Economista do MIT, defende o monitoramento do sistema financeiro.

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Autor: Daron Acemoglu

Há quatro anos, quando o turco-americano Daron Acemoglu recebeu a Medalha Clark, prestigiado prêmio concedido a economistas com menos de 40 anos, foi aberta a porta de entrada para o clube da elite acadêmica dos EUA. Professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), ele é hoje o oitavo economista mais citado em artigos do mundo econômico, de acordo com a Research Papers in Economics, e tem sido frequentemente lembrado nas listas de apostas para o Prêmio Nobel. Faz todo o sentido: 65% dos agraciados com a medalha mais tarde também levaram o Nobel para casa. Nomes como Milton Friedman, Paul Samuelson e Paul Krugman são alguns exemplos.
Com a eclosão da crise financeira, a zona de influência deste professor de 41 anos ampliou-se ainda mais e Acemoglu transformou-se numa voz importante na defesa de mais regulamentação do mercado para mitigar desastres econômicos. Durante a entrevista de 30 minutos concedida ao Valor, ele repetiu 14 vezes a palavra regulação, afirmou que a turbulência desafia os limites do capitalismo e advertiu: é preciso ter cuidado com a economia política envolvida na monitoração das finanças. “Nos últimos 15 anos, a regulação financeira foi guiada e decidida pela indústria financeira, que se tornou economicamente muito grande nos Estados Unidos, politicamente muito poderosa em Washington, e esses lugares foram os principais determinantes da própria regulação”, criticou.
Filho único de um casal de classe média, Acemoglu cresceu numa Turquia tumultuada pela hiperinflação e pelo caos político, antes de mudar-se para o Reino Unido. A ponte entre esses dois mundos, de certa maneira, foi estabelecida em suas pesquisas, que mostram as relações entre tecnologia e desigualdade de renda em nações ricas e pobres. Sua conclusão é que as instituições políticas e sociais têm peso considerável para o desenvolvimento dos países. “Um sistema capitalista bem-sucedido requer base boa e sólida, em termos de instituições, e algum tipo de contrato social. Acho que o povo brasileiro tem certo grau de confiança em seu governo”, disse Acemoglu.
Leia, a seguir, trechos da entrevista:
Valor: A crise pode acabar sem gerar problemas que desafiem os limites do capitalismo?
Daron Acemoglu: Alguns desafios importantes se apresentam. Pensar a regulação é um deles. Também é preciso pensar o controle dos problemas da economia política nos países desenvolvidos, pensar o controle do setor financeiro e, mais do que isso, acho que a economia, enquanto ciência, está diante de um desafio importante. É hora de voltar ao quadro-negro e criar modelos macroeconômicos de curto prazo que tenham maior possibilidade de nos ajudar a entender como a economia chegou até esse ponto e como, de agora em diante, podemos usar a política econômica e outros instrumentos para direcionar a economia. Precisamos de um modelo macroeconômico melhor, principalmente para análise de curto prazo, definição de preços de ativos, desemprego, para entender o que acontece. Há muitos desafios.
Valor: Após os escândalos na Enron e em outras corporações, o sr. disse que sua fé nas grandes empresas estava abalada, mas de pé. Como está seu grau de fé depois do que ocorreu com o Lehman Brothers, o Bear Sterns, o Merrill Lynch?
Acemoglu: É preciso que as grandes companhias prestem contas ao público de alguma forma, principalmente se elas começam a perder dinheiro. É uma questão de regulação. Há dois problemas com as grandes corporações. Elas não são imunes aos problemas que as pequenas companhias enfrentam, mas não vão se monitorar. Precisam que seus acionistas as monitorem, que seu conselho de diretores as monitorem e, em certos casos, precisam que o governo faça a regulação. O segundo aspecto é como lidar com as empresas se elas falirem.
Valor: Nesse aspecto, há um argumento comum que é o de que algumas companhias são “grandes demais para falir”. O Bank of America é grande demais para falir?
Acemoglu: A economia dos EUA não tem estrutura para suportar a falência do Bank of America. O mesmo vale para a General Motors. É aí que entra a regulação. É preciso intervir antes que o problema comece. É necessário que haja um sistema de procedimentos de falência, venda de ativos, mudança administrativa, para que, quando uma determinada companhia enfrente problemas, o governo não tenha que ajudar, o dinheiro do contribuinte não seja gasto, mas que haja um processo de reestruturação. Um dos problemas enfrentados pela economia dos EUA depois dessa crise foi que não havia equivalente ao capítulo 11 [lei de falências dos EUA]. E isso é particularmente importante para as empresas financeiras, porque elas estão envolvidas em inúmeras relações com contrapartes, não se pode simplesmente fechá-las, baixar suas portas e ir para casa. É preciso que haja regulação. Antes que enfrentem problemas, as companhias precisam aderir a uma série de procedimentos acerca de como vão se comportar se tiverem problemas de liquidez ou insolvência.
Valor: O sr. acha que o movimento atual pela regulação do mercado está no caminho certo?
Acemoglu: É preciso entrar em detalhes e definir exatamente como deve ser essa regulação. A maioria das pessoas reconhece que algum tipo de regulação é necessário, mas há pouco consenso sobre que tipo seria, em parte porque elas ainda não se recuperaram do choque da crise financeira e não se sentaram para pensar.
Valor: Como a regulação deve ser pensada?
Acemoglu: Em primeiro lugar, grande parte da teoria da regulação ignora questões relativas a “tail risks” [cataclismo financeiro cuja chance de ocorrer é pequena], eventos de grande porte que não são tão raros quanto gostamos de acreditar. Em segundo lugar, precisamos nos empenhar em entender as implicações do risco sistêmico, principalmente a interação entre risco moral e risco sistêmico. Em terceiro lugar, e mais importante, acho que precisamos ter cuidado com a economia política envolvida na regulação financeira. Quer dizer, em sua essência, a regulação financeira nos últimos 15 anos foi guiada e decidida pela indústria financeira, que se tornou economicamente muito grande nos EUA, politicamente muito poderosa em Washington, e esses lugares foram os principais determinantes da própria regulação. Isso obviamente causou enormes problemas de economia política, e acho que esses problemas ainda persistem. O sistema de regulação precisa enfrentar de uma vez por todas esses problemas de economia política também.
Valor: Milton Friedman e Alan Greenspan estão fora de moda, mas os economistas da Universidade de Chicago dizem que estimular a economia para sair da recessão só vai gerar problemas maiores no futuro.
Acemoglu: Concordo que Greenspan está fora de moda. Acho que ele não estava muito bem informado sobre a economia e agiu com base em preconceitos ideológicos, não com base em análises econômicas. Não diria o mesmo de Friedman, que defendeu diversos princípios. A importância da liberdade de mercado e da permissão para o funcionamento dos mercados são alguns exemplos. O fato de eu questionar os mercados financeiros sem regulação não deve ser interpretado como se eu estivesse dizendo que questiono o poder do mercado como a melhor maneira de decidir o destino dos recursos. O que Friedman não previu, infelizmente – e isso não é surpresa, porque não era tão importante na época -, é que, quando se lida com mercados financeiros, principalmente com firmas muito grandes e oligárquicas, é preciso levar a regulação a sério e é preciso levar as instituições de apoio aos mercados financeiros muito a sério. Alan Greenspan está desacreditado. Milton Friedman, não.
Valor: Mas o sr. compartilha da preocupação de alguns economistas com os gastos governamentais, considerados por eles excessivos, para inibir a crise?
Acemoglu: Concordo com o governo Obama no sentido de que algo precisava ser feito, acima de tudo para evitar a falta de expectativas. Roosevelt disse: “A única coisa da qual devemos ter medo é do próprio medo”. Isso é o que se tentou evitar, e acho que o pacote de incentivos conseguiu isso até certo ponto, bem como outras políticas que Barack Obama adotou. Obama é um estadista maravilhoso, majestoso, impõe autoridade, transmite confiança, e esse é um elemento importante para que a economia dos Estados Unidos lide com a crise e, consequentemente, a economia do mundo está começando a se recuperar. Para mim, no entanto, isso não significa que o pacote de incentivos foi criado de forma correta. Os economistas de Chicago, com base em Milton Friedman e outros, têm muitas preocupações que são procedentes acerca dos pacotes. Em algum momento, eles vão se transformar em um problema econômico, e não só um problema político, porque as dívidas terão de ser pagas. Quando o governo concede mais empréstimos, isso implica mais impostos sobre capital, mais impostos trabalhistas, efeitos inflacionários e, mais importante, uma recuperação mais lenta.
Valor: Alguns economistas como Paul Krugman dizem que nos EUA e em países da Europa, onde as taxas de juros reais estão próximas de zero, a política macroeconômica à qual estávamos acostumados não funciona mais.
Acemoglu: As taxas de juro estão em zero porque as políticas monetárias estão sendo usadas de forma agressiva. O Fed usa uma combinação de política monetária e política fiscal. Em linhas gerais, o Fed de Ben Bernanke adota políticas mais agressivas que qualquer outro banco central que eu conheça, porque fornece garantias reais e seguro a empresas financeiras, portanto sai do âmbito da política monetária pura e entra no âmbito da política fiscal. Uma interpretação possível seria, “a política monetária não está dando certo, por isso eles também estão usando política fiscal”, mas acho que o que eles estão tentando fazer é adotar uma postura agressiva com relação aos problemas que a economia enfrenta. Por enquanto, apesar da gravidade da recessão inicial, a economia não vai tão mal. Não atribuo isso ao Fed. Acho que a economia dos Estados Unidos é fundamentalmente forte. A força de trabalho tem um alto grau de instrução, a economia é muito dinâmica e empreendedora, há muitas oportunidades de inovação e oportunidades geradas por novas tecnologias.
Valor: Nas últimas décadas, o mundo teve grande prosperidade em virtude da velocidade dessas inovações, independentemente de bolhas ou de problemas financeiros. As inovações serão o segredo para a retomada do crescimento econômico após esta crise?
Acemoglu: Não tenho dúvidas. Foi assim que a economia mundial e a dos EUA conseguiram crescer nos últimos 200 anos. E foi assim que essas economias se expandiram nos últimos 25 anos. As melhorias em tecnologia da informação, hardware, software, biotecnologia, tecnologia farmacêutica e tecnologia em saúde tiveram papel determinante. Também houve avanços grandes no setor de serviços. Ocorreram fenômenos como o do Wal-Mart, que desenvolveu um sistema muito melhor para controle de estoques. Mas muitas dessas inovações ainda não estão amplamente difundidas na economia mundial. À medida que elas se espalharem, a produtividade aumentará. Além disso, há muitas plataformas novas. Um exemplo é o da fonte alternativa de energia, que é uma plataforma incrível na qual empresas ligadas à tecnologia podem investir. É algo que vai exigir muito capital, mas trata-se de um conjunto de inovações que será utilizado em larga escala. Há muitas possibilidades de inovação também em biotecnologia. Portanto, há possibilidades com as quais a economia dos Estados Unidos pode beneficiar-se. Há muitas oportunidades de crescimento rápido.
Valor: Nesse contexto, o conceito de destruição criativa de Joseph Schumpeter (1883-1950) parece bem atual. Teremos de enfrentar um processo de destruição criativa para poder reconstruir uma nova economia?
Acemoglu: A destruição criativa é algo que vemos ocorrer o tempo todo. Vemos a destruição criativa no funcionamento cotidiano da economia, mas não prestamos atenção. Quando o restaurante da esquina fecha, uma floricultura é aberta no lugar dele e, dois meses depois, outro restaurante se estabelece em outro lugar. Isso é destruição criativa. Quando as indústrias protegidas pela substituição de importações no Brasil começaram a perder força, e o Brasil começou a investir em novas indústrias, foi um processo de destruição criativa. O mesmo ocorre nos EUA o tempo todo. O problema é que a destruição criativa provoca problemas políticos. Aqueles que são substituídos pelas forças de mercado fazem questão de pedir ajuda aos governos para prevenir que aquilo aconteça.
Valor: Como na indústria automobilística.
Acemoglu: Exatamente. Como na indústria automobilística e, muito mais importante, na indústria financeira. Veja o que aconteceu: a Chrysler passou por um processo de falência e saiu dele como uma empresa muito mais forte.
Valor: O sr. é contra o instrumento de socorro do governo?
Acemoglu: Não. Em alguns casos, de tempos em tempos, é necessário. No entanto, no caso das montadoras, a questão principal é que elas precisam mudar as práticas trabalhistas, fazer uma transição para novos modelos. A Chrysler está muito mais forte agora, mas a General Motors, não. O mesmo vale para a indústria financeira. Em algum momento, as pessoas que foram responsáveis por todos os desastres financeiros nos dois últimos anos deveriam perder o emprego, algumas dessas empresas ir à falência, e novas companhias deveriam tomar seu lugar. A liquidação no varejo dos grandes bancos não é desejável. Seria desastroso para a economia dos Estados Unidos se o Bank of America e o Citibank falissem. O que se quer é algum tipo de “downsizing” desses bancos e o desenvolvimento de novos modelos de negócios. Infelizmente, a indústria financeira tem poder político demais e recebe apoio governamental demais para que isso ocorra. Ou seja, a destruição criativa está sendo bloqueada por forças políticas.
Valor: A reputação internacional do Brasil está melhor hoje. Qual é a sua visão do país?
Acemoglu: Ao que parece, a economia brasileira está muito mais saudável que muitas outras. Certamente, a economia brasileira está muito mais saudável do que estava há 15 anos. Um sistema capitalista bem-sucedido requer base boa e sólida, em termos de instituições, e algum tipo de contrato social. Acho que o povo brasileiro tem certo grau de confiança no governo. O governo não é considerado populista e não é tido como representante de uma pequena elite. Isso facilita muito a resolução de problemas relativos à política econômica. O mesmo vale para a Índia. A Índia nem sempre é bem-sucedida do ponto de vista econômico, mas é bem-sucedida do ponto de visto político. Ela se tornou um país democrático, e as eleições recentes mostraram a força da democracia na Índia.