Estamos emburrecendo, por Suzana Herculano-Houzel

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Chegamos ao fim do Efeito Flynn

Suzana Herculano-Houzel, Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

Folha de São Paulo, 16/05/2025

Testes de inteligência, ou quociente de inteligência (QI), são o filho enjeitado da psicologia. Quando mostram o que a sociedade espera e aceita, esses testes são celebrados como indicadores de inteligência de fato. Em 1981, quando o psicólogo James Flynn constatou que o desempenho de jovens adultos nesses testes vinha aumentando progressivamente desde a origem dos testes, no começo daquele século, o laudo foi pronto: “estamos ficando mais inteligentes”. Viva!

Mas o chamado Efeito Flynn não só parece ter chegado ao seu fim como se reverteu em torno do começo do novo século.

Em 2018, um estudo constatou que na Noruega, onde o mesmo teste foi aplicado de 1962 a 1991 a rapazes de 18 a 19 anos como parte do alistamento militar, o QI médio subiu clara e progressivamente até os nascidos em 1975 –e dali em diante passou a cair. A diferença aparece até entre irmãos, que compartilham genética e ambiente familiar.

O mesmo foi constatado em 2021 na Alemanha, e com ponto de inflexão semelhante: em torno de 2010, o QI de jovens universitários, nascidos no final dos anos 1990, já havia estagnado, e dali em diante começou a cair.

Nos Estados Unidos, um estudo publicado em 2023 também confirmou: em todos os níveis de escolaridade, o QI de adultos da mesma idade caiu progressivamente entre 2006 e 2018.

Isso quer dizer que estamos emburrecendo, então? A resposta, naturalmente, deveria ser “sim” – mas a própria autora do estudo estadunidense logo pôs panos quentes dizendo a jornalistas que o resultado “é apenas uma diferença no desempenho nesses testes”. Irônico, quando seu estudo foi publicado em um periódico chamado, justamente, Inteligência.

Ora, sejamos consistentes, por favor.

Independentemente do uso que a sociedade faz de seus resultados, os testes de QI quantificam a habilidade de cada indivíduo de resolver problemas que exigem raciocínio lógico, espacial e abstrato. Se inteligência é flexibilidade mental, como eu proponho, então representar várias informações simultaneamente e manipulá-las mentalmente em prol de um objetivo, numa espécie de malabarismo cerebral, é por excelência o que a inteligência permite fazer. Logo, se os literalmente malditos testes de inteligência medem flexibilidade mental, então eles indicam, sim, a inteligência de um indivíduo.

E neste caso, da mesma forma que a humanidade se tornou mais inteligente ao longo do século 20, agora ela está emburrecendo. A pergunta importante é: por quê?

A resposta para esta pergunta ainda não existe. Como os resultados entre irmãos indicam, não é culpa de uma “maior fecundidade dos mais burros”, como alguns ricos supõem. Minha suspeita é que tanto o Efeito Flynn quanto sua reversão indicam que a inteligência que se mede em testes é uma habilidade resultante do uso que se faz das capacidades biológicas com que nascemos, sobretudo enquanto crianças e jovens. Ao longo do século 20, a infância foi se tornando cada vez mais livre, ativa e interessante – até começar a ser dominada por telas, que, seja na televisão, no iPad ou no telefone, convidam à passividade e acabam com a exploração.

Deu no que deu: emburrecemos.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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