Há exatamente dez anos o capitalismo entrou em uma grande crise terminal, com graves desdobramentos em toda a economia internacional, gerando uma quebradeira generalizada, falência de bancos e corretoras, além de levar inúmeras empresas a bancarrota, com desemprego em ascensão, renda em queda e incremento da degradação social, instabilidades políticas e esgotamentos de modelos econômicos e produtivos.
O centro de toda esta degradação econômica e financeira foi os Estados Unidos da América, depois de um forte crescimento no começo do século XXI, os negócios entraram em um ciclo recessivo que se espalhou por todo o mundo, o epicentro do terremoto financeiro foi a crise do mercado imobiliário que culminou em hipotecas não pagas, bancos em crise e população em pânico, obrigando o governo a adotar uma política de socorro generalizado, sob pena de destruição do capitalismo norte-americano, com graves impactos sobre a economia internacional, o resgate foi orquestrado pelo Federal Reserve (FED) e contou com o apoio de outros Bancos Centrais que, para evitar a degradação total foram obrigados a injetar trilhões e trilhões de dólares no sistema financeiro internacional, aumentando a liquidez e socorrendo o setor privado.
O crescimento do mercado imobiliário norte-americano foi bastante acelerado no começo do século XXI, depois de um forte boom na economia somados a um grande desenvolvimento tecnológico, inúmeras famílias refinanciaram suas residências e, com o dinheiro em mãos, foram para as compras, dinamizando a economia do país e garantindo novos ganhos econômicos, o emprego e a renda dos trabalhadores cresceram, os ganhos tributários do governo aumentaram consideravelmente, criando um clima de prosperidade e de euforia, ninguém em sã consciência imaginaria que a economia mundial estava a beira da crise e da bancarrota.
Este boom econômico levou os bancos a aumentarem os empréstimos imobiliários, como o mercado estava bastante aquecidos e a liquidez elevada, as famílias contraíram novas dívidas e adquiriram suas residências, neste ambiente visualizávamos dois grupos de tomadores de recursos juntos ao setor bancário: de um lado encontrávamos os chamados clientes Prime, correntistas com renda e patrimônio condizentes com os empréstimos adquiridos e de outro os clientes subprime, que possuíam renda mas não patrimônio, eram correntistas com histórico de inadimplência e atrasos anteriores mas que, naquele instante, apresentavam condições de tomar recursos para a aquisição da casa própria.
Os clientes subprime são aqueles que contraíram dívidas acima de sua capacidade de pagamento, com as dificuldades do momento passam a atrasar hipotecas e aumentaram a instabilidade do sistema bancário, com medo os bancos contraem os empréstimos e reduziram o financiamento dos imóveis, aumentando a instabilidade e comprometendo todo o setor financeiro. Como as casas foram dadas como garantia para os empréstimos, os bancos começaram a retomar os imóveis, com a crise se alastrando o valor das casas se reduz imensamente, levando os bancos a acumularem graves prejuízos que se espalham para todo sistema econômico e produtivo.
No Brasil, a crise chegou de uma forma mais branda, o país vivia um momento de crescimento econômico e relevância política, era o segundo governo Lula e o país apresentava grande potencial de desenvolvimento econômico, segundo o governo o Brasil foi o último a sentir os efeitos da crise e o primeiro país a sair dela. Os movimentos do governo para debelar a crise foram o velho intervencionismo econômico, redução do IPI dos produtos de linha branca e automobilístico e novos investimentos nos setores produtivos com aumento no emprego e na renda, soma se a isso um forte incremento nos empréstimos que tiveram no Banco do Brasil, na Caixa Econômica Federal, no Banco do Nordeste e no BNDES seus grandes atores, tudo isso contribuiu para uma melhoria no cenário econômico e uma euforia generalizada.
Os resultados internos foram bastante auspiciosos, a economia continuou seu ciclo de crescimento, o emprego e a renda cresceram e os ganhos políticos do governo foram positivos, culminando em taxas de crescimento econômico em 2010 de mais de 7,5%, garantindo a eleição da representante do governo petista e a continuidade no poder do mesmo grupo político. A economia brasileira vivia um momento de grande euforia, depois de muitos anos de instabilidades e baixo crescimento, o país dava mostras de que tinha alcançado a maturidade necessária para assumir uma posição de destaque na sociedade internacional, para coroar todo o sacrifício a revista britânica The Economist retratou o Brasil favoravelmente e destacou seu forte crescimento econômico, o país do futuro se tornará o país do presente, o Cristo Redentor finalmente decolava.
O governo norte-americano comandado pelo republicano George W. Bush, foi fortemente pressionado pelo setor privado para evitar a quebradeira que se aproximava, as alternativas eram poucas, de um lado o governo deveria escolher entre intervir e evitar a bancarrota de empresas e setores inteiros da economia ou deixar que as empresas pedissem falência, cujo resultado seria uma forte recessão comparável ao acontecido na crise de 1929. Para evitar a quebradeira o governo colocou trilhões de dólares na economia, a seguradora AIG recebeu mais de US$ 100 bilhões e a montadora Chrysler mais de US$ 50 bilhões, um verdadeiro capitalismo de Estado na pátria do Liberalismo econômico.
A crise de 2008 afetou fortemente a imagem do neoliberalismo no mundo, depois de um crescimento avassalador na economia internacional desde o Consenso de Washington, de 1988, as ideias neoliberais perderam força e foram fortemente criticadas pelos teóricos da esquerda, sendo vista como uma fórmula clara e eficiente para levar os países em desenvolvimento para o caos generalizado, com degradação da renda e do emprego e uma forte pitada de desindustrialização, marcas de uma concorrência descrita como desleal com empresas e setores industriais mais fortes e consolidados de países desenvolvidos e industrializados.
A crise levou as duas grandes empresas do setor imobiliário a sofrerem a intervenção do governo norte-americano, as gigantes Fannie Mae e Freddie Mac passaram a ser controladas pelo governo por tempo indeterminado, com substituição de seus principais executivos e com investimentos na casa dos US$ 200 bilhões para evitar que ambas entrassem em insolvência e gerassem um desajuste ainda maior na economia dos Estados Unidos da América, era o Estado socorrendo o setor imobiliário para evitar que os desvarios do setor privado destruíssem o capitalismo norte-americano.
A falência do Lehman Brothers, quarto maior banco de investimento dos Estados Unidos, uma instituição antiga, tradicional e consolidada, foi o estopim para a crise de confiança se espalhar como pólvora na sociedade global, se um banco com esta tradição e imagem foi a bancarrota, o que seria de outras instituições menores e com menor tradição? É importante destacar, que os bancos transformam estes empréstimos, ou melhor, estas hipotecas, em papeis e vendem-nas para outras instituições, fazendo com que as perdas se espalhem além da economia norte-americana, levando outros países a sentirem os efeitos desta crise do setor imobiliário de forma mais intensa, como a Espanha, a Itália, a Irlanda e a Grécia.
Alguns dos maiores bancos do mundo, como o Citigroup e o Merril Lynch, perderam mais de US$ 10 bilhões apenas no quarto semestre de 2007, como os Estados Unidos se caracterizam como sendo um dos maiores consumidores do mundo, toda crise que gera desequilíbrios na estrutura da renda, do emprego e do consumo no país, o impacto sobre a economia internacional é imediato, levando a uma retração na demanda agregada de produtos do resto do mundo.
Os efeitos da crise se espalharam para todas as regiões e países da economia internacional, o comércio global se reduziu e os fluxos financeiros também perderam força, a recessão se disseminou para inúmeros países e os obrigaram a adotar políticas fortemente intervencionistas, aumentando a liquidez na economia internacional e reduzindo os juros, com tantos recursos disponíveis, países como o Brasil, passaram a sentir um incremento na entrada de recursos na economia, muitos destes recursos se destinavam a usufruir de nossa alta taxa de juros quando comparada as do mercado internacional, esta atração valorizava o câmbio e contribuía para o controla da inflação mas, ao mesmo tempo, incrementava a desindustrialização do país, fenômeno este que vem acompanhando a economia brasileira desde o começo dos anos 90.
Países como a China perceberam nesta crise um momento de reflexão e reestruturação de seu modelo econômico, não seria mais possível se basear em um modelo fortemente centrado no setor externo, depois de muitas décadas exportando produtos chineses para a sociedade internacional, o país se vê na necessidade de alterá-lo, iniciando a construção de um novo paradigma, baseado no incremento do mercado interno como agente dinamizador do crescimento econômico, desta forma o crescimento seria mais estável e menos dependente dos humores da economia internacional.
O Brasil, inicialmente, sentiu pouco a crise de 2008, as medidas adotadas pelo governo foram certeiras, o crescimento voltou e a economia passou a criar empregos e aumentar a renda, politicamente os ganhos foram consistentes, garantindo a continuidade no poder do mesmo grupo político, é importante destacar ainda que, os crescentes gastos do governo e as políticas desastradas no âmbito fiscal, levaram o país a uma crise generalizada em 2015, com uma recessão bastante sólida que degradou muitas das conquistas sociais que o país se orgulha de ter conseguido acumular e obrigando o país a novos reajustes nas finanças públicas sob pena de levar o Estado brasileiro a uma situação de insolvência.
Com a crise surgiram, nos Estados Unidos, novas leis e instituições para coibir os excessos do sistema financeiro, bancos foram vendidos ou fundidos em um único grupo, empresas foram alienadas e grupos novos surgiram mais fortes e consistentes, aumentando a produtividade do capitalismo norte-americano, tornando o país mais atuante e competitivo no mercado internacional, mesmo assim, percebemos que estas mudanças institucionais foram insuficientes para garantir riscos menores e as possiblidades de uma nova crise estão vivas na mente de todos os gestores responsáveis da sociedade mundial.
Destacamos ainda, os impactos na democracia norte-americana, de um lado percebemos uma fragilização do sistema político, as empresas se utilizaram de seu poderio econômico e político para garantir recursos suficientes para evitar que entrassem em crise, em contrapartida, milhões de cidadãos foram a bancarrota e não receberam um único centavo para se reerguerem mostrando, com isso, como o sistema corporativo dos Estados Unidos são dotados de poder e possuem grupos sofisticados e lobbies poderosos quando querem extrair algo que os beneficie do governo, a chantagem e a pilhagem são instrumentos de políticas adotadas para garantir eternos benefícios para uma elite imediatista e influente nos rumos adotados pela classe política.
A crise jogou na degradação milhões de famílias norte-americanas, empregos foram destruídos e esperanças foram enterradas, a crise abriu espaços para novos grupos políticos, como o Tea Party, nascido dentro do Partido Republicano e com um perfil mais conservador e muitas vezes mais intolerantes com as diversidades existentes na sociedade, tudo isto contribuiu para a ascensão de Donald Trump nas eleições de 2016, num momento que beira a insanidade e a loucura, e faz com que a democracia esteja num momento de grande inquietação, incerteza e instabilidade, o mundo nos últimos anos ficou mais perigoso e mais intolerante.
Os dramas da crise financeira não terminaram depois de passados dez anos, após uma política de forte intervenção do Estado na economia, os governos dos países desenvolvidos buscam uma forma suave de reduzir as perdas acumuladas no período, as ações se valorizaram e os títulos públicos recuperaram seus rendimentos mas, mesmo assim, as perdas acumuladas foram consideráveis, o setor privado se recuperou e estimulou o crescimento da economia norte-americana mas um fantasma ronda as economias, uma nova crise pode gerar uma forte destruição da economia internacional com graves consequências para toda a humanidade, o epicentro desta nova crise ainda é bastante incerto mas todos os especialistas acreditam que as origens desta nova crise, sem dúvida, será a Ásia, com fortes chances de ser uma crise originária na China, o que poderá comprometer as bases da economia internacional e reviver o sonho marxista de superação do sistema capitalista mundial, quem viver verá.