Heranças coloniais e inserção econômica internacional

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Um dos grandes desafios para a economia de um país gigantesco como o Brasil, é como se inserir na economia internacional, numa sociedade que passa por grandes e rápidas transformações, se posicionar no novo modelo econômico e produtivo global é um imenso desafio, sem esta inserção o país estará condenado a uma mediocridade perpétua, relegando sua autonomia e soberania para outros países e outras nações, perdendo uma grande oportunidade de levar o país a alçar altos voos e melhorar as condições de vida da população.

Se olharmos para a história econômica brasileira, perceberemos que o país já se inseriu na lógica global em alguns momentos de sua trajetória, principalmente quando ainda era uma colônia de Portugal e nos caracterizávamos como uma economia agroexportadora, baseada em produtos primários de baixo valor agregado, voltado ao mercado externo e marcada por ciclos de monoculturas que se alteravam com constância, sem uma maior profissionalização e marcado por um grande amadorismo na gestão.

Como destacou o economista Celso Furtado no monumental Formação Econômica do Brasil, nossa nação durante muitos séculos foi descrita como uma economia baseada em ciclos econômicos que se alternavam, inicialmente com o pau-brasil, depois a cana de açúcar, os metais preciosos e o ciclo cafeeiro, todos estes ciclos contribuíram para que a metrópole extraísse uma ampla gama de recursos da colônia, mantendo esta última empobrecida e não melhorando de forma estrutural a riqueza de Portugal, estes recursos serviram apenas para satisfazer os luxos e os confortos de uma elite degradada.

Nestes ciclos encontramos uma estrutura centrada na extração e posterior embarque de produtos para a metrópole, com isso, as mercadorias daqui extraídas não colaboraram para melhorar as condições sociais da população, eram riquezas que foram transportadas para Portugal e este se utilizou dos recursos advindos desta venda para a aquisição de produtos e mercadorias industrializadas da Inglaterra, sem visão estratégia os portugueses perderam a oportunidade de construir uma estrutura produtiva moderna e dinâmica.

O Brasil estava inserido no comércio global, os portugueses carregavam seus navios com mercadorias advindas do Oriente Médio, principalmente temperos, frutos do mar, tecidos, lãs, dentre outros. Estes produtos eram trocados com as colônias portuguesas da África por escravos e levados ao Brasil, onde estes últimos eram deixados e os navios eram novamente carregados com produtos extraídos da colônia, principalmente cana de açúcar, pau-brasil e metais preciosos, o Brasil desde seu nascimento estava inserido no comércio internacional como uma colônia produtora de produtos primários e de baixo valor agregado.

Neste período de grande exploração, os portugueses não conseguiram introduzir um novo modelo econômico e produtivo, embora tenham extraído grandes fortunas e imensas riquezas do “comércio” com o Brasil, uma pequena parte destes recursos foi diretamente investido na economia portuguesa, como o país não tinha as perspectivas imediatas de desenvolver sua indústria ou outros setores estratégicos, continuou sua dependência de outros países na região, principalmente sua ampla dependência dos ingleses, na época a maior economia do mundo e dona da hegemonia no comércio internacional, país com inúmeras colônias, grande capacidade de empreender e ótima localização geográfica

A colonização brasileira teve início com a descoberta do país, em 1500, e terminou com a independência, fato este ocorrido em 1822, nestes mais de trezentos anos, a economia do país esteve sempre atrelada a uma economia mais estruturada, depois da colonização nossa dependência econômica passou para a Inglaterra, na época a grande pioneira da Revolução Industrial, momento central da história da humanidade que trouxe um salto tecnológico e produtivo em escala internacional e contribuiu para o crescimento da migração das pessoas do campo para as cidades e para um incremento de produtividade.

A colonização brasileira foi descrita como uma colonização de exploração, o que nos diferenciou da colonização dos Estados Unidos, cuja modelo foi chamada de povoamento, enquanto as riquezas da colônia portuguesas eram nítidas e bastante evidentes, na colônia inglesa, as montanhas e os territórios inóspitos, contribuíram para que os Estados Unidos fossem pouco explorados pelos descobridores, algo diferente aconteceu com o Brasil, que desde seus primórdios se caracterizou como uma economia explorada e muito mal gerida pela metrópole, com heranças negativas que se perpetuaram no tempo e ainda hoje podem ser vistas como características intrínsecas ao país.

Os portugueses legaram ao Brasil, um modelo muito burocratizado e marcado por traços fortes de intervencionismo e corrupção, as decisões deviam ser sempre tomadas e autorizadas pelo imperador, o que fazia com que tais decisões demorassem muitos meses, obrigando os investimentos e os empreendimentos a se perpetuarem durante muitos anos. Nos Estados Unidos encontramos uma situação bastante diferente, com um modelo mais descentralizado e dinâmico, as decisões eram sempre mais rápidas e dinâmicas, marcadas por um espírito mais acelerado, empreendedor e bastante flexível.

A base da economia colonial estava assentava na mão de obra escrava, com isso, o Brasil vai ficar muito distante da introdução de um mercado consumidor de massas, com grande parte do trabalho centrada na escravidão, o sistema capitalista nacional apresentava severas limitações, sem emprego e renda o sistema ficava inviabilizado na sua essência.

A escravidão também foi central para a construção de uma sociedade excludente, como uma grande parcela desta sociedade estava ausente desta estrutura de emprego, salário, renda e consumo, construímos um modelo onde a renda e a riqueza se concentrou na mão de poucos e a pobreza era uma característica geral e marcante, esta herança se mantem até os dias atuais fazendo do Brasil um dos países mais desiguais do mundo.

Dos quatro grandes ciclos econômicos vividos pelo país no período da colonização, o que mais contribuiu para o crescimento do país foi o ciclo do café, iniciado na metade do século XVIII, este ciclo teve seu maior progresso no século XIX, quando impulsionou a economia do país e contribuiu para que o processo de desenvolvimento adentrasse ao interior do país, inicialmente na região do norte fluminense, região de Campos dos Goytacazes e Vassoura e, posteriormente, na região do noroeste paulista, principalmente no entorno de Bauru, onde se desenvolveu imensamente, contribuindo para o crescimento do país e o fortalecimento do capitalismo nacional, além de impulsionar o crescimento das ferrovias que transformaram a região e abriram caminho para um forte ciclo de crescimento e desenvolvimento da região.

No século XIX, o país visualiza um embate na cultura cafeeira, que denota claramente como era a estrutura produtiva do país, de um lado o Brasil arcaico, escravista, marcado por baixa produtividade e com apoio político como instrumento de controle das varáveis econômicas e, de outro, um Brasil mais moderno, a favor de trabalhadores livres e adepto de investimentos variados para diversificar a produção e diminuir a dependência dos produtos primários de baixo valor agregado, neste embate  o Brasil moderno se sai melhor mas, quando toma o poder, percebe-se que o chamado de moderno não é tão moderno assim, com o poder nas mãos passa a adotar políticas tradicionais e conservadoras, mantendo o poder político para extrair do Estado Nacional as mais variadas benesses.

Ao analisarmos a sociedade brasileira percebemos que esta é uma das grandes características do Brasil, o moderno se une ao arcaico e constroem juntos um novo modelo de gestão, não existe uma ruptura com a sociedade tradicional e a construção de uma nova organização social, com isto estamos sempre presos a interesses e teorias antigas e ultrapassadas, enquanto o mundo avança o país se ressente de mais modernidade, uma modernidade verdadeira e dinâmica, mas o que vemos é uma modernidade conservadora.

Os ciclos anteriores foram pródigos em extrair grandes somas de riquezas do país e levá-las para o exterior, alimentando uma casta portuguesa cheia de interesses imediatistas, muito dinheiro, muita riqueza e nenhum projeto de desenvolvimento, o resultado desta política foi um incremento na importações de produtos ingleses que, com estes recursos, angariaram grandes somas de recursos para financiar o seu desenvolvimento industrial, se tornando o berço da civilização industrial e a economia dominante do mundo até o começo do século XX.

A ausência de uma estratégia de desenvolvimento para Portugal foi transplantada para o Brasil que, durante muitos anos depois da independência, se caracterizou por disputas predatórias entres grupos variados, principalmente entre setores da economia agrícola e, posteriormente, depois da Revolução de 1930, quando se confrontaram os agroexportadores e defensores de um Brasil agrícola e, de outro, um Brasil industrializado, que via na indústria uma estratégia central de desenvolvimento e de melhoria nas condições sociais da população, na sua maioria marcada pela pobreza extrema e pela marginalidade, tão bem retratados na obra Os bestializados de José Murilo de Carvalho.

A inserção do país na economia global, no período colonial, trazia alguns constrangimentos para a economia brasileira, de um lado, os produtos agrícolas tinham seus preços definidos pelo mercado externo, os demandantes tinham grande poder sobre a definição dos preços destes produtos. De outro, os produtos importados por países como o Brasil, na sua maioria mercadorias industrializadas, tinham seus preços definidos pelo produtor, com esta estrutura de preços do comércio internacional, percebíamos que a economia global privilegiava os países dotados de um maior desenvolvimento industrial em detrimento dos países agrícolas, o que inviabilizava uma estratégia de planejamento estratégico e perpetuava o poder e a dominação dos países ricos e industrializados.

O Brasil foi um dos últimos países a acabar com a escravidão, postergamos o máximo possível em colocar um ponto final nesta situação degradante, mesmo sofrendo a pressão dos ingleses, que viam na escravidão um entrave ao desenvolvimento do capitalismo no Brasil, ainda conseguimos manter uma estrutura escravocrata durante muitas décadas, desta forma percebemos uma herança de exploração, sofrimentos, altos custos e baixa produtividade, todas estas características que dão ao Brasil uma sociedade dividida entre exploradores e exploradas, com salários baixos e pouco dinamismo econômico.

As nossas escolhas sempre foram truncadas, nossas chamadas revoluções carecem de transformações estruturais, nossas leis sempre foram burladas de acordo com interesses de grupos poderosos e forças escusas e nossos sonhos sempre foram deixados de lado, desde sempre somos o país do futuro, nosso passado foi marcado por grandes exploração e desigualdade, fomos fundamentais para financiar grandes revoluções em outros países e regiões, impulsionamos com estas riquezas solos e regiões distantes mas, ainda não conseguimos encontrar um caminho para nosso próprio desenvolvimento, nossa elite se satisfaz com o desenvolvimento de outras regiões e evita contribuir para o desenvolvimento local, algo que só as teorias da psicanálise podem nos explicar convincentemente.

A estrutura agroexportadora perdeu força no Brasil com a crise de 1929, neste momento os nossos maiores compradores reduziram imensamente a compra de produtos brasileiros em decorrência da depressão em curso nos Estados Unidos e que se espalhou para toda a economia internacional. Com estoques elevados e preços em queda, o governo foi obrigado a interferir no mercado para evitar a quebra da economia cafeeira, neste momento os estoques de café são incinerados e os preços voltam ao ponto de equilíbrio, mas a economia cafeeira entra em colapso e abre espaço para novos grupos políticos, econômicos e sociais, tudo isso culmina na chamada Revolução de 30 e na ascensão de Getúlio Vargas ao poder, inicia-se o processo de industrialização brasileira.

O Estado sempre foi o local das grandes lutas políticas no Brasil, desde a independência até a Revolução de 30, o grande detentor dos poderes estatais eram os cafeicultores, que se utilizaram de seu poder para criar leis e construir políticas para satisfazer seus interesses econômicos e financeiros. Com a ascensão dos industriais a partir de Getúlio Vargas, percebemos uma outra elite dominando as estruturas do Estado e se utilizando deste poder para demarcar suas políticas e interesses, o Brasil rural perde espaço para um país mais urbano, novas formas de trabalho e instrumentos de estímulo ao setor produtivo, determinando os interesses do setor industrial.

O Estado brasileiro sempre defendeu os interesses dos grupos que o comanda, os setores mais fragilizados e depauperados são relegados ao esquecimento, sendo entregues a estes setores apenas as migalhas do capitalismo e os pequenos benesses do capital.

No começo do século XXI o Brasil se depara com desafios diferentes, a industrialização não trouxe os ganhos prometidos e o grande agente econômico é o setor do agronegócio, o país hoje pode ser descrito como um dos maiores exportadores de produtos agrícolas, para muitos especialistas temos um potencial para sermos o celeiro do mundo, temos clima e terra em abundância e solos e regiões ainda inexplorados, temos tecnologias de pontas construídas pelas empresas em parcerias com universidades e centros de pesquisas públicas e privadas, somos um dos maiores responsáveis pelos saltos de produtividade no campo e temos espaços de sobra para assumir esta liderança, o que nos falta é uma estratégia centrada em interesses maiores, estratégias que coloquem no centro os desejos e os anseios da sociedade brasileira, o fim da desigualdade e da pobreza, sem isto o país vai continuar sendo descrito como o país do futuro, um futuro sempre distante e que nunca chega.

 

 

 

 

 

 

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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