Literatura Espírita e as memórias dos mundos espirituais

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Uma das obras mais interessantes da Doutrina dos Espíritos, escrita pela médium carioca Yvonne do Amaral Pereira Memórias de um suicida, nos traz inúmeros elementos para reflexão e compreensão da alma humana, um livro magistral que acredito deva estar em um lugar de destaque na literatura espírita, uma obra memorável, sem dúvida um dos dez melhores livros desta corrente que une filosofia, religião e ciência.

O livro nos mostra como os seres humanos que tiraram suas vidas passam por dificuldades das mais severas possíveis quando chegam ao mundo dos espíritos, mostra-nos em detalhes o sofrimento humano, as dores e os medos que acompanham estes irmãos desencarnados, suas trajetórias e comportamentos, suas dúvidas e remorsos, seus questionamentos e o reconhecimento de quanto se esquivaram dos conhecimentos íntimos e pessoais, embora a obra retrate a experiência de um grupo de cinco pessoas que fizeram da adversidade um elemento de união e de aproximação, unindo tramas e enxugando, uns dos outros, as lágrimas que teimavam em inundar suas faces assustadas e conscientes dos erros cometidos.

Na obra percebemos que nos unimos de acordo com nossos sentimentos e energias, quando pensamos, quando vibramos e quando falamos, atraímos as energias que dialogam com nossos pensamentos e vibrações, estas energias nos acompanham enquanto nossos pensamentos estiverem vinculados mais intimamente. Os personagens do livro se encontraram em momentos de adversidades e medos, todos assustados e buscando respostas para tudo que sentiam, as dores eram imensas, o cheiro era tenebroso e as vibrações eram agressivas e violentas, o ambiente era de grande apreensão, mas só poderiam sair deste local se conseguissem vencer seus medos e orassem, deixassem de lado o orgulho e a arrogância, pedindo auxílio e proteção, ao fazê-los seriam atendidos por grupos socorristas do mundo espiritual que atuavam nestas imediações.

A obra nos leva a conhecer o Instituto Maria de Nazaré, instituição criada e mantida pela mãe de Jesus Cristo, esta casa poderia ser descrita como um espaço de recolhimento e auxílio para todos os indivíduos que tivessem atentado contra suas próprias vidas, espíritos desesperados e pobres de sentimentos edificantes, espíritos doentes e necessitados de um intenso apoio e compreensão. A administração da casa era altamente capacitada tanto intelectualmente quanto moralmente, com espíritos dotados de grande sensibilidade e carisma, cujos conhecimentos eram de grande valia para os atendimentos a irmãos em situação degradante e vexatória.

O Memórias de um suicida nos mostra como somos observados pelos irmãos de planos superiores, num determinado momento do relato, um dos personagens da obra pergunta aos gestores do Instituto, por que deles terem ficado tanto tempo nos pântanos do mundo espiritual?  Na resposta o amigo espiritual destaca que estes irmãos sempre estiveram sendo observados pelos trabalhadores do Instituto, estes apenas não receberam permissão para socorrê-los já que para isso estes irmãos em desespero precisariam vencer suas vaidades pessoais e buscar o auxílio de Deus e dos amigos espirituais.

Um dos maiores dramas que acometem estes irmãos suicidas é o remorso, a atitude insana destes indivíduos causou graves constrangimentos para seus familiares e amigos mais próximos, todos são afetados por este gesto agressivo e violento cometido num instante de irracionalidade que vai impactar em suas trajetórias durante muitos anos, séculos ou milênios. As lembranças dos familiares, suas dificuldades materiais e seus desequilíbrios emocionais e espirituais causam graves dores aos irmãos suicidas, que constantemente se veem chorando com lembranças amargas e desagradáveis, o remorso os corrói intimamente, uma dor insana que aumenta o arrependimento e os vincula cada vez mais aos rumos daqueles que permaneceram encarnados no mundo material.

Na obra percebemos o quanto a junção do conhecimento com os valores morais e religiosos transformam os seres humanos, nas reflexões todos os internados percebem quanto perderam tempo com mediocridades e coisas secundárias, deixando de lado valores mais sólidos e consistentes. Os personagens do livro são todos descritos como homens inteligentes e dotados de amplos conhecimentos científicos, todos viveram em condições de grandes prazeres materiais, acumularam recursos financeiros e se deixaram levar pelo personalismo, pela vaidade e pelo orgulho, energias e sentimentos que nos acompanham e nos trazem constrangimentos dos mais severos e imediatos.

Embora inteligentes e conhecedores das mais variadas ciências do mundo, cada um retornou ao mundo espiritual vitimado por suas fraquezas mais intensas, um escritor reconhecido mundialmente sucumbiu à cegueira, um professor respeitado se suicidou em decorrência de uma moléstia física, um comerciante tirou sua vida depois de se ver na miséria e na falência material, outro personagem se deixou levar pelo ciúmes da esposa, matando-a e depois se suicidando, cada um vitimado por dores intensas que acometiam suas almas, orgulhos generalizados e uma ausência dos valores espirituais mais verdadeiros.

O livro nos mostra que todos os personagens tomaram a triste decisão de suicídio porque acreditavam que conseguiriam, com este ato, fugir de seus dramas pessoais, o medo e o orgulho superaram todos as outras dificuldades e os levaram a acreditar que a morte era o verdadeiro fim. Quando acordaram em regiões tenebrosas (umbral) e perceberam que a morte não existe e os dramas que viviam eram verdadeiros e intensos, se desesperaram e viram seus desequilíbrios e suas dificuldades aumentarem de forma exponencial.

Os seres humanos muitas vezes se entregam aos conhecimentos, estudam e aprendem sobre várias ciências, absorvem conhecimentos científicos e tecnológicos de suma importância e passam a acreditar que, com estes conhecimentos, estão em condições melhores e superiores aos outros indivíduos, constroem intimamente ideias e teorias de que estes conhecimentos os tornam melhores e mais importantes, são irmãos doentes que se esquecem que os conhecimentos sem os valores morais os indivíduos regridem e perdem oportunidades sublimes para seu crescimento e desenvolvimento espiritual.

Os personagens retratados na obra são indivíduos inteligentes e dotados de grandes conhecimentos científicos, são intelectuais que não deixaram o conhecimento os transformarem enquanto seres humanos, se deixaram levar pela arrogância e pelo orgulho e se esqueceram dos verdadeiros valores que nos foram trazidos pelo mestre de Nazaré. Camilo Cândido Botelho e Belarmino de Queiroz eram os mais capacitados intelectualmente, o primeiro um dos mais importantes escritores lusitanos de todos os tempos enquanto o outro era um renomado professor de Ética, de Dialética e de Matemática, ambos geniais nos conhecimentos materiais, mas verdadeiros leigos e ignorantes quando o assunto era o espírito, a imortalidade da alma e a inexistência da morte.

Nos momentos que passaram no Instituto Maria de Nazaré, assistiram palestras, fizeram visitas a enfermos, participaram de missões e tiveram a oportunidade de aprender lições das mais valiosas, conseguindo visualizar seus equívocos, conheceram os conhecimentos da terceira revelação, assistiram suas vidas anteriores e seus mais severos desatinos e puderam escolher os momentos para seus retornos ao mundo material, tendo a consciência de que seus gestos tresloucados os fariam passar por privações física ou emocional que contribuiriam para seus resgates e crescimento moral. Em todos estes momentos de lembranças, as emoções os dominavam de forma acelerada, as imagens pregressas eram agressivas, os medos vinham à tona e geravam grandes desatinos, todos passaram a conhecer suas desditas e percebiam, com isso, que a única forma de se libertar dos desajustes cometidos em vidas anteriores eram o retorno ao mundo material, a reencarnação era o remédio indicado para todos os irmãos, mas a forma como reencarnariam assustava a todos indistintamente.

A literatura espírita nos mostra que a vida verdadeira se dá no mundo espiritual, quando a ele retornamos somos energeticamente atraídos pelas energias que mais se sintonizam com nossos valores, comportamentos e sentimentos, se nos utilizamos mal dos recursos que nos foram dados pela espiritualidade maior somos atraídos a locais semelhantes e permaneceremos ali o tempo necessário para que consigamos vencer nossas dificuldades e limitações, agora se nos comportamos melhor e acordarmos em locais de assistência e tratamento espirituais, devemos nos recuperar e iniciar tratativas para novos trabalhos, estudos e reflexões, conversas edificantes com mentores espirituais, aprendizados com experiências pregressas de outros irmãos espirituais, sempre buscando a evolução, sempre aprendendo, sempre nos aperfeiçoando e estudando as leis que regem a sociedade e a vida, tudo isto contribui para nosso progresso espiritual.

Muitos irmãos acreditam que quando morrerem vão poder descansar ou que ao morrer passam desta para uma melhor, afirmam isto com uma naturalidade e muitas vezes não refletem para perceber o significado de suas palavras e expressões. A vida no mundo espiritual pulsa com grande impulso, somos trabalhadores e devemos trabalhar intensamente enquanto Deus nos conceder a oportunidade do labor, este sim nos auxilia e nos leva a auxiliar todos os indivíduos que sofrem e mourejam em lágrimas de tristezas e dores alucinantes, são irmãos que necessitam deste abraço amigo, do consolo desinteressado e de valores morais sólidos e estruturados, o trabalho é fonte de progresso e de maturidade espiritual.

O Instituto Maria de Nazaré nos mostra como a organização é fundamental, como o respeito e o trabalho digno nos sinaliza os passos do progresso, encontramos neste instituto trabalhadores devotados nas mais variadas áreas e setores, desde os responsáveis pela vigilância, os lanceiros, os enfermeiros, os médicos, os assistentes, os diretores, dentre outros, todos seguindo as regras e os ensinamentos da grande educadora Maria de Nazaré. Da leitura de Memórias de um suicida, percebemos o quanto a ciência terrena ainda se encontra distante da ciência do mundo espiritual, carros velozes e máquinas sofisticadas são apresentadas e nos mostram o poder do conhecimento sendo utilizado para o bem comum e para o progresso de todos, desde os mais sábios até os mais ignorantes.

A obra quando de seu lançamento foi considerada muito agressiva pelos leitores, assim como o livro Nosso Lar, de Francisco Cândido Xavier, ditado pelo espírito de André Luiz, ambos abordavam o mundo espiritual e analisavam de forma direta ou indireta os sofrimentos e as dores de cada um dos irmãos que se deixaram levar pelo suicídio, direto ou indireto, um gesto tresloucado e agressivo que o indivíduo comete contra as Leis de Deus, estas são obras essenciais e de grande relevância que nos auxiliam na compreensão das dores que acometem os seres humanos.

A literatura espírita é muito rica em obras que analisam o mundo espiritual, a imortalidade da alma, a reencarnação, as dores e os sentimentos, as energias e as vibrações, a leitura destas obras nos auxilia e nos prepara para a compreensão das Leis de Deus, estes livros são estudados tanto no mundo material quanto no espiritual, são conhecimentos que nos aproximam dos valores universais mais edificantes, num momento de grandes inquietações, transformações radicais e medos generalizados nada melhor que nos prepararmos para o um futuro mais promissor e verdadeiro, seguindo a máxima estude Kardec para entender Jesus.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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