Financeirização, imediatismo e a lógica do lucro monetário

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Vivemos em tempos muitos curiosos, são momentos de grandes transformações, de medos e desesperanças coletivas convivendo lado a lado com euforias e entusiasmos pouco vistos na história da sociedade, momentos de tecnologias comandando as decisões, influenciando sobre as escolhas, definindo comportamentos, criando hábitos e costumes novos e revolucionários, vivemos tempos estranhos, mas ao mesmo tempo, interessantíssimos, sua superação nos levará a uma nova sociedade.

Desde a consolidação do sistema capitalista global, o dinheiro passou a dominar as relações sociais, o poder do capital passou a definir as regras de convivência social, a selecionar amizades, definir o comportamento humano e influenciar a cultura das nações, disseminando algumas tradições e enterrando outras, usando como instrumento de mensuração os interesses monetários e financeiros, deixando de lado as tradições e os costumes dos povos, o dinheiro passou a ditar as regras em todas as regiões da sociedade global.

Podemos compreender a financeirização da sociedade, como um novo momento do sistema econômico capitalista, nesta nova organização da sociedade os valores financeiros passam a dominar todas as estruturas econômicas, produtivas, sociais e políticas, transformando tudo em mercadorias e comercializando-as em um mercado em rápida expansão e amplo desenvolvimento, com valores próprios e recursos abundantes, as relações sociais e políticas sucumbem aos valores do imediatismo do dinheiro e do lucro material, transformando todas as relações entre os indivíduos em uma relação comercial ou financeira.

O marketing como ferramenta de gestão passou a ser utilizado por todos na convivência social, os indivíduos se esmeram para se mostrar cada vez mais em evidência, para isso se utilizam das redes sociais publicando fotos e comentários variados, sempre buscando seu melhor perfil, sua melhor companhia e seu melhor sorriso, afinal nesta nova sociedade precisamos nos mostrar sempre bem-sucedidos, felizes, eficientes e produtivos, as redes sociais para isso nos prestam um serviço valoroso.

Nesta nova sociedade, as tecnologias nos mostram caminhos alternativos, antigos empregos e ocupações estão sendo substituídas por outras profissões, com isso os trabalhadores se mostram preocupados e descrentes de melhores colocações no mercado de trabalho, suas perspectivas econômicas futuras são menores e os medos aumentam de forma acelerada, gerando novos medos e preocupações sociais, patologias emocionais e desequilíbrios espirituais, aumentando as depressões, as ansiedades, os transtornos e, em muitos casos, culminando num aumento brutal do suicídio.

As relações entre os indivíduos passam por mudanças aceleradas, de um lado encontramos pessoas dispostas a novos relacionamentos, abertas a novas experiências afetivas e sentimentais, mas ao mesmo tempo, encontramos um crescimento acelerado nas fragilidades emocionais, nos medos e nas dificuldades de entregas sentimentais, com isso percebemos desequilíbrios sentimentais intensos, carências afetivas e imaturidades emocionais, gerando novas patologias que aumentam as procuras por consultórios psiquiátricos e consultas com terapeutas e profissionais da psicologia.

Algumas pessoas buscam relacionamentos para suprir suas carências afetivas e sua imaturidade emocional, querem alguém ao seu lado, se cadastram em sites de relacionamentos, frequentam ambientes aconchegantes e buscam novas experiências sentimentais e sexuais, acreditando encontrarem nestes relacionamentos a felicidade tão almejada, os prazeres sonhados e a satisfação desejada. Nesta busca constante por novos amores e prazeres, estes indivíduos acabam se degradando sentimentalmente, aumentando seus desajustes, suas frustrações e seus desequilíbrios numa busca externa marcada pela ausência de valores consistentes e sentimentos íntimos e pessoais, nesta viagem acumulam desequilíbrios e medos generalizados que acabam levando estas a se fechar evitando novas experiências, acreditando que todos os relacionamentos são iguais, que todas as pessoas são interesseiras e mesquinhas e que seu destino é permanecer sozinho, acusando Deus e seus representantes pela solidão em que vivem.

Nesta sociedade, o dinheiro ganhou relevância exagerada, seus valores centrados no imediatismo, na competição e no lucro passaram a dominar a mente e os corações das pessoas, das empresas e dos governos, tudo passa pelos valores monetários, pelos ganhos financeiros e pelos prazeres do imediatismo, com isso, perdemos os momentos de planejamento da vida, da vivência em família e dos sentimentos de construção social, aqueles mais permanentes e cotidianos. Estamos afogados em números, metas e performance, com isso, estamos nos tornando seres frios e calculistas, queremos sempre as satisfações para o agora, para o imediato e se não a alcançarmos vamos buscar em outros relacionamentos, em outros empregos, em drogas legais ou ilegais, ou seja, estamos sempre buscando outras experiências que nos deem prazeres constantes para que não tenhamos que lidar com as frustrações do cotidiano, como se as frustrações não servissem como um instrumento de maturidade e de crescimento social.

Neste cenário percebemos o surgimento de indivíduos imaturos e inseguros que querem os prazeres a todos os momentos, por isso vivem vários relacionamentos em busca de gozos e satisfações constantes, com isso percebemos indivíduos trocando de emprego todos os meses, estão descontentes e frustrados com questões que os incomodam e se esquecem que estas frustrações fazem parte da vida de todos os indivíduos e são elas que nos dão a resiliência para construirmos nossas experiências afetivas e profissionais do cotidiano. Encontramos pessoas alternando variados relacionamentos, buscando em várias pessoas os prazeres e o autoconhecimento que só pode ser encontrado quando nos deparamos como nossas características mais íntimas e pessoais.

Esta imaturidade dos indivíduos está permeando a sociedade em todas as áreas e setores, empresas geridas por gestores impulsivos e pouco capacitados que veem seus lucros crescerem no curto prazo e se utilizam de estratégias inconsistentes para o longo prazo, esquecendo de que as empresas devem ser vistas como um agente social que tem no lucro seu instrumento central, mas que não pode deixar de lado valores morais e éticos mais sólidos e consistentes para sua perpetuação no tempo e sua respeitabilidade no mercado. Nesta sociedade competitiva, os gestores estão numa busca frenética por ganhos financeiros que estão levando a uma forte degradação do meio ambiente, incrementando o ambiente com mais dióxido de carbono, poluindo os rios e os lagos e fragilizando as fontes de água potável, com isso, estamos hipotecando nosso futuro e comprometendo a vida e os sonhos de uma nova geração, precisamos nos conscientizar que somos todos responsáveis pela situação do planeta Terra.

As escolas tradicionais foram repassadas para grandes grupos financeiros, verdadeiros fundos de investimentos recheados com muitos recursos monetários, estes fundos passam a administrar estas instituições como se fossem bancos e conglomerados financeiros, deixando de lado valores educacionais tradicionais e trazendo para a gestão técnicas de redução de custos e contabilização financeira, degradando valores e enriquecendo seus acionistas e investidores, estes mesmos investimentos estão tomando conta das universidades e transformando a educação em um grande negócio econômico, com alta lucratividade e forte potencial de valorização. O grande problema destes investimentos é que a educação deve ser vista em uma sociedade não apenas como um instrumento financeiro e de mercado, algo para se conseguir uma boa colocação no mercado de trabalho e ganhos profissionais, mas deve ser vista como um dos projetos mais importante dos seres humanos, esclarecedor de suas dúvidas e instrumento de conscientização de seu papel social, como agente cultural e como entidade econômica, ao restringir a educação apenas como instrumento de construção de consumidores, estamos perpetuando uma grande injustiça social, deixando de formar cidadãos conscientes e capacitados intelecto e moralmente.

A financeirização do mundo deve ser fortemente rechaçada pela sociedade contemporânea, pois seu crescimento torna os indivíduos meros autômatos integrados sem capacidade de reflexão, sem vontades e desejos próprios, sendo conduzidos como meros robôs, como máquinas dotadas de atuação técnica e sem capacidade de reflexão crítica, sem organização política, sem sentimentos altruístas e sem capacidade de construção de valores sociais de tolerância, respeito e solidariedade.

Nesta sociedade financeirizada, os agentes sociais estão se corrompendo em troca de benesses financeiras e monetárias, os intelectuais se vendem no mercado em troca de recursos para uma vivência tranquila, com isso emitem opiniões na grande mídia e legitimam seus empregadores, os homens públicos que se deixam degradar em prol de vantagens materiais, autoridades religiosas que se vendem em um mercado que, com recursos monetários, os indivíduos conseguem comprar um terreno no céu até um perdão para comportamentos agressivos e desregrados, nesta sociedade o dinheiro é o grande agente social, comprando desde intelectuais, políticos e representantes das religiões tradicionais, o mercado compra tudo e paga bem, neste mundo estamos todos a venda, quer pagar quanto?

Nas igrejas tradicionais, a entrada do dinheiro e dos valores financeiros na estrutura hierárquica acabou gerando graves desequilíbrios morais e éticos, afastando a instituição de seus valores mais tradicionais, baseados no amor, no respeito e na solidariedade. Os recursos financeiros são fundamentais para todos os agentes sociais e políticos, mas não podemos deixar de compreender que o capital deve ser sempre visto como um meio e não como um fim, todas as vezes que o enxergamos como um fim para a solução de todos os males sociais e os indivíduos se deixam levar por sua alta capacidade de sedução, os seres humanos acabam se degradando e se deixando levar pela ganância, pela ambição e pelo sectarismo.

O pragmatismo dos valores financeiros está gerando uma sociedade desprovida de solidez moral, as tradições estão sendo redesenhadas e os indivíduos estão perdendo os referenciais que os conduziam anteriormente. As famílias, as escolas e as religiões sucumbiram aos valores do imediatismo da contemporaneidade e estão sendo reconstruídas pelos valores monetários e financeiros, nesta nova sociedade o trabalho alucinante e a busca pela sobrevivência afastam ao indivíduos de suas casas e residências, deixando-os cada vez mais distante de seus familiares e de seus amores mais intensos, o mundo do trabalho ganha força e se transforma no agente central, o capital passa a comandar tudo e transformar os indivíduos em números, deixando de lado a sua individualidade.

Neste novo modelo de sociedade os indivíduos podem comprar os prazeres do sexo e, mesmo muitos não acreditando, podem comprar amor verdadeiro, muitos relacionamentos se transformam em sentimentos mais sólidos devido a uma convivência mais próxima que inicialmente foi possibilitada pela atração do dinheiro e dos bens materiais, sem eles muitos olhares e sentimentos não seriam estimulados nos chamados flertes do cotidiano, impedindo proximidades e namoros de sucesso, o dinheiro pode ser o grande diferencial no mundo do sexo e no mundo dos amores sentimentais.

Vivemos em um mundo em ampla transformação, todas estas mudanças devem ser compreendidas como o surgimento de uma nova sociedade, mais dinâmica, mais flexível, mais integrada e mais interdependente, nesta sociedade os valores morais mais sólidos e consistentes devem ser estimulados para que o poder dos recursos financeiros não passem a dominar as estruturas sociais, um mundo marcado pela tecnologia e pelos interesses do dinheiro podem levar a coletividade ao autoritarismo e a dominação das mentes e dos corações, impedindo os indivíduos de refletir e de transformar a sociedade e de construir um futuro mais solidário e consistente.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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