MEC precisa liderar a discussão sobre o novo ensino médio, por Alexandre Schneider

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Está na hora de entrar em campo, trazendo todos os interessados à mesa e sem deixar de reservar uma cadeira na cabeceira para os estudantes

Alexandre Schneider, Pesquisador da FGV/DGPE, pesquisador do Transformative Learning Technologies Lab da Universidade Columbia, em Nova York, pesquisador do Centro de Economia e Política do Setor Público da FGV/SP e ex-secretário municipal de Educação de São Paulo

Folha de São Paulo, 05/04/2023

A suspensão da implantação do novo ensino médio pelo MEC (Ministério da Educação) até que seja realizada uma consulta pública sobre a reforma é uma boa medida, embora tardia. A mudança do ensino médio enfrenta entraves técnicos e políticos.

Do ponto de vista político, embora a necessidade de reformar essa etapa viesse sendo discutida no âmbito do MEC desde o segundo mandato do presidente Lula, a alteração foi aprovada de forma inusual e açodada, por uma medida provisória, mesmo havendo um projeto de lei em tramitação no Congresso. Os referenciais para a elaboração dos itinerários formativos foram publicados três dias antes do fim do governo Temer. Depois tivemos por quatro anos um governo ausente e inepto no que se refere à educação pública.

Sem uma discussão mais ampla com o campo educacional, em um governo considerado ilegítimo pelo campo de esquerda —em especial pelo PT, o partido do atual presidente da República—, a medida rapidamente se transformou em uma “bandeira de luta” desse campo e de um segmento grande de profissionais da educação e de entidades estudantis que orbitam em torno dele. A chegada do PT ao poder trouxe de volta o assunto à mesa. Os “perdedores de ontem se transformaram nos vencedores de hoje” (me desculpe, Bob Dylan) e cobram coerência do governo que ajudaram a eleger.

A questão não é só política. Há problemas de desenho e implementação, que podem ampliar as já abissais
desigualdades educacionais existentes. Como esta Folha por diversas vezes já alertou, em redes como a estadual de São Paulo o novo modelo convive com falta de professores, docentes complementando jornadas de trabalho com disciplinas para as quais não foram formados, ampliação do ensino a distância e restrição de itinerários formativos, desrespeitando o direito de escolha dos estudantes, este último o principal mote da reforma do ensino médio.

Além de medidas extravagantes e inaceitáveis, como professores de português dando aulas de matérias optativas de física e alunos que se inscrevem em optativas de matemática obrigados a cursar os itinerários de humanas, há um problema de desenho. Como há uma definição muito genérica do que pode ser oferecido aos alunos, o aprofundamento em uma área de escolha do estudante pode ser ilusório.

O novo ensino médio pressupõe que se organize em 3.000 horas ao longo de três anos. Até 1.800 horas devem compor a chamada Formação Geral Básica (FGB), com as matérias tradicionais, e 1.200 horas devem compor os chamados itinerários formativos. Os alunos podem escolher entre itinerários propedêuticos, que deveriam servir ao aprofundamento nas áreas de interesse do estudante que pretende cursar o ensino superior, e os de formação técnica.

Assim, um estudante que pretende estudar engenharia tem menos horas de matemática na FGB e deveria aprofundar seus estudos na área cursando itinerários formativos correspondentes. Quando a escola lhe nega o itinerário em matemática, está violando dois de seus direitos: o de escolher seu percurso acadêmico e o de se preparar para o curso universitário de seu interesse. Aqui uma revisão da classificação das áreas de conhecimento adotadas, a melhor organização dos itinerários formativos em um desenho que vise o efetivo aprofundamento, seguindo a experiência internacional, seriam bons caminhos.

A despeito do que foi sugerido no relatório de transição, o MEC parece ter imaginado que a implantação do novo ensino médio era uma questão superada, e nesse momento vem adotando —ou sendo levado a adotar— medidas que poderiam ter sido tomadas na primeira semana de governo.

Políticas públicas bem-sucedidas precisam de um bom desenho, que leve em conta em especial quem as irá implantá-las, neste caso as redes públicas nos estados, escolas privadas e, sobretudo os profissionais da educação. Mas só se materializam com a boa política, composta pela escuta ativa, poder de convencimento, construção de consensos. O MEC tem uma excelente equipe técnica. Está na hora de entrar em campo e liderar a discussão, trazendo todos os interessados à mesa, sem deixar de reservar uma cadeira na cabeceira para os estudantes.

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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