É enorme equívoco associar o auxílio à redução eficaz da pobreza, por Cecília Machado.

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Se objetivo do auxílio fosse combater a Covid-19, ele deveria vir acompanhado por medidas mais severas de distanciamento social, o que não ocorreu

Cecília Machado Economista-chefe do Banco BOCOM BBM e professora da EPGE (Escola Brasileira de Economia e Finanças) da FGV

Folha de São Paulo, 25/05/2021

Depois de muitos anúncios sobre a reformulação da rede de assistência social, com direito a aumento do valor do benefício médio do Bolsa Família e registro de informações cadastrais via aplicativo, a semana passada terminou com a defesa —mais uma vez— da renovação do auxílio, em agosto deste ano, como a forma mais eficaz de combater uma possível terceira onda de Covid-19, o elevado desemprego e o aumento da pobreza.

Há, entretanto, muitas dúvidas sobre uma eficácia tão ampla do programa, e sua renovação por uma terceira vez parece indicar, ao contrário, despreparo e falta de planejamento no combate aos impactos adversos da crise sanitária na economia. Ou então ausência de compromisso com a redução das desigualdades sociais, já que há diversas vedações à distribuição de valores e benefícios em ano de eleição, e qualquer reformulação de programas sociais precisaria começar a valer ainda neste ano.

Primeiro, fosse o auxílio um programa estabelecido para mitigar a transmissão do vírus —garantindo a segurança alimentar das famílias em momentos de escalada da pandemia, quando o distanciamento social se torna necessário e a renda das famílias encolhe—, deveria ter sido pago nos momentos de recrudescimento da crise sanitária e retirado quando a economia reabrisse.

Mas, no primeiro trimestre do ano, quando a pandemia escalava para alcançar o seu pior momento —4.249 mortes, em 8 de abril—, a população enfrentava os efeitos adversos do distanciamento social sem nenhuma ajuda do governo.

Um auxílio emergencial que não responde ao número de caso e mortes ou às taxas de internação hospitalar —todos eles termômetros da crise sanitária— não cumpre o propósito de garantir subsistência das famílias quando a crise se amplifica. Pior, estabelecer uma transferência quando a mobilidade das pessoas segue sem restrição não casa com o objetivo de reposição de renda decorrente, justamente, do distanciamento.

Se o objetivo do auxílio fosse combater a Covid-19, ele deveria vir acompanhado por medidas mais severas de distanciamento social, o que não ocorreu.

Também vale lembrar que, ao fim do calendário de pagamento do atual auxílio, em agosto, muitos analistas estimam que grande parte da população já estará imunizada. São cerca de 600 milhões de doses contratadas até o fim do ano, tornando a renovação do auxílio, pelos motivos estritamente sanitários, menos relevante.

Tampouco é claro que o auxílio seja eficaz no combate ao problema do desemprego. Muitos indicadores apontam para a retomada da economia sem a recuperação do emprego, e é possível que o mundo pós-pandemia tenha uma confirmação do mercado de trabalho bastante distinta, já que o uso de tecnologias favorece mais que proporcionalmente trabalhadores mais qualificados e substitui serviços oferecidos pelos menos qualificados.

Mesmo em países que já se encontram avançados na vacinação e onde a retomada da economia é evidente, a taxa de desemprego ainda não retornou aos níveis pré-pandemia.

Ao que tudo indica, o problema do desemprego tem raízes mais estruturais, ainda que precipitadas pela conjuntura da pandemia, e a mera transferência de renda será incapaz de resolvê-lo, já que a inserção produtiva da mão de obra exige, ao contrário, um conjunto muito diferente de ações, como qualificação e treinamento dos trabalhadores sem emprego.

Por fim, é enorme equívoco associar o auxílio à redução eficaz da pobreza, pois, ainda que o orçamento do programa tenha sido expressivo, sua focalização foi baixa. Dito de outra forma, teria sido possível reduzir ainda mais a pobreza com maior direcionamento de recursos e ações para aqueles que realmente precisam.

Programas de combate à pobreza que fomentam a mobilidade social, ao contrário do auxílio, precisam também vir acompanhados da provisão de serviços, além de priorizar grupos onde os benefícios da assistência são maiores e mais persistentes no tempo, como crianças.

Faltam objetivos claros que justifiquem a renovação de um programa de baixo custo-efetividade, pouco relevante para frear a crise sanitária, combater o desemprego e dar fim a pobreza. Uma nova rodada do auxílio —sem maiores discussões— mostra de forma bastante clara que há dificuldades na definição de diagnósticos, prioridades e soluções para os problemas que emergiram e se amplificaram com a pandemia.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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