Governo Lula: algumas considerações importantes I

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O Brasil nos últimos quinze anos passou por grandes transformações em sua estrutura econômica e social, a estabilidade da economia auxiliou na melhoria das condições sociais, garantindo aumento na renda, no emprego e na inclusão social, levando o país a uma condição de destaque no cenário internacional, na condição de emergente ao lado de estrelas como a China, a Índia e a Rússia, países que ficaram conhecidos como BRICs.
Depois da estagnação dos anos 80 e das grandes reformas econômicas dos anos 90, o Brasil se encontra num dos melhores períodos de sua história recente, as perspectivas são positivas, a ascensão da nova classe média e o aumento do mercado consumidor brasileiro estimulou novos investimentos produtivos, que melhoraram as perspectivas de emprego e renda, revertendo tendências anteriores de estagnação e incremento na exclusão social e colocaram o país na rota dos grandes investidores internacionais, tanto de empresas transnacionais quanto fundos de investimentos, bancos, corretores e seguradoras.
Todos estes avanços foram iniciados depois da estabilização da economia e consolidados com o governo Lula, não dá para atribuir tais avanços a um único governo ou a um único presidente, mas sim a um conjunto de fatores e variáveis que vem sendo introduzidos gradativamente e foram fundamentais para melhorar as condições do país e elevar sua credibilidade patamares jamais vistos anteriormente.
O governo atual está chegando ao fim, fazer um balanço destes oito anos é sempre interessante, neste período a economia cresceu de forma acentuada, principalmente no período 2006/2010, melhorando os indicadores sociais e tirando milhões de pessoas da miséria e abrindo novas perspectivas para uma parcela substancial da população. Analisando em perspectiva o governo Lula encontramos muitas idéias antagônicas, uns descrevendo-o como um período de crescimento amparado nos avanços do governo anterior e outros designando-o como um dos mais fantásticos períodos da história econômica recente, fruto de decisões estratégicas e visionárias do presidente Lula, de sua liderança e visão diferenciada, diante deste impasse, qual das visões é a mais correta para se entender o período 2003/2010?
No campo social encontramos grandes avanços, principalmente gerados pelos programas sociais, onde destacamos o Bolsa Família, responsável pelo atendimento de mais de 11 milhões de famílias, este programa é visto como a menina dos olhos do governo, um programa que injeta na economia mais de 15 bilhões de reais e impacta diretamente sobre a população mais pobre, tirando da miséria muitos indivíduos e estimulando regiões antes relegadas ao esquecimento. Outra política que impactou muito positivamente neste período foi o incremento no salário mínimo e os ganhos reais concedidos pelo governo, que eliminaram perdas anteriores e garantiram aumentos reais na renda da população, impulsionando o crescimento do consumo e estimulando o investimento produtivo, gerador de novos empregos e aumento na demanda agregada.
Todos estes fatores foram importantes na gestão petista, mas o que mais impulsionou o desempenho positivo foi, sem sombra de dúvidas o crescimento econômico, geradas por um mix de políticas, dentre elas destacamos uma política fiscal expansionista, estimulada pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e pelo incremento dos recursos canalizados na economia pelos bancos públicos, BNDES, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal (CEF).
A política econômica do primeiro governo Lula se caracterizou pelo um excesso de ortodoxia, juros altos, aumento nos impostos, corte nos gastos públicos e acentuado conservadorismo, que segundo o governo se justificava pela chamada herança maldita deixada pelo governo anterior, mas muitas vezes extremada e geradora de grande discórdia dentro do governo, do partido e da sociedade.
A política econômica foi alterada no segundo mandato, para muitos o motivo foi o escândalo do mensalão, que quase impediu a vitória do presidente Lula, neste momento o governo aumentou de forma acelerada os gastos fiscais, o salário mínimo recebeu estímulos importantes, novos projetos surgiram e atingiram fortemente seu alvo, dentre eles destacamos o PAC e o Minha Casa Minha Vida, cujo impacto na sociedade foram muito interessante, alavancando novos investimentos e estimulando a geração de empregos no sistema produtivo.
O programa Minha Casa Minha Vida apresentou um crescimento imediato, neste projeto o governo federal passa a conceder um subsídio para todas as famílias com renda até cinco salários mínimos, gerando de imediato um desejo imenso, por parte da população, de adquirir a casa própria, um sonho acalentado por grande parte das famílias brasileiras, cujo déficit habitacional é bastante considerável, algo próximo de 5 milhões de residências. O programa estimulou a construção civil, aumentando investimentos produtivos, estimulando a contratação de novos trabalhadores, principalmente aqueles com baixa qualificação e incentivando um mercado que estava adormecido desde os anos 80, quando o setor recebeu seus últimos incentivos governamentais.
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), iniciado em 2006, pode ser descrito como uma grande tentativa do governo federal de estimular novos e grandiosos investimentos em infra-estrutura, muitos destes fundamentais para a consolidação do crescimento econômico, dentre eles podemos citar projetos de geração de energia, novas estradas, portos, aeroportos, etc… todos estes estratégicos para a manutenção do crescimento da economia e diminuição dos gargalos que elevam o custo Brasil e diminuem a competitividade da economia brasileira.
O PAC pode ser descrito como uma tentativa exitosa de retorno do planejamento estatal na economia, seu saldo é positivo, seus investimentos nem sempre adiantados, na grande maioria atrasados pela grande burocracia do Estado devem ser visto de forma positiva, pois impactam na economia gerando aumento da demanda agregada, mas devemos destacar ainda, de forma negativa, que este programa acelerou os gastos com propaganda e publicidade, colocando em dúvida os verdadeiros objetivos deste programa de mais de R$ 500 bilhões.
O governo Lula se beneficiou de um ambiente bastante positivo da economia internacional, onde os preços das commodities aumentaram mais de 70%, beneficiando países como o Brasil e os demais emergentes, que viram suas receitas oriundas das exportações crescerem de forma acelerada, aumentando a renda nacional, gerando novos empregos e atraindo divisas para o fortalecimento das reservas em moedas fortes e afastando de vez os problemas de balanço de pagamentos, tão comuns nos anos 90 e que “obrigavam” o país a contrair empréstimos de organismos internacionais. Devemos destacar ainda o papel desempenhado pela China, que a partir de 2003 inicia um processo longo de absorção de produtos brasileiros, levando o país a se tornar nosso maior parceiro comercial, superando países como os Estados Unidos, Argentina e a União Européia, historicamente nossos maiores parceiros no comércio internacional.
O governo Lula pode ser descrito como um período de grande crescimento econômico e melhoria nos indicadores sociais, seus méritos são inquestionáveis e devem ser valorizados, mas não se deve deixar de conceder ao governo FHC méritos importantes, afinal foi neste período que muitas mudanças foram introduzidas na administração pública e tiveram êxito significativo, dentre elas destacamos a estabilização da economia gerada pela introdução do Plano Real, que deve ser visto como a condição central para que todos os avanços na gestão petista fossem tivessem ocorrido. A sociedade brasileira, nos últimos 16 anos, passou por grandes transformações estruturais, o mérito é de todo o povo brasileiro que soube escolher dois grandes governantes, que apesar do antagonismo constante são, na verdade, complementares.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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