Fome

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Depois de um início de século de grandes transformações sociais, políticas, culturais e econômicas, a pandemia desnudou uma realidade assustadora para a sociedade brasileira, somos um dos maiores produtores de alimentos, garantindo grandes ganhos no agronegócio e, ao mesmo tempo, estamos percebendo o retorno da fome no país, os dados recentes nos mostram que mais de 20 milhões de brasileiros declaram passar 24 horas ou mais sem ter o que comer em alguns dias, mais de 24 milhões não tem certeza de como se alimentarão no cotidiano, levando-os a reduzir a quantidade e qualidade do que comem. Neste cenário 74 milhões de pessoas vivem inseguros sobre se vão acabar passando por isso, vivendo num momento de grandes inquietações, instabilidades, incremento de fome e da exclusão social.

Vivemos num momento de grandes calamidades, a economia perdeu força e a recuperação se mostra cada vez mais distante, percebemos espasmos de recuperação de alguns indicadores positivos, alguma melhora nos investimentos externos e, ao mesmo tempo, percebemos uma degradação dos indicadores mais consistentes, tais como a inflação, aumento na fome e na exclusão social. Com inflação em ascensão o Banco Central aumenta as taxas de juros, geradas pela desvalorização cambial e a desagregação das cadeias globais de produção. Com taxas de juros maiores a economia se reduz, diminuindo os investimentos produtivos, retraindo o consumo e piorando os indicadores de emprego e renda, com isso, os indicadores econômicos agregados pioram, aumentando a degradação social e incrementando a exclusão social.

Desde os escritos de Josué de Castro, médico, cientista social, geógrafo e intelectual de várias denominações acadêmicas, a questão da fome e da exclusão social ganharam espaço nas discussões nacionais, onde destacamos os estudos sobre ecologia e a fome no nordeste brasileiro, contidos nos livros Geografia da Fome e Geopolítica do Fome. Todas estas obras tocaram em um tema urgente para a sociedade brasileira, mostrando os grandes desafios sociais e políticos para o combate da situação de penúria e de degradação social, destacando os setores da sociedade que ganham com esta situação de indignidade e de destruição da alma nacional.

A pandemia nos mostra nossas indignidades, nossas heranças de degradações sociais nos mostram como perpetuamos e naturalizamos as condições de destruição da sociedade nacional, neste momento, precisamos rever modelo econômico, investigando as condições que nos levaram a situação de degradação que vivemos na contemporaneidade, estimulando uma reflexão de todos os grupos sociais, criando condições para que os grupos mais degradados tenham acesso ao orçamento público. Neste momento, precisamos repensar as políticas públicas, todas que apresentarem resultados negativos devem ser reestruturadas, àquelas que beneficiam apenas grupos sociais e econômicos dominantes precisam ser repensadas e novas políticas públicas devem ser desenvolvidas e devem estar centradas na redução das desigualdades, da geração de empregos dignos, propiciando cidadania e acesso ao mercado de consumo de massa.

Não seremos uma nação desenvolvida se não nos preocuparmos com todos os setores da sociedade, garantindo oportunidades para todas as classes sociais, garantindo progresso material e imaterial. A história nos mostra que todas as nações que conseguiram alçar o desenvolvimento econômico, antes de mais nada conseguiram inserir a população ao mercado do consumo e garantindo cidadania e dignidade.

Num momento de escassez e de rivalidades crescentes no ambiente global, marcados por incertezas e instabilidades, a construção do desenvolvimento das nações deve ser o objetivo maior da sociedade brasileira, superando a dualidade nacional, acabando com a fome, reduzindo a desigualdade e construindo um projeto nacional, sem isso, seremos sempre vistos como o país do futuro.

Ary Ramos da Silva Júnior, Economista, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário. Artigo publicado no Jornal Diário da Região, Caderno Economia, 20/10/2021.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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