Liberalismo e Conservadorismo no Brasil Contemporâneo

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Estamos vivendo um momento único de grande apreensão na sociedade brasileira, depois de cinco anos de crise econômica, incremento acelerado do desemprego, redução sistemática nos salários e na renda agregada, estamos retomando algum crescimento econômico, ainda muito lento e reduzido, mas a economia começa a dar sinais de retomada, gerando aplausos e comemorações de um lado e fortes preocupações do outro, com isso, estamos vivendo mais um dos inúmeros paradoxos da economia brasileira.

A agenda liberal parece estar sendo blindada pelos grandes grupos econômicos que defendem este governo, as medidas liberalizantes parecem ser o ideal a ser conquistado, privatizar empresas estatais, acelerar a abertura da economia, desregulamentar o sistema econômico, diminuir os custos do trabalho e facilitar os investimentos privados como forma de incrementar o empreendedorismo e a inovação. São medidas que estão sendo fortemente implementadas pelo governo federal, acreditando que, desta forma, a economia brasileira tende a encontrar o caminho para o crescimento econômico, para a redução das desigualdades sociais e para uma melhora no ambiente de negócio, atraindo recursos externos e dinamizando o desenvolvimento econômico do país.

São medidas ousadas, algumas delas nos parecem bastante necessárias e fundamentais para destravar a economia brasileira, que durante muitas décadas se viu envolta em discussões desnecessárias, onde o Estado ganhou um protagonismo exagerado, abrindo espaço para que grupos organizados parasitassem os escaninhos do poder em busca de subsídios excessivos, além de benefícios fiscais e orçamentários, contribuindo para a degradação dos serviços públicos e, ao mesmo tempo, mantendo elevados os serviços da dívida pública que os beneficiavam com retornos financeiros altos em detrimento da desestruturação do Estado Nacional. Uma reconfiguração deste Estado deve ser uma das prioridades da sociedade brasileira, como os governos ditos de esquerda não tiveram coragem de encarar esta missão, outros governos devem se candidatar a cumprir com estes objetivos, embora saibamos que neste momento as políticas a serem adotadas pelo governo devem beneficiar alguns grupos em detrimento de outros, os grandes empresários e o setor financeiro aparecem como ganhadores, enquanto os grupos mais vulneráveis da sociedade serão os grandes perdedores deste novo modelo, quem sobreviver poderá constatar, depois da euforia vamos nos encontrar com a realidade.

A agenda econômica está centrada na diminuição do papel do Estado, segundo integrantes do governo, devemos privatizar tudo, este seria o grande objetivo dos economistas liberais liderados pelo Ministro da Economia, Paulo Guedes, com isso, reduziríamos a dívida pública e teríamos recursos para investimentos sociais, recuperando a capacidade de investimento do Estado atualmente em situação de insolvência e penúria fiscal, habilitando o governo a uma atuação mais efetiva na regulação, embora discreta dos mercados, deixando para os grupos econômicos o comando dos setores produtivos, reduzindo os incentivos fiscais e financeiros para os grupos industriais, além da redução do papel do BNDES e da diversificação dos mercados externos, aumentando os acordos comerciais e, se necessário, saindo do Mercosul, visto com desdém pelas lideranças que comandam a economia do país, estas medidas devem ser vistas como uma grande revolução para a economia brasileira, com medidas extremas e necessárias e outras marcadas pelo fanatismo e pelo excesso de pendor ideológico. Depois de um governo mais afeito aos pensamentos da esquerda, da intervenção e do Estado grande, estamos em um momento onde estamos colocando um governo mais sensível ao pensamento da direita, menos intervencionista e mais centrado na iniciativa privada.

Diminuir o papel do Estado é uma medida essencial e deve ser adotada com urgência, transferindo a atuação direta da produção para a regulação e melhorando os serviços públicos, racionalizando o uso do dinheiro público, dando transparência a todos os recursos investidos e criando a cultura, inexistente no Brasil, de avaliar todos os serviços e atividades prestadas pelos entes governamentais, analisando se os recursos estão trazendo os benefícios desejados e esperados pela sociedade. Sem avaliações positivas estes serviços devem ser substituídos ou melhorados de forma a gerar os benefícios para a comunidade de uma forma geral, sem viés ideológico nos programas e enfoque na eficiência das políticas, para isso, cabe ao governo e a sociedade civil se transformarem em agentes ativos na avaliação e no controle das políticas públicas.

A forte aproximação com ideias liberais pode trazer transtornos futuros para o governo, como estamos vendo em sociedades que fizeram ajustes duros, privatizaram todas as empresas e transferiram os serviços para grupos e conglomerados privados, esta visão pode conter um forte equívoco cujos impactos podem ser bastante negativos, vide o caso do Chile, de exemplo de políticas liberais e melhoria nos ambientes de negócio, até uma posição de agitação social e movimentos de rua sem controle, cujas reclamações envolvem os graves desequilíbrios gerados pelas políticas para os setores populares. A adoção de políticas visando diminuir os custos de contratação devem ser encaradas como positivas, mas estas medidas não devem culminar em mais desequilíbrios na Previdência Social ou no fundo de garantia, muito menos devem ser bancadas com descontos sobre o seguro desemprego de trabalhadores desempregados. Estes recursos devem ser extraídos de impostos mais efetivos sobre heranças e aplicações financeiras e, principalmente, sobre as isenções fiscais e tributárias que são concedidas para os grandes grupos econômicos nacionais, que de um lado criticam o governo e sua ineficiência de forma veemente enquanto do outro se utiliza de seu poder econômico e de seu forte lobby político para extrair da sociedade isenções fiscais e ganhos tributários elevados.

Encontramos muitas falas desprezíveis, deselegantes e desnecessárias e que poderiam ser evitadas para que se crie o ambiente salutar para atrair os grandes investimentos nacionais e internacionais, para que o país consiga construir uma recuperação econômica mais sólida e consistente, fugindo dos voos rasteiros e alçando novos horizontes. Nestas falas encontramos pensamentos preconceituosos, gestos tresloucados, comentários maldosos e opiniões precipitadas que interditam o debate, constrangem os contendores e espalham ventos de intolerância, violência e agressividades.

Percebemos também uma crescente falta de tato de integrantes do governo com postagens agressivas nas redes sociais, pessoas estimulando ódios e ressentimentos, debates eivados de violência e de intolerância, além de ofensas pessoais e palavras de baixo calão. Nestes debates encontramos discussões que servem apenas para criar um ambiente de constantes confrontos, estimulando grupos organizados e exércitos de difamação que trabalham exaustivamente para que os debates sejam interrompidos e todos que pensam de forma contrária sejam acusados de esquerdistas e comunistas, vendo nestas pessoas figuras deletérias, corruptas e que não comungam com o bem do país e o progresso do povo brasileiro, devendo portanto, ser aniquilados e trucidadas pelos agentes do bem e da ordem.

Estamos vendo o crescimento de uma agenda conservadora ultrapassada, grupos religiosos intolerantes e defensores de ideias retrógradas estão ganhando espaço dentro do Estado Nacional. Estamos vivenciando no Brasil contemporâneo discursos agressivos e contrários aos homossexuais, às lésbicas e aos gays, fomentamos discursos intolerantes com os grupos indígenas e suas terras demarcadas, preconceitos com negros e intolerâncias generalizadas, estamos regredindo em termos civilizatórios, estamos retomando pensamentos arcaicos e nos deixando levar pela obscuridade crescente que alimentamos durante muitos anos. Neste momento tudo é possível e aceitável, até mesmo aprovar o excludente de ilicitude e estimular as mortes, desde que elas ocorram nas favelas e nas comunidades pobres e miseráveis, como estamos vendo todos os dias.

Estamos vivendo a introdução de uma agenda conservadora agressiva e intolerante marcada por pitadas de liberalismo econômico, neste casamento por conveniência um dos lados deve se conscientizar de que a convivência será impossível. Para muitos o liberalismo pressupõe democracia, pluralidade e discussões democráticas, enquanto o conservadorismo que estamos presenciando se caracteriza por forte componente ideológico, radical e intolerante. Saímos de um pensamento ideologizado de esquerda e estamos rumando para um pensamento ideologizado de direita, no Brasil, podemos dizer, com certeza, que a direita se assumiu enquanto tal e saiu do armário, intensificando o conflito e aumentando os desafios políticos no caos contemporâneo.

Os valores liberais tendem a divergir rapidamente dos valores conservadores, criando espaços de dissensos ou se adaptando para garantir seus ganhos políticos imediatos. Os liberais acreditam ser defensores da democracia, mas aceitam regimes de exceção, como no governo de Augusto Pinochet, no Chile, desde que estes adotem políticas racionais, entendendo racionais como as políticas que atuam para liberar os mercados dos braços fortes dos Estados, incrementar as privatizações, garantindo aos atores privados novos horizontes de investimentos, espaços para jogatinas e desregulamentação financeira, mesmo que estes gerem degradação social, aumento da desigualdade e da exclusão social, afinal se acreditam melhores, pois são frutos da meritocracia, como se existisse meritocracia em uma sociedade marcada por exclusão social e pobrezas crescentes.

As políticas liberais estão seduzindo a elite econômica brasileira, grupos de classe média alta acreditam piamente que as medidas adotadas pelo ministério da Economia tendem a garantir forte crescimento econômico. Quando estas medidas começarem a fazer efeito e o Estado perder toda a capacidade de atuação, quando as barreiras protecionistas forem abolidas e quando os resultados econômicos não vierem da forma como muitos acreditam, o entusiasmo com o governo tende a arrefecer e as críticas tendem a aumentar, com sérios riscos de o sistema entrar em colapso e os tão temidos movimentos sociais poderão se tornar uma realidade, como estamos vendo em vários países do mundo e, principalmente, em países da América Latina, como Chile, Colômbia, Peru e Bolívia.

As medidas que estão em estudo pelo governo federal tendem a diminuir fortemente a proteção aos grupos nacionais, além de reduzir muitos repasses de recursos para políticas sociais, contingenciando recursos para saúde e educação, com isso, os conglomerados privados tendem a ganhar novos espaços nestas áreas. Na educação, recentemente, o ministro propôs que as próprias instituições particulares passassem a se regular, diminuindo a atuação do Ministério e garantindo maiores espaços para os grupos privados, com isso, teríamos no médio prazo poucos agentes dominando todo o setor educacional, que para atuar demitiriam todos os professores com mestrado e doutorado e contratariam especialistas e profissionais sem experiência, diminuindo custos, aumentando a quantidade de diplomados e garantindo mão de obra barata e teoricamente qualificada para as empresas de entrega, tais como Uber, com isso teríamos a chamada uberização da economia, empregos precários, salários reduzidos e ausência de proteção social.

Muitos grupos estão atuando fortemente nas redes sociais e defendendo as políticas liberalizantes, como se estas fossem trazer os ganhos imaginados pela população brasileira, muitos foram para as urnas e votaram no novo, acreditaram no discurso da racionalidade e da segurança, embora todos desejamos a melhora do país e o tão sonhado crescimento econômico, estamos num momento onde a distância dos países desenvolvidos tende a aumentar rapidamente, nunca estivemos tão distante deste mundo tão sonhado, que sabe que todos compreendamos que, ao invés de sonhar, estamos mesmo em um pesadelo, e pior, este pesadelo parece estar apenas no seu início.

 

 

 

 

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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