Jornalismo enviesado, por Hélio Schwartsman

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Hélio Schwartsman, Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de “Pensando Bem…”

Folha de São Paulo, 15/11/2025.

A BBC fez mau jornalismo ao editar de forma enviesada duas falas diferentes de Donald Trump, dando a falsa impressão de que ele fez um apelo direto por ações violentas no dia da invasão do Capitólio, em 2021. A história já custou os cargos a dois figurões da emissora e poderá deixar uma conta salgada para o contribuinte britânico. O Agente Laranja ameaça processar a BBC cobrando uma indenização de US$ 1 bilhão.

O jornalismo, por tentar rascunhar a história em tempo real, é uma atividade mais afeita a erros do que ocupações que lidam com tarefas repetitivas e mais facilmente “protocolizáveis”, como cirurgias ou transporte aéreo. O problema não é tanto errar, mas errar sempre em direção ao mesmo lado nas questões politicamente carregadas.

O relatório interno que apontou o erro no caso de Trump também identificou vieses nas coberturas da BBC sobre Gaza e pessoas trans. O que fazer? Parte do problema é que diferentes profissões atraem diferentes públicos. É comum ver uma maior concentração de esquerdistas em atividades como jornalismo e na academia e de direitistas em carreira militar ou no mercado financeiro.
É um processo de autosseleção a partir de traços de personalidade e gostos. Não vejo muito o que possa ser feito para contrapor-se a isso. Para piorar, vivemos uma época moralista, que recompensa socialmente o engajamento e a militância.

O caminho que me parece factível é criar uma cultura que distinga claramente a esfera pessoal, na qual a militância é legítima, da profissional, que precisa pautar-se por rigor técnico e afastamento de posições preconcebidas.

A preocupação de repórteres e editores quando preparam textos para publicação deve ser a de informar seus leitores e não transformar o mundo. Precisam também desenvolver uma espécie de paranoia profissional, perguntando-se o tempo todo se não se deixaram levar por suas preferências e acabaram cruzando alguma linha vermelha.

O jornalismo profissional, para cumprir sua missão, precisa ser diferente das redes sociais.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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