A eleição deste ano é crucial para nosso futuro como nação democrática
Oscar Vilhena Vieira, Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.
Folha de São Paulo, 24 setembro 2022.
O mundo vem enfrentando um forte processo de regressão democrática. Na última década, 30 países, que congregam cerca de 26% da população mundial, deixaram de ser considerados democracias eleitorais, elevando para 5,4 bilhões o número de pessoas vivendo sob regimes autocráticos. Ou seja, nada menos que 70% da população mundial vive hoje sob regimes não democráticos.
Outros 35 regimes democráticos, entre os quais o brasileiro, vêm passando por um processo de erosão a partir de 2011, marcado por uma crescente polarização tóxica, ampliação das restrições à liberdade de expressão, manipulação de regras eleitorais e ataques ao poder judiciário. Importa salientar a natureza incremental desses processos contemporâneos de regressão democrática, que se consolidam, sobretudo, com o segundo mandato de líderes populistas autoritários.
É neste contexto global de enfraquecimento da democracia que os norte-americanos foram às urnas em 2020 e mais de 150 milhões de brasileiros estão aptos a irem às urnas no próximo dia 2 de outubro. A derrota eleitoral de Trump levou a uma grotesca tentativa de golpe de Estado na mais antiga democracia do mundo. No Brasil o presidente Jair Bolsonaro tem advertido que não aceitará um resultado que lhe seja adverso.
Não se pode tomar as próximas eleições brasileiras, portanto, como um evento ordinário na vida política nacional.
Dois são os desafios. Em primeiro lugar é preciso evitar algum curto-circuito no processo eleitoral. A sociedade organizada e as diversas instituições precisam entrar em vigília cívica para esvaziar iniciativas maliciosas de subverter o processo eleitoral, como ocorreu nos Estados Unidos. À Justiça Eleitoral cabe com exclusividade a apuração dos resultados. Quaisquer tentativas de sabotagem do processo eleitoral ou de usurpar competência do Tribunal Superior Eleitoral constituem crime e devem ser repudiadas.
O principal desafio, no entanto, recai sobre o eleitor. Numa eleição normal, o dilema incide sobre escolher políticas mais conservadoras, liberais ou progressistas. Nesta eleição, no entanto, o que está em jogo é a própria sobrevivência de nossa democracia, a possibilidade de continuarmos a poder fazer escolhas e coordenar nossos conflitos de maneira pacifica.
Um segundo mandato de Jair Bolsonaro fragilizaria ainda mais o Estado de direito, o pluralismo político, a laicidade do Estado, os direitos fundamentais (especialmente de negros e indígenas), o processo eleitoral, os mecanismos de controle da corrupção, o processo orçamentário (como expressão dos esforços da sociedade para enfrentar seus principais desafios), o meio ambiente, assim como as políticas sociais voltadas a assegurar o bem-estar da população mais vulnerável. Ainda fortaleceria o crime organizado, a intolerância política e religiosa, grupos radicais e a difusão de armas. A reeleição de Bolsonaro também aprofundaria o processo de isolamento internacional do Brasil, ferindo nossos interesses econômicos e estratégicos.
Trata-se, portanto, de uma eleição crucial para nosso futuro como nação democrática, plural e consciente de nossas responsabilidade e oportunidades nos campos do clima e da segurança alimentar de todo o planeta.
Se a polarização tóxica que marcou a eleição de 2018 impeliu muitos eleitores a fazer escolhas irracionais, que a dramática experiência desse período de arbítrio, obscurantismo e anormalidade contribua para que o eleitor brasileiro recobre sua serenidade e sensatez.