Entrevista: ‘Mesmo depois da corrupção endêmica, instituições brasileiras seguem fortes’, diz Daron Acemoglu

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Referência em economia política e autor de ‘Por que as nações fracassam’ afirma que Bolsonaro é uma ameaça à democracia já consolidada

Por Janaína Figueiredo 09 agosto de 2022 – Jornal O Globo

Autor de “Por que as nações fracassam” e referência em economia política, o economista Daron Acemoglu diz que a academia ainda não entende nem sabe explicar o surgimento do populismo de direita no mundo e que, no Brasil,
Bolsonaro é uma ameaça à democracia já consolidada.

Em seu livro “Por que as nações fracassam”, o senhor insiste na importância de se ter instituições políticas inclusivas. Esse é um elemento central quando se analisa por que alguns países dão certo e outros não?

Sim, absolutamente. Nenhum país nasce com esse tipo de instituições, e o Brasil as teve, as desenvolveu. Essa questão é mais profundamente explorada em nosso livro posterior, “O corredor estreito”, já lançado no Brasil.

Qualquer tipo de boa governança, boas instituições, devem ser equilibradas em relação a diferentes tipos de forças sociais, atores políticos. Numa sociedade controlada por produtores rurais ou industriais o poder político não terá equilíbrio em suas instituições. No Ocidente, países como Inglaterra ou França não nasceram com instituições inclusivas, foi um processo longo e doloroso, eu diria, de uns 500 anos. O movimento trabalhista foi crucial. As conquistas não foram entregues facilmente pelas elites, foi um processo movido pelas demandas dos trabalhadores organizados. Esse era o retrato do PT que tínhamos em mente, o PT original. O que aconteceu, no caso do Brasil, foi que chegaram ao poder muito rápido e, quando chegaram, as instituições que deveriam supervisar o poder não estavam fortes o suficiente. As más tentações estavam lá e, bem, foram engolidos. Nada do que digo os absolve, mas havia muitos grupos de interesse, homens de negócios e operadores políticos que estavam prontos para engoli-los e corrompê-los.

Os erros do PT explicam, em parte, o que aconteceu no Brasil após seus governos?

Absolutamente. Da mesma maneira, eu diria, em relação aos Estados Unidos, porque muitas vezes se foca no narcisismo, audácia, corrupção etc. de Trump, no Partido Republicano aceitando o domínio de Trump, e se esquece que também foi um fracasso dos democratas. Não encararam questões fundamentais sobre igualdade, pobreza, pessoas perdendo seus trabalhos, pessoas que deixaram de se sentir representadas. Acho que temos uma versão diferente da mesma coisa no Brasil. Na Presidência de Dilma Rousseff, o sistema político como um todo, não apenas o PT, esteve envolvido na corrupção. Era necessário reagir, e essa reação aconteceu. Depois da chegada do PT ao governo o Brasil ia bem, não era perfeito, havia problemas, mas o Brasil foi um dos países onde mais rapidamente foi reduzida a desigualdade social, a pobreza. Mas também é verdade que se tornaram muito poderosos muito rápido.

Em comparação com os processos vividos por países como o Reino Unido …

Sim, mas também comparado com outros países como Chile. No Chile também houve melhoras em termos sociais, o país cresceu rapidamente, houve uma transição democrática bem-sucedida, com problemas, claro, mas eu diria que foi uma aterrissagem mais lenta. Mas no Chile você não pode dizer que um único partido acumulou tanto poder.

O que aconteceu no Brasil teve muito a ver com a corrupção, mas também com o surgimento e o fortalecimento de um movimento global de direita?

Claro, está 100% relacionado. Esta é uma das peças de um quebra-cabeças que a Ciência Política Internacional ainda não conseguiu explicar bem. Se olharmos para países como a França, onde Marine Le Pen quase chegou ao poder, Hungria, Turquia, os EUA, vemos poucas coisas em comum. Pense nas Filipinas, ou na Turquia, onde as pessoas se beneficiaram, por exemplo, de acordos comerciais vistos como negativos em países como os EUA. A desigualdade é um problema nestes países, mas não da mesma maneira que é nos EUA. No Brasil, acabamos de falar sobre isso, a desigualdade foi reduzida.

Podemos incluir a Rússia…

Claro, a Rússia também. Então, o que temos em comum entre estes países? Acho que obviamente o fato de que a comunicação tradicional colapsou, as redes sociais fizeram muitas coisas ruins, estaríamos muito melhor sem Facebook, Twitter e outras. Mas não podemos culpar as redes sociais por Trump ou Bolsonaro. Não é apenas isso.

Provavelmente tem também a ver com a globalização, com tudo o que foi prometido às pessoas ao redor do mundo, e com o aumento das aspirações que não se realizaram na realidade. Vimos grandes progressos em países como Chile e Brasil, transições de regimes ditatoriais para democracias, crescimento, mas as aspirações eram maiores, muito mais foi prometido. Falta muito a ser feito, e não houve um entendimento de que este era um trabalho em processo. Ainda existem elites, existe desigualdade, falta de oportunidades para pessoas que não são de certas famílias, tudo isso causa mal-estar pelas aspirações que foram criadas. São processos que as redes sociais tornaram muito mais difíceis de serem entendidos. A comunicação, em geral, ficou mais difícil, e ficou mais difícil para os políticos comunicaram que se trata de processos e temos de trabalhar neles. Teremos eleições presidenciais na Turquia, a situação é um desastre, a economia vai mal, e todos prometem mais populismo e não transmitem a mensagem de que o país levará anos para ser reconstruído.

É interessante ouvir que a academia ainda não sabe explicar exatamente o que estamos vivendo politicamente em países como EUA e Brasil…

Não entendemos ainda o surgimento do populismo de direita, especialmente, ou temos uma reposta sobre o que fazer com o problema. Mas é verdade, também, que identificamos alguns elementos importantes. Por exemplo, temos de tornar a globalização melhor para os trabalhadores, criar redes de proteção social mais fortes, investir em tecnologia para ajudar os trabalhadores e não apenas o capital, e temos de ouvir o que todos têm a dizer. Qualquer que seja a visão das pessoas, temos de ouvi-las com respeito, mesmo que não estejamos de acordo. Algo em que o Partido Democrata dos EUA está falhando, essa é uma grande ameaça.

Na América Latina e em muitos outros países, a ameaça não é mais um golpe militar…

Sim, a ameaça é totalmente diferente. As futuras ameaças à democracia não vestem uniforme militar. Elas virão de pessoas ativas nas redes sociais, enviando mensagens como a de construir grandes países novamente.

Nas próximas eleições, os brasileiros deverão eleger entre opções radicalmente opostas. Imaginou este cenário quando escreveu “Por que as nações fracassam”?

O livro foi publicado em 2012, e escrito em 2010. Ele reflete um clima de otimismo com o mundo democrático naquele momento. Nenhum de nós, os autores, ou outros acadêmicos antecipou que, pouco depois, emergiria Donald Trump, e teríamos um grande momento de populistas de direita, movimentos autoritários, incluindo no Brasil. Para nós, o maior êxito do Partido dos Trabalhadores de Lula foi consolidar a democracia. Não era imaginável ter a volta ao poder de um regime militar. Sabíamos que a corrupção era um problema, mas, apesar disso, a democracia era estável.

O que muitas pessoas não previram foi, até a eleição de Trump, que a maior ameaça não seria militar ou algo similar, mas que viria de pessoas como Bolsonaro e Trump. Eles não são ditadores, são populistas. Como Trump, o presidente Bolsonaro causou um dano às instituições brasileiras, pelo que todos entendemos. Da mesma maneira que penso sobre Trump, um segundo governo de Bolsonaro poderia causar mais dano, porque esse tipo de líderes autoritários e personalistas corroem as instituições formais da democracia.

Em seu livro, o senhor usa como exemplo os governos de Alberto Fujimori (1990-2000) no Peru, vê similares com Trump e Bolsonaro…

Vejo, sim. Mas, ao mesmo tempo, com uma origem de esquerda, poderíamos fazer uma comparação com Hugo Chávez. Ele foi militar, mas não chegou ao poder através de um golpe militar, ele concorreu à Presidência, venceu, e terminou destruindo as instituições venezuelanas. (Nicolás) Maduro está, de fato, atuando em base ao que foi construído por Chávez. Nos EUA, Trump não ficou muito tempo no poder. Na Venezuela, Chávez sim. Voltando à eleição brasileira, algumas pessoas podem ter dúvidas sobre o PT, ou sobre Lula, mas, para mim, está muito claro que se trata de uma ameaça existencial pensar num segundo governo de Bolsonaro.

Recentes tentativas do presidente Bolsonaro de ampliar seu poder sobre a Petrobras levaram analistas a fazer uma comparação com Chávez, que se apropriou da Petróleos da Venezuela (PDVSA).

Absolutamente. Se você olhar para trás, a Venezuela tinha instituições mais fortes do que as do Brasil, uma economia mais moderna do que muitos países da América Latina. Em termos econômicos e institucionais o país estava num nível superior ao de países como Brasil e Argentina. O que aconteceu na Venezuela poderia acontecer em outros países da região. O que a Venezuela nunca viveu foi um momento como o que vive o Brasil hoje, tão decisivo de luta pela democracia.

Atualmente, a oposição venezuelana está profundamente enfraquecida e sem rumo…

Sim, o Brasil tem a chance de evitar chegar a isso. Mesmo depois da corrupção endêmica, as instituições brasileiras continuam fortes, mais fortes do que foram com Chávez ou são com Maduro.

O senhor é otimista?

Bom, temos de ser realistas, mas não quero perder meu otimismo. Não existe nada inevitável sobre democracia. A História da humanidade está cheia de erros, regimes horríveis, sofrimento, mas ainda sou otimista e acho que aprendemos certas lições dessa História. Mas haverá retrocessos. Não acredito num caminho inexorável, nem um fim da História.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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