O governo petista irá transferir dinheiro público para ricos ou pobres?
Rodrigo Zeidan, Professor da New York University Shanghai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.
Folha de São Paulo. 10/12/2022
Em um sinal de retomada da sanidade política, Lula anunciou que vai governar para todos os brasileiros, não somente os que votaram nele. Mas a pergunta que mais importa é: com pouca margem de manobra, quais vão ser suas prioridades de gastos públicos?
Sabemos que o PT acredita na tese de um Estado grande na economia. Se isso é certo ou errado, pouco importa, pois seu governo vai tentar colocar isso em prática. A questão é: o governo petista irá transferir dinheiro público para ricos ou pobres? Por mais que a plataforma do partido seja de justiça social, o histórico dos governos petistas é o de colocar montanhas de dinheiro da sociedade nos bolsos dos acionistas de empresas de médio e grande porte.
Nunca vou me esquecer do brilho dos olhos de um empresário de transportes do Amazonas que ia usar recursos próprios para atualizar a frota quando o governo Dilma renovou o PSI (Programa de Sustentação do Investimento), com juros de 2,5% para empresas da região.
O empresário pegou todo o dinheiro que pôde, fez a atualização da frota com dinheiro do BNDES e aplicou o caixa da empresa em títulos públicos, que pagavam juros de quase 10% ao ano. Ou seja, o dinheiro público não sustentou nenhum investimento, que ia ser feito de qualquer maneira, e foi direto para o bolso dos acionistas (cujo lucro ainda aumentou pelo benefício tributário de reduzir o lucro tributário pelo montante de juros pagos).
Quando o governo petista coloca o dinheiro direto nas mãos dos mais pobres, acerta. O Bolsa Família foi, e deve voltar a ser, o melhor programa social da história brasileira. O Prouni, criado em 2004, permitiu a muitos brasileiros cursar ensino superior, sem gerar gigantescos ônus ao erário e sem gerar distorções no mercado educacional.
Há muito espaço para gastar dinheiro realmente ajudando quem mais precisa e tirando o Brasil da crise.
Restrições fiscais são “profecias autorrealizáveis”: o governo anuncia relaxamento de regras fiscais para criar gastos públicos absurdos, o prêmio de risco do país sobe e torna ainda mais inúteis esses gastos, prejudicando programas futuros.
O que não dá para fazer é entrar na megalomania de programas pessimamente desenhados, como o Fies e o Ciência sem Fronteiras; ideias boas que, por serem mal executadas, custaram centenas de bilhões aos brasileiros; e, dessa vez, quem se deu melhor foram os acionistas de universidades brasileiras e estrangeiras, que recebiam mensalidade cheia, não importando se os alunos completariam seus estudos ou não. Também não me esqueço de um reitor de universidade privada que comprou um iate novo que queria batizar de Fies.
Há questões mal resolvidas na criação de gastos permanentes com as dezenas de universidades federais criadas pelos governos Lula e Dilma, mas mil vezes novas instituições de ensino superior que a redução de IPI de carros e outros subsídios que torraram dinheiro público sem nenhum efeito de longo prazo. Se o governo petista se comportar como se estivéssemos na década de 1970, quando se acreditava que bastava sair dando subsídios que a indústria magicamente se tornaria competitiva, estaremos perdidos.
Não precisamos de um governo Robin Hood às avessas: tirando dos pobres para dar aos ricos. Teremos algo próximo de Lula 1, que foi uma excelente gestão, ou algo perto dos outros governos, que nos levaram a uma das piores crises da nossa história? Saberemos no ano que vem.