Conjuração internacional bolsonarista, por Oscar Vilhena Vieira

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O objetivo do presidente americano é constranger o governo e intimidar o STF, que apenas cumpriu sua obrigação

Oscar Vilhena Vieira, Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP. Autor de “Constituição e sua Reserva de Justiça” (Martins Fontes, 2023)

Folha de São Paulo, 12/07/2025

Aplicar o direito não é uma tarefa fácil, especialmente quando o peso da lei recai sobre pessoas poderosas ou que têm amigos poderosos. Juízes já foram mortos por condenar mafiosos, em países como a Itália ou a Colômbia; colocados na prisão por não atenderem as determinações de ditadores, como na Turquia ou no Irã; ou apenas afastados de seus tribunais por simplesmente não se curvarem aos poderosos de plantão, em diversas partes do mundo.

O presidente americano vem promovendo há muitos anos um processo de intimidação e subordinação do Judiciário de seu país. A cada decisão contrária aos seus interesses, achincalha magistrados, acusando-os de “lunáticos esquerdistas”. Seus apoiadores os ameaçam de impeachment. A juíza Ketanji Brown Jackson, da Suprema Corte, “teme pela democracia dos Estados Unidos”.

O ataque ao Poder Judiciário brasileiro, no entanto, consiste num novo capítulo na relação de populistas iliberais contra o Estado de Direito. Trata-se de uma inusitada tentativa de interferência na Justiça de um outro país.

Na presente escaramuça, o presidente americano acusa o Supremo Tribunal Federal de perseguir Bolsonaro, ameaçando retaliar o Brasil com sua artilharia tarifária. O objetivo é constranger o governo e intimidar o Supremo, que apenas cumpriu sua obrigação de julgar Bolsonaro e golpistas, com base em uma lei aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo próprio Bolsonaro.

Outros motivos, como a reunião do Brics, no Rio, ou a decisão do Supremo de aperfeiçoar o regime de responsabilidade das plataformas, também podem ter pesado na decisão americana. Tudo, porém, pode ser apenas uma bravata, para legitimar uma eventual fuga de Bolsonaro, ou mesmo a suspensão das taxas a seu pedido.

A relação de populistas com o Estado de Direito e as instituições responsáveis pela aplicação da lei são sempre conflitivas. Populistas acusam a Justiça de impedi-los de realizarem a vontade do povo, do qual reivindicam ser os únicos e autênticos representantes. Sob o pretexto de defenderem a democracia, atacam o Estado de Direito.

Conceitualmente, democracia e direito são coisas distintas. À democracia importa, sobretudo, a realização da vontade dos cidadãos. Ao direito, por sua vez, importa a criação de um sistema de regras, que contribua para estabilizar expectativas e conter o arbítrio.

A convergência entre democracia e direito, que resulta na ideia de Estado democrático de Direito, foi originalmente concebida por Rousseau, ao reivindicar que um governo somente seria legítimo se resultasse da vontade dos cidadãos, expressa por meio de leis. Nesse sentido, os cidadãos apenas seriam autônomos quando fossem capazes de se autogovernar, por meio das leis.

Não é assim que pensam populistas. Para eles, somente a vontade da maioria, expressa pela palavra do líder, importa. Valorizam seus comandos. São avessos à ideia de uma ordem baseada na lei. Difícil entender como pessoas que dizem prezar a liberdade caem na esparrela de populistas.

As ameaças do presidente americano ao Brasil, em defesa daqueles que atentaram contra nosso Estado democrático de Direito, obrigará nacionalistas, conservadores, além da direita liberal brasileira, a tomar posição: ficarão a favor dos interesses nacionais, das nossas instituições, da agricultura e da indústria brasileira, ou ao lado daqueles que conjuraram contra o Brasil?

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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