Narcogarimpo, política e genocídio yanomami, por Camila Rocha

0

Atividade ilegal é motor econômico em Roraima, e população local continuará a rejeitar pautas ambientais

Camila Rocha, Doutora em ciência política pela USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento.

Folha de São Paulo, 22/01/2024

As trágicas imagens do genocídio yanomami em Roraima muitas vezes vêm acompanhadas da figura do garimpeiro. Tidos por parte da imprensa e dos movimentos sociais como “maus elementos”, os garimpeiros são, em sua maioria, pessoas pobres, descendentes de migrantes nordestinos, que passaram a ocupar a região amazônica a partir das décadas de 1960 e 1970 com incentivo de governos militares.

Na época, o apoio estatal ao garimpo era explícito, tanto que, em 1969, foi construído em Boa Vista (RR) o Monumento ao Garimpeiro. Porém, com a demarcação de terras indígenas prevista pela Constituição de 1988, o garimpo se tornou ilegal em tais territórios, o que possibilitou o surgimento do narcogarimpo.

De acordo com o sociólogo Rodrigo Chagas, professor da UFRR (Universidade Federal de Roraima), o termo narcogarimpo é utilizado para enfatizar afinidades eletivas entre as atividades do narcotráfico e do garimpo. Segundo Chagas, há uma complexa rede de aeroportos e portos ilegais por onde trafegam drogas e minérios, e é comum que o ouro extraído dos territórios indígenas seja utilizado para lavagem de dinheiro proveniente do tráfico de drogas. Hoje, 59% da população da Amazônia Legal vive em municípios com forte presença de facções criminosas.

Vários jovens de Boa Vista, sem maiores perspectivas de futuro, são atraídos por promessas de aventura, poder e riqueza de forma análoga aos jovens de São Paulo e do Rio de Janeiro cooptados pelo crime. Exemplar nesse sentido é Antônio, garimpeiro de 20 anos, encontrado escondido na mata após uma ação do Ibama. Confrontados por repórteres da Folha, o jovem, que garimpa desde os 16 em terras indígenas, indaga: “Como eu vou viver com R$ 3.000 na cidade? Aqui eu posso ganhar R$ 20 mil por mês”.

A despeito dos inúmeros desastres causados pela extração de minérios na região amazônica, se tornou comum que políticos “defendam” os interesses de garimpeiros. Esse é o caso de Jair Bolsonaro, contumaz defensor dos garimpeiros. Nas eleições de 2022, 76% dos eleitores de Roraima votaram no capitão reformado. Lula saiu vitoriosos apenas no município indígena de Uiramutã, onde angariou 68% dos votos.

Além de conquistar eleitores, Bolsonaro procurou atrair o apoio de empresários. Roberto Katsuda, um dos principais revendedores de retroescavadeiras usadas em garimpos no Pará e em Roraima, recebeu das mãos do ex-presidente uma medalha de “imbrochável”. Logo após a “honraria”, Katsuda seria investigado pela CPI do 8 de janeiro por ter financiado atos golpistas, com base em relatórios da Abin.

A agência classifica Katsuda como “notório defensor de garimpos em áreas protegidas e um dos maiores articuladores políticos” do tema. Além dele, Enric Lauriano, outro empresário do garimpo, também foi listado pela Abin como financiador de manifestações golpistas no Pará e em Brasília e participou presencialmente do ato no dia 8 de janeiro.

Como bem aponta o sociólogo Rodrigo Chagas, não há solução de curto prazo para a tragédia em Roraima. Enquanto o narcogarimpo figurar como o principal motor econômico da região, a população local continuará a rejeitar pautas ambientais, celebrar empresários como Katsuda e Lauriano, apoiar políticos pró-garimpo e invisibilizar o genocídio yanomami.

Ódio e violência: o perverso legado do bolsonarismo, por Leonardo Boff

0

Leonardo Boff – A Terra é Redonda, 13/04/2023

O legado pior e mais perverso deixado pelo presidente fujão e ladrão de presentes oficiais foi o de atiçar o ódio e a violência nas relações sociais

Quem durante quatro anos nos governou não foi bem um presidente mas um cappo com sua família, cuja característica principal, utilizando as redes sociais, a linguagem chula, os comportamentos grosseiros, a mentira como método, a vontade de destruir biografias, a distorção consciente da realidade, a ironia e a satisfação desumana sobre a doença do Presidente Lula e da Presidenta Dilma, a omissão consciente no trato do coronavírus que sacrificou pelo menos 300 mil pessoas, o genocídio consentido do yanomami, a aquisição praticamente ilimitada de armas letais, a difusão do ódio e da violência, geraram o que ultimamente assistimos: alguém invade uma creche e assassina quatro inocentes crianças e deixa outras feridas.

Há outros casos de alunos que esfaquearam uma professora e um estudante, outro que mata seu colega de escola e outros tantos crimes desse jaez praticados no âmbito escolar, sem referir a violência policial nas periferias das cidades onde jovens negros e outros pobres são abatidos impunemente. Mata-se por motivos fúteis como a disputa por um pedaço de pizza.

O legado pior e mais perverso deixado pelo presidente fujão e ladrão de presentes oficiais, doados por autoridades de outros Estados, além de inúmeros outros crimes políticos, foi este: atiçar o ódio e a violência desbragada nas relações sociais.

Nem chorar nem só lamentar, mas procurar entender: donde nos vem a violência bárbara que tantas vítimas fez em nosso pais? Observemos um pouco a história: Alfred Weber,i rmão de Max Weber, em seu resumo da história universal, nos relata que dos 3.400 anos de história documentada, 3.166 foram de guerra. Os restantes 234 anos não foram certamente de paz, mas de trégua e preparação para outra guerra. As guerras do século passado, ao todo, mataram 200 milhões de pessoas. Como se depreende, a violência e seus derivados estão enraizados em nossa história. Ele levanta uma interrogação, expressa na troca de cartas entre Albert Einstein e Sigmund Freud em 30 de julho de 1932.

Einstein pergunta ao fundador da psicanálise, Freud: “há um modo de libertar os seres humanos da fatalidade da guerra…é possível tornar os seres humanos mais capazes de resistir à psicose do ódio e da destruição?”. Freud realisticamente responde: “não existe a esperança de poder suprimir de modo direto a agressividade dos seres humanos. Contudo podem-se percorrer vias indiretas, reforçando o Eros (princípio de vida) contra o Tánatos (princípio de morte). Tudo o que faz surgir laços afetivos entre os seres humanos, age contra a guerra. Tudo o que civiliza o ser humano trabalha contra a guerra”.

A cultura, a religião, a filosofia, a ética e a arte foram sempre expedientes para frear ou sublimar o impulso de morte. Mas mostraram-se insuficientes. Por isso entendemos a resposta resignada de Freud a Einstein: “esfaimados, pensamos no moinho que tão lentamente mói que podemos morrer de fome antes de receber a farinha”.

Na verdade das coisas, os sábios da humanidade nos fizeram entender que somos seres ambíguos. No dialeto religioso dizia Santo Agostinho: “somos simultaneamente Adão e simultaneamente Cristo”.

Não dizia outra coisa Lutero quando afirmava: “somos simultaneamente justos e pecadores”. Nos tempos atuais foi um sábio de 103 anos, Edgar Morin que continuamente nos recorda: pertence à condição humana, sermos ao mesmo tempo sapiens e demens. Isso não é defeito de criação, mas a nossa constituição enquanto humanos. Em outras palavras, somos seres portadores da dimensão de amor e de ódio, de luz e de sombra, da pulsão de vida e da pulsão de morte, do sim-bólico (que une) e do dia-bólico (que desune). Somos a unidade dialética destas contradições.

A opção de base que tomarmos, se o amor, se a luz, se a vida, se o sim-bólico funda nossa ética humanitária. Se assumirmos o contrário instauramos a ética desumana e cruel. Embora ambos os polos convivam e sem podemos eliminá-los nem recalcá-los, é a centralidade que conferimos a uma destas polarizações que define nosso percurso de vida, vital ou letal e nossos comportamentos éticos.

Se o que dissemos é verdade, então importa sermos realistas e sinceros e reconhecer que a violência que se aninha dentro de nós, irrompeu na figura sinistra do presidente anterior. Ele conseguiu que seguidores tirassem a dimensão de ódio que estava neles e deu-lhe franco curso. Utilizou todos os modos possíveis, desde a calúnia, a mentira, as fake news, a violência verbal através dos vários meios digitais, a violência direta, ameaçando de morte pessoas e efetivamente matá-las.

O humano “demasiadamente humano” vale dizer, a porção sombria e dia-bólica ganhou visibilidade e exercício impune sob o regime bolsonarista e com seu incentivador.

O mais grave do bolsonarismo e de seu cappo é ter deseducado os jovens, promovido a linguagem de baixo calão, os comportamentos agressivos, os preconceitos contra os mais vulneráveis, os pobres, os negros, os quilombolas, os indígenas, as mulheres, vítimas de incontáveis feminicídios e pessoas de outra opção sexual. Todos estes foram difamados, perseguidos, violentados e não poucos assassinados, especialmente estes últimos.

Basta esta história de horrores vividos durante quatro anos. Mas o povo deu-se conta de que assim não se pode viver e conviver. Elegeram, pela terceira vez, alguém, um representante da senzala social: Luiz Inácio Lula da Silva. Seu governo se confronta com uma tarefa ingente: reconstruir uma nação devastada no seu corpo e no seu espírito. As raízes desse desumanismo estão ainda aí e estarão sempre, pois, são parte de nossa condição. Mas as mantemos sob controle. O povo e a nação optou pela luz contra a sombra, pelo amor contra o ódio, pelo sim-bólico contra a dia-bólicos.

Devemos nos manter sempre vigilantes, para que os demônios (que junto com os anjos) que nos habitam, inundem a consciência dos bolsonaristas e destruam sistematicamente o que gerações e gerações com suor e sangue construíram. Eles não passarão. Como não passaram outros chefes de estado criminosos e inimigos da vida.

*Leonardo Boff, é teólogo, filósofo e escritor. Autor, entre outros livros, de Brasil: concluir a refundação o prolongar a dependência? (Vozes).

A economia brasileira continuará a crescer? por Paulo Nogueira Batista Júnior

0

Paulo Nogueira Batista Júnior – A Terra é Redonda, 12/01/2024

Baixar os juros favorece o crescimento e afeta favoravelmente a distribuição da renda nacional e as contas públicas, mas o BC precisa manter juros altos para agradar a Patifaria Lima

A economia brasileira continuará a crescer? É a pergunta que muitos fazem e que alguns economistas, temerários, se animam a responder. Fato é que a economia cresceu algo como 3% ao ano em 2022 e 2023, o que configura certa recuperação. Nada de espetacular, verdade, mas já é um começo. O que interessa, entretanto, é saber se o crescimento continuará nos próximos anos. O que esperar de 2024 e 2025?

Depende, em grande medida, da política econômica do governo, em especial da política fiscal e da política monetária. Os economistas dedicados a fazer projeções regularmente não estão muito otimistas. Entraram o ano prevendo um prevendo um aumento do PIB de apenas 1,6 % em 2024 e de 2% em 2025. Resultados medíocres, se as previsões se confirmarem.

Felizmente, podemos dizer que essas projeções não têm grande valia – como vimos em 2022 e 2023, quando as taxas de expansão econômica previstas no início do ano foram largamente superadas pelos resultados observados. Nenhuma novidade. Os economistas sempre demonstraram uma crônica incapacidade de identificar relações funcionais estáveis e, portanto, de antecipar minimamente o futuro. Como dizia Galbraith, a única função das previsões econômicas é conferir certa respeitabilidade à astrologia.

E, no entanto, cabe reconhecer que o pessimismo atual dos economistas não é de todo descabido. Ressalte-se, primeiramente, que uma acentuada desaceleração da economia brasileira está em curso desde o terceiro trimestre de 2023. O crescimento do ano passado apresentou pontos vulneráveis.

Dependeu muito do setor primário-exportador e do consumo das famílias. A indústria de transformação estagnou e a formação bruta de capital fixo caiu. A taxa agregada de investimento, que já era insuficiente, diminuiu mais, ficando abaixo de 17%. Com um rimo tão modesto de investimento e de criação de capacidade produtiva, fica difícil sustentar taxas adequadas de crescimento econômico.

O que explica essa performance sofrível? Uma razão, bem conhecida nossa, é a política de juros altos praticada sistematicamente pelo Banco Central. A autoridade monetária demonstra uma aversão instintiva e profundamente arraigada a tudo que possa parecer crescimento econômico. Ao menor sinal de reativação da economia, acendem-se sinais de preocupação no BC, que logo passa a remar em direção contrária. E tem praticado, como se sabe, as maiores taxas de juro reais do planeta Terra. Quando não são as maiores, estão sempre entre as maiores. Houve, é verdade, certa diminuição dos juros básicos desde meados de 2023, mas foi em ritmo lento, deixando as taxas reais nas alturas.

Pode ser que isso mude. O Comitê Política Monetária do BC, o famigerado Copom, conta agora com quatro integrantes nomeados pelo governo Lula. É verdade que são nove ao todo e o presidente continua a ser aquele foi nomeado pelo governo de Jair Bolsonaro, em razão da lei de autonomia do Banco Central conferir ao comando da instituição mandatos fixos não coincidentes com o do
Presidente da República. De todo modo, quatro em nove já é suficiente para fazer alguma diferença – a menos que os novos membros do Copom se contentem em ser meras vacas de presépio, aceitando bovinamente a linha definida pelo presidente do Banco Central. Não acredito e por isso arrisco dizer que há esperanças.

Até porque são tantos e tão evidentes os malefícios dos juros estratosféricos que podemos supor que, cedo ou tarde, haverá de baixar uma luz providencial lá no Banco Central. O leitor já deve ter escutado, provavelmente mais de uma vez, os argumentos contra a política de juros altos. Mas vale a pena insistir uma vez mais, dado que os juros brasileiros continuam na lua.

São três os malefícios principais. Primeiro, o já referido impacto adverso sobre o crescimento econômico. Com juros altos e crédito escasso, cai a demanda por bens duráveis de consumo e, mais importante, o nível de investimento em capacidade nova de produção. Para que correr o risco de aventurar-se em novos empreendimentos ou na ampliação dos existentes, se o dinheiro pode ficar aplicado em segurança, liquidez e rendendo juros confortáveis? Neste paraíso do rentista chamado Brasil, não compensa ser empresário.

Segundo malefício: a política de juros altos concentra a renda nacional, pois o que ela faz é transferir renda para aqueles que detém patrimônio financeiro, ou seja, para as minorias aquinhoadas. Eis um argumento que deveria sensibilizar os corações e mentes num país como o nosso, que apresenta, desde sempre, uma das piores distribuições de renda do planeta. Deveria, mas não faz nem cócegas nos círculos ilustres da Patifaria Lima. Ali, a preocupação principal, quase exclusiva, repetida ad nauseam, é com o risco fiscal e o desequilíbrio das contas públicas.

E, com isso, chegamos ao terceiro grande malefício dos juros altos e, ao mesmo tempo, a uma notável contradição no discurso da turma (ou turba) da bufunfa. Veja, leitor, que coisa curiosa.

O que é o risco fiscal? Basicamente, o fato de o déficit público gerar uma expansão da dívida que pode ser revelar insustentável. Recomenda-se, portanto, zerar o déficit primário das contas do governo, em linha com o que promete o arcabouço fiscal do ministro Fernando Haddad.

O curioso é que os que alardeiam as suas preocupações com o risco fiscal, raramente, quase nunca, se referem ao componente financeiro do déficit público. É uma omissão sintomática, que reflete os interesses da Patifaria Lima. O assunto omitido nada tem de misterioso. O déficit público reflete menos o déficit primário do que a despesa líquida de juros do governo. Esta por sua vez decorre da política monetária. Em 2023, por exemplo, estima-se que o déficit total tenha representado cerca de 8,3% do PIB, correspondendo a um déficit primário de 1,5% e a uma despesa líquida de juros mais de quatro vezes maior, de 6,8% do PIB.

Não perder de vista que o crescimento da dívida pública, que tanto preocupa os economistas do mercado, está associado ao déficit total e não somente ao primário. Não se justifica, assim, o foco exclusivo ou quase exclusivo no resultado primário, isto é, nas contas exclusive a carga de juros.

No Brasil, a dívida pública é sobretudo interna e o seu custo depende diretamente das taxas básicas fixadas pelo Copom. Para ser considerado monetariamente responsável pela Patifaria Lima, o Banco Central precisa manter juros altos. Pouco importa se essa suposta responsabilidade monetária conflita com as declaradas preocupações com a responsabilidade fiscal.

Em resumo, baixar os juros favoreceria o crescimento e, de quebra, afetaria favoravelmente a distribuição da renda nacional e as contas públicas. Resta saber se juros menores seriam suficientes para garantir a manutenção de um crescimento razoável da economia nos próximos dois anos. Talvez não. A experiência sugere que a política fiscal joga um papel tão ou mais importante que a monetária. O investimento privado depende do investimento público; o consumo, das transferências sociais.

A função mais importante da política monetária na atual conjuntura talvez seja a de abrir espaço para uma política fiscal mais flexível sem que isso se reflita em crescimento preocupante da dívida pública. Aqui entram o arcabouço fiscal e as suas metas ambiciosas de resultado primário para os próximos dois anos: déficit zero em 2024 e superávit em 2025. Metas fixadas, recorde-se, para tranquilizar a Patifaria Lima e aplacar as suas desconfianças em relação ao governo Lula.

Nessa situação estamos. Precisamos de uma política fiscal flexível para reverter a estagnação.

Mas as metas vigentes correm o risco de levar a uma política contracionista, exatamente o contrário do que se necessita. Ave Patifaria Lima, morituri te salutant – os que estão prestes a morrer te saúdam.

*Paulo Nogueira Batista Jr. é economista. Foi vice-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, estabelecido pelos BRICS. Autor, entre outros livros, de O Brasil não cabe no quintal de ninguém (LeYa).

Versão ampliada de artigo publicado na revista Carta Capital, em 12 de janeiro de 2024.

O que realmente sabemos sobre a economia global, por Martin Wolf

0

Da demografia à tecnologia, devemos prestar atenção nas forças que certamente moldarão nosso futuro

MARTIN WOLF, Comentarista-chefe de economia no Financial Times, doutor em economia pela London School of Economics.

Folha de São Paulo, 16/01/2024

FINANCIAL TIMES

O que vai acontecer com a economia mundial? Nunca saberemos a resposta para essa pergunta.

Década após década, algo grande e em grande parte inesperado ocorreu —a grande inflação e os choques do petróleo na década de 1970, a desinflação no início da década de 1980, a queda da União Soviética e o surgimento da China na década de 1990, as crises financeiras nas economias de alta renda na década de 2000 e a pandemia, inflação pós-pandemia e guerras na Ucrânia e no Oriente Médio nesta década de 2020.

Vivemos em um mundo de riscos concebíveis e obviamente importantes. Alguns —guerra entre grandes potências nucleares— poderiam ser devastadores. A dificuldade é que eventos de baixa probabilidade e alto impacto são quase impossíveis de prever.

No entanto, também sabemos de algumas características importantes de nossa economia global que não são incertas. Também devemos considerá-las. Aqui estão cinco delas.

A primeira é a demografia. As pessoas que serão adultas daqui a duas décadas já nasceram. As pessoas que terão mais de 60 anos daqui a quatro décadas já são adultas.

A mortalidade pode aumentar, talvez por causa de uma terrível pandemia ou uma guerra mundial.

Mas, a menos que ocorra uma catástrofe desse tipo, temos uma boa ideia de quem estará vivendo daqui a décadas.

Várias características de nossa demografia são bastante claras. Uma delas é que as taxas de fertilidade —o número de filhos nascidos por mulher— têm caído em quase todos os lugares.

Em muitos países, especialmente na China, as taxas de fertilidade estão muito abaixo dos níveis de reposição.

Enquanto isso, as maiores taxas de fertilidade estão na África Subsaariana. Como resultado, sua participação na população global pode aumentar em 10 pontos percentuais até 2060.

Essas mudanças demográficas são resultado do aumento da longevidade, da transformação nos papéis econômicos, sociais e políticos das mulheres, da urbanização, dos altos custos da paternidade, das melhorias na contracepção e das mudanças na forma como as pessoas julgam o que vale a pena em suas vidas.

Apenas grandes choques poderiam concebivelmente mudar qualquer uma dessas coisas.

Uma segunda característica é a mudança climática. Talvez as tendências atuais sejam revertidas a tempo.

Mas as emissões de gases de efeito estufa mal se estabilizaram, enquanto o mundo continua a ficar mais quente à medida que os estoques desses gases na atmosfera continuam a aumentar. É uma aposta segura que isso continuará acontecendo por muito tempo.

Se assim for, as temperaturas certamente subirão muito mais do que 1,5°C acima dos níveis pré-industriais, que nos disseram ser o limite superior de segurança razoável. Teremos que trabalhar mais para mitigar as emissões. Mas também teremos que investir pesadamente em adaptação.

Uma terceira característica é o avanço tecnológico. O progresso em energia renovável, especialmente a queda no custo da energia solar, é um exemplo. Avanços nas ciências da vida são outro exemplo.

Mas, em nossa era, a revolução nas tecnologias da informação e comunicação é o centro desse progresso.

Em “The Rise and Fall of American Growth”, Robert Gordon, da Universidade Northwestern, argumentou de forma convincente que a amplitude e a profundidade da transformação tecnológica diminuíram, quase inevitavelmente, desde a segunda revolução industrial do final do século 19 e início do século 20.

A tecnologia de transporte, por exemplo, mudou muito pouco em meio século. Mas a transformação no processamento de informações e comunicação tem sido surpreendente.

Em 1965, Gordon Moore, que fundou a Intel, argumentou que “com o custo unitário diminuindo à medida que o número de componentes por circuito aumenta, até 1975 a economia pode exigir a compressão de até 65 mil componentes em um único chip de silício”. Isso estava certo.

Mas surpreendentemente, a lei de Moore continua sendo verdadeira quase meio século depois. Em 2021, o número de tais componentes era de 58,2 bilhões. Isso permite maravilhas no processamento de dados.

Além disso, 60% da população mundial usou a internet em 2020. Mais transformações na forma como vivemos e trabalhamos devem seguir a partir disso. O desenvolvimento e uso da inteligência artificial é o exemplo mais recente.

Uma quarta característica é a disseminação do conhecimento pelo mundo. As regiões em desenvolvimento do mundo que se mostraram mais hábeis em absorver, usar e promover esse conhecimento estão no leste, sudeste e sul da Ásia, que contêm aproximadamente metade da população mundial.

A Ásia em desenvolvimento também continua sendo a região de crescimento mais rápido do mundo.

Dada a capacidade —e a oportunidade— de alcançar, é uma aposta segura que isso continuará. O centro de gravidade da economia mundial continuará a se deslocar na direção dessas regiões.

Isso inevitavelmente criará mudanças políticas. Na verdade, já criou. O rápido crescimento econômico da China é o grande fato geopolítico de nossa era. No longo prazo, o crescimento da Índia provavelmente também terá grandes consequências globais.

Uma quinta característica é o próprio crescimento. De acordo com o trabalho atualizado do falecido Angus Maddison, bem como do FMI, a economia mundial cresceu todos os anos desde 1950, exceto em 2009 e 2020. O crescimento é uma característica inerente à nossa economia.

As Perspectivas Econômicas Globais recentes do Banco Mundial observam que o que se avizinha em 2024 é “um marco lamentável: o desempenho de crescimento global mais fraco de qualquer quinquênio desde a década de 1990, com pessoas em uma em cada quatro economias em desenvolvimento mais pobres do que antes da pandemia”.

No entanto, mesmo nesse período afetado pelo choque, a economia mundial cresceu, mesmo que de forma desigual entre países e pessoas, e de maneira desigual ao longo do tempo. Não estamos entrando em uma era de estagnação econômica global.

É fácil ser sobrecarregado por choques de curto prazo. Mas o urgente não deve ser permitido a superar nossa consciência do importante. Em segundo plano, as grandes forças descritas acima remodelarão nosso mundo. Enquanto melhoramos nossa capacidade de responder a choques, devemos prestar muita atenção a eles.

Capitalismo e escravidão na sociedade pós-escravista, por José de Souza Martins

0

José de Souza Martins – A Terra é Redonda, 13/01/2024

A conquista do Outro

O tema da chamada “escravidão contemporânea”, no Brasil, não significa a mesma coisa em diferentes bocas e em diferentes escritos. Nem mesmo significa sempre propriamente escravidão. E nem sempre é apresentado em perspectiva propriamente científica. Mesmo em estudos acadêmicos, são muitas as incertezas conceituais e são frequentes as tentações do mero denuncismo em si, sem penetrar nas causas, fatores, consequências sociais e funções econômicas de sua ocorrência e persistência no capitalismo subdesenvolvido.

Diferentemente do que pode pressupor o senso comum, mesmo de pessoas e instituições empenhadas, por ímpeto de justiça, em combatê-la, a escravidão contemporânea não é expressão casual de uma maldade, de uma esperteza de quem a pratica, de um desconhecimento do que ela propriamente é – um crime.

Apesar de eventuais incertezas e vacilações na sua definição, desde os anos 1970, pelo menos, em diferentes lugares do mundo organizações humanitárias e os Estados têm se empenhado em combater a escravidão e punir sua prática. Também aqui no Brasil. Aqui tem sido forte a tendência com o objetivo de, com justiça, submeter cada vez mais as empresas e os autores do crime de escravização aos rigores da lei.

Isso apesar de termos ainda uma disseminada e indevida certeza de impunidade e de reiterados casos de ações baseadas no equívoco de suporem os autores que a violência privada de jagunços e pistoleiros, recrutados como aparato repressivo na situação de trabalho, vale também na resistência aos agentes da lei. Casos de assassinatos de militantes da causa antiescravista e até mesmo de funcionários das agências oficiais de repressão ao trabalho forçado não têm sido raros. Apesar de o Brasil ser signatário, desde os anos 1920, de convenções internacionais que obrigam os Estados nacionais à proibição da escravidão e a combatê-la, porque se trata de crime, muitos ainda acham que o proprietário de terra pode legitimamente ser, também, proprietário de gente.

Ainda agora, em 2023, dois fazendeiros do sul do Pará foram condenados a cinco anos de prisão pela submissão de 85 trabalhadores a trabalho análogo ao de escravidão. A ocorrência é de 2002, mas o crime de escravização é imprescritível. O processo vinha se arrastando desde que dois menores de idade conseguiram fugir da fazenda em que eram escravizados e denunciaram a irregularidade às autoridades. O processo chegou a desaparecer, mas foi reconstituído. Foi a julgamento agora em consequência de uma sentença de condenação do Estado brasileiro na Corte Interamericana de Direitos Humanos. O juiz federal substituto da Comarca de Redenção, no sul do Pará, sentenciou os fazendeiros no dia 27 de junho de 2023.[1]

A importância dessa condenação é enorme. A escravidão praticada no Brasil tem peculiaridades que a diferenciam de outras variantes da escravização de seres humanos na atualidade: a de que ela é, em primeiro lugar, expressão de contradições do subcapitalismo que temos. Ela está praticamente inscrita na estrutura lógica desse capitalismo. O restante é dela decorrente e dela componente, como a maldade necessária à sujeição de um ser humano, como se fosse um animal, indício de atraso social e de falta de identificação de quem dela se vale com a condição humana. Mas, sobretudo, indício de um complexo de degradações sociais necessárias à naturalização do cativeiro para que ele cumpra a função iníqua que o motiva.

Na trama de suas relações e de suas causas não há propriamente escolha. Os fatores econômicos se comunicam, seus custos e seus ganhos impõem-se à trama inteira. A própria vítima dela participa não por conivência e impotência, mas por estratégia de sobrevivência em nome da sua diferença social, enquanto alternativa social e histórica. Em nome de um possível que da contradição resulta, que tem visibilidade para ela, mas não tem para quem a explora e oprime. E não tem necessariamente para quem presume defendê-la e em seu nome reivindicar justiça e direitos.

Nesse sentido, este livro não é apenas nem principalmente um livro sobre a atualidade da escravidão. Trata-se de um estudo sobre o modo como o capital organiza empreendimentos econômicos em áreas de condições sociais, econômicas e ambientais de quase ausência do Estado, em face das quais não tem sido incomum o recrutamento de trabalhadores, já de antemão previsto, mas não revelado, que trabalharão como escravos.

Na verdade, essa escravidão é opção inevitável da vítima pela alternativa degradante e não capitalista de trabalho. É para resistir à ameaça e aos efeitos socialmente corrosivos da expansão do capitalismo sobre territórios e comunidades camponesas, de populações originárias, indígenas, caipiras e sertanejas.

Trabalho que, mesmo quando não acarreta ganho, no endividamento do trabalhador, que acaba trabalhando de graça, diminui na família, na entressafra, o número de bocas para a comida insuficiente.[2] E, se houver algum ganho, mesmo aquém do valor criado pelo trabalho cativo em relação ao saldo recebido, será um benefício com base na ideologia camponesa do trabalho de sobrevivência contra a ideologia capitalista do trabalho lucrativo. Essa é a contradição cuja causa a sociologia pode decifrar.

O trabalho escravo é a dolorosa expressão do verdadeiro conflito histórico entre os desvalidos e o capital, um dos conflitos estruturais do capitalismo brasileiro na disputa da terra de trabalho, a terra de sobrevivência, contra a terra de negócio e rentismo, de usurpação, a de um capitalismo subdesenvolvido. É a questão agrária como questão do trabalho que dá sentido a esse conflito e a esse drama. Os autores de digressões sobre a “escravidão contemporânea” omitem-se em relação a essa contradição, sociologicamente explicativa. A do assalto indireto do capital ao mundo camponês, assalto através das mediações de ocultamentos sociais para viabilizar os resultados econômicos de sua reprodução ampliada.

As regiões e as comunidades dessas populações têm sido com frequência os lugares de aliciamento de camponeses para o trabalho sob escravidão por dívida. Não se trata, pois, de uma referência geográfica, mas de uma mediação social datada, pré-capitalista, cujo atraso histórico interessa ao capital, mas cuja resistência e sobrevivência interessa sobretudo à vítima – o camponês e as populações originárias.

Esse atraso lhes é, na verdade, um capital cultural e político, que só se desperdiça porque lhe faltam as mediações políticas e partidárias. O atraso, na verdade, é dos partidos na falta de reconhecimento e compreensão do significado e da função política dos grupos humanos deixados à margem da história por uma opção equivocada em favor de uma concepção de progresso socialmente excludente.

Variam as motivações, muitas vezes extracientíficas, dos estudiosos, que, ao revelar e denunciar ocorrências, desprezam, porque as desconhecem ou minimizam, as contradições explicativas e reveladoras da realidade social problemática. As que sociologicamente compreendem o visível e o não visível, o falso e o verdadeiro. Os fatores revelados e os fatores ocultos do processo histórico. Os fatores de reiteração e os de transformação da realidade, os que criam socialmente o novo e, ao mesmo tempo, recriam o que parece ser o já existente, como interpreta e explica Henri Lefebvre.[3] Os que estão presentes na estruturação das condições sociais do cativeiro, isto é, na disputa e dominação do capital pelos lugares e situações comunitários e tradicionais da sociabilidade e da autonomia camponesas e da economia da produção direta de meios de vida, paralelamente à de excedentes comercializáveis. Os das populações excluídas e originárias.

Ou, então, os que desvendam e expõem as invisibilidades próprias do capitalismo num país subdesenvolvido, como o nosso, e expõem as vulnerabilidades do voluntarismo dos que se dedicam a questioná-lo e a combatê-lo, prisioneiros do superficial e aparente. O que é tão característico da moda política de hoje, mas divorciado das revelações da ciência e das duras verdades e incertezas das contradições sociais. A incômoda constatação científica de Marx, de que “os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem…”.[4] E menos ainda como os outros querem fazê-la em nome de todos sem legitimamente representá-los.

Esse desencontro é o cerne explicativo de toda a sociologia marxiana. É um questionamento que define o perfil deste livro na linha da tradição do pensamento sociológico crítico, ou seja, dialético, o de ampliação e aprofundamento do conhecimento sobre a realidade social além do mero agora. O desvendamento e o questionamento da alienação social, que acoberta a realidade, enquanto falsa premissa de ciência que há na militância desinformada e superficial.

A questão da “escravidão contemporânea” é, na sociologia, questão de urgência e é também questão de enfrentamento do poder de minimização dos problemas sociais, cada vez mais intenso da pós-modernidade. Esta é a sociedade da ocultação das verdades profundas e causais da história e da sua própria historicidade.

Muitos querem, altruisticamente, combater a iniquidade de relações de trabalho antissociais e anti-humanas. Outros querem, de modo não tão altruístico, combater as interpretações que podem estar em desacordo com suas opiniões de senso comum, seus interesses e conveniências partidários e ideológicos, seu exibicionismo político.

Um livro como este é uma proposta de desembaralhar, na perspectiva da ciência, essa diversidade opinativa, e desse modo criar as condições para uma interpretação objetiva e crítica da grave questão, no sentido marxiano de conhecimento explicativo, sociológico, de diferentes modalidades de conhecimento: “das representações, das ilusões de classe, dos instrumentos ideológicos”.[5] Único modo de situá-la no marco da possibilidade de sua superação, e iluminar o caminho desse ser solitário, invisível e difuso que intui no dramático da vida o desafio da transformação social libertadora como obra de correção e de superação das injustiças que negam a todos o direito à sua humanização. Se há um único escravo numa sociedade como esta, todos nós estamos atados à sua situação, porque a sociedade é relacional. Somos sujeitos do mesmo sistema de relacionamentos e de minimização da condição humana.

Ao se falar em escravidão atual está se falando, necessariamente, numa anomalia resultante das contradições sociais de um modelo de sociedade que tem nome: a sociedade capitalista mutilada e insuficientemente realizada, como a brasileira, atravessada pelo primado de interesses econômicos e consequentes irracionalidades que negam o capitalismo e crucificam a sociedade.

De uma análise assim, não resulta receita legítima de militância e ativismo indeterminados e desconectados da estrutura social profunda que dá sentido aos movimentos sociais. Resulta a referência para o que Hans Freyer definiu e Florestan Fernandes explicou: a sociologia como consciência científica da realidade social,[6] caso em que o ativismo não é nem pode ser teatro, para que possa ser práxis socialmente transformadora.

Os capítulos deste livro foram escritos com independência uns dos outros, por motivações tópicas, em épocas diferentes, a partir de uma mesma e demorada observação sociológica.

O volume tem, porém, uma unidade interpretativa e de revisão crítica de análises que dela carecem porque, no meu modo de ver, estão distantes de uma problematização científica de investigação do grave problema social do trabalho escravo, apesar dos esforços já feitos por vários pesquisadores, devidamente citados nos lugares adequados.

A unidade do livro está exposta no Capítulo I, e é a da opção por um método de explicação que corresponda à natureza social do problema de investigação. Que é a de uma realidade que por ser social é cambiante, que se transforma mais depressa do que a competência do senso comum para compreendê-la.

Em relação ao método e ao conjunto do texto, há compreensivelmente alguma reiteração de referências a esse núcleo explicativo do livro, nos diferentes capítulos. O que se deve ao requisito de clareza do próprio fluxo expositivo do texto, mas sobretudo à necessidade de explorar os detalhes da interpretação correspondente ao respectivo tópico e suas conexões com a linha teórica da obra.

*José de Souza Martins é professor titular aposentado do Departamento de Sociologia da USP. Autor, entre outros livros, de O cativeiro da terra (Ed. Contexto).

Referência
José de Souza Martins. Capitalismo e escravidão na sociedade pós-escravista. São Paulo, Editora Unesp, 2023, 270 págs.

Mudanças econômicas

0

A economia internacional vem passando por grandes alterações nas últimas décadas com o crescimento e o fortalecimento do processo de globalização, que impacta fortemente sobre todos os governos, empresas e a sociedade civil. Nestas mudanças, alguns grupos econômicos e sociais ganham com estas constantes transformações, enquanto outros setores perdem espaço neste mundo de constantes alterações, gerando novos desafios e, ao mesmo tempo, novas oportunidades que exigem uma grande capacidade de reinvenção, agilidade e forte flexibilidade sob pena de perderem espaço no mundo do trabalho, centrados nas constantes incertezas e instabilidades.

Neste momento, percebemos que os governos vem adotando políticas para fortalecer suas estruturas econômicas e produtivas, consolidando vantagens comparativas e competitivas, investindo maciçamente para capacitar e qualificar a mão de obra, com fortes incentivos na formação de capital humano, investindo em pesquisa, ciência e tecnologia como forma de antecipar as grandes transformações na tecnologia global, onde o mundo analógico vem perdendo espaço e a consolidação de um mundo digital, fortemente tecnológico, com novos modelos de negócios, com novas instituições, com novos conceitos e uma competição mais acirrada e implacável, onde os ganhadores levam tudo e os perdedoras são relegados ao esquecimento.

Ao analisar os dados macroeconômicos brasileiros, percebemos uma melhora sensível nestes indicadores: inflação em queda, superávit comercial recorde, taxas de juros em redução, aumento dos níveis de emprego, redução do endividamento das famílias, aumento dos investimentos, fortalecimento da moeda nacional, dentre outros motivos que levaram as agências de classificação de risco a elevarem a nota do Brasil no mercado internacional, trazendo ganhos fiscais sensíveis, com diminuição do endividamento externo e melhorando a imagem do Brasil no cenário internacional.

Neste ambiente marcado por grandes transformações econômicas e produtivas motivadas pelo processo de globalização, a melhora da economia nacional nos traz novos horizontes e possibilidades positivas, nos posicionando em uma condição interessante, como somos dotados de grandes riquezas naturais e marcados por uma grande variedade de energias alternativas e renováveis, num mundo carente destas possibilidades, onde encontramos países ricos e desenvolvidos que passam por grandes dificuldades energéticas e custos assustadores ligados a degradação do meio ambiente, levando suas estruturas produtivas a perderem competitividade em decorrência do incremento da inflação e do aumento do custo de vida, vide o caso Alemão, que vem perdendo espaço no mercado internacional, gerando graves constrangimentos internos e fragilizando o bloco europeu, aja vista que a Alemanha é a força motriz da economia europeia.

Os indicadores macroeconômicos brasileiros estão apresentando melhoras consideráveis, mesmo assim, sabemos que precisamos melhorar mais rapidamente para reduzir as dívidas históricas acumuladas para grande parte da população nacional, pessoas que prescindem de políticas públicas para melhorar suas condições de vida, emprego digno e decente e a construção de novos espaços de ascensão econômica e social, atualmente concentradas em poucos grupos sociais, na maioria das vezes a tão sonhada ascensão econômica está relacionada a heranças e vinculados a grandes grupos financeiros, além de grande capacidade de influência política.

As mudanças econômicas estão acontecendo, embora lentamente, as pautas estão sendo modificadas, assuntos vistos como improváveis estão entrando na agenda econômica, a tão sonhada taxação de fundos exclusivos se transformou em realidade, a política industrial que sempre foi endemoniada pelos economistas liberais está sendo retomada no mundo todo e a economia verde vem ganhando espaço no cenário econômico nacional, com discussões acaloradas e políticas efetivas para garantir recursos para capacitar nossa população. Neste momento, quem sabe, possamos eliminar os parasitas econômicos que pouco produzem e sempre ganham divulgando o caos generalizado.

Ary Ramos da Silva Júnior, Bacharel em Ciências Econômicas e Administração, Especialista em Economia Circular, Mestre, Doutor em Sociologia e professor universitário.

Reconstrução da confiança no futuro, por Klaus Schwab

0

A atual onda de pessimismo não tem precedentes

Klaus Schwab, Fundador e presidente executivo do Fórum Econômico Mundial

Folha de São Paulo, 15/01/2024

O aumento da divisão, a escalada da hostilidade e o crescimento dos conflitos estão definindo o cenário global atual. A necessidade eterna de gestão de crises está esgotando a fundamental energia do ser humano, que, de outra forma, poderia ser canalizada para moldar um futuro mais otimista.

Apesar ter havido graves crises no passado, a atual onda de pessimismo não tem precedentes. E, ao contrário do que ocorreu no passado, o poder e a presença da mídia global e da tecnologia de comunicação significam atualmente que todos os desafios e contratempos estão ampliados, potencializando ainda mais a sensação de desgraça e tristeza.

Depois de uma era que tirou um bilhão de pessoas da pobreza e melhorou os padrões de vida em todos os lugares, a ansiedade gerada pelo medo de perder o controle sobre o que está por vir tem levado as pessoas a abraçar ideologias extremas e os líderes que as defendem.

É de fundamental importância que se reconstrua a confiança no nosso futuro. A questão é por onde começar, dadas as circunstâncias complexas de hoje.

De modo semelhante a um diagnóstico médico, devemos primeiro identificar e abordar as causas do nosso mal-estar. Estamos em um momento crucial da história, mas ainda nos apegamos a soluções defasadas. Um fator complicador é estarmos lidando com muitos problemas ao mesmo tempo, todos profundamente interconectados e que se reforçam de forma mútua. Não há solução rápida ou desfecho único para todos os problemas. O fato é que devemos abordar todos os sintomas de forma holística.

Em primeiro lugar, não temos mais uma narrativa de como revigorar nossas economias, que hoje estão sobrecarregadas por níveis insustentáveis de dívida e inflação, corroendo o poder de compra das pessoas. As políticas monetárias e fiscais tradicionais perderam força e as políticas relativas às demandas estão agravando ainda mais o fardo das dívidas.

O que é crucialmente necessário neste momento é uma nova abordagem, que promova a transição para uma economia verde, digital e inclusiva, como uma grande oportunidade para a criação de empregos e o aumento do poder de compra e, finalmente, com foco em crescimento econômico sustentável.

Em segundo lugar, as mudanças climáticas são uma clara ameaça para as gerações atuais e, especialmente, para as futuras. Devemos responder a esse desafio aumentando a acessibilidade, a segurança e a sustentabilidade em termos de energia, ao mesmo tempo em que reduzimos as dependências geoeconômicas e geopolíticas. Com o avanço tecnológico,
a energia renovável mais barata está prontamente disponível e pode contribuir substancialmente para um mundo mais equitativo, com impactos de longo alcance no meio ambiente, na qualidade de vida e na longevidade.

Um terceiro ponto a ser considerado é que estamos vivendo uma era de desenvolvimento tecnológico exponencial, particularmente com o advento da inteligência artificial. Essas tecnologias podem ser forças extremamente disruptivas se não forem bem geridas, mas também podem servir como catalisadoras de um renascimento da humanidade, tornando possíveis novas dimensões da criatividade humana e promovendo colaboração e compreensão sem precedentes.

Essas narrativas holísticas exigem cooperação global, nacional e local, especialmente em um mundo que está se tornando mais competitivo e multipolar, marcado por crescentes divisões sociais e incertezas generalizadas.

Conversas abertas e transparentes podem restaurar a confiança mútua entre indivíduos e nações que, por medo do futuro, priorizam seus próprios interesses, diminuindo a esperança de um futuro mais próspero.

Para nos afastarmos das dinâmicas impulsionadas pela crise e promover a cooperação, a confiança e uma visão compartilhada para um futuro melhor, devemos criar uma narrativa positiva que possibilite as oportunidades apresentadas por este ponto de virada histórico.

Hipocrisia global, por Hélio Schwartsman

0

Seletividade de governos em relação a direitos humanos reduz confiança em instituições responsáveis por protegê-los

Hélio Schwartsman, Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de “Pensando Bem…”.
Folha de São Paulo, 13/01/2024

Relatório da ONG Human Rights Watch (HRW) afirma que a seletividade com que governos tratam direitos humanos mina a confiança nas instituições responsáveis por proteger esses direitos. Não vejo como discordar.

Líderes globais são rápidos em denunciar violações cometidas por países com os quais têm diferenças, mas mostram tolerância inesgotável para com abusos perpetrados por nações amigas. “Quando governos condenam veementemente os crimes de guerra do governo de Israel contra civis em Gaza, mas silenciam frente aos crimes contra a humanidade do governo chinês em Xinjiang, ou exigem punições internacionais em relação aos crimes de guerra russos na Ucrânia ao mesmo tempo que minimizam a responsabilização dos EUA pelos abusos no Afeganistão, enfraquecem a crença na universalidade dos direitos humanos e na legitimidade das leis destinadas a protegê-los”, diz a HRW.

Na mosca. O nome disso é hipocrisia e, como já ensinava La Rochefoucauld, hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude. Cabe a ONGs, à mídia independente e a quem mais quiser apontar as contradições dos governantes e cobrar-lhes coerência. Mas não devemos ser ingênuos a ponto de achar que isso muda o jogo. Lidamos aqui com alguns dos mais profundos vieses humanos, que não serão revertidos com lições de moral.

O interessante é que, apesar dessa falha catastrófica, o sistema funciona. A analogia aqui é com a ciência. O ideal seria que cientistas, em nome da autocorreção, procurassem obsessivamente falhas em suas teorias e experimentos. No mundo real, porém, cientistas tendem a defender e não atacar suas próprias ideias. Erros e imprecisões costumam ser descobertos por grupos rivais. E é o que basta. O importante é que os desacertos sejam apontados, não importa tanto por quem.

Continuando com La Rochefoucauld, “a opinião que nosso inimigo tem de nós está mais perto da verdade do que a nossa própria”.

O 8/1 e a lembrança de que o futuro do planeta depende das urnas, por Ilona Szabó de Carvalho

0

Defesa do Estado de direito exige sociedades mais justas, inclusivas e sustentáveis

Ilona Szabó de Carvalho, Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

Folha de São Paulo, 10/01/2024

As lembranças e algumas revelações trazidas à tona no aniversário de um ano dos lamentáveis atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 reforçaram a compreensão, assustadora, do quão perto estivemos de um golpe de Estado, algo que nos últimos 40 anos julgávamos haver sido extirpado do vocabulário político brasileiro.

Nem as ameaças, nada veladas, feitas ao longo do governo anterior, nos prepararam para a fúria golpista de uma militância de extrema-direita mobilizada por uma avalanche de desinformação e teorias da conspiração compartilhadas – e amplificadas – nas redes sociais.

O terreno foi pavimentado por líderes com pretensões autoritárias e narrativas online cada vez mais sofisticadas e abundantes, que minaram a confiança no sistema eleitoral e atacaram instituições democráticas, em especial, o Judiciário.

O problema não é uma jabuticaba brasileira. Mundo afora a cartilha se repete: populistas se elegem sob um verniz de institucionalidade para, uma vez no poder, adotarem práticas de enfraquecimento do sistema de freios e contrapesos, de silenciamento da oposição e de extermínio de instrumentos de controle à expansão de poder. O próprio ataque ao Capitólio americano em 2021 corrobora o fato de que o fechamento do espaço cívico e as ameaças à democracia são um fenômeno global.

Nesse quesito, 2024 será um ano decisivo. Pela primeira vez na história, mais da metade da população mundial será impactada por eleições nacionais: quase 2 bilhões de pessoas em mais de 70 países irão às urnas.

Se podemos esperar este ano avanços significativos em tecnologias digitais e verdes, financiamento climático e em outras agendas relevantes, o aprofundamento da polarização política e dos conflitos que se espalham da Europa ao Oriente Médio, chegando às Américas, nos leva a cenários de alto risco para a democracia.

Não é exagero dizer que o progresso global da sociedade depende do que acontece nas urnas, e de se os resultados dos pleitos irão na direção da busca por oportunidades de convergência e cooperação para enfrentar os desafios comuns à humanidade.

O exemplo mais contundente dessas ameaças potenciais são as eleições presidenciais nos EUA. O ex-presidente Donal Trump, enquanto trava uma batalha na Justiça para definir a sua responsabilidade pelos ataques ao Capitólio, já conseguiu mobilizar seu partido e eleitores, e lidera as pesquisas.

O legado dos ataques golpistas não parece claro nos EUA, mas, no Brasil, a história parece estar sendo escrita com outros contornos. Para além da destruição de patrimônio físico e institucional dos poderes que fundamentam o funcionamento democrático da sociedade brasileira, o 8 de janeiro deixou no rastro duas importantes constatações. A primeira: o Brasil é capaz de defender sua democracia. A segunda é que não basta a eterna vigilância – a defesa do Estado de direito exige alcançarmos sociedades mais justas, inclusivas e sustentáveis.

A sociedade civil tem um papel fundamental para que os governos se mantenham responsáveis, monitorando o cumprimento de suas promessas e cobrando a formulação e implementação de políticas públicas que posicionem o interesse público no centro das prioridades. E as eleições municipais que teremos aqui são um bom começo para trazer no nível local aquilo que gostaríamos de alcançar a nível global.

Em um ano de tantos desafios, o Brasil pode liderar pelo exemplo, construindo e adotando de fato políticas de redução das desigualdades e de combate à tripla crise planetária, traçando estratégias responsáveis para fazer frente aos impactos da transformação digital e erguendo pontes em um mundo multipolar por meio da cooperação, do diálogo e do compromisso com a democracia.

Viciada em combustíveis fósseis, humanidade se acomoda a recordes de temperatura, por Marcelo Leite

0

Calor extremo faz de 2023 o Ano do Sapo, quando a Terra chegou à ebulição climática, após décadas a caminho da fervura

Marcelo Leite, Folha de São Paulo, 10/01/2024

Entre os 12 animais que marcam os anos do calendário chinês não há lugar para batráquios, mas 2023 bem poderia ser identificado como o Ano do Sapo: aquele em que a Terra chegou ao ponto de ebulição climática, após décadas a caminho da fervura, por ação e omissão de governos e populações.

Era para ter saltado fora, há muito tempo, do caldeirão aquecido pela queima de combustíveis fósseis. Mas pouco se fez desde 1992, quando se adotou na Rio-92 a Convenção da ONU sobre Mudança Climática. A humanidade segue lançando CO2 na atmosfera como se não houvesse amanhã.

Não cabe alegar surpresa, assim, com a confirmação de que 2023 foi o ano mais quente já registrado desde a era pré-industrial. A temperatura do ar na superfície do planeta esteve 1,48°C acima da média no período 1850-1900, anuncia o relatório Destaques do Clima Global, compilado pelo Serviço Copernicus de Mudança do Clima, da União Europeia.

Tangenciou-se, com esse recorde, o limiar de segurança (1,5°C de aquecimento) traçado pelo Acordo de Paris (2015). Isso não implica, decerto, que essa fronteira prudencial tenha sido cruzada de modo permanente.

O clima terrestre está sujeito a grandes variações interanuais. Nada garante que 2024 venha a ser mais quente que 2023, ou que 2025 se revele mais escaldante que 2024, e assim por diante. Fica cada vez mais claro, porém, que a inação internacional alimenta uma curva ascendente.

O pico anual anterior cabia a 2016. Portanto, nesse intervalo de seis anos entre os recordistas a temperatura desviou-se menos das médias históricas.

Por outro lado, salta aos olhos que se iniciou uma era de alta sustentada nos termômetros e nas observações por satélite. Basta mencionar que todos os dez anos mais ardentes pertencem ao decênio em curso, ainda que numa aparente desordem: 2023, 2016, 2020, 2019, 2015, 2017, 2022, 2021, 2018 e 2014.

Todos os dias do ano passado estiveram, pela primeira vez, pelo menos 1°C acima da média 1850-1900. Metade deles superou 1,5°C; dois dias em novembro ultrapassaram 2°C, uma ocorrência inaudita.

A chaleira atmosférica de 2023 estava sobre duas bocas do fogão climático, o aquecimento global causado pela humanidade com a emissão de CO2 e um El Niño que se patenteou em meados do ano.

Esse aquecimento anormal das águas do Pacífico põe em polvorosa o clima no globo todo, com eventos extremos como as chuvas no Sul e as secas no Norte e no Nordeste do Brasil.

Há mais, como assinala o relatório do Copernicus. Outros oceanos também tiveram suas superfícies incomumente aquecidas, em especial o Atlântico Norte. Durante oito meses de 2023 o gelo marinho em volta da Antártida esteve abaixo das mínimas mensais correspondentes; o recorde geral de encolhimento ocorreu em fevereiro passado.

Não por acaso, a concentração de CO2, principal gás do efeito estufa, seguiu em alta, esta sim linear (a não ser pela variação sazonal observada a cada ano). Alcançou-se a marca de 419 ppm (partes por milhão), a mais alta em 100 mil anos. Em 2005, era da ordem de 375 ppm; na era pré-industrial, 280 ppm.

Uma vez emitido, o dióxido de carbono permanece por séculos na atmosfera, com metade dele absorvido em cerca de 120 anos. Cada tonelada emitida hoje —e são cerca de 37 bilhões delas lançadas a cada ano— continuará perturbando o clima com que terão de se virar nossos netos, bisnetos, tetranetos…

Para cumprir Paris, as emissões de carbono, principalmente devido à queima de combustíveis fósseis (petróleo, carvão mineral e gás natural), precisam ser reduzidas em 43% até 2030 —em seis anos, portanto. E, depois, eliminadas por completo até 2050, ou pelo menos neutralizadas, se até lá decolarem as prometidas tecnologias de retirada de carbono da atmosfera.

Para esquivar-se da redução imperativa, a indústria dos fósseis se apega às quimeras da captura e estocagem de carbono, do gás natural como combustível de transição (emite menos CO2 por unidade de energia produzida do que o petróleo e o carvão) e da renda do petróleo para financiar a revolução energética. Vão fazer de tudo para extrair o máximo do subsolo, antes que as restrições inevitáveis se materializem.

Se o fizerem, como planeja a Petrobrás na margem equatorial brasileira, será o equivalente de empresários que vendem todas as ações da firma quando sua insolvência se torna irrecorrível. No setor dos fósseis, as jazidas que não têm cabimento explorar são chamadas de ativos encalhados (“stranded assets”).

Nações não são empresas, assim como governos não são suas diretorias. Líderes que se pretendem estadistas deveriam enxergar além do horizonte de 4 ou 8 anos dos ciclos eleitorais, resistindo à pressão de investidores, burocratas, corporativistas e chantagistas.

Nesse sentido, é mau sinal que a próxima cúpula do clima, a COP29, em Baku (Azerbaijão), vá ser presidida por Mukhtar Babayev, ministro da Ecologia e Recursos Naturais que fez carreira na estatal petrolífera daquele país. A COP28, em Dubai (Emirados Árabes), foi chefiada por um executivo do petróleo, Sultan Ahmed al-Jaber, e deu no que deu —nada que faça diferença.

A reunião seguinte, COP30, será em Belém (PA). Ali, do lado da foz do rio Amazonas, do outro lado da ilha de Marajó, não tão distante assim, em termos amazônicos, das jazidas de óleo e gás que a Petrobras quer porque quer explorar. Não faltarão sapos nos arredores.