorrência da associação entre confronto político sistemático e erosão jurídica como método de subversão da ordem constitucional, que precisa ser imediatamente contido, sob o risco de comprometer definitivamente o edifício democrático brasileiro. Esse é o desafio colocado às elites políticas, econômicas e sociais brasileiras neste momento.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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