O professor de economia da Universidade Columbia diz que o Reaganismo precisa ser repensado e a abordagem de Biden não é coerente
Gillian Tett FINANCIAL TIMES – 26/05/2021 – Publicado no jornal Folha de São Paulo
No final do ano passado, Glenn Hubbard, ex-diretor da escola de administração de empresas da Universidade Columbia e consultor, pensador e planejador econômico veterano do Partido Republicano decidiu correr o risco.
Em um momento no qual muitos pensadores republicanos pareciam ter medo de criticar Donald Trump diretamente, por terem medo de que ele pudesse vencer a eleição de 2020, Hubbard atacou Trump por sua completa falta de um plano econômico tangível.
“[Trump] não tem plano econômico. Não estou dizendo que não gosto de seu plano; estou dizendo que ele não existe”, disse Hubbard. “Talvez ele devesse falar sobre reforma fiscal ou comércio internacional, de uma forma que engajasse nossos aliados”.
O economista lamentou o fato de que o então presidente não tivesse agido dessa maneira.
A crítica poderia parecer história antiga, já que Joe Biden venceu a eleição –e vem produzindo propostas dramáticas de política econômica, como seus planos de gastos públicos de por volta de US$ 4 trilhões (R$ 21,2 trilhões).
Mas não é: enquanto os republicamos se dilaceram em torno de questões não econômicas (como as acusações de fraude eleitoral de Trump), a questão de que políticas econômicas o partido de fato defende está se tornando cada vez mais complicada.
Será que os republicamos deveriam apoiar um projeto de infraestrutura? A dívida pública ainda importa? Como os republicanos se posicionam sobre questões como a desigualdade de renda ou a visão de livre mercado defendida por Milton Friedman? Será que os republicanos deveriam apoiar a política monetária ultrafrouxa promovida pelo Federal
Reserve, o banco central dos Estados Unidos? E será que Larry Summers –antigo assessor econômico da Casa Branca– está certo ao avisar sobre os riscos de inflação?
Nesta entrevista, Gillian Tett, editora especial do Financial Times nos Estados Unidos, propôs essas questões a Hubbard, que está bem posicionado para respondê-las porque foi presidente do conselho de assessores econômicos da Casa Branca no governo de George W. Bush, e este ano lançará um livro, “The Wall and the Bridge”, no qual propõe um novo manifesto.
Em resumo, Hubbard acredita que o neoliberalismo ao estilo da década de 1980 –ou seja, o mantra de Ronald Reagan– precisa ser repensado para o século 21, e que é preciso voltar a Adam Smith. Mas a abordagem, de Biden, ele insiste, não funciona.
Glenn –ou professor Hubbard—, é fantástico podermos conversar hoje, porque estamos lidando com pelo menos três coisas [na economia], neste momento. Os números do PIB (Produto Interno Bruto) mostram que a economia está se recuperando muito rápido da pandemia, o Fed acaba de informar que não pretende elevar os juros, em curto prazo, e o presidente Joe Biden prometeu um imenso pacote fiscal. Assim, qual é sua previsão para a economia dos Estados Unidos?
A reabertura enquanto o vírus recua sempre conduziria a um salto significativo no PIB. Por isso, o curto prazo não é realmente a grande questão. Certamente, surgirá uma alta transitória na inflação, mas acredito que o Fed esteja em geral correto, e que a alta será mesmo transitória. Minha preocupação é quando ouço o Fed falar, como seu presidente Jay Powell fez, sobre querer observar o mercado de trabalho e esperar que ele “volte a se curar”, antes de agir. O problema do mercado de trabalho é, em boa medida, estrutural. E manter a economia aquecida com a ajuda do Fed não vai corrigi-lo.
Quanto à política fiscal, não estamos falando só de um “estímulo”. O primeiro plano de Biden era um estímulo. O American Rescue Plan (plano de estímulos financeiros dos EUA) foi planejado para servir como estímulo. Mas o American Jobs Act e o American Families Plan são, na verdade, um esforço para fazer com que o governo volte a ser grande. Eles precisarão ser pagos, e aritmeticamente não há como pagá-los com impostos sobre os ricos. Não existe dinheiro suficiente para isso. Assim, a conversa honesta com o povo americano sobre política econômica deveria ser uma questão de escolha pública: se as pessoas desejam um governo grande que faça o que o presidente Biden deseja, será preciso pagar por isso.
Você está confiante em que as pressões inflacionárias serão transitórias?
Não se pode confiar nisso inteiramente, mas acredito que se o Fed tivesse uma linha de política monetária mais clara eu estaria confiante em que os aumentos nos preços das commodities são transitórios. O que me preocupa é o Fed pensar que pode se posicionar contra mudanças estruturais no mercado de trabalho por meio de política monetária. Os riscos de inflação em longo prazo podem ser um pouco preocupantes –parte das forças estruturais que seguravam a inflação se relacionava à demografia e ao crescimento dos países emergentes, especialmente a China, e isso tudo está mudando.
Você acha que o Fed deveria estar indicando sua disposição de elevar os juros caso a inflação cresça?
Creio que é improvável que o Fed aja assim. Mas uma das razões de estarmos vendo uma volatilidade implícita tão alta nas taxas e mercados de crédito, com relação ao mercado de ações, é o temor no mercado de títulos de que o Fed talvez esteja dizendo uma coisa mas, caso se veja encurralado, termine fazendo o contrário. Tenha em mente que o Fed adquiriu cerca de metade dos títulos do Tesouro americano emitidos no ano passado, e detém cerca de 40% dos títulos de Tesouro com vencimento em 10 anos ou mais que estão em circulação, e por isso a forma de pensar do Fed quanto a isso, que não parece muito clara para o mercado de títulos, é realmente muito importante.
Larry Summers declarou que o estímulo é grande demais, está acontecendo rápido demais, e criará riscos inflacionários. Você e Larry raramente concordam, mas você concorda com isso?
Eu concordaria quanto ao risco, mas não é esse problema que mais me incomoda. O que me preocupa ainda mais é que, ao tentar criar um governo tão grande estejamos vendo uma matemática orçamentária desonesta. Estamos vendo um cenário no qual alguns poucos anos de gastos terão de ser pagos por muito mais anos de impostos mais altos. Estamos escondendo do povo americano que, se eles desejam um governo que faça essas coisas, a carga tributária terá de ser maior.
Se você considerar a matemática da carga tributária, o aumento proposto no imposto das empresas ou o aumento do imposto sobre ganhos de capital não são, nem de longe, suficientes. A outra coisa estrutural que me preocupa é que vejo reduções de produtividade e reduções de investimento como resultado desses grandes aumentos de impostos.
Biden disse que se a pessoa ganha menos de US$ 400 mil ao ano, seus impostos não subirão.
Bem, isso simplesmente não é verdade, nem em curto prazo e nem em longo prazo. Tome como exemplo o imposto das empresas. Muitos economistas concluíram que o peso dos impostos pagos pelas empresas recai sobre os trabalhadores.
Na década de 1970 e no começo da década de 1980, acreditávamos que era o capital que arcava com a maior parte do custo dos impostos empresariais. Mas não é nisso que os economistas acreditam agora. Assim, não se pode simplesmente afirmar que as pessoas com renda inferior a US$ 400 mil (R$ 2,1 milhões) anuais não arcarão com parte alguma do aumento na carga tributária.
Da mesma forma, no caso do imposto sobre ganhos de capital, o presidente diz que “só vou afetar 0,3% dos contribuintes”, o que quer dizer aqueles que ganham mais de US$ 1 milhão (R$ 5,3 milhões) ao ano e pagam imposto sobre ganhos de capital. Mas esses indivíduos não recebem 0,3% dos ganhos de capital –é provável que eles recebam a maioria deles. Assim, se isso causar qualquer efeito sobre a disposição de aceitar riscos, sobre a poupança e o investimento, temos riscos muito grandes.
Esses efeitos incidem sobre a economia toda e não sobre os 0,3% mais ricos, e por isso em curto prazo a declaração dele é simplesmente uma mentira. E em prazo mais longo ela se torna mentira ainda mais escancarada, porque, se você considerar a matemática orçamentária, haverá um grande rombo na arrecadação. Alguém terá de pagar por isso.
E se esse “alguém” forem as grandes empresas?
Vamos colocar as mudanças nos impostos em dois baldes. Quanto às alíquotas, não acredito que vamos querer elevá-las tanto quanto o presidente está propondo, e certamente não queremos de volta as alíquotas do passado. Quanto à base tributária, o presidente Biden está propondo um aumento de impostos por meio do alargamento da base tributária –e essa é uma mudança muito, muito grande. Antecipo que as companhias venham a reconhecer que terão de pagar um nível mínimo, mas a matemática não vai bater.
E quanto a impostos criados sob a cobertura das ações contra a mudança do clima, por exemplo um imposto sobre o combustível ou um imposto sobre valor adicionado?
Considero que seja uma grande ideia. Há anos apoio um imposto sobre a emissão de poluentes porque acredito que essa seja uma das melhores maneiras de enfrentar a mudança do clima. Sou muito cético quanto a subsídios para projetos verdes, mas, se você estipular um preço para o carbono, os empresários correrão para inovar e para operar de forma mais eficiente, e o imposto não precisa ser regressivo. Não compreendo por que um governo que se define como ao mesmo tempo progressista e ecológico está desconsiderando o único instrumento capaz de ajudar quanto às duas coisas.
Sobre o imposto por valor adicionado —não há questão de que se desejamos aquilo que o governo Biden está sugerindo, ter um imposto sobre valor adicionado é essencial.
Os países europeus, que tem setores estatais muito maiores que o dos Estados Unidos como proporção do PIB, não têm suas despesas financiadas por impostos sobre o capital. Na verdade, em muitos países europeus os impostos sobre o capital são mais baixos do que nos Estados Unidos. E as despesas são bancadas por impostos sobre o consumo.
É desconcertante que o governo Biden não tenha colocado em discussão impostos sobre a emissão de poluentes. Por quê?
Há uma fascinação da esquerda por regulamentação de comando e controle. Mas isso não é nem de perto tão eficiente quanto impor um preço às más práticas, em lugar de subsidiar as práticas supostamente boas.
Por que você acredita que o pacote de Biden esteja prejudicando a produtividade?
Permita-me dar um passo para trás. Algumas discussões sobre a estagnação secular se referem à insuficiência da demanda agregada. Outra escola de pensamento acredita que estruturalmente tenhamos um problema de crescimento da produtividade, em relação ao “supply side” da economia e ao potencial da economia para crescer. É esse aspecto que me interessa. Os planos de impostos são claramente um desincentivo ao investimento, já que a falta de aprofundamento do capital explica o baixo crescimento da produtividade e os aumentos no imposto sobre o ganho de capital podem reduzir o interesse em aceitar riscos. Certamente não há coisa alguma que melhore a produtividade nos planos de Biden, e muita coisa que a desencoraja.
Não é só a política tributária. Preocupa-me que a política monetária possa criar empresas zumbis –um ambiente de taxas de juros baixíssimas que sustenta empresas de baixa produtividade. Para crédito do presidente Biden, partes do que ele está propondo e se relaciona à infraestrutura real poderiam, de fato, elevar a produtividade, mas essas propostas são apenas uma pequena parte daquilo a que ele está dando o nome de infraestrutura.
A possibilidade de uma crise futura de dívida o preocupa?
Bem, nós somos o país que emite a moeda de reserva mundial, e realizamos nossa captação em nossa moeda, e por isso acredito que uma doença lenta mas duradoura é a consequência mais provável. Para oferecer um exemplo prático, o fundo do Medicare pode esgotar seu dinheiro dentro de um ano ou pouco mais, e o da previdência social em cinco anos ou pouco mais. Isso forçará discussões em Washington sobre se o público deseja ter um governo tão grande.
Assim, você não antecipa uma crise de dívida propriamente dita, por conta do status do dólar como moeda de reserva?
Não no momento.
Os republicanos deveriam cooperar para criar um projeto de lei bipartidário?
Seria possível obter apoio bipartidário a uma nova “GI Bill” [lei posterior à Segunda Guerra Mundial que financiava a educação dos veteranos de guerra], que ajudaria os trabalhadores a se prepararem para o mundo da Covid, por exemplo, com apoio a faculdades locais.
Não estou falando de ensino superior gratuito em faculdades locais, mas em apoio “supply side” —melhorar sua capacitação para treinar pessoal. Mas não haverá apoio bipartidário à ideia de que precisamos deixar de lado o sistema de seguro social sustentado pelo trabalho em troca de uma rede de segurança que cubra a pessoa do berço ao túmulo.
O governo realmente causou confusão nesse aspecto ao definir o que está fazendo como um projeto de infraestrutura. Infraestrutura não precisa ser só estradas, pontes e aeroportos –pode também incluir banda larga. Mas não serviços de saúde.
O apoio a crianças e a idosos é parte da “infraestrutura?”
Não. Esses são gastos sociais.
Uma das maneiras interessantes pelas quais você enquadra esse debate é pelo contraste entre Keynes e Hayek, ou seja, se o objetivo é escorar o sistema atual ou encorajar uma transformação mais rápida. O que você quer dizer com isso?
Pode-se pensar na Covid em termos de uma resposta keynesiana –tivemos um colapso na demanda. A resposta keynesiana não é fantasiosa. Mas Hayek diria que o mundo novo posterior à Covid não se parecerá com o mundo velho, e por isso qual é o motivo de apoiar cada empresa? Os dois estão certos. Fizemos um bom trabalho de política pública quanto à parte keynesiana. Mas nos saímos pior com relação a Hayek.
Qual é sua opinião sobre o conceito de estagnação secular de Larry Summers?
Há uma cena em “Um Conto de Natal”, de Dickens, em que Scrooge pergunta algo como “isso são sombras de coisas que são ou de coisas que poderiam ser?” Sinto-me da mesma maneira com relação às descrições de Bob Gordon sobre a economia dos Estados Unidos –Larry e Bob estão falando sobre sombras de coisas que poderiam ser, caso nossas políticas públicas forem ruins o suficiente, para retornar à nossa discussão sobre medidas que prejudicam a produtividade. Mas não acho que isso seja inevitável.
Todos os empreendedores com quem converso estão bem otimistas sobre a fronteira tecnológica da produtividade. Se existe uma razão para pessimismo, é mais quanto à capacidade e disposição do sistema político para permitir que o crescimento da produtividade aconteça livremente.
Você acredita que o Partido Republicano saiba o que defende em termos econômicos?
Creio que essa seja uma grande questão em aberto. Dou ao ex-presidente [Trump] crédito republicano clássico por coisas como as mudanças nos impostos das empresas ou a análise de custo/benefício da regulamentação; mas é evidente que coisas como o protecionismo e, a hostilidade à imigração não ideias republicanas clássicas. Para o partido atual, creio que exista uma sensação do que foi perdido mas não do que precisa ser ganho. A economia como um todo precisa de algo mais do que a receita neoliberal.
O que virá a seguir? Um dos sabores é o protecionismo –medo do comércio internacional e medo dos trabalhadores imigrantes. Outra abordagem que os republicanos poderiam adotar seria a de passar do neoliberalismo ao liberalismo (com L minúsculo), recuando a Adam Smith. Ele era inimigo do mercantilismo —era isso que o enraivecia em “A Riqueza das Nações” — e estava muito interessado na capacidade de competir de cada economia.
Assim, uma nova agenda republicana poderia fazer mais para ajudar as pessoas a competir –isso seria mais parecido com Lincoln, ou com o “GI Bill” de Roosevelt. Mas não vejo o partido avançando de fato nessa direção.
Tett: E quanto ao segundo livro de Smith, “A Teoria dos Sentimentos Morais?”
Smith se referia à “simpatia mútua”, o que hoje definiríamos como empatia. Os empreendedores e líderes de negócios progressistas pensam desse modo. Não vejo as questões ecológicas, sociais e de governança como inimigas dos acionistas –não estamos falando de Milton Friedman contra o socialismo -, e sim como uma questão do que realmente serve aos interesses da empresa em longo prazo. Recorde que Smith protestou contra a East India Company britânica, que ele via como um câncer. Ele acreditava que é necessário ser muito cuidadoso na estruturação social das corporações. Os empreendedores atuais precisam compreender que a estrutura corporativa é algo que a sociedade lhes dá. Na verdade, o capitalismo é algo que nos é dado pela sociedade. Se o público não o quiser, ele não acontece.
Vou lançar um livro dentro de algumas semanas que enfatiza o aspecto social e cultural dos negócios e das finanças e economia, e argumenta que os líderes empresariais precisam deixar para trás sua visão de túnel e começar a usar a visão lateral. Você concorda com isso?
Sim. Quando leciono sobre economia política, lembro aos alunos que grandes pensadores como Friedman, Hayek e Smith escreveram para as épocas em que viveram. Friedman e Hayek estavam escrevendo em resposta a um sistema econômico corporativista ineficiente e desleixado, e o fascismo os horrorizava. Se Ronald Reagan estivesse entre nós hoje, não creio que ele seria o Reagan da década de 1980. Se Friedman e Hayek estivessem entre nós hoje, eles talvez tivessem visões diferentes. Mudanças de contexto.
Friedman também estava operando quando as pessoas presumiam que podiam terceirizar as decisões sociais difíceis para o governo, e quando não existia transparência radical e os consumidores, clientes e empregados não eram capazes de ver claramente o que as empresas estavam fazendo. Isso faz diferença?
Sim. Se Friedman estivesse entre nós, ele nos lembraria, corretamente, de que existem grandes externalidades sociais que nenhuma empresa é capaz de corrigir. Mas não existe motivo para que os empreendedores não possam ser líderes. Quando o Plano Marshall foi aprovado, não foi porque o Congresso, em sua imensa sabedoria, decidiu fazer alguma coisa. Foi porque a comunidade de negócios se reuniu e disse “meu Deus, vamos ter comunismo na Europa Ocidental, e o que isso pode causar ao nosso sistema econômico?” Eles pressionaram o Congresso. Compreendo que os empresários atuais tenham medo. Mas isso não é desculpa para não agir. Em muitas companhias, os trabalhadores mesmos os pressionarão a agir.
Estamos começando a ver um nível de cooperação por parte das companhias que era inimaginável na era de Thatcher e Reagan. Isso vai durar?
Creio que sim, e Hayek teria celebrado essa resposta coordenada, porque ela veio de baixo. Se você comparar a produção de vacinas, em geral uma atividade do setor privado, à distribuição de vacinas, em geral uma atividade do setor público, acho que fica claro qual das duas pareceu funcionar melhor.
Existem coisas que poderiam ajudar quanto a isso. Imagine se Biden criasse centros de pesquisa aplicada em todo o país, vinculados às universidades. Isso poderia ajudar as companhias a resolver problemas localizados, e também resolveria grandes problemas como o das vacinas.
Por que ninguém no Partido Republicano está propondo uma agenda política positiva como essa?
Acredito que isso vai acontecer –mas por enquanto existe um vácuo. Biden não será derrotado pelo niilismo – o presidente Trump perdeu por mais de sete milhões de votos, não é um resultado assim tão próximo. Por isso as pessoas vão terminar por propor políticas novas, já que o que mais o Partido Republicano poderia fazer? A outra escolha seria retornar ao neoliberalismo escancarado, e creio que nem Ronald Reagan conseguiria se tornar presidente hoje se essa fosse sua plataforma!
Você se preocupa por talvez estarmos vivendo em uma bolha em termos de questões ecológicas, sociais e de governança?
Sim, de diversas maneiras. Estamos correndo o risco de política industrial e de rentismo, com subsídios a todo tipo de “coisa verde”. Também me preocupo com a maneira pela qual os presidentes-executivos lidarão com isso – ninguém quer que o presidente de uma empresa dedique metade de seu tempo a preocupações sociais.
E quanto ao protecionismo? Os republicanos serão capazes de apresentar uma voz alternativa, quanto a isso?
Espero que sim, mas não tenho certeza. Como quase todos os economistas exceto talvez Peter Navarro, acredito no livre comércio. Assim, por que algo que parece tão óbvio em qualquer curso de introdução à economia termina por não ser popular junto ao público?
Creio que por dois motivos. Um é que sempre que o professor de introdução à economia falava dos ganhos propiciados pelo comércio externo, ele tinha a ideia de que haveria perdedores, mas que uma compensação ocorreria naturalmente –o que não aconteceu.
Segundo, o livre comércio é um daqueles exemplos, como o do velho padrão ouro, de sistema que funciona de fora para dentro. É preciso aceitar as regras do jogo, e depois você se ajusta. Creio que precisemos recuar a um período em que se possa dizer, olha, é preciso compreender os grupos nacionais de interesse. Isso talvez signifique muito mais apoio ao treinamento, ou poderia significar garantia de salários, poderia ser muitas outras coisas além de simplesmente dizer “livre comércio”.
Assim, o que importa é tentar falar de livre comércio considerando as duas metades das ideias de Adam Smith.
Sim, exatamente. Mesmo Smith, o campeão da abertura, não teria aceitado que áreas inteiras [de uma economia] simplesmente fossem deixadas para trás. Smith falava muito sobre lugares –ele disse algo como “um homem é um tipo de bagagem difícil de carregar”, o que significa que é preciso considerar lugares como um todo, e não só empregos… considerar a cultura.
Ei, uma combinação de antropologia e economia!
Exatamente, duas ciências sociais, farinha do mesmo saco.
O que está acontecendo com a Economia como profissão? Com questões como o debate em torno das críticas de Summers às políticas de Biden, será estamos vendo uma guerra tribal entre economistas? A Economia está sendo repensada? Biden está se afastando dos economistas?
Bem, vou começar com boas notícias: os jovens astros da profissão [Economia] tendem hoje a ser pessoas que discutem grandes problemas, que variam do desenvolvimento à política monetária e mercados de trabalho, usando novos recursos e técnicas. Acho que isso é completamente saudável.
Creio que o governo precisa de pessoas com grandes ideias sobre macroeconomia. Se eu estivesse no lugar de Janet Yellen, conversaria com economistas que continuem a me dar essa perspectiva, mas também obteria perspectivas micro do mercado financeiro e do mercado de trabalho. Não é preciso haver uma guerra, portanto. Mas me preocupa a maneira pela qual o governo Biden fala de políticas na formulação das quais não há muito envolvimento de economistas. Não é o primeiro governo em que vejo isso acontecer –mas é uma preocupação para a Economia como profissão.
Qual é o próximo passo para você? Você vai tentar criar a nova visão republicana sobre a economia?
Sim –mas não por ser republicana, e sim porque acredito que seja uma visão importante para as políticas públicas.
Traduzido originalmente do inglês por Paulo Migliacci