Democratas contra a democracia? por Oscar Vilhena Vieira

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Nem todas as pessoas entendem a democracia de uma mesma forma

Oscar Vilhena Vieira, Professor da FGV Direito SP, mestre em direito pela Universidade Columbia (EUA) e doutor em ciência política pela USP.

Folha de São Paulo, 22/10/2022

O que leva uma parcela de eleitores que se manifestam favoráveis à democracia a escolherem governantes autoritários, que desprezam valores democráticos e atacam sistematicamente as suas instituições, como vem ocorrendo em países tão distintos como Estados Unidos, Hungria ou Brasil?

Nada menos que 79% dos brasileiros, conforme o último levantamento realizado pelo Datafolha, apontam a democracia como a melhor forma de governo. Para apenas 5%, a ditadura é melhor regime. Como explicar, então, um apoio significativo a um candidato abertamente autoritário como Bolsonaro?

Duas hipóteses podem ajudar a compreender esse aparente paradoxo. A primeira é de natureza conceitual. Nem todas as pessoas entendem a democracia de uma mesma forma. Para a tradição liberal e também social-democrata, embora as eleições sejam o elemento central do regime democrático, o exercício do poder político deve estar submetido a um sistema de freios e contrapesos, para que não se torne arbitrário, devendo ainda ser exercido em conformidade com os direitos fundamentais, para que todos sejam tratados com igual respeito e consideração.

Para os populistas, no entanto, a democracia se resumiria à escolha de um líder que se identifique com os sentimentos da maioria. Mais do que isso, o sistema de freios e contrapesos e mesmo os direitos fundamentais devem e podem ser removidos ou subjugados, quando constituírem obstáculos à realização da vontade da maioria.
Creio que uma fração significativa dos eleitores brasileiros, que antes não se importavam muito com o regime político ou que se frustraram com o modelo de democracia adotado em 1988, se deixaram seduzir por uma concepção insustentável de democracia populista. Por essa razão, esses eleitores não veem nenhuma contradição em se declararem democratas e ao mesmo tempo apoiarem um candidato que despreza os valores democráticos e detona suas instituições.

Mas essa hipótese sozinha não explica por que parcela significativa dos eleitores, que além de democratas também se veem como pessoas de bem, aceitam votar em alguém destituído das virtudes mais básicas a um governante em um regime democrático, como a demonstração de empatia pelo sofrimento alheio; alguém que pratica o desrespeito às leis como método de governo; assim como alguém que despreza e discrimina a maioria da população, composta por pobres, mulheres e negros.

Creio que a rompante polarização, que substitui a razão e o diálogo pela crença cega e o conflito, pode ajudar a explicar a segunda parte desse paradoxo. Não se trata de uma polarização meramente política ou ideológica. Mas sim de uma polarização visceral e assimétrica, forjada no contexto de grupos de identidade eletiva, que mobilizam o medo e a hostilidade em relação àqueles que não pertencem ou discordam das visões do grupo.

Nesse tipo de polarização, alavancada pelo líder populista, a afiliação ao grupo passa a ser determinante das escolhas individuais, mesmo em assuntos que transcendem os interesses do grupo, subvertendo o senso comum, que nos ajuda a separar o certo do errado, o decente do indecente, a verdade da mentira.

Que a responsabilidade e o bom senso de uma maioria plural, que abraça uma concepção mais liberal e generosa de democracia, prevaleça nas urnas no próximo dia 30.

Crise com queda de Liz Truss lembra que brexit custa caro e isola Reino Unido

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Partido Conservador governa com arrogância travestida de autoconfiança

Carolina Pavese, Doutora em relações internacionais pela London School of Economics e professora da ESPM
Folha de São Paulo – 22/10/2022

A renúncia de Liz Truss, nesta quinta (20), foi recebida com um misto de consternação e resiliência pelos britânicos —afinal, já era em certa medida esperada. Os últimos quatro primeiros-ministros abandonaram o navio em naufrágio. Além de pertencerem ao Partido Conservador, todos também ficaram marcados pela incapacidade de redefinir a identidade do Reino Unido nas relações internacionais pós-Brexit.

Ignorando um contexto em que já não há espaço para grandes impérios, os conservadores instauraram o caos. Após anos de governo dos trabalhistas, o partido se consolidou majoritário nas eleições de 2010, com David Cameron como primeiro-ministro. Cinco anos depois, ele recorreu a discursos nacionalistas e eurocéticos para agradar a certos eleitores, comprometendo-se a convocar um referendo se ficasse no poder. Vitorioso, cumpriu a promessa.
Em junho de 2016, 54% dos eleitores optaram por deixar a União Européia. A campanha vitoriosa foi marcada por narrativas sensacionalistas, disseminação de fake news e discursos xenófobos, revivendo com saudosismo a ideia de um império. Cameron, que ironicamente havia defendido a permanência no bloco, renunciou quando percebeu o problema que criara.

Desde então, foram três novos líderes conservadores (Theresa May, Boris Johnson e Liz Truss), todos reafirmando o discurso de que uma grande potência como o Reino Unido anda melhor sozinha. É justamente essa arrogância, travestida de autoconfiança, o ponto franco da política externa britânica; o erro de análise permeia toda a história das interações entre o país e a União Europeia.

Em discurso histórico na Universidade de Zurique, em setembro de 1946, Winston Churchill argumentou em favor da criação de “uma espécie de Estados Unidos da Europa”, com a participação da França e da Alemanha, mas sem a adesão do Reino Unido. Em 1951, o Tratado de Paris criou o embrião do processo de integração, a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, ampliado para mais dois grupos em 1957.

Na década de 1960, os britânicos pleitearam a adesão à então Comunidade Europeia. Charles de Gaulle, presidente da França na época, opôs-se, argumentado que o Reino Unido seria um “cavalo de Troia” —a história mostrou que não estava errado. Finalmente aceitos no bloco em 1973, os britânicos não pareciam convencidos da ideia, e em 1975 realizaram um primeiro referendo sobre a permanência; 67% da população optou por ficar.

Ao longo das quatro décadas que se seguiram, a participação na UE foi marcada por tentativas de frear certas agendas e buscar uma participação seletiva na medida do possível para “preservar sua soberania”. Foi concedido, por exemplo, o direito de o Reino Unido não aderir a um acordo de 1993 e preservar sua moeda. Por outro lado, houve inegável reforço de uma interdependência comercial e econômica e ganhos mútuos em projeção política.

Em 2015, ano anterior ao referendo do brexit, 44% das exportações e 53% das importações de bens e serviços britânicas tinham o bloco europeu como mercado. Mais de 3 milhões de empregos estavam ligados às exportações para a UE, também o maior investidor direto do mercado financeiro britânico (48% dos investimentos em 2014).

A saída do bloco levou à revogação de acesso ao livre mercado. Estudo do think tank europeu Instituto de Pesquisa Econômica e Social estimou que o valor das exportações de Londres para Bruxelas está 16% abaixo do que num cenário sem o brexit, enquanto importações caíram 20%. O resultado na economia é claro.
Continuar ignorando a importância do mercado europeu é insistir no erro. A solução passa exatamente em priorizar o comércio com a UE e se empenhar em derrubar as barreiras impostas pelo brexit. Há, ainda, a necessidade de definir as relações bilaterais com Bruxelas, ancoradas em um acordo temporário e com muitos pontos de tensão, como a questão com a Irlanda do Norte.

A perda de mercado se estende aos mais de 41 acordos comerciais que o bloco possui com cerca de 70 países. Depois do brexit, o Reino Unido se empenhou em estabelecer os próprios acordos preferenciais —hoje são 33, muitos com vigência temporária e poucos com a abrangência dos europeus.

A menor atratividade tem reverberado na dificuldade de celebrar pactos com parceiros estratégicos, como os EUA.

Fica claro que não é possível retornar ao passado glorioso sem abraçar a globalização e enfrentar as contradições do capitalismo. Não há espaço para protecionismo nem nacionalismo, sobretudo em uma economia tão inserida no mercado global e altamente dependente de mão de obra estrangeira.

O que preocupa é que os conservadores continuam inclinados inclinados a reforçar esse discurso populista.

É importante ressaltar que o Reino Unido tem posição de destaque em processos globais de tomada de decisão, como membro de G7, G20, FMI, Banco Mundial, Otan e Conselho de Segurança da ONU. Permanece sendo, apesar da crise, uma das maiores economias do mundo. Assim, é protagonista.

A questão é que agora age sozinho —o que não seria ruim em outro contexto. Diante da crise econômica e da instabilidade política, vê sua reputação comprometida. Na ausência de perspectivas de reverter esse panorama, crescem os custos do brexit.

Ao subjugar a importância da cooperação com a Europa continental, o Reino Unido perde oportunidades de ampliar seu protagonismo nas relações internacionais. Torna-se mais forte a percepção do erro cometido. Era melhor estar mal acompanhado do que só.

Mundo em transe

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É comum discutirmos neste espaço as crescentes instabilidades e incertezas da economia global, os ciclos econômicos se repetem constantemente, gerando momentos de crescimento e quedas abruptas, que geram preocupações, medos e desequilíbrios para toda a comunidade internacional. Neste momento, percebemos que a sociedade mundial passa por grandes transformações, modelos dominantes e consolidados durante décadas estão sendo superados por novos modelos de negócios, gerando poucos empregos, grandes incertezas, medos e preocupações que repercutem sobre as relações sociais, aumentando os conflitos nas estruturas produtivas, desagregações familiares, crescimento da depressão, ansiedades e novos desequilíbrios sociais, psicológicos e emocionais.

A integração econômica ganhou relevância na economia internacional desde os anos 1980, aumentando a competição entre os agentes econômicos, incrementando a concorrência entre empresas, governos e indivíduos, impulsionando a produtividade dos setores produtivos, aumentando a complexidade tecnológica, barateando produtos, mercadorias e serviços. Neste movimento, percebemos uma busca crescente por novos espaços de produção em escala global, os grandes conglomerados passaram a buscar países com mão-de-obra abundante e salários reduzidos, com isso, os países ocidentais perderam empresas e as nações asiáticas ganharam novos investimentos, novos espaços de acumulação, fortalecendo os oligopólios e consolidando um novo modelo produtivo global.

Neste momento surgem as cadeias de produção global, onde as nações orientais ganham espaços na lógica produtiva e os grandes conglomerados econômicos e financeiros passam a pressionar as nações em desenvolvimento, exigindo a adoção de medidas liberalizantes, redução do protecionismo, aumentando a concorrência, gerando a desnacionalização dos setores produtivos, reduzindo benefícios sociais, degradando o trabalho e aumentando os ganhos dos setores financeiros, que ganham lucros crescentes com taxas de juros elevadas em detrimento da fragilidade do poder de compra da população, aumentando a desigualdade e a degradação das condições sociais, um fenômeno desta envergadura se espalhou para a comunidade internacional.

A pandemia aumentou os desequilíbrios econômicos, matando milhões de indivíduos em escala internacional, degradando as cadeias produtivas, impactando sobre a oferta de produtos, elevando os custos produtivos e trouxeram de volta o fantasma da economia mundial, levando os bancos centrais a adotarem choques de juros que aumentam os custos do capital, elevando o endividamento, degradando a renda das famílias, reduzindo as vendas e criando ambientes de fragilidades econômicas.

Dentro deste cenário de incertezas e instabilidades crescentes, o conflito militar entre Ucrânia e Rússia traz de volta um outro fantasma na sociedade internacional, o medo de um conflito nuclear, cujas consequências são impensáveis. A entrada da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) no conflito, além dos países europeus e asiáticos, como a China e a Índia, podem levar a sociedade internacional a uma terceira guerra mundial, com dimensões inimagináveis, impensáveis e destrutivas.

Além dos desequilíbrios globais destacamos a fragilização da democracia, levando governos das mais variadas matizes ideológicas a adotarem políticas autoritárias, fragilizando a democracia, criminalizando a política, reprimindo as minorias, aparelhando o judiciário, degradando as instituições de Estado e garantindo ganhos substanciais para setores específicos da comunidade, estimulando o cassino financeiro, culminando num processo de desindustrialização e aumentando a dependência da estrutura econômica internacional.

Neste ambiente de incertezas e instabilidades, marcados por momentos de medos e ameaças de desastres nucleares, precisamos reconstruir os instrumentos para superarmos este momento de desequilíbrios globais. A coesão política interna é fundamental, lideranças conscientes com forte capacidade de aglutinação dos agentes sociais, além da visão estratégica e o planejamento para construirmos um verdadeiro projeto nacional, sem isso, continuaremos fomentando discussões desnecessárias, discursos de ódio e ressentimento, difundindo inverdades e caminhando diretamente para o caos.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Especialista em Economia Criativa, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário. Artigo publicado no jornal Diário da Região, Caderno Economia, 19/10/2022.

Xi Jinping deve reassumir China com economia mais lenta e múltiplas crises, por R. Zeidan.

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Guerra da Ucrânia, alta da inflação e desaquecimento do mercado imobiliário chinês são obstáculos para líder do Partido Comunista

Rodrigo Zeidan, Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

Folha de São Paulo, 18/10/2022

Xi Jinping deve ser reconduzido a um terceiro mandato de cinco anos no meio de várias crises: Covid, Guerra da Ucrânia, conflitos comerciais com os EUA, desaquecimento do mercado imobiliário local e aumento global da inflação.

O 20° Congresso do Partido Comunista Chinês começou neste domingo (16). Enquanto nos últimos congressos o clima era de otimismo (e até certa megalomania com o sucesso econômico do país), neste, a determinação das diretrizes econômicas e políticas têm caráter de urgência. Como será que o terceiro mandato do presidente Xi Jinping vai lidar com todas as mudanças mundiais ocorridas desde que ele foi reconduzido em 2017?

No último congresso, em 2017, 2.280 delegados representaram os cerca de 89 milhões de membros do partido. Durante o evento, eles introduziram o pensamento de Xi Jinping sobre o socialismo com características chinesas na constituição do partido e estabeleceram diversos cronogramas concretos para atingir metas de desenvolvimento.

Em agosto de 2021, Xi Jinping introduziu o conceito de “prosperidade comum”, dando a entender que o foco do seu terceiro mandato seria diminuir sobremaneira a desigualdade de renda chinesa, que é bem alta para os padrões asiáticos. Algumas das consequências imediatas foram a reforma educacional, que limitou os “cursinhos”, introdução de impostos sobre propriedade e aumento da contribuição para a previdência social daqueles que ganham maiores salários. Mas, hoje, o foco mudou.

A economia chinesa, pela primeira vez em décadas, vai crescer menos (2,5%) do que os outros países em desenvolvimento asiáticos (5%). É bom lembrar que para muitos países, um crescimento de 2,5% não é tão baixo assim, mas esse não é o caso do gigante asiático. Na China, mais de 500 milhões de pessoas ainda vivem oficialmente em áreas rurais. No momento em que alguém se muda para uma cidade ou a cidade muda para o campo (urbanização, hoje, é muito mais um processo de transformar áreas rurais em cidades do que expandir centros urbanos), sua produtividade triplica. Assim, urbanização por si só praticamente garante que a China deve crescer 2% ou 3% ao ano pelos próximos 10 a 20 anos. Ou seja, a não ser pelo crescimento natural das transformações urbanas, a economia chinesa deve andar de lado neste ano.

Grande parte da razão para isso é escolha. O cordão sanitário continua de pé e o objetivo das autoridades locais continua sendo minimizar a transmissão de Covid pelo país. Os testes quase diários de boa parte da população devem custar U$ 100 bilhões em 2022, ou 0,5% do PIB. Mas os maiores custos são indiretos: a queda da atividade pela diminuição dos movimentos das pessoas pelo país e limitação de vários serviços pelos lockdowns pontuais onde pipocam casos de Covid.

Por exemplo, um amigo está com seu bar em Xuhui, bairro central de Shanghai, fechado desde o início do ano, pois as autoridades locais ainda consideram que é mais seguro manter negócios pequenos fechados. É bom lembrar que as decisões sobre a pandemia são muito descentralizadas no país e mesmo na cidadea maioria dos bares em Xangai só fechou durante o lockdown da cidade que acabou no início de junho).

Mas a tendência do cordão sanitário é de afrouxamento. A quarentena, que era de 14 dias em hotel mais sete dias de monitoramento, agora é de 7+3. Antes, as viagens para a China tinham que ser feitas em voos diretos, se houvesse previsão destes; hoje, é possível fazer escalas. Ou seja, o país deve reabrir as fronteiras lentamente, mas caminha para isso inexoravelmente. Os principais obstáculos do terceiro mandato de Xi Jinping não incluem o vírus.
Internamente, a crise imobiliária vai demorar a ser deglutida pelo sistema econômico, mesmo que não haja risco de crise financeira. E, externamente, o processo de “decoupling” entre EUA e China continua a todo vapor, especialmente depois da nova rodada de sanções impostas pelos americanos.
Em um país em rápida urbanização, a desestabilização do sistema imobiliário reverbera em vários setores. Por exemplo, cerca de 20% das receitas de autoridades locais vêm de vendas de terras públicas para construção de imóveis residenciais e comerciais. Mas neste mandato, espera-se que a arrecadação por esses leilões caia 30% em comparação ao ano passado, no qual o total já foi menor que em 2020. Ainda assim, como o sistema financeiro chinês é isolado do mundo (há fortes controles de capitais e bancos privados quase não podem operar no país), não há risco para a estabilidade do sistema.

Se houver sinais de recuperação, não falta espaço para que o consumo interno volte forte. As taxas de poupança no país, por exemplo, são altíssimas. O FMI estima que se as famílias chinesas consumissem a sua renda da mesma forma que no Brasil, o consumo agregado chinês mais que dobraria.

Mas a grande apreensão para o resto do mundo vem dos rumos da guerra comercial entre EUA e China. Na sexta-feira, dois dias antes do congresso do PCC, os norte-americanos anunciaram o último e maior alvo na guerra comercial contra o gigante asiático. Basicamente, os EUA proibiram a exportação de qualquer componente ou equipamento que possibilite a produção de semicondutores na China a não ser que os produtores tenham uma autorização especial do governo. Mais ainda, o governo americano proibiu cidadãos americanos de trabalhar com empresas chinesas do setor. Dezenas de executivos já tiveram que pedir demissão.

Com todos esses problemas, o clima no congresso do PCC não é de otimismo. O presidente já anunciou que vêm “tempos turbulentos” por aí. Isso inclui, por exemplo, aumentar a segurança alimentar, uma preocupação desde a grande fome do final da década de 50, mas que virou prioridade depois da pandemia e da Guerra da Ucrânia. Isso significa aumento de gastos militares e intervenção na economia. As reformas prometidas no 19º congresso não devem se concretizar.

O governo aposta em um “grande rejuvenescimento”, no qual as indústrias locais seriam suficientes para suprir o desenvolvimento chinês. Mas elas não são. A China foi uma das grandes beneficiárias do processo de globalização, que basicamente foi revertido com a eleição de Donald Trump. No fundo, o governo de Xi Jinping está em uma encruzilhada. A economia é muito maior que quando ele assumiu o poder, assim como o papel geopolítico chinês.

Apesar de o processo econômico não ter se esgotado, a posição dos EUA como adversários assumidos e os problemas internos limitam a gama de ações do governo. Mais do que os anúncios do congresso do Partido, importam as ações do governo nos próximos meses. Como o governo chinês reagirá às sanções americanas? O processo de afrouxamento do cordão sanitário continuará? A China vai mediar a paz entre a Rússia e a Ucrânia ou vai continuar se abstendo do processo?

No fundo, superestimamos a China no curto prazo e a subestimamos no longo prazo. Um país com 1,4 bilhões de pessoas e com potencial econômico gigantesco ainda pode ser o motor do crescimento mundial. Mas o que parecia ser um destino manifesto se tornou muito mais difícil. O terceiro mandato do Presidente Xi Jinping não começa com poucos obstáculos. Vamos ver como ele lida com eles.

Pochmann: o exemplo chinês

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Em 20 anos, economia do país saltou da 23ª posição para a 2ª. Assume cada vez mais protagonismo na era digital: produz 80% dos painéis solares, 50% dos computadores e 45% dos veículos elétricos. Uma inspiração ao Brasil: é possível superar a pasmaceira

Marcio Pochmann – OUTRAS PALAVRAS – 17/10/2022

A China deslocou o centro dinâmico econômico mundial. Até o século 18, a Ásia, que abrigava as maiores economias da Era Agrária, perdeu posição para o Ocidente, que promovia a nova Era Industrial. Com a primeira Revolução Industrial (1750), a Inglaterra assumiu a centralidade no sistema capitalista de gravidade global e só foi substituída pelos Estados Unidos com o salto gerado pela segunda Revolução Industrial a partir do século 20.

De forma inédita desde os anos 1870, quando superaram o Produto Interno Bruto (PIB) do Reino Unido, os EUA se encontram atualmente diante de um adversário que assumiu a principal responsabilidade pelo dinamismo econômico

global. Depois da crise financeira de 2009, a China passou a responder por mais de 1/3 do crescimento da produção do mundo, assumindo cada vez mais o protagonismo na Era Digital.

Pela medida de riqueza da paridade do poder de compra adotada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia chinesa já ultrapassou o PIB dos EUA em 15%. Os reflexos dessa escalada interferem em diversas dimensões no relacionamento entre a China e os EUA, bem como na reconfiguração do restante do mundo.

Por conta disso, a transformação na geopolítica global é significativa. Ao final da Segunda Guerra Mundial, por exemplo, somente os EUA representavam quase a metade do PIB global, o que permitiu construir a Ordem Mundial estruturada nos sistemas: monetário de Bretton Woods, comercial de livre comércio (GATT), da gestão econômica (FMI e Banco Mundial) e militar (OTAN).

Ao final da Guerra Fria em 1991, contudo, a presença dos EUA no PIB global havia decaído para 1/5 e, atualmente, para somente 1/6. Com isso, o projeto de modernidade Ocidental parece dar lugar à modernidade Oriental conduzida pela China, cujo marco tem sido o projeto de integração assentado pela nova Rota da Seda. Por ser a base de poder global, o PIB de uma nação termina por refletir, em maior ou menor medida, a expressão das forças tecnológica, monetária, econômica e militar. Neste sentido, a influência da China tem sido proporcionalmente maior na formação e decisão dos assuntos internacionais desde o início do século 21.

Por ter assumido a condição de oficina do mundo, a ascensão da China no setor manufatureiro alterou profundamente a competitividade econômica dos países. Enquanto a economia chinesa entre 2000 e 2020 saltou da 23ª posição para a 2ª (só superada pela Alemanha), os EUA decaíram da primeira para a quarta posição.

A China, que possuía apenas 10 empresas entre as 500 maiores do mundo em 2000, passou a ter 124 destas empresas em 2020, ultrapassando os EUA, que registraram 121 na lista da Revista Fortune. O sucesso chinês se traduz no fato de ser o elo-chave das cadeias de suprimentos globais de valor.

A dependência das economias da China se acelerou ainda mais com a pandemia da Covid-19, chegando a controlar cerca de 45% dos veículos elétricos, 50% dos computadores, 80% dos painéis solares e 90% dos minerais da terra. Em 2021, por exemplo, o superávit comercial da China com o mundo foi de 675 bilhões de dólares, um recorde, considerando que foi 60% superior ao do ano de 2019.

Embora o Brasil tenha perdido posição relativa, diante da retomada do neoliberalismo nos últimos anos, sua participação no PIB global de 2,3% medido pelo poder de compra, levemente abaixo do seu peso na população mundial (2,8%), ainda permite a ele estar na parada da disputa de futuro e avançar na Era Digital. Por mais que o governo atual possa apostar contra o Brasil, a esperança se afirma em relação ao ano que vem, quando o Brasil poderá retomar a via do desenvolvimento sustentável com inclusão social e aprofundamento democrático, superando o que hoje parece ser insuperável.

Terapia de choque na economia mundial, por Michael Roberts.

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A alta dos juros, imposta agora por quase todos os bancos centrais, não pretende reduzir a inflação. Visa criar mais desemprego, esvaziar o poder de luta dos trabalhadores e ampliar os lucros. Não dará certo, e o sofrimento será imenso

Michael Roberts – OUTRAS PALAVRAS – 13/10/2022

O termo “terapia de choque” foi usado para descrever a mudança drástica de uma economia planejada, baseada na propriedade estatal, existente na antiga União Soviética, para um modo de produção capitalista integral, em 1990. Eis que produziu uma grande queda nos padrões de vida, por uma década.

O termo “doutrina do choque” foi usado por Naomi Klein para descrever a destruição dos serviços públicos e do Estado de bem-estar pelos governos a partir da década de 1980. Agora, os principais bancos centrais estão aplicando uma “terapia de choque” na economia mundial: estão aumentando as taxas de juros com a intenção de controlar a inflação, mesmo havendo crescente evidência de que isso levará a uma recessão global no próximo ano.

Veja-se o que dizem alguns de seus porta-vozes. Chris Waller, membro do conselho do Federal Reserve [Fed, o banco central dos EUA] deixou bem clara essa intenção ao afirmar que “não estou pensando em desacelerar ou interromper os aumentos das taxas devido a preocupações com a estabilidade financeira”. Ou seja: mesmo que o aumento das taxas de juros comece a abrir fissuras nas instituições financeiras e em seus ativos especulativos, isso não importa.

Da mesma forma, Joachim Nagel, presidente do Deutsche Bundesbank, está resoluto em manter esse objetivo, apesar de a zona do euro e da Alemanha em particular já entrarem em recessão: “As taxas de juros devem continuar a subir – e de forma significativa”. Veja-se Nagel não quer apenas taxas de juros mais altas; ele quer que o BCE reduza seu balanço, ou seja, que não apenas pare de comprar títulos do governo, para manter os rendimentos dos títulos baixos; mas que, na verdade, passe a vender títulos, aumentando os seus rendimentos e contraindo a liquidez.

Eis o que Nagel afirma: “há um choque no preço da energia, cujos efeitos o banco central não pode mudar muito no curto prazo. No entanto, a política monetária pode impedir que ele salte e se amplie. Dessa forma, estamos quebrando a dinâmica da inflação e trazendo a evolução dos preços para nossa meta de médio prazo. Temos os instrumentos para isso, principalmente a alta das taxas de juros.”

Toda essa conversa machista dos banqueiros centrais esconde a realidade. O aumento das taxas de juros não reduzirá diretamente as taxas de inflação para os níveis pretendidos sem uma grande queda recessiva. Isso ocorre porque as atuais taxas de inflação, as maiores dos últimos de 40 anos, não foram causadas principalmente por “demanda excessiva” – ou seja, por gastos de famílias e governos –, mas devido à “oferta insuficiente”, particularmente na produção de alimentos e energia, mas também em produtos manufatureiros e tecnológicos mais amplamente.

Como se sabe, o crescimento da oferta foi restringido pelo baixo crescimento da produtividade nas principais economias, pelos bloqueios da cadeia de suprimentos na produção e no transporte, os quais surgiram durante e após a queda da covid e, mais recentemente, pela invasão russa da Ucrânia e pelas sanções econômicas impostas à Rússia pelos Estados ocidentais.

Estudos empíricos confirmaram que a espiral da inflação foi liderada pela oferta. Em um novo relatório, o Banco Central Europeu (BCE) constatou que mesmo o aumento do núcleo de inflação, que exclui os fatores de oferta de alimentos e energia, foi impulsionado principalmente por restrições de oferta. Eis o que está dito nesse relatório:

Os gargalos persistentes no fornecimento de bens industriais e a escassez de insumos, incluindo escassez de mão de obra devido em parte aos efeitos da pandemia de coronavírus (covid-19), levaram a um aumento acentuado da inflação… interrupções e gargalos de fornecimento e componentes fortemente afetados pelos efeitos da reabertura após a pandemia contribuíram juntos com cerca de metade (2,4 pontos percentuais) da inflação na área do euro em agosto de 2022.

Em seu último relatório sobre a situação do comércio e do desenvolvimento, a UNCTAD chegou a conclusão semelhante. Os seus técnicos calcularam que cada aumento de um ponto percentual na taxa básica de juros do Fed reduziria a produção econômica nos países ricos em 0,5% e em 0,8% nos países pobres, nos próximos três anos. Anotou, também, que aumentos mais drásticos, de 2 e 3 pontos percentuais, deprimiriam ainda mais a “recuperação econômica já estagnada” nas economias emergentes.

Ao apresentar o relatório, Richard Kozul-Wright, chefe da equipe da UNCTAD que preparou esse relatório, perguntou: “É certo tentar resolver um problema do lado da oferta com uma solução do lado da demanda?”. E respondeu: “Achamos que é uma abordagem muito perigosa.” Exatamente.

Parece claro que os bancos centrais não conhecem as causas do aumento da inflação. Como confessou o presidente do Fed, Jay Powell: “entendemos melhor agora o quão pouco entendemos sobre inflação”. Ora, trata-se na verdade de uma abordagem ideológica por parte dos banqueiros centrais. Toda a conversa deles tem por trás o medo de uma espiral de preços e salários. É isso o que, no fundo, sustentam: à medida que os trabalhadores tentam compensar os aumentos de preços negociando salários mais altos, isso provocará mais aumento de preços, elevando as expectativas de inflação.

Martin Wolf, o guru keynesiano do Financial Times, resumiu essa teoria: “o que [banqueiros centrais] devem fazer é evitar uma espiral de preços e salários, que desestabilizaria as expectativas de inflação. A política monetária deve ser rígida o suficiente para conseguir isso. Em outras palavras, deve criar/preservar alguma folga no mercado de trabalho.” Portanto, dada essa “teoria”, trata-se de evitar que os salários subam, mesmo que isso possa aumentar o desemprego.

O chefe do Fed, Jay Powell, considera, no entanto, que esse resultado pode ser evitado. Segundo ele, a tarefa do Fed consiste “em princípio, (…) em moderar a demanda (…) obtendo uma redução dos salários, assim como da inflação, sem ter que desacelerar a economia e sem uma recessão que aumente o desemprego. Eis que há, pois, um caminho para obter esse resultado”.

Como disse o governador do Banco da Inglaterra, Andrew Bailey: “não estou dizendo que ninguém vai receber aumento salarial – não me entendam mal. O que estou dizendo é que precisamos de moderação na negociação salarial, pois, em caso contrário, ela ficará fora de controle”.

Considere-se, agora, esta afirmação do principal macroeconomista do chamado mainstream, Jason Fulman: “Quando os salários sobem, isso leva os preços a subir. Se o combustível das companhias aéreas ou os ingredientes alimentares subirem de preço, as companhias aéreas ou os restaurantes aumentarão seus preços. Da mesma forma, se os salários dos comissários de bordo ou servidores subirem, eles também aumentarão os preços. Isso decorre do micro e do senso comum básico”.

Ora, tanto essa “microeconomia básica” quando esse “senso comum” postulados são bem falsos. A teoria e o suporte empírico para a inflação dos custos salariais e a teoria das expectativas de inflação são falaciosos.
Marx contestou a afirmação de que os aumentos salariais levam automaticamente a aumentos de preços há cerca de 160 anos, em um debate com o sindicalista Thomas Weston. Este afirmara que os aumentos salariais eram autodestrutivos, pois os empregadores apenas aumentariam os preços e os trabalhadores voltariam à estaca zero. Marx argumentou – como consta em Valor, Preço e Lucro – que “uma luta por aumento de salários segue apenas o rastro de mudanças anteriores nos preços”. Há muitas outras coisas que afetam as mudanças de preços: “a quantidade de produção, as forças produtivas do trabalho, o valor do dinheiro, as flutuações dos preços de mercado, as diferentes fases do ciclo industrial”.

Como se vê, agora, baixar os salários é a resposta dos bancos centrais ao aumento persistente dos preços. Mas os salários não estão aumentando como parcela da renda nacional ou do valor da produção; pelo contrário, é a participação nos lucros que vem aumentando desde e durante a pandemia.

De acordo com o relatório da UNCTAD, entre 2020 e 2022 “estima-se que 54% do aumento médio de preços no setor não financeiro dos Estados Unidos foi atribuído a margens de lucro mais altas, em comparação com apenas 11% nos 40 anos anteriores”. O que tem impulsionado o aumento da inflação tem sido o custo das matérias-primas (alimentos e energia em particular) e o aumento dos lucros, não dos salários. Não se encontra, porém, uma fala sobre uma possível espiral de lucro-preço, tal como se encontra nas manifestações dos bancos centrais.

Ora, esse foi outro ponto levantado por Marx no debate com Weston: “Um aumento geral na taxa de salários resultará em uma queda da taxa geral de lucro, mas não afetará os preços das mercadorias”. Logo, o que realmente preocupa os banqueiros centrais vem a ser uma queda na lucratividade.

Assim, os bancos centrais continuam aumentando as taxas de juros, passando da flexibilização quantitativa (QE) para o aperto quantitativo (QT). E eles estão fazendo isso simultaneamente em todos os continentes. Essa “terapia de choque”, empregada pela primeira vez no final da década de 1970 pelo então presidente do Fed dos EUA, Paul Volcker, acabou levando a uma grande queda da produção global, entre 1980-2.

A maneira como os bancos centrais estão combatendo a inflação por meio da elevação simultânea das taxas de juros está colocando também uma pressão enorme no sistema financeiro global: à medida que atuam nas economias avançadas, eles afetam também os países de baixa renda.

O que está espalhando o impacto do aumento das taxas de juros na economia mundial é o fortalecimento do dólar norte-americano. Houve uma alta de cerca de 11% desde o início do ano e ela produziu – pela primeira vez em duas décadas – a paridade do dólar com o euro. O dólar está forte porque se apresenta como um porto seguro para o dinheiro diante da inflação e das sanções e da guerra na Europa.

Ora, o dólar se fortalece porque a taxa de juros nos EUA está em alta. Em consequência, moedas importantes de outros países se desvalorizaram em relação ao dólar. Isso é desastroso para muitos países pobres ao redor do mundo. Muitos países – especialmente os mais pobres – não podem tomar empréstimos em sua própria moeda no valor ou nos vencimentos que desejam.

Diante desse quadro, os credores não estão dispostos a assumir o risco de serem pagos de volta nas moedas voláteis desses devedores. Em vez disso, esses países costumam tomar empréstimos em dólares, prometendo pagar suas dívidas em dólares – independentemente da taxa de câmbio. Assim, à medida que o dólar se torna mais forte em relação a outras moedas, esses pagamentos se tornam muito mais caros em termos de moeda nacional.

O Instituto de Finanças Internacionais informou recentemente que “os investidores estrangeiros retiraram fundos dos mercados emergentes por cinco meses consecutivos na maior sequência de saques já registrada”. Este é o capital de investimento crucial que está saindo dos países emergentes em direção à “segurança” das moedas fortes, principalmente o dólar.

Além disso, à medida que o dólar se fortalece, as importações se tornam caras (em termos de moeda doméstica), forçando as empresas a reduzir seus investimentos ou gastar mais em importações cruciais. A ameaça do a inadimplência está crescendo assustadoramente.

Tudo isso está acontecendo por causa da tentativa dos bancos centrais de aplicar uma “terapia de choque” para enfrentar o aumento da inflação global. A realidade é que os bancos centrais não podem controlar as taxas de inflação com a política monetária, especialmente quando ela é orientada para a oferta.

O aumento dos preços não foi impulsionado pela “demanda excessiva” dos consumidores por bens e serviços ou por empresas investindo pesadamente, ou mesmo por gastos governamentais descontrolados. Não é a demanda que é “excessiva”, mas o outro lado da equação de preços, ou seja, é a oferta que está muito fraca. E essa última, os bancos centrais não podem controlar!

Eles podem aumentar as taxas de juros o quanto quiserem, mas isso terá pouco efeito para reduzir o aperto do lado da oferta, exceto talvez para enfraquecê-la ainda mais. Esse aperto de oferta não se deve apenas a bloqueios de produção e transporte ou à guerra na Ucrânia; deve-se também, ainda mais, a um declínio subjacente de longo prazo no crescimento da produtividade das principais economias – ademais, por trás desse decaimento, há o declínio persistente do investimento devido à falta de lucratividade.

Ironicamente, o aumento das taxas de juros reduzirá os lucros. Os analistas já reduziram suas expectativas de ganhos no terceiro trimestre das grandes empresas dos EUA em US$ 34 bilhões, nos últimos três meses. Os analistas agora estão antecipando o menor aumento nos lucros desde o pico da crise do Covid. Eles esperam que as empresas listadas no índice de ações norte-americano S&P 500 registrem um crescimento de lucro por ação de apenas 2,6% no trimestre de julho a setembro, em comparação com o mesmo período do ano anterior.

É uma terapia de choque que afeta a economia global, mas não a inflação diretamente. Quando as principais economias entrarem em queda sincronizada, a inflação deverá cair, mas como resultado da recessão.

Estado e Mercado têm o desafio de superar a semiestagnação juntos, por Lacerda.

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Antônio Corrêa de Lacerda – 16/10/2022

O Estado de São Paulo

A semiestagnação do crescimento econômico e o baixo nível de investimentos no Brasil geraram um passivo social imenso: 24,3 milhões de brasileiros estão fora do mercado de trabalho (subutilizados), o que corresponde a cerca de um quarto da população economicamente ativa; enquanto 125,2 milhões de pessoas convivem com algum grau de insegurança alimentar e outros 33 milhões passam fome diariamente.

A elevação do custo de vida e a deterioração fiscal também são aspectos importantes. Sob o ponto de vista da política econômica, superar nossas mazelas implicará uma profunda mudança de rumos. Os desafios da pandemia de covid-19, os reflexos da guerra entre Rússia e Ucrânia, com nova configuração geopolítica e implicações para as cadeias internacionais de suprimentos, representam também oportunidades.

A semiestagnação do crescimento econômico e o baixo nível de investimentos no Brasil geraram um passivo social imenso: 24,3 milhões de brasileiros estão fora do mercado de trabalho (subutilizados), o que corresponde a cerca de um quarto da população economicamente ativa; enquanto 125,2 milhões de pessoas convivem com algum grau de insegurança alimentar e outros 33 milhões passam fome diariamente.

A elevação do custo de vida e a deterioração fiscal também são aspectos importantes. Sob o ponto de vista da política econômica, superar nossas mazelas implicará uma profunda mudança de rumos. Os desafios da pandemia de covid-19, os reflexos da guerra entre Rússia e Ucrânia, com nova configuração geopolítica e implicações para as cadeias internacionais de suprimentos, representam também oportunidades.

A par das questões de ordem conjuntural, há também questões estruturais. Os investimentos exercem papel muito relevante para a superação da semiestagnação. A média da formação bruta de capital fixo em relação ao Produto Interno Bruto (PIB), que é o total dos investimentos realizados na economia envolvendo, além de infraestrutura, máquinas e equipamentos, é de apenas 17% do PIB, nível bem abaixo da média global, de 26% do PIB, e dos países em desenvolvimento, de 33% do PIB.

É preciso superar a falsa dicotomia entre Estado e mercado. Na verdade, as boas práticas e a literatura internacionais mostram que o papel do Estado é fundamental, mas também o setor privado é muito relevante para o desenvolvimento. O erro estaria em atribuir somente a um deles essa tarefa. Claramente o que se denota é que o Estado tem papéis que são imprescindíveis.

Outra falsa contradição é entre poupança e investimento. A economia tradicional, a teoria ortodoxa, sempre colocou a poupança como um pré-requisito para o investimento. Mas a experiência empírica e a boa literatura têm demonstrado que a poupança é o resultado do processo. O investimento pode ser financiado via crédito e financiamento e, a partir da sua realização e seus efeitos sobre a demanda efetiva, gerar, como resultado, formação de poupança.

As decisões de investimentos respondem à expectativa futura de demanda e à rentabilidade marginal do capital esperada. Um ambiente econômico favorável e uma perspectiva positiva de crescimento da demanda e de retorno do capital estimulam as decisões de investimentos, para os quais a poupança não é pré-requisito, mas resultado do processo.

PROFESSOR-DOUTOR, COORDENADOR DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA POLÍTICA DA PUC-SP, É PRESIDENTE DO COFECON

Carta Mensal – setembro 2022

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Neste momento de grandes inquietações e preocupações com relação aos rumos da sociedade brasileira, percebemos que vivemos momentos de escolhas fundamentais, ideias de nação diferentes que opõem princípios e valores que geram receios e fortes indagações para o futuro da nação.

Vivemos momentos de escolhas difíceis que geram medos e preocupações, de um lado percebemos discursos de um grupo político que busca uma redução do Estado na economia, visto como uma forma de impulsionar as atividades produtivas, acreditando que o mercado é o grande gerador de crescimento econômico e a busca pelo desenvolvimento, gerando bem-estar social e melhorias das condições da população, garantindo empregos, salários e novas perspectivas para um ambiente marcado por grandes transformações. Defendendo mais privatização, mais concorrência, menor regulação e menor burocracia, acreditando que o mercado é o setor mais consistente para a construção do tão chamado desenvolvimento econômico.

Do outro lado, encontramos uma forma de enxergar a sociedade, embora acredite que estas visões não sejam antagônicas, acredito que são visões diferentes, onde esta corrente acredita que o processo de desenvolvimento prescinde do Estado Nacional, agente fundamental para construir o planejamento, formular as estratégias para garantir a melhoria e o bem-estar social da população. Nesta visão, o Estado deve incentivar o aumento da renda da comunidade, garantindo mais oportunidade para a população, garantindo empregos e melhora da renda, instrumentos fundamentais para angariarmos melhoras sociais e a empregabilidade.

Esta discussão vem ganhando espaço na sociedade brasileira desde a redemocratização, colocando em campos opostos grupos políticos que se enfrentam na contemporaneidade, representados pelo presidente atual e um ex-presidente, onde devemos destacar os indicadores econômicos, as performances e suas heranças como instrumento de tomada de decisão.

Para piorar as escolhas eleitorais precisamos acrescentar uma pitada de discussões desnecessárias e agressões constantes, discursos de ódios e de ressentimentos, além de políticas centradas em mentiras, as chamadas Fake News, e ataques verbais, onde percebemos o baixo nível das conversações, onde cada grupo usa sua retórica para devastar os opositores, com isso, percebemos o crescimento de discursos oportunistas, agressivos e carregados de ressentimentos.

Destacamos ainda, as agressões e ataques relacionadas as questões religiosas, gerando destruição de imagens, discursos agressivos estimulados por representantes religiosos que fomentam as agressividades, gerando um ambiente de confrontos e conflitos que podem criar constrangimentos e violências no decorrer do pleito e, principalmente, nos momentos finais das eleições, onde os grupos perdedores podem incorrer em convulsões, agressividades e ressentimentos.

O mês de setembro de 2022 foi marcado por grandes inquietações políticas, as eleições poderiam culminar num momento de exaltação na democracia brasileira, momento fundamental da consolidação das instituições nacionais, mostrando para a comunidade internacional que a sociedade brasileira estava madura e consciente da necessidade e importância dos avanços democráticos.

Setembro de 2002 nos trouxe a comemoração dos 200 anos da independência, um momento central da história nacional, mas infelizmente, as comemorações foram abortadas em prol de discursos eleitorais, carregados de ressentimentos, agressões e violências verbais, com isso, percebemos que caminhamos para uma eleição sem propostas, sem discussões relevantes e sem rumo para enfrentarmos os anos vindouros e perpetuando um futuro preocupante.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Especialista em Economia Comportamental, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário.

O ‘apagão’ de professores, por Estadão.

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Ante projeção de que faltarão 235 mil professores na educação básica em 2040, é urgente melhorar atratividade da carreira, hoje opção só de poucos jovens que se sentem vocacionados

O Estado de São Paulo – 15/10/ 2022

O Brasil corre o risco de não ter professores em número suficiente para lecionar na educação básica. O alerta, muito oportuno neste Dia do Professor, foi dado pelo Instituto Semesp (ligado ao sindicato das mantenedoras de ensino superior), que prevê um déficit de 235 mil educadores no País em 2040, se for mantido o atual ritmo de formação docente. A projeção, grave e preocupante, joga luz sobre uma questão central para o presente e o futuro da educação brasileira: a pouca atratividade da carreira do magistério, reflexo dos salários mais baixos do que em outras áreas e das precárias condições de trabalho em muitas escolas.

O estudo foi apresentado na última semana de setembro e analisou uma série de variáveis ao longo da década passada. Primeiro, a evolução do número de ingressantes nas faculdades de licenciatura, como são chamados os cursos de formação de professores, assim como o total de concluintes. O cruzamento dos dados chamou a atenção para outro problema: as elevadas taxas de evasão, já que muitos universitários abandonam o curso antes da formatura.

A desproporção é impressionante. De 2010 a 2020, o número de ingressantes nas licenciaturas cresceu 61%, puxado pelas matrículas em cursos de educação a distância (EAD), enquanto o total de concluintes aumentou apenas 4%. Isso, no entanto, é só a ponta do iceberg: o estudo informa que mais da metade dos concluintes nesse período já era de professores com atuação na sala de aula. Esse dado remete à alarmante constatação de que a quantidade de novos docentes, na verdade, é provavelmente muito mais baixa.

Prova disso é a mudança no perfil etário dos professores em atividade no Brasil. De acordo com o estudo, o contingente de docentes com menos de 29 anos diminuiu 27%, ao passo que o de profissionais acima dos 55 anos aumentou 44% entre 2016 e 2021.

O professor, como se sabe, é o principal fator de aprendizagem dos alunos. Por isso, melhorar a formação docente é um passo indispensável para elevar a qualidade do ensino. O Brasil está longe de superar esse desafio − e um dos obstáculos é justamente a pouca atratividade da carreira do magistério, o que acaba afugentando os melhores candidatos. Tirando quem escolhe lecionar por genuína vocação, e felizmente ainda há gente assim, a verdade é que um vasto contingente de universitários só procura os cursos de licenciatura por suposta incapacidade de ingressar em carreiras em geral mais concorridas e, portanto, com melhor remuneração.

Até aqui, o debate mais amplo em torno da carreira do magistério tinha como foco a qualidade da educação. É consenso que maiores salários, melhores condições de trabalho e a perspectiva de progressão funcional ao longo dos anos são passos necessários para atrair profissionais mais qualificados − estudantes com nota alta o suficiente para ingressar em qualquer outra faculdade, mas que optam por uma licenciatura para serem professores. Pois bem, isso continua válido. A novidade duplamente lamentável agora é que a baixa atratividade da carreira do magistério desponta como empecilho até mesmo para suprir o número mínimo de profissionais nas salas de aula do País.

Sinais disso já aparecem aqui e ali. Neste ano, por exemplo, a rede estadual de São Paulo não conseguiu preencher todas as vagas de professores temporários para o Novo Ensino Médio. Em sua nova organização, o ensino médio passou a ter maior carga horária, o que demanda mais docentes. O mesmo ocorre nas escolas de tempo integral, outro avanço fundamental em andamento em São Paulo e nas redes de ensino de vários Estados. Desse modo, há demanda por mais profissionais, mesmo diante da projetada redução do número de alunos em decorrência da constante queda nas taxas de natalidade.

O alerta, portanto, está dado: ninguém poderá alegar que foi pego de surpresa. Desde já, evitar o anunciado “apagão” de docentes deve ser uma das prioridades dos governantes que tomarão posse em janeiro.

Valorização das startups deve cair, diz autor de livro sobre tecnologia e capital de risco

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Sebastian Mallaby pesquisou como investidores ajudaram a criar empresas como Apple, Google e Facebook

Rafael Balago – Folha de São Paulo – 14/10/2022

Para Sebastian Mallaby, a alta de juros em países como os EUA deve deixar os investidores em startups mais seletivos, o que deve levar a uma queda no valor de mercado de novas empresas que buscam financiamento.
“Esse novo clima financeiro trará ajustes. Em um ambiente no qual as taxas de juro estão a 6%, 7%, é muito caro travar seu dinheiro, pelo custo de oportunidade. Para compensar, investidores de risco devem esperar retornos mais altos, o que significa que eles só apoiariam as melhores empresas, e por um valor de mercado menor”, avalia Mallaby.

“Os preços vão se ajustar. O valor de avaliação das startups terá de ser mais baixo. Mas haverá muitas pessoas querendo investir em capital de risco. Não será como em 2000”, prossegue, citando a grande crise que atingiu o setor de tecnologia.

Mallaby, 58, é jornalista britânico e autor de “A Lei da Potência – Capital de Risco e a Criação de um Novo Futuro” (ed. Intrínseca). O livro conta detalhes da relação entre investidores de risco e a criação de empresas americanas que mudaram a história da tecnologia desde os anos 1950.

A obra, indicada como uma das melhores do ano pelo Financial Times, traz bastidores do surgimento de empresas como Intel, Atari, Apple, Cisco, Yahoo, Google e Facebook, e de como investidores ajudaram a transformar boas ideias em negócios capazes de gerar milhões de dólares em alguns anos.

O escritor conversou com a Folha por videochamada e falou também sobre outras mudanças no cenário atual para startups.

Como vê o cenário atual para o capital de risco, em um momento de alta nas taxas de juros e perspectiva de recessão, especialmente nos EUA? A Nasdaq tem caído bastante. Companhias de tecnologia tendem a crescer rápido, mas são mais voláteis e arriscadas, especialmente em seu estágio inicial. Em um mundo no qual as pessoas estão com medo do risco, o valor de avaliação delas deve cair.

No capital de risco, você está olhando para o dinheiro daqui a sete anos quando investe. Em um cenário onde as taxas de juro estão a 6%, 7%, é muito caro travar seu dinheiro, pelo custo de oportunidade.

Para compensar isso, investidores de risco devem esperar retornos mais altos, o que significa que eles só apoiariam as melhores empresas, e por um valor de mercado menor. Então, com certeza esse novo clima financeiro trará ajustes.
Mas, ao mesmo tempo, desde que o Google abriu o capital, em 2004, as empresas de tecnologia estão em uma sequência extraordinária. Por isso, se espalharam pelo mundo. Minha opinião é que os preços vão se ajustar. O valor de avaliação das startups terá de ser mais baixo, mas haverá muitas pessoas querendo investir em capital de risco. Não será como em 2000, quando a Nasdaq quebrou e o Vale do Silício meio que foi dormir por três anos.

O modelo de “vencedor leva tudo” deve seguir presente? No futuro, esse modelo pode ser menos dominante. Nos negócios que têm efeito de rede, quanto mais pessoas se atende, maior a margem de retorno. É diferente do modelo clássico, em que o custo de produção sobe conforme você produz mais.

Em marketplaces e negócios de rede, como Facebook e Google, quanto mais gente os utilizam, mais inteligentes eles ficam e maior a utilidade para o cliente. Na Amazon, você pode escolher milhões de produtos, e o custo de colocar uma coisa a mais para vender é quase zero. Então, essas redes têm uma propensão ao modelo de vencedor leva tudo.

Mas, se você voltar a um mundo onde o capital de risco apoia companhias que estão produzindo hardware, como baterias elétricas para carros, pode haver efeitos de rede menos fortes. Ainda haverá algum efeito de “vencedor leva tudo” porque quem tiver a melhor tecnologia provavelmente dominará o mercado. E, se uma companhia dominar, outras tentarão ir atrás porque as margens serão gordas para o líder.

O senhor já disse que unicórnios [empresas iniciantes avaliadas acima de US$ 1 bilhão] são o problema, e que a melhor forma de lidar com isso é prevenir a criação de bolhas no mercado. Teria sugestões de como evitar a formação de bolhas? Bolhas têm existido por toda a história das finanças. Não vamos nos livrar delas por completo, mas há falhas do governo com os unicórnios.

As qualidades que um fundador precisa ter para começar um negócio não são as mesmas para tocar uma empresa madura. Frequentemente você tem uma mudança de liderança em algum ponto. Só que os fundadores de unicórnios tem recebido muito poder, por meio de ações com superpoder de voto. E há investidores que não querem exercer a governança nem um assento no conselho. Assim, os fundadores de unicórnios ficam sem amarras e gastam capital como se fosse água. E as pessoas não dizem que o rei está nu.

Na WeWork, isso só ocorreu quando eles abriram o capital. Quando você se torna uma companhia pública, haverá especialistas e jornalistas que olharão tudo com cuidado. Aí todo mundo diz “isso era ridículo”. Mas ninguém diz isso antes porque os donos das ações não estão exercitando a governança e supervisionando o fundador de forma adequada. Essa é uma parte do mecanismo que poderia reduzir a formação de bolhas.

Ainda sobre unicórnios, qual sua análise sobre o modelo de blitzscaling (escalada rápida) hoje? Poderemos ter mais casos como o do Uber, que gastou muito dinheiro para dominar mercados oferecendo descontos aos clientes? Para startups iniciantes, especialmente de software, ter velocidade é apropriado. Quanto mais rápido você escala, mais você terá retornos de margem.Investidores de risco colocam dinheiro e dão seis ou nove meses para as startups decolarem, e você precisa ser rápido para ter resultados a mostrar. Então, é uma boa coisa, que empurra as companhias a serem ambiciosas e conquistar coisas rápido.

Mas há muitos exemplos de companhias que foram muito longe. A blitzscaling pode ser um problema algumas vezes. Na América, hoje, quando as pessoas repetem a frase de Mark Zuckerberg, “mova-se rápido e quebre coisas”, elas fazem isso para rir dele e do Facebook. Mas não acho certo.

Sobre quebrar coisas, depende do que você quebra. Se você lança a versão 1.8 do seu programa e ela não é boa, você só mexe no código e conserta rapidamente. Se você está fazendo hardware e tem que construir uma fábrica, então consertar o erro será mais difícil. E quando o Facebook se torna grande como é, isso tem consequências globais.
Quebrar coisas pode significar quebrar a sociedade. E você não quer isso.

Como governos, como o do Brasil, podem agir para atrair mais investidores de risco? A primeira coisa é ter o governo investindo em treinamento, tecnologia e pessoas. Apoiar os estudantes que querem aprender ciência, tecnologia, engenharia e matemática, e apoiar as pessoas que vão fundar empresas de tecnologia.

A segunda coisa é pensar sobre regras de propriedade intelectual. É importante que, quando algo é inventado em uma universidade, seja possível licenciar a tecnologia e criar uma empresa com ela, de modo que a universidade receba alguns royalties. Mas isso não pode ser muito restritivo, porque queremos que as companhias sejam lucrativas.

Se elas forem muito, muito lucrativas, isso vai, é claro, aumentar a desigualdade. Mas, ao mesmo tempo, há um padrão claro: toda vez que surge um novo unicórnio, as pessoas que trabalham ali desde o começo veem a experiência de crescer, que é realmente excitante, e depois querem fazer de novo. Aí você começa outra empresa, ajuda alguém a fazer isso. Ou se torna investidor. Então, cada unicórnio criado no Brasil será um acelerador para o mundo dos negócios de tecnologia.

E mais uma coisa: se você tornar os detalhes das coisas mais parecidos com os dos EUA, isso tornaria mais fácil a ida de empresas de capital de risco ao Brasil. Essas pessoas têm muita experiência no Vale do Silício e sabem o que estão fazendo. Elas podem ajudar as companhias do Brasil a crescerem e a vender dentro dos EUA. Então, padronizar as coisas no modo americano seria uma boa ideia.

E o que os governos não deveriam fazer? Governos com frequência querem colocar dinheiro direto em investimentos de risco. Isso foi feito em muitos países, e o exemplo de maior sucesso é Israel, onde o governo deu dinheiro para criar fundos de capital de risco, em termos muito generosos. Foi um grande subsídio.

A coisa interessante é que eles pararam de fazer isso muito rápido: uma vez que as empresas de capital de risco tiveram sucesso, eles disseram, “ok, vocês aprenderam. Agora podem fazer sozinhas”. E isso é muito importante. Na Europa, o governo coloca muito dinheiro em capital de risco, de um jeito que bagunça as coisas para o capital privado, porque há todo esse dinheiro do governo, que não precisa necessariamente ter um alto retorno. Não é um dinheiro muito saudável, porque o governo não tem a mesma experiência em aconselhar o empreendedor. Então você tem muitos investimentos ruins e empresas ruins.

É uma boa ideia que os investidores tomem todo o risco no começo. Se perderem, perderão 100% do próprio dinheiro, e os contribuintes não pagam nada. Assim, os investidores têm um forte incentivo para alocar capital com bons empreendedores, pensar bem sobre quais startups apoiar e trabalhar duro para ajudá-las a crescer. Se eles falharem, ficam sem nada. Tudo bem. Isso é capitalismo. Mas se eles tiverem sucesso, têm de pagar impostos, mas não muito, porque eles tomaram todo o risco no começo.

Nos EUA, as sociedades de investimento de risco pagam zero em impostos. Os impostos são pagos só pelos sócios que colocam dinheiro na sociedade. Não há taxação dupla. E há impostos sobre os ganhos de capital. Algo entre 25% e 30% me parece bom.

Teria algum conselho para o leitor que nunca investiu em capital de risco, mas se interessou em fazer isso? É um investimento caro. Você coloca o dinheiro em um fundo, que será tocado por profissionais que entendem tecnologia.

Eles encontram todas essas pessoas que querem abrir empresas e dizem não para a maioria delas. Esse fundo irá cobrar taxas caras, como 2% do capital por ano e talvez 20% dos lucros.

Se você tem uma poupança limitada, provavelmente há coisas melhores a fazer. A primeira regra para investidores individuais é tentar pagar menos tarifas e impostos. Outra é espalhar suas apostas, e o capital de risco pode ser uma delas. Se você tem muitas reservas e é rico, faria sentido colocar algum dinheiro em capital de risco. De outro modo, eu não faria isso.

AIO-X
Sebastian Mallaby, 58
Estudou história moderna em Oxford e fez carreira como jornalista econômico e autor de livros. Foi colunista do Washington Post, editor no Financial Times e chefe da sucursal da revista The Economist em Washington. É membro sênior do Council on Foreign Relations.