‘Há outros vírus só esperando para emergir’, afirma Jared Diamond

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Pesquisador da Universidade da Califórnia abre série de conferências Fronteiras do Pensamento, em formato virtual

REINALDO JOSÉ LOPES – FOLHA DE SÃO PAULO, 11/08/2021

Para quem tinha alguma esperança de que a Covid-19 seria o tipo de evento que só acontece uma vez a cada século, o biogeógrafo americano Jared Diamond, 83, tem uma má notícia.

“Eu diria que a Covid-19 é o começo do futuro”, afirmou Diamond, autor do clássico “Armas, Germes e Aço”, em entrevista à Folha por vídeo. “Está mais claro do estava um ano atrás que a atual pandemia é um evento único sem precedentes no passado, mas que terá muitos imitadores a partir de agora. Ou seja, a Covid-19 é a primeira pandemia realmente global graças à sua capacidade de se espalhar por aviões a jato, embora a pandemia de gripe espanhola de 1918 tenha chegado perto.”

O pesquisador da Universidade da Califórnia em Los Angeles é o primeiro convidado deste ano da série de conferências Fronteiras do Pensamento, que acontece em formato virtual. Sua palestra para o público brasileiro acontece no dia 25 de agosto.

Diamond se notabilizou pela capacidade de sintetizar uma imensa gama de informações biológicas, geográficas, arqueológicas e antropológicas para tentar encontrar os grandes fios da meada da história humana. Uma das constantes, segundo ele, é o papel das doenças infecciosas, como sugere a palavra “germes” no título de seu principal livro —foram eles os principais responsáveis pela relativa facilidade com que os europeus dominaram as populações nativas de continentes como a América e a Oceania.

As civilizações da Europa e da Ásia contaram com essa vantagem em relação a indígenas americanos e aborígines australianos graças, em grande parte, aos seus rebanhos de animais domésticos, que eram raros ou inexistentes nos locais invadidos.

Os micróbios e vírus dos bichos passaram milhares de anos saltando para seus donos e adaptando-se a eles em território europeu, enquanto nenhum processo parecido se deu entre os nativos do Brasil, dos EUA ou da Austrália.

Com isso, essas populações não tinham nenhuma resistência natural a moléstias como sarampo, varíola e gripe, frequentemente sendo dizimadas pelos germes sem que fosse preciso disparar um só tiro.

A semelhança com o novo coronavírus, contra o qual nenhum ser humano tinha resistência natural quando ele começou a se espalhar no fim de 2019, não é mera coincidência.

“Há outros vírus só esperando para emergir. Temos algo como 30 milhões de espécies de animais por aí, e cada um desses animais têm suas próprias doenças”, aponta Diamond. “Pegamos febre amarela de macacos, malária de primatas do Velho Mundo, pegamos a Sars [doença causada por outro coronavírus no começo dos anos 2000] de animais do Sudeste Asiático. Portanto, você pode apostar que elas vão continuar aparecendo enquanto os seres humanos tiverem contato com animais.”

A relação entre animais domésticos, doenças infeciosas e conquista europeia exemplifica o enfoque dado pelo especialista a suas análises da história humana. Para Diamond, as grandes linhas dos confrontos entre civilizações foram definidas por condições ambientais de cada continente e região, as quais muito raramente estão sob controle de cada povo.

Essa é uma das razões pelas quais ele é um adversário ferrenho da ideia de que supostas diferenças genéticas entre raças ou grupos étnicas, em especial as que afetariam a inteligência, teriam levado ao triunfo de certos povos sobre outros.

“É claro que existem algumas diferenças genéticas entre as populações de cada continente, que possuem razões ambientais sólidas para existir. Os habitantes das regiões tropicais do Velho Mundo, por exemplo, têm genes de resistência à malária porque passaram milênios enfrentando a doença, coisa que os suecos não têm. Já os habitantes do norte da Europa, que consomem leite há milhares de anos, carregam mutações que permitem que os adultos sejam capazes de digerir os açúcares do leite. Mas, no que diz respeito à capacidade do cérebro, não há evidência nenhuma de diferenças”, destaca ele.

“Com base na minha experiência na Nova Guiné, onde faço meu trabalho de campo, posso dizer que os americanos burros conseguem não apenas sobreviver como até acabam indo votar”, ironiza. “Já um nativo da Nova Guiné burro não sobrevive o suficiente para se reproduzir.”

As décadas de contato com as sociedades tradicionais da ilha do Pacífico é uma das bases de outro de seus livros, “O mundo Até Ontem”, no qual Diamond mostra o que é possível aprender com populações que ainda vivem de maneira muito parecida com nossos ancestrais de 10 mil anos ou 5.000 anos atrás. Para o pesquisador, tais grupos abrem uma janela para estratégias de interação social e desenvolvimento humano que continuam sendo valiosas.

“Os povos indígenas têm sociedades que são o resultado de centenas de milhares de anos de evolução e 75 mil anos da evolução dos seres humanos modernos. Eles têm muitas maneiras de criar seus filhos, muitas maneiras de cuidar dos idosos, muitas maneiras de aprender habilidades sociais. Na Nova Guiné, fiquei muito impressionado quando vi que crianças de cinco anos de idade conseguem negociar com adultos como eu muito melhor do que americanos de cinco anos”, conta ele. “Imagino que os brasileiros com mais de 70 anos ou 80 anos em geral estão muito infelizes, tal como os americanos com essa idade. Sentem e conversem com os povos da floresta sobre como eles enfrentam a velhice.”

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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