A sociedade internacional está envolta em grandes problemas estruturais, cuja resolução exige uma atuação consistente e integrada entre inúmeros países das mais variadas regiões, deixando de lado conflitos e desentendimentos em prol da sustentabilidade do sistema capitalista global, dentre estes desafios destacamos o incremento das imigrações, a degradação do meio ambiente, o incremento acelerado na desigualdade, a perda de espaço da democracia e o crescimento excessivo do mercado financeiro que passou a ditar a agenda e influenciar nas decisões, gerando desequilíbrios e desajustes globais com impactos locais, aumentando a pobreza e fragilizando os Estados Nacionais.
Diante de tantos desafios, alguns países desenvolvidos estão estimulando discussões mais intensas sobre esta nova sociedade, cujas constantes crises podem gerar um degradação cada vez mais acelerado do sistema capitalista, gerando um incremento maior da pobreza e da marginalidade e desnudando um mundo cada vez maior, onde o desenvolvimento tecnológico e o aumento da produtividade estão levando a uma dualidade perigosa, de um lado encontramos ilhas de riquezas, marcadas pelo luxo e pela ostentação e, de outro, regiões inteiras de pobreza, marginalidade e exclusão social.
O aumento da desigualdade internacional veio a tona de uma forma mais intensa, gerando discussões incessantes, quando o economista francês Thomas Piketty publicou a obra O capital no século XXI, onde o autor analisou o crescimento da pobreza na maior parte da comunidade global e o aumento da renda de uma parcela reduzida da população percebendo, com isso, um incremento acelerado na concentração da renda mundial, onde um pequeno grupo de cidadãos passou a controlar o sistema e impor políticas de seus interesses.
Segundo dados contidos na obra do economista francês, a concentração de renda chegou a números assustadores e escandalosos, por estes números se percebeu que 1% da população mundial, algo em torno de 70 milhões de pessoas, controla mais de 50% da renda global, números estes parecidos com a concentração de renda no início do século XX, ou seja, nestes mais de 100 anos mesmo passando por um período de forte crescimento econômico e desenvolvimento tecnológico, os frutos das riquezas acumulados pela sociedade mundial está se concentrando nas mãos de poucos, ou melhor, de muito poucos.
Nesta sociedade marcada por um crescimento da desigualdade e pela concentração de renda, as condições de vida dos indivíduos estão piorando, a geração contemporânea não vai conseguir acumular os recursos de seus antepassados criando, com isso, um incremento da intolerância, das violências generalizadas, dos conflitos e dos constrangimentos, que acontecem em todas os países e regiões, destes os considerados ricos e os descritos como pobres ou em desenvolvimento.
Nesta sociedade marcada pelo crescimento da concorrência e da competição, os desequilíbrios emocionais estão crescendo de forma acelerada, os afastamentos de trabalhadores em decorrência de problemas ocupacionais, estresse, depressão e transtornos generalizados estão crescendo de uma forma jamais vista, levando os organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), a criar campanhas de esclarecimento em todas as regiões, objetivando entender e minimizar estes desequilíbrios crescentes, cujos prejuízos ao sistema são crescentes, na casa dos bilhões de dólares.
As alterações no mundo do trabalho estão gerando muito medo e desesperança, a perda do emprego é mais do que a perda de uma fonte de renda monetária, o emprego na sociedade capitalista é uma forma de sobrevivência digna, uma forma de inserção social decente e uma forma de construir uma história marcada por trabalho e ascensão social, com as mudanças na estrutura dos mercados de trabalho marcada pela redução exponencial dos postos de emprego, encontramos um incremento dos desequilíbrios, dos desajustes e das decepções, incrementando xenofobismo e violências crescentes e generalizadas.
O capitalismo internacional está em um momento de grandes incertezas, com isso, os grandes empresários e os governos estão buscando novos instrumentos para evitar um debacle maior, o mainstream se mostra preocupado com os rumos da sociedade global, como nos mostra a fala do economista indiano Raghuram Rajan, professor da Universidade de Chicago e ex-presidente do Banco Central da Índia, no seu novo livro The third pilar: “Se as pessoas perderem a fé em sua capacidade de competir no mercado, se suas comunidades continuarem a declinar, se elas sentirem que a elite se apropriou de todas as oportunidades em benefício próprio […], o ressentimento popular pode se transformar em raiva”.
A situação de degradação do sistema está crescendo de forma generalizada na sociedade internacional, os movimentos sociais estão se organizando para resistir aos avanços desta degradação, na França temos os movimentos dos coletes amarelos, nos países europeus percebemos o desconforto com a chegada de imigrantes de regiões conflagradas e em conflitos militares e de resistência, na Venezuela, um dos maiores produtores mundiais de petróleo, a situação se degrada rapidamente, colocando em lados opostos potências nucleares como os Estados Unidos, a Rússia e a China, nos lembrando de momentos sombrios da chamada Guerra Fria.
Nesta situação de medos e incertezas, percebemos o crescimento nas várias regiões do mundo, a ascensão de governos e grupos políticos de direita ou extrema direita, com fortes traços totalitários, como o do presidente norte-americano Donald Trump, do Hungaro Victor Orbán, do turco Recep Tayyip Endorgan, do italiano Matteo Renzi, do brasileiro Jair Bolsonaro, dentre outros, todos oferecem aos seus compatriotas respostas frágeis e insuficientes aos graves problemas que afetam seus países e amedrontam suas populações, agindo como verdadeiros líderes populistas.
Diante da ascensão destes políticos de direita ou de extrema direita, muitos teóricos discutem se a democracia está sofrendo algum risco na sociedade internacional, este risco sempre existiu, as forças totalitárias existem em todas as regiões e países, sempre buscando subverter a ordem dominante em prol de seus interesses imediatos, defendendo medidas populistas e bradando contra os estrangeiros ou os imigrantes.
O capitalismo globalizado controlado pelas grandes empresas transnacionais subverte a lógica política e transforma as instituições democráticas em espaços de perpetuação de interesses privadas, condenando uma grande parte da população as migalhas dos orçamentos públicos e aos serviços públicos de péssima qualidade, aumentando a insatisfação da população com as elites econômicas e com a classe política, fragilizando as bases da democracia.
Com o desenvolvimento tecnológico e com o incremento da concorrência e da competição, não mais em nível local mas em escalas internacionais, regiões inteiras estão sendo degradadas, estruturas produtivas estão sendo transferidas para outras regiões e condenando a população destas regiões ao desemprego e a indignidade, obrigando governo e comunidades locais a buscarem, em treinamento e políticas de qualificação, novas forma para inserir estes trabalhadores neste universo produtivo, em outras áreas e em outros setores, sob pena de recair sobre os governos novos dispêndios fiscais para resgatar estes cidadãos de exclusão social.
A tecnologia está impondo aos trabalhadores uma nova lógica de qualificação, de treinamento e de constantes atualizações, obrigando-os a se entregarem, cada vez mais, ao mundo do trabalho e da produção, aumentando sua carga de trabalho e deixando tempos cada vez mais restritos a seus familiares e, principalmente, para si próprio, com isso, percebemos novas patologias surgindo, gerando incertezas, medos e desesperanças.
Doenças ocupacionais estão em alta, desequilíbrios emocionais estão em franco crescimento, a depressão atinge mais de 400 milhões de pessoas na sociedade internacional, o suicídio cresce de forma acelerada, a ansiedade se tornou um caso de saúde pública e as drogas ganham força e movimentam mais de 500 bilhões de dólares ao ano, se transformando em um dos negócios mais rentáveis da economia mundial, com cartéis mexicanos controlando espaços antes sob proteção estatal, gerando um estado paralelo, muitas vezes mais organizado e bem quisto pela população do que muitos Estados oficiais.
Desde a grande crise internacional de 2008, está ganhando força na sociedade e nas comunidades mundiais, a convicção generalizada de que o sistema capitalista atual é um grande gerador de privilégios para uma pequena elite endinheirada, banqueiros, acionistas e grandes industriais, onde muitos trabalham em demasia e recebem pouco, enquanto poucos vivem de renda e de aplicações polpudas e generosas, pagas pelos juros investidos em títulos públicos por todos os governos, principalmente pelos governos que apresentam problemas fiscais e grande degradação em suas finanças públicas.
O capitalismo ganhou força na sociedade internacional ao enfraquecer o sistema anterior, o feudalismo, trazendo como vantagem a possibilidade sempre vislumbrada de ascensão social via trabalho honesto e digno, esta possibilidade ganhou força com o crescimento das teses de Martinho Lutero, estas ideias contribuíram para a fragilização do antigo regime e o crescimento do sistema do capital, garantindo aos trabalhadores a possibilidade de ascender socialmente, inaugurando, uma nova organização social, onde o esforço individual seria reconhecido com uma melhora financeira, social e nas condições de vida.
Na sociedade contemporânea, percebemos mudanças bastante assustadoras, a ascensão social via estudo, trabalho e dedicação, que foi inaugurada pelo capitalismo, vem sendo questionada pela organização da nova economia, os empregos estão sendo reduzidos e as regiões estão sendo substituídas facilmente, fragilizando os Estados Nacionais e colocando em xeque a ética protestante, substituindo-a por uma organização social centrado no imediatismo, no individualismo e na indiferença.
Neste ambiente de crises generalizadas e instabilidades constantes, a democracia se encontra ameaçada e pode sucumbir de forma indireta, os governos ascendem democraticamente e governam de forma mais autoritária, como nos mostram Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em Como as democracias morrem, fragilizando a imprensa, criminalizando a política, trazendo novas narrativas sobre fatos históricos, garantindo privilégios a setores organizados e adotando políticas populistas que postergam a resolução de problemas estruturais, a reversão desta crise da democracia no cenário mundial só será resolvida com mais democracia, mais educação e mais discussões políticas.
Outro ponto central para entendermos esta crise da democracia mundial é uma análise do poder do grande capital na sociedade global, neste momento os governos estão prostrados perante os donos do poder, as regulações construídas anteriormente foram desbaratadas, assim como está sendo feita nos Estados Unidos na atualidade, gerando um capitalismo financeiro dominante e centrado num negócio que mais parece um grande cassino, sem regras claras e coerentes, onde os grandes ganhadores são os detentores do dinheiro e os excluídos continuam sendo, sempre, a massa degradada, condenada a um trabalho angustiante e com pouquíssimas possibilidades de ascensão social, mas com grandes possibilidades de desenvolver doenças emocionais e espirituais.
O crescimento do poder dos grandes conglomerados levou os donos do capital a comprar a classe política e, através dela, aprovar leis e medidas que melhoravam as condições para estas empresas, subvertendo o sistema econômico em prol dos detentores dos recursos financeiros e transformando a classe política em uma filial dos grupos econômicos, neste ambiente temos uma democracia enfraquecida, onde uma parcela substancial da população mundial vive a margem da sociedade global e não usufrui dos ganhos gerados pela tecnologia e pelos avanços da ciência e do conhecimento, se mantendo na miséria e na indignada, criando espaços para violência e degradação.
A crise do sistema é tão evidente que no âmbito da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), os governos estão estimulando grandes discussões sobre as raízes da crise e as limitações do modelo atual, nestas discussões alguns consensos foram construídos, o crescimento da desigualdade e o incremento da exclusão social é uma realidade contemporânea e uma solução deve ser pensada com urgência, como a possibilidade de maior taxação para estes grandes conglomerados e a reversão destes recursos para uma política pública mais efetiva, onde os mais frágeis sejam beneficiados destes recursos para que consigam estruturar uma vida de maior bem-estar e mais segurança e estabilidade.
Os desafios são gigantescos e exigem uma organização e uma integração global, onde não apenas os países e seus governantes, mas as empresas e os grandes conglomerados, além de sindicatos, partidos políticos e trabalhadores se conscientizem de que a salvação do sistema é fundamental para todos, afinal, um mundo com mais guerras, violências e instabilidades interessa a poucas pessoas e estas devem ser combatidas, sob pena de que uma revolução social generalizada leve a uma destruição em todas as regiões.
Com Estados fracos e sem poderes econômico e político para impor seus interesses aos agentes econômicos, dificilmente a democracia conseguirá se mostrar presente nesta sociedade, impondo ao grande capital uma regulamentação mais rígida e consistente para evitar equívocos que levam a concentração dos mercados e prejuízos aos grupos mais frágeis e deficientes.
O fortalecimento do Estado democrático de Direito e dos canais políticos legítimos de negociação política devem ser consolidados, taxação e regulamentação de grandes empresas e conglomerados econômicos, combate a formas degradantes de trabalho e de exploração no mundo do emprego, uma maior capacitação dos trabalhadores para sobreviverem no mundo contemporâneo e políticas públicas efetivas para reduzir as desigualdades e a exclusão social crescentes nesta sociedade, todas estas políticas devem ser tomadas a nível global, envolvendo todos os grandes atores da geopolítica, Estados, grandes empresas e trabalhadores mas, para isso, as instituições devem abrir mão das rivalidades históricas e pensar na possiblidade de, se a situação continuar da forma como está, uma revolução global terá início nos próximos anos com danos irreversíveis para o planeta Terra e todo o meio ambiente, além de mortes e degradação em todas as regiões do globo.