Desagregação familiar, pandemia e neoliberalismo

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A pandemia está desnudando as grandes dificuldades existentes em todas as sociedades, em todas as nações estamos percebendo desafios assustadores, desequilíbrios emocionais, desagregações familiares, angústias e preocupações crescentes, exigindo políticas públicas para reconstruir as convivências sociais e a reconstrução dos laços afetivos e emocionais, num momento marcado pelas políticas sociais se fragilizando e o pensamento neoliberal, mesmo perdendo forças, ainda é hegemônico.

A pandemia está mostrando as pobrezas das sociedades, os desajustes econômicos e sociais estão num crescente, a consolidação do individualismo, da concorrência desigual, do crescimento do mito da meritocracia, medos e desesperanças que levam os indivíduos às depressões e às ansiedades, muitos deles mais fragilizados e desequilibrados recorrem ao suicídio, como forma de fuga das desesperanças, acreditando que este caminho o levará para acalmarem seus sentimentos mais íntimos e pessoais.

As famílias estão desagregadas, os lares estão devastados pelos desequilíbrios financeiros, as perspectivas são preocupantes, a pandemia está desnudando as estruturas. Os seres humanos estão no limite, de um lado, percebemos desequilíbrios emocionais centradas na ausência da inteligência emocional e, de outro lado, as perspectivas financeiras são assustadoras, as alterações no mundo do trabalho geram preocupações crescentes, gerando conflitos internos, conflitos familiares e medos generalizados.

Neste ambiente, percebemos o crescimento de movimentos fundamentalistas e religiosos, que estimulam os cultos e os rituais exteriores, marcados pelas interações centradas em falas superficiais e bem orquestradas, que estimulam o empreendedorismo e os negócios, marcados pela busca do enriquecimento, pelo entesouramento e o crescimento da meritocracia. Estes movimentos crescem de forma acelerada, transformando antigos espaços fechados de cinemas ou estruturas industriais desativadas de cidades médias e grandes em locais de cultos e louvações religiosas.

O mundo do trabalho passa por alterações crescentes, as atividades impactadas pelas tecnologias não mais se restringem aos trabalhos repetitivos e mecanizados, impactando para variadas atividades profissionais liberais, com isso, os movimentos de degradação dos trabalhadores da classe média, gerando perdas de rendas e das riquezas, fragilizando a classe média, cuja importância na sociedade sempre foi relevante e imprescindível.

Destacamos ainda, a fragilização das famílias, muitas degradadas por problemas financeiros e monetários, sem fontes de recursos adicionais acabam abandonando os convênios médicos e as escolas particulares, impactando vários setores da economia, fragilizando escolas e setores de saúde que perdem recursos e precisam fechar suas instalações ou aceitar promessas pouco atraentes pelos grupos maiores e mais estruturados. As famílias, acossados pelas crises financeiras, se entregam aos empregos existentes e, nesta busca acelerada pela sobrevivência com alguma dignidade, se percebem desintegrados, seus filhos cresceram, os espaços de convivência familiar se reduziram, os recursos monetários diminuíram e as surpresas negativas crescem, gerando decepções, medos e desesperanças.

Destacamos o incremento das drogas e as más companhias, que geram preocupações dos pais e dos familiares, crianças que cresceram e se transformaram em adolescentes, cheios de conflitos e desequilíbrios, criando constrangimentos com os pais, muitos deles se entregam aos pequenos furtos para bancar seus consumos internos, muitos, mais audaciosos e arrojados, começando negócios maiores, se aventurando no mundo das drogas e da delinquência. Estes relatos são naturais na sociedade contemporânea, onde as crises dos valores crescem aceleradamente, onde as religiões perdem a capacidade de construir novos espaços de sociabilidade, onde as escolas se limitam a construção de consumidores e os mercados se reduzem a locais do consumismo, da vaidade e de hedonismo.

No mundo da pandemia, as realidades são destrutivas, as famílias se entregam a conflitos abertos, os divórcios crescem de forma acelerada, as violências nos lares aumentam, gerando conflitos abertos entre pais e filhos, levando a assassinatos, agressividades e violências, as famílias perderam os laços de solidariedade, de respeito e de construções sociais, emocionais e afetivas.

A desagregação das famílias está impactando fortemente nas escolas e nas instituições de ensino, de um lado percebemos o abandono dos adolescentes pelas famílias, que mergulham nas atividades cotidianas de trabalho e justificam suas atitudes de descaso e de abandono, para trabalhar e conseguir acumular recursos monetários para garantir escolas de qualidade e a compra de bens, produtos e mercadorias para satisfazerem os desejos e as necessidades dos filhos. Os resultados imediatos estão sendo sentidos nos anos posteriores, desequilíbrios crescentes, desajustes emocionais, imaturidades e inseguranças, adultos imaturos e incertos sobre os rumos futuros e, muitas vezes, altamente dependentes dos pais e de seus familiares.

Neste momento de degradação, percebemos a hegemonia da ideologia neoliberal, centrada nos conceitos da redução do papel do Estado na sociedade, visto como o grande agente gerador de degradação e da putrefação da sociedade. Pelo pensamento neoliberal, quanto menor intervenção do Estado na sociedade, melhor para o crescimento econômico que, segundo este pensamento, os grandes indutores do desenvolvimento devem estar sempre centrados nos mercados e nos investimentos privados, sempre mais eficientes e produtivos para a coletividade.

O pensamento neoliberal se difunde pelos pensadores do capital, indivíduo ou pessoas que pensam através dos preceitos do capital, difundindo para a toda a coletividade as teses da aversão ao intervencionismo do Estado. Defendendo a competição e a busca crescente da concorrência, como a única forma de estimular o sistema ao desenvolvimento. Para o neoliberalismo os investimentos acreditam ou difundem para a coletividade que o grande responsável pelo desemprego da sociedade é o alto emaranhado de leis e regras que limitam o empreendedorismo, diante desta análise, a forma de estimular o mercado de trabalho é a redução dos benefícios trabalhistas, reduzindo os custos trabalhistas e estimulando novos investimentos. Seguindo estes preceitos, em novembro de 2017 a Reforma Trabalhista entrou em funcionamento e, ainda não gerou todos os benefícios para a coletividade, as promessas foram inúmeras, mas as realizações não aconteceram. Hoje o Brasil amarga mais de 14% de desempregados, se somando os subempregados e os desalentados, os números ultrapassam mais de 30%.

O mundo contemporâneo vive momentos de grandes inquietações, medos e desesperanças, as famílias sentem os impactos econômicos, políticos e culturais, levando as pessoas a instabilidades e incertezas crescentes, que demandam atenções maiores para evitar constrangimentos e convulsões em todos os países. O predomínio do econômico é um grande equívoco da sociedade, o enfoque do lucro e do enriquecimento geram cobranças crescentes, levando os indivíduos a desequilíbrios emocionais e psicológicos, levando a sociedade reconstruir os laços de afetividade e solidariedade, sem estes, o caos pode crescer e os desajustes conjunturais tendem a crescerem e se tornarem estruturais.

Vivemos momentos de grandes dificuldades em todos os quadrantes do mundo, os desafios são crescentes, as desigualdades crescem de forma acelerada, as famílias estão desestruturadas, o consumo e a acumulação estão se transformando em uma religião, a política está sendo criminalizada, os setores financeiros dominam a sociedade e adota sua agenda, defendendo seus interesses imediatos, diante isso, a sociedade precisa repensar seus interesses e preservar os valores que fazem dos seres humanos um indivíduo melhor e mais solidário, sem repensarem nossos caminhos e as escolhas, estaremos se afastando dos verdadeiros valores que constroem uma coletividade melhor.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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