Mirian Goldenberg: ‘liberdade é a melhor rima para a felicidade’

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Revista Vida & Arte – Jéssica Reis – 10/10/2020

Você já ouviu falar em curva da felicidade? Sim, ela existe e foi descoberta por meio de pesquisas realizadas por economistas em 80 países com mais de 2 milhões de pessoas. Eles descobriram um padrão constante, em que as pessoas mais jovens e as mais velhas são as mais felizes e as que se sentem menos felizes são as que estão entre 40 e 50 anos.

Pesquisadora desde 1988 sobre amor, sexo e traição, a antropóloga Mirian Goldenberg encontrou também uma curva da felicidade nas mulheres brasileiras. Segundo Mirian, as mulheres que têm entre 40 e 50 anos são as que se sentem mais infelizes, insatisfeitas, frustradas, deprimidas e exaustas. Elas reclamam, principalmente, de falta de tempo, falta de reconhecimento e de falta de liberdade.

Colunista da Folha de São Paulo, autora dos livros “A bela velhice”, “Coroas”, “Corpo, envelhecimento e felicidade”, “Velho é lindo!”, “Por que os homens preferem as mulheres mais velhas?”, entre outros, Mirian Goldenberg conversou com a revista Vida&Arte sobre as transformações que percebeu nos relacionamentos desde o início de suas pesquisas, como estão as relações afetivas atualmente e, claro, sobre a busca das mulheres por liberdade e felicidade.

V&A – Em um dos seus artigos publicado na Folha de São Paulo, você menciona que faz pesquisas desde 1988 sobre amor, sexo e traição. Quais as mudanças, transformações mais marcantes que percebeu nos relacionamentos desde o início de suas pesquisas?

Mirian Goldenberg – O que eu percebo de mais importante e mais visível é que para uma geração que hoje está com 70, 80 anos, que viveu a revolução sexual no século passado, nos anos 1960, nos anos 1970 é que a liberdade sexual era uma questão prioritária, principalmente, para as mulheres. Foi um momento de extrema libertação sexual. Libertação porque surgiu a pílula, o divórcio, as pessoas podiam transar antes do casamento, coisa que não se fazia até então, a psicanálise aconteceu, houve toda uma revolução cultural baseada na ideia de liberdade e o sexo era o lugar onde as pessoas exerciam essa liberdade, ou essa libertação. O que eu percebo é que hoje mudou o significado, por uma série de questões, já nos anos noventa, com a AIDS, o sexo já passou a ser algo que gerava medo, que as pessoas deveriam se proteger e com advento da internet, algo que era vivido na vida real, passou a ser vivido no mundo virtual.

V&A – Como você avalia as relações afetivas no momento atual?

Mirian Goldenberg – Eu acho que a principal característica do momento atual é a diversidade, é a possibilidade de você não seguir os modelos pré-estabelecidos, a possibilidade de você ter uma escolha maior e até inventar o tipo de relacionamento que você quer viver. É verdade que ainda existe muita pressão, muita padronização, muita cobrança social dentro de um modelo mais convencional de família, de ter filhos, de um relacionamento dentro da mesma casa, mas, ao mesmo tempo, apesar dessa cobrança, a maioria das pessoas que eu pesquiso não consegue, e nem quer, seguir esse padrão mais tradicional. Então, hoje há um aumento não só das separações, mas das pessoas que não querem casar, que não querem ter filho, que não querem morar junto, você vê uma diversidade muito maior de experiências amorosas e sexuais. Eu acho que a marca dessa geração é não querer seguir um padrão que produz infelicidade, então as pessoas estão procurando criar o seu próprio relacionamento e mesmo existindo muito preconceito, elas têm muito mais coragem de inventar a sua forma de amar.

V&A – O mundo virtual provocou mudanças nos relacionamentos?

Mirian Goldenberg – Nunca digo que o mundo virtual cria ou provoca grandes mudanças, ele reflete as mudanças e reflete os desejos, não cria nada. É óbvio que você pode chegar a conclusão de que hoje está mais fácil trair o seu parceiro, porque basta deixar o seu parceiro dormindo e ir para o computador que vai encontrar um mundo disponível de pessoas com quem você pode trair ou com quem você pode se relacionar. O mundo virtual facilitou o exercício de desejos e de comportamentos que sempre existiram, mas que eram muito mais complicados. Eu estudo esse tema há trinta anos, tenho um livro que se chama ‘A outra”, na época que eu estudei esse tema, que foi em 1988, uma pessoa que tinha amante, ligava do orelhão e precisava que a amante estivesse em casa, era muito mais complicado. Trair hoje com o celular, com a internet, com o What’s App, é mais fácil, mas não significa que você vai trair. É importante distinguir o fato de ser mais fácil, do fato de que provoca uma traição, não provoca uma traição. Se a pessoa não quer trair ela pode ter toda tecnologia disponível que não vai trair. No entanto, é óbvio que ficou muito mais fácil tudo, encontrar um amor, encontrar um parceiro sexual, encontrar alguém com quem você pode ter um relacionamento extraconjugal é muito mais fácil com o mundo virtual tão presente nas nossas vidas.

V&A – O que esperar dos relacionamentos nos próximos anos, teremos mais mudanças?

Mirian Goldenberg – A grande revolução dos relacionamentos ficou mais evidente nos anos 1970 com as separações, com o sexo mais livre, com a pílula, com a possibilidade de não ter filhos, com a liberdade maior da mulher, com a psicanálise e isso vai cada vez mais ficar evidente. A grande mudança que a gente está vendo e que vai ver nos próximos anos é que aquilo que já era um comportamento de muitos homens e mulheres, mas não era legítimo socialmente, não era aceitável, vai ser mais legítimo, aí eu dou exemplo de não querer casar, não querer ter filhos, não querer morar junto. Isso já acontece, só que ainda não é tão legítimo socialmente, não é tão aceitável como vai ser, as pessoas vão ter mais escolhas, vão poder decidir o que elas realmente querem em suas vidas amorosas e sexuais. Eu acho que a grande mudança é essa.

V&A – As mulheres buscam mais liberdade ou felicidade, ou a liberdade e a felicidade se complementam?

Mirian Goldenberg – Quando eu faço essa pergunta: ‘o que você mais inveja em um homem’, as mulheres respondem categoricamente ‘liberdade’. Não só a liberdade sexual, mas liberdade no mundo do trabalho, de poder envelhecer, com corpo, liberdade de movimento, liberdade de fazer xixi em pé, liberdade em todos os sentidos. Então, para as mulheres, o maior desejo é liberdade, independência também, e isso elas conquistam, pelo menos na minha pesquisa, mais tardiamente. Quando elas têm mais de cinquenta, mais de sessenta, elas se sentem muito mais livres e também mais felizes. Elas querem liberdade e felicidade, mas para terem felicidade elas precisam conquistar a liberdade e a independência. Nem todas conseguem. Em geral, a gente consegue ter mais liberdade, não só a liberdade financeira, mas liberdade psicológica, autonomia, com a maturidade.

V&A – Falando em liberdade e felicidade, como está o sexo entre as pessoas. Existe mais liberdade hoje?

Mirian Goldenberg – É óbvio que existe muito mais liberdade hoje em todos os sentidos, inclusive sexual, a liberdade é um valor muito grande e nós conquistamos muito mais liberdade, principalmente as mulheres, mas ainda falta muito, porque se não faltasse as mulheres não invejariam, como invejam na minha pesquisa, a liberdade. Existe mais liberdade hoje? Sim, mas ainda existe muito preconceito, muito tabu, muitas cobranças sociais em várias áreas da vida e, particularmente, no sexo. O sexo, apesar de ser mais livre hoje, ainda é um tabu. As pessoas falam muito sobre sexo, mas na vida real, o sexo não é tão satisfatório e eu tenho escrito muito sobre isso, acabei de publicar um livro chamado ‘Liberdade, Felicidade e Foda-se’ e acabei de mandar também um livro para minha editora sobre ‘Amor, Sexo e Traição’. Se fosse algo mais livre, não precisaríamos falar tanto sobre sexo e nem escrever tanto sobre sexo.

V&A – No mesmo artigo, publicado na Folha de São Paulo no dia 27 de agosto, você fala sobre a importância do sexo em diferentes idades, de diferentes perspectivas. Qual a importância do sexo em cada fase da vida?

Mirian Goldenberg – Eu não acho que o sexo é importante em cada fase da vida, ele é importante de forma diferente para as pessoas. Tem pessoas que colocam muito a sua felicidade na satisfação sexual e tem outras que não acham isso tão importante. O que eu mostro no meu artigo é que os jovens têm uma valorização maior do sexo e depois os casais valorizam o sexo também, mas eles valorizam muito mais o companheirismo, a compreensão, a amizade, principalmente, nesse momento que nós estamos vivendo. Os mais velhos, não posso generalizar, mas grande parte das pessoas mais velhas que eu pesquiso não acham que o sexo é tão importante assim, principalmente as mulheres. Então, o que eu posso dizer é que não há uma receita e não tem nada a ver com a idade, tem muito mais a ver com escolhas, com os projetos, com os valores e com que você realmente acha importante para ser feliz. E para grande parte das pessoas que eu pesquiso, principalmente as mais velhas, o sexo é apenas um dos ingredientes da felicidade, não é o mais importante.

V&A – No seu livro ‘Liberdade, Felicidade e Foda-se’, você fala sobre essa relação entre felicidade e liberdade, especialmente entre pessoas mais velhas. Em suas pesquisas você constatou que as pessoas se sentem mais felizes e mais livres na terceira idade?

Mirian Goldenberg – O que eu descobri na minha pesquisa que está no livro ‘Liberdade, Felicidade e Foda-se’ e também no meu TED que viralizou, é que quanto mais jovem você é, mais você se compara com os outros, mais você foca no que te falta, mais você inveja o que os outros têm. E quanto mais velho você é, o tempo passa a ser prioritário, você passa a simplificar sua vida e focar não no que lhe falta, mas no que você tem. E aí você percebe que não é tanto assim o que você precisa para realmente ser feliz. Eu acho que a virada que acontece em geral quando você é mais maduro, é uma grande mudança de foco, você para de se comparar, para de ficar enxergando só o que você não tem, sofrendo com isso e passa a valorizar aquilo que você escolheu. Os seus projetos de vida, os seus amigos, aquilo que realmente é essencial para sua felicidade.

V&A – Falamos tanto em curva na pandemia, mas também existe a curva da felicidade? O que seria a curva da felicidade?

Mirian Goldenberg – Então, como eu falo no meu livro ‘Liberdade, Felicidade e Foda-se”, assim como no meu TED, a curva da felicidade é uma curva que eu encontrei nas minhas pesquisas, mas que outros pesquisadores também encontraram, que mostra que você é mais feliz quando nasce e vai perdendo essa felicidade em função das obrigações, das comparações, do que lhe falta, do sofrimento por não seguir um padrão e depois dos cinquenta anos, em geral, essa curva volta a subir porque você passa a priorizar o que é realmente importante para você e não fica se comparando com o que os outros têm, com os padrões sociais. E o que passa a ser mais importante são as relações que você cria do que as posses, o consumo, o dinheiro, o status, o prestígio e poder. Então, essa curva mostra muito bem como que as pessoas ganham felicidade e liberdade quando elas têm mais idade, que é o oposto do que o senso comum imagina. É por isso que no Brasil, as pessoas têm tanto pânico de envelhecer, elas acham que perdem, mas na verdade nós ganhamos muito mais do que perdemos com a idade.

V&A – Como é essa curva com as mulheres brasileiras, o que você constatou em suas pesquisas? Do que as mulheres mais se queixam?

Mirian Goldenberg – As brasileiras que eu pesquisei se queixam muito de falta de tempo, falta de reconhecimento, falta de liberdade, elas sofrem muito com o envelhecimento e elas sentem que passam a não existir mais quando envelhecem. Elas falam que se tornam invisíveis. No entanto, quando elas realmente envelhecem, depois dos 50, 60, 70, 80, elas dizem categoricamente, ‘esse é o melhor momento da minha vida, nunca fui tão livre, nunca fui tão feliz, é a primeira vez que eu posso ser eu mesma’. Por isso, que elas me dizem que ‘liberdade é a melhor rima para a felicidade’ e elas só adquirem isso com a maturidade. E o que eu acho muito importante frisar é como a amizade tem um papel fundamental em todas as fases da vida, mas principalmente quando nós envelhecemos, que são os amigos e as amigas que cuidam, que apoiam, que estão presentes, é o que elas chamam de família escolhida. Até elas falam mais dessa família do que da família biológica. É importante a gente frisar que o que eu tenho feito nos meus estudos, o contexto geral do envelhecimento é não só apontar as perdas, os problemas, as doenças, mas ver também o que é possível ganhar, conquistar quando a gente tem mais idade.

V&A – Tem algum projeto em andamento para este ano ou para o próximo?

Mirian Goldenberg – Eu continuo fazendo as minhas pesquisas. Eu tenho uma pesquisa com cinco mil homens e mulheres, sobre envelhecimento, felicidade, amor, sexo, traição. Eu tenho dois livros que já estão nas editoras e em função dessa situação não saíram, um se chama “Invenção de Uma Bela Velhice” e outro “Amor, Sexo e Traição”. Então, eu continuo escrevendo muito, pesquisando muito e, principalmente, tentando encontrar caminhos para todos nós brasileiros, mesmo dentro dessa situação trágica, possamos encontrarmos nossos projetos de vida e sermos um pouco, pelo menos, mais felizes. Eu acho que todo meu movimento desde março é tentar encontrar saídas possíveis para enfrentar esse sofrimento. E é isso que eu tenho feito, principalmente, escrevendo muito.

 

Ary Ramos
Ary Ramos
Doutor em Sociologia (Unesp)

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