Economista da FGV, Paulo Gala tem se tornado enormemente popular na internet em grupos que se sentem incomodados ou que de alguma forma contestam a hegemonia liberal no campo econômico. Proponente de uma corrente de cunho keynesiana e estruturalista, Gala é um dos economistas que vêm se destacando entre os chamados novos desenvolvimentistas. Gala concedeu-nos uma breve entrevista, onde responde a algumas perguntas feitas pela equipe do Reação.
Professor, além de economista e de professor, o senhor é autor de alguns livros. Qual deles lhe deu mais prazer escrever?
Acho que o livro que a gente mais gosta é em geral o último que a gente escreveu (risos), até porque é o livro que temos as informações e teorias mais frescas na cabeça. Eu gosto muito do mais recente, porque nele eu consegui sintetizar e unificar tudo o que eu aprendi no meu doutorado nele. Utilizei este ferramental mais recente de redes, de big data e complexidade fazendo paralelos, ao meu ver, muito bons entre Ásia e América Latina.
Alguns economistas ortodoxos questionam sua linha de trabalho, de viés setorial, apresentando exemplos em contrário, como ocaso do México e Bangladesh que tem uma enorme participação de manufaturados nas exportações e, entretanto, não são desenvolvidos. Como você responderia a eles?
De fato, nem sempre existe correlação entre o que é exportado nominalmente e o que de fato existe no tecido produtivo. Mas isso não fragiliza a minha tese, ao contrário, quando um país exporta tudo o que ele importa, ele torna-se uma maquila plena. Ou seja, existe uma distinção entre importar insumos e agregar valor com a adição de novas tecnologias a um produto exportável e a condição de maquila, como é o caso do México. O México hoje exporta 30 milhões de televisores para os Estados Unidos, mas quando se faz um olhar mais atento, eles apenas embalam, fazem a caixa de papelão e confeccionam os manuais de instrução. A TV chega pronta da Ásia e vai para os Estados Unidos sem qualquer agregado técnico novo. O caso de Bangladesh é exatamente a mesma situação.
Entretanto, a condição inicial de maquila pode ser útil para que o país possa começar a aprender a ele próprio agregar valor e produzir de fato. E existem controles para identificar e distinguir casos de produtividade real e de maquila. Usa-se uma série de varáveis auxiliares para distinguir casos genuínos de complexidade de casos de complexidade aparente.
Os ortodoxos apontam que as instituições são mais importantes que o desenvolvimento setorial, e que, portanto, a abordagem estruturalista seria falha. O que responderia?
Trabalhei muito com instituições no mestrado, inclusive usando a obra do Douglass North. Instituições e sistema produtivo se retroalimentam, de forma que um ajuda o outro e vice-versa. Contudo, a causa eficiente e primeira, historicamente falando, foi a estrutura produtiva, que ao fornecer mudanças técnicas de grande impacto produtivo força as instituições a se modernizarem e a se adequarem, o que de fato ajuda em contrapartida o sistema produtivo a se tornar mais eficiente ainda. Um caso notável é a própria revolução industrial inglesa, que foi mais fruto do mercantilismo dos britânicos, e da expansão das manufaturas britânicas pelo mundo, do que de uma revolução institucional. Veneza e a Holanda foram casos análogos, no qual as instituições respondem a uma mudança profunda na estrutura produtiva.
Dado que nossa entrevista se deu a princípio, ao redor de algumas respostas a ortodoxia, qual sua opinião sobre o que se entende por ortodoxia em economia?
Eu sou pragmático, pois acho que a ortodoxia econômica tem aspectos interessantes, é muito importante, e, inclusive, minha graduação e mestrado foram todos sobre autores ortodoxos. Entretanto, a ortodoxia eu vejo apenas como um primeiro passo para se aprender sobre o desenvolvimento, e como eu gosto de empregar conhecimentos de outros campos do saber e de outras ciências sociais na minha maneira de ver o mundo, e não apenas fixar-se em modelos, acabei virando um “heterodoxo”. Inclusive sobre os papéis do Estado e do mercado, eu acredito que nós temos que ser pragmáticos. Não existe desenvolvimento sem mercado, e não existe desenvolvimento sem Estado. Os casos de sucesso são exemplos de relações simbióticas entre Estado e mercado, onde o mercado e o Estado se ajudam mutuamente.
Hoje o Estado se tornou um fator de despoupança na economia brasileira. Diversos economistas heterodoxos argumentam que o país não retomará os investimentos sem o auxílio de uma poupança pública, e por isso defendem alterações no arranjo macroeconômico. Qual o caminho para o desenvolvimento dessa poupança na sua perspectiva?
Para mim, o arranjo macroeconômico ideal sempre foi política fiscal contracionista, política cambial competitiva e uma política monetária que mantenha a inflação na meta de inflação. Se tudo for feito de maneira correta, o câmbio aumenta a lucratividade das empresas, e serão esses lucros que irão financiar o crescimento econômico. Os casos da China e da Coréia foram ilustrativos de que o crescimento veio do lucro das empresas e não da poupança das famílias. Num país pobre, a propensão a consumir é alta e as pessoas não têm como poupar, então uma política que dependa exclusivamente disso fica limitada. Por isso é necessário um sistema de crédito de longo prazo favorável. A parte pública, quanto mais superavitária for, melhor. Sobretudo os superávits servem para financiar toda a infraestrutura necessária ao setor produtivo. Temos os exemplos dos Estados Unidos do século XIX e a Coréia do Sul e a China mais recentemente como bons exemplos de que investimentos grandes em infraestrutura têm um papel chave nisto.
Entrevista teve perguntas formuladas por Arthur Rizzi, Raphael Mirko e Ricardo Carvalho.